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Identidades Docente - Galindo
Identidades Docente - Galindo
A Construção da Identidade
Profissional Docente
The construction of the teacher’s professional identity
Resumo:O artigo discute teoricamente sobre o conceito de identidade e propõe elementos para a pesquisa
sobre identidade profissional, considerada como inserida no jogo do reconhecimento constituído por dois
pólos, o do auto-reconhecimento e o do alter-reconhecimento. Participaram do estudo, docentes do
ensino fundamental de Recife. Os dados constam de entrevistas individuais com os docentes e material
jornalístico. Sugere-se que os docentes vivenciam momento de conflito na identidade profissional, não
comprometendo suas relações pessoais com o trabalho, mas dificultando uma vivência da identidade
coletiva.
Palavras-Chave: Identidade profissional, identidade docente, ensino fundamental.
Abstract: The article presents a theoretical discussion on the concept of identity and proposes elements for
a survey on professional identity, considered as inserted in the recognition game, constituted of two poles,
that of self-knowlegde and that of alter-recognition. Teachers of elementary schools in Recife participated
in the study. The data are gathered based on interviews carried out individually among the teachers and on
journalistic material. It is suggested that the teachers experience moments of professional identity conflict
that do not compromise their personal relations with work, but make it difficult to establish collective
identities.
Key Words: Professional identity, teachers’ identity, elementary school
Psicóloga (UFPE);
Especialista em
Psicologia Clínica
Psicanalítica (UNICAP);
Mestra em Sociologia
(UFPE).
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A Construção da Identidade Profissional Docente
A identidade é tratada no artigo como um processo Aspecto consciente: mesmo estando a identidade
de construção de sujeitos enquanto profissionais. envolvida com movimentos inconscientes, que
Tal processo é marcado pela contingência que tendem a estar em conflito, há uma tentativa do
imprime a abertura que lhe é característica. A sujeito de apresentar uma unicidade naquilo que
dinâmica desse processo, como teremos o define. É nesse sentido que a identidade é
oportunidade de esclarecer, explicita a concepção vivenciada como aspecto consciente, inclusive
segundo a qual orientamos o estudo, a saber, a de com coerência e unicidade, quando verbalizada
que a identidade se inscreve no jogo do pelo sujeito.
reconhecimento.
1 Constância: dos elementos que representam o
Se bem que a pesquisa que deu origem ao artigo sujeito, a lógica que os envolve.
tenha sido realizada com docentes do ensino
fundamental, consideramos que as reflexões aqui Continuidade: refere-se ao “dinamismo temporal
apresentadas podem ser úteis para se considerar na elaboração da identidade como algo que se
outros grupos de profissionais, já que o conceito estrutura no passado, se atualiza no presente e se
2
de identidade profissional trabalhado no artigo projeta no futuro” (Gouveia, 1993, p. 103). É nesse
distancia-se da noção de papéis e focaliza o sentido que se fala na presença da noção de Ideal
docente em sua relação consigo mesmo e com os do Ego e do Superego, já que a compatibilidade
outros, dinâmica essa que é referência para a com um modelo pressupõe um projeto para
investigação da identidade profissional. alcançar esse modelo.
Tap, citado por Santos (1990), destaca, como Semelhanças e diferenças: as semelhanças são
aspecto principal do conceito de identidade, o percebidas entre os parceiros com os quais se
reconhecimento que emana das relações sociais. compartilha a mesma identidade, e as diferenças
Para Tap, o indivíduo define-se a partir de como são dirigidas aos outros, que não compartilham
se reconhece no desempenho de papéis sociais e essa identidade.
de como é reconhecido pelos outros no meio
social. Além de definir identidade, é necessário
circunscrever o campo no qual trataremos a
Penna (1992), também apoiada na idéia de identidade profissional. Enquanto o debate sobre
reconhecimento como fundamental para se tratar identidade convida-nos a considerar aspectos
a questão da identidade, postula que esta é ligados ao individual, a idéia de profissional leva-
constituída no jogo do reconhecimento, formado por nos a pensar em aspectos do social.
dois pólos – o do auto-reconhecimento (como o
sujeito se reconhece) e o do alter-reconhecimento 1 O desenvolvimento desse
Algumas tentativas de diferenciação entre estudo ocorreu dentro da
(como é reconhecido pelos outros). identidade pessoal e identidade social estão postas pesquisa “O Professor e o Papel
na literatura sobre o tema. Berger e Luckmann da Educação na Sociedade”, da
Considerar a identidade inserida nesse jogo professora Silke Weber, na
(1976), por exemplo, associam a construção da Universidade Federal de
pressupõe uma concepção do sujeito humano identidade pessoal ao processo de socialização Pernambuco, que contou com o
como portador da capacidade de simbolizar, de primária e a construção da identidade social, ao apoio do CNPq, FACEPE e Ford-
representar, de criar e compartilhar significados em processo de socialização secundária. Os autores
Anpocs, e resultou na
relação aos objetos com os quais convive. monografia “Um Estudo Sobre
destacam a internalização de papéis ao tratar a Identidade Docente”,
questão da identidade, caracterizando-a como um apresentada como conclusão do
Tomamos a identificação como processo precursor Bacharelado em Psicologia.
fenômeno de aprendizagem. Já a diferenciação
da construção da identidade por sugerir um vínculo
ou atração, por parte do indivíduo, para algum defendida por Moita (1992), a partir de estudos de 2 Conferir o conceito de
objeto que esteja “lá” onde ele deseja estar. Lipianski, utiliza como critério a percepção de identidade: Ciampa, A. C.
Identidade. In Lane, S. T. M. e
características do sujeito. A identidade pessoal é
Codo, W (orgs.) Psicologia
Gouveia (1993, p.100) destaca o processo de construída pela autopercepção, enquanto a Social: o Homem em Movimento.
identificação como fundamental e até imprescindível identidade social é construída pela percepção que 8a ed. São Paulo: Brasiliense,
os outros têm do sujeito. Essa postura restringe os 1989, e Ciampa, A. C. A. A
para se falar em identidade. Apoiada na perspectiva Estória do Severino e a História
psicanalítica, ela afirma que “a identificação como diferentes/diversos espaços nos quais o sujeito vive da Severina. São Paulo:
um processo em que se toma um outro como e deixa de lado a relação identidade-papel. Brasiliense, 1987.
modelo implica necessariamente a formação do
Ideal do Ego, e também do Superego, enquanto Consideramos mais adequada a distinção que
instâncias que internalizam normalizações e Penna (1992) faz entre a identidade pessoal e a 15
regulações culturais”. social. Segundo ela, a identidade pessoal diz
Wedna Cristina Marinho Galindo
respeito à própria construção pessoal do sujeito, jornais de circulação local (Jornal do Commercio
objeto de estudo da Psicologia e da Psicanálise. A e Diário de Pernambuco) durante o ano que
identidade social, por sua vez, refere-se a pessoas antecedeu a realização das entrevistas.
consideradas membros da mesma categoria, por
características comuns, o que caracteriza o campo Esse período foi tomado como momento de
da identidade comum, independentemente de cristalização de concepções e interpretações sobre
conviverem juntos. É nesse sentido, pois, que estamos o que é ser docente, que construiu significados
tomando a identidade profissional como um tipo sociais considerados, na pesquisa, como elementos
de identidade social. presentes no alter-reconhecimento.
A partir das entrevistas, buscamos apreender o que Arnt (1991, p.170), por exemplo, sustenta que a
significa “ser docente”, contando com a mídia é uma instituição recente: “trata-se de um
investigação sobre representação social, isto é, a instrumento de ordem capaz de ajudar a gerir e
partir do discurso dos entrevistados, foi possível regular a vida social e econômica, um instrumento
saber como eles se reconhecem enquanto vital para a governabilidade”. A mídia fornece
docentes, quais significados eles se auto-atribuem. esquemas de interpretação e de relação com a
realidade; aliás, cria nova realidade segundo seu
Para investigarmos sobre auto-reconhecimento, modo de discorrer sobre ela.
destacamos no material das entrevistas os aspectos
relacionados à profissão que consideramos como É nesse sentido que a mídia fomenta a construção
indicadores de construção da identidade de opiniões sobre as informações que veicula, não,
profissional. Assim, atenção foi dada aos seguintes simplesmente, apresentando os fatos com 17
temas: neutralidade.
Wedna Cristina Marinho Galindo
Fausto Neto (1992) aponta algumas críticas à visão de que o jornalismo é apenas mediador, instrumento,
suporte de algo externo a ele. Para esse autor, tal visão desconhece a dimensão do trabalho simbólico do
jornalismo. O trabalho jornalístico, segundo ele, tanto dá conta das regras de redação como também
funciona como construtor de discursos. Assim, o jornal não apresenta simplesmente a informação, a
realidade, mas, sim, constrói uma realidade baseando-se no acontecimento, ao qual imprime significados,
valores.
Diante do exposto, esclarecemos que pesquisar sobre o alter-reconhecimento, em nosso estudo sobre
identidade docente, a partir de material jornalístico, possibilita-nos apreender quais são os significados e
representações veiculados pela imprensa em torno do que é ser docente. Além disso, conceber o leitor
como “alguém que é construído na própria economia enunciativa” (Fausto Neto, 1992, p.37), parece-nos
adequado, já que consideramos a construção da identidade inserida no jogo do reconhecimento, no qual
o indivíduo conta também com o reconhecimento dos outros em relação a ele.
Compartilhando a idéia de que a produção da imprensa não é neutra, Marcuschi (1991) estuda a ação
dos verbos utilizados na imprensa para introduzir opiniões. Segundo ele, os verbos agem seletivamente
sobre os conteúdos e, assim, além de função expositiva, a imprensa possui função analítica e interpretativa.
Para Marcuschi, é mais comum que a informação venha acompanhada de uma interpretação. Nessa
interpretação, ele destaca os verbos que introduzem opiniões, que muitas vezes caracterizam o que ele
chama de interpretação implícita, apresentando, assim, novos fatos ao que inicialmente foi dito.
Com inspiração nesses trabalhos, construímos uma espécie de crivo de análise das matérias de jornais. Para
cada matéria copiada, foi analisado: a) Tema: idéia central de que trata a matéria; b) Emissor: quem assina
a matéria; c) Mensagem: resumo do que é dito na matéria; d) Como fala: sentido interpretativo que o
jornal dá à matéria; e) Verbos construtores de opinião: verbos que se destacam como os que sintetizam a
interpretação sugerida pela matéria. Esses verbos podem ser introdutores de opinião ou não.
Para o estudo sobre identidade docente, foi dada ênfase à interpretação implícita feita pelos jornais sobre
as matérias copiadas. Para tanto, demos atenção aos verbos construtores de opinião e ao que diz o jornal
em cada matéria.
Alguns Resultados
Numa análise geral dos dados de entrevistas, relacionamo-los com os indicadores do auto-reconhecimento
tomados como construtores da identidade (ver tabela 1).
Quanto à investigação sobre a identificação para com a profissão docente, encontramos duas posições
diferentes. A grande maioria dos entrevistados (61%) identifica sua escolha profissional pautada em aspectos
do trabalho docente em si, seja o gosto por trabalhar com crianças, seja a opção por determinada área de
18 estudo. Entendemos que, para esse grupo, a relação inicial de identificação para com o objeto – trabalho
docente – foi calcada em características específicas da docência. Um grupo menor de entrevistados (39%)
A Construção da Identidade Profissional Docente
caracteriza sua escolha pela docência como algo Nesse sentido, supomos que a continuação da
imposto pela família ou por outras circunstâncias, identidade, aqui expressa pelos cursos a que foram
como: possibilidades maiores de conseguir emprego, expostos esses entrevistados e pelas relações com
falta de opções etc. Para esse grupo, percebemos os outros docentes, tenha contribuído para a
que a identificação se dá em nível de características reconstrução de sua identidade, daquilo que o faz
do “emprego”, entendido pela possibilidade de se reconhecer docente. Foi possível, então, para
realizar alguma tarefa e ser remunerado por isso. eles, redimensionar a questão da imposição
familiar e a busca de benefícios materiais e construir
A partir dos dados sobre participação em novos significados para o que é ser docente, de
capacitação, cursos, por nós considerados como modo coerente com os aspectos dessa profissão.
indicadores de manutenção ou transformação do
processo identificatório, observamos que a maioria
dos entrevistados (58%) considera importante a
participação em cursos e capacitações. Um grupo
menor de entrevistados (42%) não percebe
importância alguma nas capacitações, ou até nunca
participou delas.
a
têm curso superior, concluído, na maioria, na 2 atribuem aos docentes características como:
a
ou na 3 geração. Mesmo identificando-se com a decisão, segurança, empenho.
atividade docente, esses entrevistados pretendem
deixar o trabalho. Eles fizeram seu último curso, Analisando outras matérias, percebemos que o
de nível superior, nos últimos anos considerados jornal focaliza muito mais os “outros” envolvidos
na amostra. Talvez esse aspecto tenha contribuído na greve (pais, alunos, autoridades). Essas matérias
para o abandono do Ideal de professor, já que a destacam a posição das autoridades ou da
participação em cursos universitários pode ter comunidade em geral, que de algum modo perdem
desenvolvido uma nova concepção do seu sentir- com a greve. Os verbos utilizados (“reclama”, “corre
se docente. o risco”, “faço apelo”), por sua vez, reforçam essa
interpretação.
Análise dos dados do alter-reconhecimento
Consideramos esses dois tipos de matéria
De todas as matérias copiadas em ambos os jornais, semelhantes, uma vez que focalizam ou os docentes
foram selecionados assuntos mais diretamente ou os “outros”.
relacionados com o estudo e feita uma
apresentação quantitativa de tais matérias, além
Observando a posição do DP ao veicular matérias
de uma análise do sentido interpretativo que o
sobre greve docente, percebemos um número
jornal lhes deu (ver tabela 2).
reduzido do tipo de matéria que aborda um dos
lados envolvidos na greve. Nesse jornal, encontram-
Tabela 2: Distribuição percentual das matérias
se, sobretudo, interpretações que destacam o
que tematizam o professor – Jornal do
Commercio e Diário de Pernambuco embate entre os docentes e os outros. Tais matérias
caracterizam-se por sugerir quase um “campo de
Temas J.C. D.P. guerra” entre os dois grupos. Apresenta-se, por
Capacitação 4% 23% exemplo, de um lado, a postura decidida dos
Concurso 3% 4% docentes de deflagrarem/continuarem a greve, e,
Salário 17% 6% na mesma matéria, ressalta-se o risco que os alunos
Greve 63% 38% correm de perder o ano letivo ou as propostas do
Sindicato 8% 11% governo ou dos proprietários de estabelecimento
Figura do Professor 4% 17% de ensino visando a evitar/resolver o problema
que é a greve.
Para além dos números obtidos, é importante Esse tipo de interpretação parece atribuir ao
discutir o que é ser docente para a imprensa. Para docente uma responsabilidade pelas perdas
tanto, consideramos dois temas que, pelo volume sofridas pelos alunos, pelos danos causados a
de matérias e pelo modo como foram tratados, donos de colégios e escolas, reduzindo, assim, na
avaliamos serem significativos para esse debate: figura do docente, uma questão social mais ampla,
capacitação e greve. que envolve diversos atores e contextos.
Já vimos que a greve é o tema preferido pelo J.C. Consideramos que esse tipo de interpretação
em detrimento dos outros temas. O DP parece apresenta-se com muito mais força na construção
“discutir” mais proporcionalmente os temas entre de opinião do público do que aquele que faz a
as matérias, apesar de também veicular grande interpretação fundada em apenas um dos lados
quantidade de matérias sobre greve. Se envolvidos na greve. Ser docente, então, caracteriza-
considerarmos, em ambos os jornais, o resumo do se por ser responsável pelos problemas.
conteúdo das matérias sobre greve, temos uma
semelhança entre eles. Fala-se da deflagração da Sobre as matérias de capacitação, observamos que,
greve, das reivindicações dos docentes, das em ambos os jornais, o destaque é dado para quem
negociações entre as partes do conflito, do fim da promove a capacitação. Focaliza-se, por exemplo,
greve etc. No entanto, se considerarmos “como que se vai “promover” uma capacitação, mas não
fala” o jornal e “os verbos construtores de opinião”, se fala que os professores “participarão” dela.
veremos significativas diferenças entre os jornais.
A análise do alter-reconhecimento, por nós
O JC, embora apresente número grande de matérias indicadora de como os docentes são percebidos,
sobre greve, informa sobre o movimento destacando sugerindo concepções sobre o que é ser docente,
a posição dos docentes na situação e utilizando mostra-nos que o docente é visto como ameaça
verbos (“exigem”, “decidiram suspender”, “avaliam”) quando trata de questões que reivindica, e é
20 em relação à opinião/posicionamento dos docentes. reconhecido como quase inexistente no que diz
As interpretações que emanam desse tipo de matéria respeito ao seu aperfeiçoamento profissional.
A Construção da Identidade Profissional Docente
Então, por um lado, o docente é “convidado” a Associar o que os outros dizem de si – que, como
não atrapalhar a rotina de seu próprio trabalho, a vimos, é sempre carregado de significados negativos
evitar greves, a manter-se em dia com suas funções - ao modo como consideram seus pares
no que diz respeito ao ensino. Por outro lado, é participantes ativos do sindicato parece dar aos
excluído do programa de capacitação, que entrevistados uma reorganização da identidade.
possibilitaria o aprimoramento de sua função de O conflito é mediatizado a partir da atribuição aos
ensinar. docentes do sindicato, aquelas características que
os jornais atribuem aos docentes de forma geral.
Vivenciando a Identidade
Profissional
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A Construção da Identidade Profissional Docente
ARNT, R. “A Desordem do Mundo e a Ordem do Jornal”. In Araújo, I. MOITA, M. da C. Percursos de Formação e de Transformação. In Nóvoa, Referências
(org.) Rede Imaginária. São Paulo: Schwarcz, 1991. A. (org.) Vidas de Professores. Porto: Porto Codex, 1992.
BERGER, P. L. ; LUCKMANN, T. A Construção Social da Realidade. 4ª MOSCOVICI, S. A Representação Social da Psicanálise. Rio de Janeiro:
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