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O Maior problema do mundo.

Época, 30 de dezembro de 2000

De todas as “questões para o próximo milênio”, esta é uma que ninguém sabe
resolver

O maior problema do mundo não é a miséria, não é a guerra, não é a delinqüência. É dar uma
função socialmente útil às pessoas que produzem esses males, de modo que parem de
produzi-los. Nenhum desses problemas surge do acaso ou do mero efeito inconsciente das
ações das massas anônimas. Cada um deles surge da iniciativa de pessoas e grupos dotados do
poder de agir.
Só há três classes de pessoas poderosas: os ricos, os chefes político-militares e os intelectuais.
Dessas três, só a primeira encontrou seu lugar no mundo. Ela organizou tão bem sua atividade
que, além de liberar forças produtivas jamais sonhadas (como salientava Marx), tornou a
economia uma máquina de prosperidade geral capaz de funcionar sozinha, sem muita
interferência do Estado. A classe dos ricos – a burguesia – cumpriu seu papel: abrir o
caminho de dias melhores para toda a humanidade. Só que, para fazer isso, ela tornou a
economia o centro da vida, organizando as outras duas esferas do poder – a político-militar e
a intelectual – pelo modelo de administração das fábricas ou dos bancos. O capitalismo
racionalizou e burocratizou o Estado, a Justiça, os exércitos e a vida intelectual. Um chefe
militar é hoje um funcionário, como é funcionário o homem de ciência. Na vida político-
militar não há mais lugar para caudilhos ou condottieri, tal como na esfera do conhecimento
há cada vez menos lugar para o sábio independente.
Isso fez com que entre essas duas esferas e a da economia surgisse uma diferença radical. Na
economia há patrões e empregados, os primeiros apostando na inventividade pessoal e no
risco, os segundos na segurança e na rotina. Tanto a margem de iniciativa dos primeiros
quanto as garantias sociais dos segundos se ampliam com o tempo, diferenciando bem os
tipos humanos correspondentes. Nada disso há nas esferas político-militar e intelectual. Aí
não há patrões. Todos são empregados. Todos estão enquadrados no regulamento que reduz
ao mínimo o campo das decisões e da criatividade pessoal. O gênio, a inventividade, a audácia
refluem para a única esfera restante: a economia. Por isso ainda é possível um Bill Gates. Mas
já imaginaram um Bill Gates da política, da guerra, da ciência, da filosofia? Não, não há mais
lugar no mundo para Júlio César, Carlos Magno, Leibniz ou Aristóteles.
Tudo isso estaria muito bem se as pessoas dotadas de gênio e iniciativa nessas esferas se
conformassem com o estado de coisas. Mas essa conformidade não parece ser compatível com
a natureza humana. As personalidades vigorosas, rejeitadas pelo sistema, continuam
surgindo. Não encontrando espaço, abrem-no com os cotovelos. Num sistema que as
acolhesse, teriam sido gênios criadores. Rejeitadas pelo mundo real, rejeitam a realidade.
Inventam outra, impossível, e tornam-se artífices da destruição. Tornam-se Lenin, Hitler,
Stalin, Mao. Tornam-se chefes de máfias. Tornam-se inventores de idéias macabras, capazes
de seduzir as massas e levá-las ao suicídio. Tornam-se os senhores da morte, da miséria, do
caos.
Nosso tempo não produziu nenhum Aristóteles, nenhum Moisés, nenhum criador de mundos.
Produziu mais gênios do Mal que qualquer outro período da História. Sem eles, a existência,
ou pelo menos a dimensão atual de todos os males apontados no início deste artigo, seria
inconcebível.
Já sabemos como organizar a economia. Só não sabemos organizá-la de modo a evitar a
marginalização que transforma os gênios em titãs excluídos e os devolve à História na forma
de furacões. Este é o maior problema do mundo. Teremos um milênio inteiro para encontrar
sua solução?

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