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RAYNA PEGADO
Niterói
2017
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RAYNA PEGADO
Niterói
2017
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RAYNA PEGADO
BANCA EXAMINADORA
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Prof.ª Dr.ª Ana Claudia Cruz da Silva
Universidade Federal Fluminense
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Prof.ª Dr.ª Alessandra Siqueira Barreto
Universidade Federal Fluminense
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Prof.ª Dr.ª Flávia Rios
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2017
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1 - A PROBLEMÁTICA DO ACESSO
A burocracia por sua vez também atinge outros indivíduos que poderiam
acessar a universidade, operando de modo eficaz no afunilamento dos processos
institucionais. Afunilar no sentido de dificultar e até inviabilizar o processo de
pessoas desprovidas de recursos necessários, como ter as informações necessárias
para o recolhimento dos documentos requeridos, ter contato com pessoas que
possam auxiliar no levantamento dos mesmos, tempo para recolher todos os
documentos, dinheiro para tirar xerox, carimbos, autenticações, etc. Onde, como
conseguir? O que é necessário? São demandas que parecem obvias e acessíveis
partindo da perspectiva de uma parte da população que já tem alguma noção sobre
esses procedimentos burocráticos.
Vadiagem
A lei da vadiagem, assim como outras leis, tem um alvo direcionado, mesmo
que para muitos de forma sutil (MOREIRA et al, 2006). Se concebermos o processo
de pós-abolição, desde a lei Áurea à importação de mão de obra camponesa
europeia e asiática, podemos observar como os negros “libertos” continuaram à
mercê da estrutura capitalista a se formar na época em questão: antes na condição
de mercadoria-escravizado, posteriormente como massa a ser
descartada/embranquecida. Espacialmente, a cidade do Rio de Janeiro também
reproduz a lógica de descarte e remoção dos grupos indesejados – sempre
com recorte racial específico –: o surgimento das “favelas” remonta a uma
demanda por moradia popular dos indivíduos expulsos dos cortiços demolidos, os
morros ocupados pelos negros sem habitação nos grandes centros da cidade.
(CHALHOUB, 1996)
A República brasileira por sua vez, nada fez para incluir os negros nessa
nação, a não ser as políticas de branqueamento (SILVA, 2017) que contavam com a
miscigenação (em sua maioria forçadamente) a fim de diluir a negritude da
população brasileira. . Assim se qualifica o negro na marginalidade, negando a
oportunidade de se incluir socio-economicamente, esse corpo será voltado aos
trabalhos menos reconhecidos, menos valorizados se mantendo assim na margem
não só racial mas econômica.
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Eu, estudante negra, vinda de um colégio federal como o Pedro II, que
disponibiliza acesso e educação diferenciada da maioria das escolas públicas, não
tive a "clareza" dos procedimentos do acesso, acreditando que usar a cota racial
seria um caso de necessidade, quase num sentido capacitista. Me inscrever como
cotista seria como assinar um atestado de insuficiência pessoal, ignorando todo o
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“Afixar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas
usadas pelos grupos “superiores” nas disputas de poder, como meio de
manter sua superioridade social. Nessa situação, o estigma social imposto
pelo grupo mais poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-
imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo.” (BARBOSA,
2014).
2 - A ASCENSÃO SOCIAL
Sendo assim, quanto mais próximo das características negróides, mais tendências
criminais, insuficiência intelectual e pré-disposição a trabalhos físicos. Da mesma
forma que quanto mais próximo da branquitude europeia, mas sofisticação social,
intelectual e comunicativa se teria. Continua o prof. Munanga:
“Carl Von Linné, o Lineu, (...) oferece (...) o melhor exemplo da classificação
racial humana acompanhada de uma escala de valores que sugere a
hierarquização. Com efeito, na sua classificação da diversidade humana,
Lineu divide o Homo Sapiens em quatro raças [americano, asiático, africano e
europeu]. (...)Como Lineu conseguiu relacionar a cor da pele com a
inteligência, a cultura e as características psicológicas num esquema sem
dúvida hierarquizante, construindo uma escala de valores nitidamente
tendenciosa? O pior é que os elementos dessa hierarquização sobreviveram
ao tempo a aos progressos da ciência e se mantêm ainda intactos
no imaginário coletivo das novas gerações. No entanto, não foi, até o ponto
atual dos conhecimentos, cientificamente comprovada a relação entre uma
variável biológica e um caractere psicológico, entre raça e aptidões
intelectuais, entre raça e cultura.”(Item: 25-26)
“Para que esta evolução pudesse assim ocorrer, era preciso intervir na
história... ou na natureza — noções muito próximas neste quadro de
pensamento — e injetar mais brancos no espaço até então ocupado
predominantemente por negros e índios. Era por isso precisamente que se
fazia presente a necessidade da imigração europeia, com todo o seu poder
de purificação étnica.” (AZEVEDO, 1987:72)
Àqueles que fogem a regra, são lembrados da regra que fugiram – os eventos
de discriminação racial operam para lembrar-lhes qual é o seu lugar, ou melhor, de
que são a exceção da regra: os constrangimentos raciais apresentam uma reserva
de sentido criada pelos agressores, que existem para “emergir no momento que os
negros e negras aparecem no mundo branco” (OLIVEIRA, 2011). Os eventos de
discriminação geram na vítima um estado emocional que cria dificuldades na
interação (trauma), e intervém na construção e busca por subjetividade,
interiorização de valores do embranquecimento, e negação da identidade negra – o
que Fanon chama de “máscaras brancas”.
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s.
podendo assim não se preocupar com as demandas efetivas dos usuários de outros
recortes sociais, negando sua nova configuração, já que estes não eram nem para
estar ali. Contudo, não é só de defasagem material que se priva o estudante negro
e cotista da universidade.
A violência subjetiva estrutural faz com que a maioria das pessoas negras, se
entendam como margens estruturais subjetivamente mesmo que de forma
involuntária, e faz com que mal cogitem pleitear certos espaços, pois não imaginam
que possam ocupá-los.
Pelo que me lembro só tive dois professores negros na universidade, não que
o fato de ser negro lhe faça atuar enquanto militante da causa na academia, mas
acredito que a falta de experiências dessa vivência negra afasta possibilidades de
percepção da realidade por esse viés.
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Uma pessoa branca não pode sentir o que uma pessoa negra sente, nem
sabendo todo o contexto histórico e social do racismo, nem sendo especialista em
África ou qualquer outra racionalidade que a ciência proporciona. A academia
reconhece o racismo enquanto um tema, e essa é uma problemática social
reproduzida nos espaços onde supostamente se move para a diminuição dessa
disparidade racial. O descuido com a questão, entretanto, se desdobra na criação de
uma NEGROLOGIA - o negro como objeto de estudo a partir da narrativa branca.
Por que quando uma pessoa negra fala sobre negritude é essencialista e
quando o branco fala sobre QUALQUER assunto é neutro, é ciência?
Todo esse conhecimento científico produzido tem uma perspectiva que não é
do observado e sim do observador, uma vez que o ato de observar, nesse caso, é
científico e metodológico. Teoricamente ele instrumentaliza a percepção de uma
realidade que não é a sua, possibilitando o pesquisador produzir significado nas
disposições sociais observadas legitimado pela metodologia científica. Essa teoria é
denominada "neutralidade axiológica", concebida por Max Webber, como uma
tentativa de afastamento da parcialidade de sua posição sociocultural, se
desprovendo de suas convicções e valores concebidas em sua sociedade natal, a
fim de produzir uma análise científica fundamentada.
Assim, tudo o que é claro é reconhecido como positivo e tudo que é escuro
faz menção à negatividade.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Célia Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das
elites – século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
BOAS, Franz. Race, Language and Culture. [1888] New York: The Free Press, 1940.
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2004. 109
KACHANI, Morris. Pioneira, Uerj vira “Congo” depois de implantar cotas. Geledés,
Instituto da Mulher Negra. 26 dez 2012. Disponível em:
<https://www.geledes.org.br/pioneira-uerj-vira-congo-depois-de-implantar-cotas/>.
MACHEL, Samora. Fazer uma escola base para o povo tomar o poder. Disponivel em:
<http://www.mozambiquehistory.net/politics/frelimo/_estudos_e_orientacoes/est_orient_n_06
.pdf>
MOREIRA, Carlos et al. Cidades negras: africanos, crioulos e espaços urbanos no Brasil
escravista do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006.
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade
e etnia. In: PENESB. Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira. Niterói:
EdUFF, 2004. (Cadernos PENESB 5)
SOUZA, Filipe. Eugenia negativa no Brasil: Renato Kehl e suas Lições de Eugenia.
Monografia, Universidade Federal do Paraná. Curitiba: UFPR, 2013.
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WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento nas ciências sociais. São Paulo: Ática,
2006
WHYTE, William Foote. [1943]. Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2005.
ZAMORA, Maria Helena. Desigualdade racial, racismo e seus efeitos. Fractal: Revista de
Psicologia. v.24, n.3, 2012.