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Acta Scientiae Veterinariae. 35(Supl 2): s267-s269, 2007.

ISSN 1678-0345 (Print)


ISSN 1679-9216 (Online)

Citologia para clínicos: como utilizar


esta ferramenta diagnóstica
Cytology for clinicians: how to use this diagnostic tool
Roberta Fraga Graça
Laboratorio de Análises Citológicas – Citologia Veterinária Roberta Graça
E-mail: betagraca@hotmail.com

ABSTRACT
Cytology is a diagnostic tool used to evaluate the morphological abnormalities of cells without the presence of tissue architecture
and correlate them with the clinical findings. It is helpful to diagnose and evaluate the prognosis of different lesions on several tissues of the
body, Sample collection and handling are as important as the interpretation of the cytologic slides. Another key factor for a successful cytologic
diagnosis is the communication between the pathologist and the clinician, as well as a routine use of the method on the veterinary practice.
Different types of inflammatory diseases can be easily distinguished from each other as well as from neoplastic processes.
Key words: cytology of dogs and cats, diagnosis, inflammation, neoplasia.

INTRODUÇÃO
A citopatologia ou citologia é a análise morfológica de células de um tecido sem a presença de arquitetura tecidual.
Ela tem como objetivo auxiliar no diagnóstico e prognóstico de lesões nos mais variados locais do corpo, incluindo pele, linfo-
nodos, glândulas e órgãos internos, além das cavidades torácica e abdominal.
A importância da avaliação citológica de um tecido só pode ser percebida quando esta é utilizada com freqüência
na rotina diagnóstica da clínica.
As vantagens da citologia como meio diagnóstico incluem a simplicidade da coleta, o custo relativamente barato,
a rapidez, e a eficácia dos resultados, podendo diagnosticar e/ou diferenciar doenças infecciosas, inflamatórias, proliferativas e
neoplásicas. A vantagem da histopatologia sobre a citologia se dá pelo fato desta avaliar tanto a arquitetura tecidual quanto
a morfologia celular e por causa disso, os diagnósticos histopatológicos são mais específicos e definitivos. Porém, em muitos
casos, o diagnóstico citológico é definitivo. O valor da informação obtida na citologia aumenta de acordo como o grau de
entendimento de suas vantagens e desvantagens.

COLETA DA AMOSTRA
O resultado de um teste laboratorial é tão bom quanto a qualidade da amostra enviada
Na hora da coleta de material, as chances de obtenção de amostras significativas dependem de diversas etapas
que estão relacionadas entre si como: a obtenção de amostra significativa na coleta, a aplicação correta do material nas
lâminas, utilização de corante adequado e avaliação com um microscópio de boa qualidade. Por isso, algumas técnicas bá-
sicas de coleta e processamento do material são detalhadas a seguir:
Agulhas e seringas: A citologia aspirativa é realizada com agulhas de 21 a 25-gauge, dependendo do tamanho da massa
a ser aspirada, mas a agulha de 22 gauge (25x7mm-cor cinza) é a mais comumente utilizada. A seringa deve ser de 3 a 20 ml,
dependendo da consistência da massa, sendo as seringas menores recomendadas para massas mais fluidas e as maiores
para as sólidas e fibrosas.
Procedimento de aspiração com sucção: o passo inicial é a localização da massa a ser puncionada. Dois dedos da mão não
dominante são usados para localizar e fixar a massa – o indicador e o terceiro dedo, com a mão posicionada sobre a massa.
A seguir, introduz-se a seringa na pele, até atingir a lesão. A sucção (pressão negativa) então é aplicada, executando-se
movimentos para cima e para baixo, sem retirar a ponta da agulha da lesão, em várias direções – desenhando um cone em
que a base está na lesão e o ápice na superfície cutânea. A sucção é desfeita e só então a agulha é retirada. Neste momento,
a maioria ou todo o material está no interior da agulha (apenas em lesões císticas ou necróticas e aspirações muito hemor-
rágicas o material atinge a seringa).
Procedimento sem sucção: O procedimento é similar, mas a agulha é inserida na lesão sem a seringa e direcionada em várias
direções como na técnica com sucção. Essa técnica deve ser utilizada em massas menores, onde é difícil fazer o procedi-
mento com sucção. Além disso, esta técnica evita a contaminação por sangue periférico e facilita a sensação tátil do clínico
em relação à textura da massa. Caso este método não obtenha material, recomenda-se a tentativa da técnica com sucção;
Recolhendo o material da agulha: após retirar a agulha do paciente, destaca-se a agulha da seringa (o material ainda está intei-
ramente na agulha). A seguir, enche-se a seringa de ar e recoloca-se a agulha na seringa, usando o ar para extrair gentilmente
o conteúdo da agulha. A mão não dominante deve segurar firmemente a agulha, impedindo que ela se desloque ao ser

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aplicada a pressão. A ponta da agulha deve tocar a lâmina num ângulo de 45-90°, formando uma pequena gota. Se a agulha
não tocar na lâmina, o material será espalhado em spray, formando pequenas gotículas que se dessecarão rapidamente ao
espalhar o material na lâmina. A gota formada deverá ser espalhada rapidamente com a ajuda de uma segunda lâmina trans-
versal com pressão leve para não destruir as células.
Imprint: Procedimento simples onde se encosta a lâmina na ferida e obtém-se o material. Realizado em casos de feridas
abertas sem presença de tumoração passível de ser aspirada. A ferida deve ser limpa com soro fisiológico antes da coleta
para evitar a análise de inflamação secundária e hemorragia.
Exfoliação: Procedimento que utiliza uma lâmina de bisturi para “raspar” uma pequena quantidade de material de um tecido
que foi retirado para biópsia. Depois de coletado, o material é colocado em um lado da lâmina de vidro. Com uma segunda
lâmina posicionada transversalmente, o material é espalhado.
Fixação do material: dependendo do corante a ser utilizado, o método de fixação varia. Para corantes do tipo Romanowsky
(Wright’s, Giemsa e Panótico), que são os mais utilizados na citologia veterinária, a lâmina deverá ser seca ao ar e armazenada
em lugar seco e longe de formol para o envio do material para o laboratório. A lâmina pode ser enrolada em papel toalha
(caso não haja porta-lâminas) para armazenamento e transporte.
Antes do envio da amostra para o laboratório, é importante identificar a lâmina (no lado onde está o material) e
preencher a requisição com os dados do animal, incluindo, no mínimo, espécie, idade, sexo, localização da lesão e suspeita
clínica. Dados adicionais como tempo de crescimento, tamanho, formato, cor, mobilidade, invasão para tecidos adjacentes
e presença de alopecia, ulceração e crosta são muito importantes para o citopatologista.

AVALIAÇÃO CITOLÓGICA
Na rotina citológica, os locais mais comumente avaliados são pele e linfonodos, provavelmente pela facilidade de
observação e palpação de aumento de volume de linfonodos, nódulos e feridas pelos proprietários dos animais e também
pelo acesso mais simples às áreas, sem a necessidade de uso de ultra-sonografia.A citologia é a ferramenta diagnóstica
mais comum e imediatamente informativa na prática da dermatologia veterinária [3]. Um estudo comparando os resultados
de histopatologia e citologia de nódulos cutâneos e subcutâneos demonstrou um nível de concordância geral de 90,9%6.
O resultado da interpretação citológica de uma amostra pode ser incluído em uma de seis categorias: tecido normal,
inflamação, neoplasia, resposta a injúria celular e amostras não diagnósticas por falta de material ou por contaminação por
sangue periférico.

a) Inflamação
De uma maneira geral, a avaliação microscópica da celularidade da amostra em aumento de 10x, já é o suficiente
para distinguir entre diferentes tipos de processos inflamatórios, já que amostras altamente celulares são associadas a
processos inflamatórios supurativos e piogranulomatosos, enquanto inflamações granulomatosas são menos celulares.
A distribuição celular vai sugerir o tipo de microorganismo que se deve procurar durante a avaliação da lâmina.
A presença de uma maioria de neutrófilos (>85%), indica inflamação supurativa, que pode estar associada à bactéria ou não.
No caso de presença de bactéria na amostras, é importante lembrar que é necessário observar a bactéria dentro do citoplasma,
para se confirmar que esta é a causadora da inflamação. A inflamação é considerada piogranulomatosa quando há presença
de neutrófilos, macrófagos epitelióides e células gigantes multinucleadas. Nesse caso, os principais diagnósticos diferenciais
são fungos (ex: Cryptococcus e Sporothrix) e corpos estranhos. No caso de inflamação granulomatosa, a população é for-
mada por uma maioria de macrófagos, com números menores de células gigantes multinucleadas. Alguns fungos e bactérias,
como Micobacterium sp., Nocardia e Actinomyces causam esse tipo de inflamação. Inflamações eosinofílicas contêm >12%
de eosinófilos e estão relacionadas à alergia, complexo granuloma eosinofílico felino, alguns parasitas e síndromes paraneo-
plásicas.

b) Neoplasia
No caso de neoplasias, as epiteliais e as de células redondas têm alta celularidade por esfoliarem bem, enquanto
as mesenquimais têm celularidade baixa por serem fibrosas e de difícil esfoliação.
As neoplasias de células redondas, como histiocitoma, mastocitoma, tumor venéreo transmissível, plasmocitoma
e linfoma são facilmente diagnosticados citologicamente por um patologista experiente. Raramente, alguns deles não podem
ser diferenciados citologicamente, porém a dúvida fica restrita a apenas dois ou três deles.
No caso das neoplasias epiteliais, muitas vezes o diagnóstico fica restrito a diferenciação entre uma neoplasia
benigna e uma maligna (carcinoma), sem especificar o tecido de origem, porém em outros casos como o do adenoma perianal,
o carcinoma epidermóide e os carcinomas de células transicionais, podem ter um diagnóstico definitivo.
Apesar da maioria das neoplasias mesenquimais esfoliarem pouco, muitas delas esfoliam o suficiente para um
diagnóstico como o hemangiopericitoma, mixossarcoma, alguns casos de fibrossarcoma, a maioria dos casos de osteos-
sarcoma. O lipoma é a neoplasia mesenquimal mais comumente diagnosticada citologicamente.
No estudo citado acima, envolvendo diagnóstico de neoplasias cutâneas e subcutâneas, a sensibilidade foi de
89.3% e a especificidade de 97.9% demonstrando que o número de resultados falso positivos é ínfimo, enquanto o número
de resultados falso negativos é um pouco mais elevado [2].

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Graça R.F. 2007. Citologia para clínicos: como utilizar esta ferramenta diagnóstica.
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c) Linfonodos
A citologia de linfonodos deve ser feita sempre que houver aumento, sendo ele focal ou em casos de linfadenopatias
generalizadas. As categorias citodiagnósticas dos linfonodos incluem: linfonodo reativo, quando há aumento no número de plas-
mócitos devido a um estímulo antigênico crônico; inflamação dos diversos tipos citados acima, gerando uma linfadenite que
pode ser neutrofílica, eosinofílica e etc; linfoma (neoplasia primária) e neoplasias metastáticas (principalmente os carcinomas).
Quando há uma linfadenopatia generalizada, recomenda-se a aspiração de mais de um linfonodo, de preferência os pré-
escapulares e poplíteos, evitando os submandibulares, que têm maior tendência a aumento de volume.

CONCLUSÃO
A citologia é uma ferramenta diagnóstica de alta importância para os clínicos gerais e para os oncologistas, já que
através dela, é possível fechar diagnósticos de lesões inflamatórias e neoplásicas, além de, em casos onde não é possível
chegar a uma conclusão, a citologia é capaz de restringir os possíveis diagnósticos diferenciais.
Os maiores fatores de restrição na citologia são a obtenção de amostra inadequada e o mau uso desta em casos
onde não há indicação para a realização de citologia. Outro fator muito importante para a obtenção de resultados mais satis-
fatórios é a comunicação e interação entre clínicos e patologistas, já que um bom diagnóstico citológico é obtido através de
um esforço de equipe.

REFERÊNCIAS
1 Raskin R.E. & Meyer D.J. 2001. Atlas of Canine and Feline Cytology. Philadelphia: W.B. Saunders Co., 410p.
2 Cowell R.L., Tyler R.D. & Meinkoth J.H. 1999. Diagnostic cytology and hematology of the dog and cat. 2nd edn. St. Louis: Mosby Inc., 321p.
3 Meyer D.J. 2001. The essentials of diagnostic cytology in clinical oncology. In: Withrow S.J & MacEwen E.G. (Eds). Small Animal Clinical Onco-
logy. 3rd edn. Philadelphia: W.B. Saunders Co., pp.54-62.
4 Stockham S. & Scott M. 2002. Introductory concepts In: Fundamentals of veterinary clinical pathology. Ames: Iowa State Press, pp.3-30
5 Mendelson C., Rosenkrantz W. & Griffin C.E. 2006. Practical cytology for inflammatory skin diseases. Clinical Techniques in Small Animal
Practice. 21:117-127.
6 Ghisleni G., Roccabianca P., Ceruti R., Stefanello D., Bertazzolo W., Bonfanti U. & Caniatti M. 2006. Correlation between fine-needle aspi-
ration cytology and histopathology in the evaluation of cutaneous and subcutaneous masses from dogs and cats. Veterinary Clinical Pathology.
35: 24-30.
7 Sharkey L.C., Dial S.M. & Matz M.E. 2007. Maximizing the diagnostic value of cytology in small animal practice. Veterinary Clinics of North
American Small Animal Practice. 37: 351-372.

Supl 2

www.ufrgs.br/favet/revista

s269

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