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MÓDULO DE:

IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS SOBRE O TRABALHO E


A SAÚDE

AUTORIA:

Dr. DANIEL PERTICARRARI


Dra. FERNANDA FLÁVIA COCKELL

Copyright © 2008, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil

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Copyright © 2007, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil
Módulo De: Impactos Das Novas Tecnologias Sobre O Trabalho E A Saúde

Autoria: Dr. Daniel Perticarrari


Dra. Fernanda Flávia Cockell

Primeira edição: 2008

CITAÇÃO DE MARCAS NOTÓRIAS

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e informar quem possui seus direitos de exploração ou ainda imprimir logotipos, o autor declara estar utilizando
tais nomes apenas para fins editoriais acadêmicos.
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E por fim, declara estar utilizando parte de alguns circuitos eletrônicos, os quais foram analisados em pesquisas
de laboratório e de literaturas já editadas, que se encontram expostas ao comércio livre editorial.

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A presentação

Neste módulo você irá estudar os principais impactos das novas tecnologias empregadas
para o trabalho. É importante ressaltarmos, que por tecnologias entende-se não apenas o
aparato técnico, mas as novas formas associativas e organizativas do trabalho.

Destaca-se, dessa maneira, o estudo de casos específicos que apresentam os


desdobramentos da reestruturação produtiva, meio-ambiente, trabalho noturno, comunicação
e cognição para o trabalho.

As unidades baseiam-se em textos e apresentação de estudos de casos específicos na


utilização do desenvolvimento do módulo. Dessa forma, o módulo pauta-se em artigos
especializados sobre o tema, de autores de reconhecida importância acadêmica e científica e
publicados em periódicos de amplo conceito e divulgação nacional e internacional. Tal
procedimento justifica-se pela necessidade de entender os impactos da introdução de novas
tecnologias no mundo do trabalho em termos amplos, ou seja, sociais e não apenas
estritamente técnicos – o que engendra significativos desdobramentos para os trabalhadores
e o ambiente, em que pese a saúde dos indivíduos.

Se dedique à leitura dos textos, buscando aprofundar seus conhecimentos sobre cada
assunto.

Bons estudos!

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O bjetivo

Apresentar diversos estudos que demonstram como as novas tecnologias empregadas têm
incidido de maneiras distintas sobre os trabalhadores, em que pesem as condições
ambientais, de trabalho, cognitivas e de saúde.

E menta

Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho;

Desenvolvimento Industrial e Saúde;

Ergonomia, Comunicação e Ruído;

Ergonomia, Cognição e Trabalho Informatizado;

Industrialização, Riscos e Meio-Ambiente;

Trabalho Noturno e Gênero;

Privatização, Reestruturação e Condições de Trabalho.

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S obre o Autor

Dr. Daniel Perticarrari

Pós-Doutorado pela UNICAMP – Faculdade de Educação;

Doutor em Sociologia Industrial e do Trabalho pela Universidade Federal de São Carlos


(UFSCar) – SP, 2007;

Mestre em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP, 2003;

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, 1999;

Desenvolveu e desenvolve projetos de pesquisa científica junto à UFSCar, UNICAMP, e


CARDIFF UNIVERSITY – Inglaterra.

Dra. Fernanda Flávia Cockell

Doutora em Engenharia de Produção (Saúde e Trabalho) pela Universidade Federal de São


Carlos (UFSCar) – SP, 2008;

Mestre em Engenharia de Produção (Ergonomia) pela Universidade Federal de São Carlos


(UFSCar) – SP, 2004;

Graduada em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, 2001.

Desenvolveu pesquisas na área de ergonomia junto à UFMG, FUNEP e UFSCar.


Atualmente, participa de projeto de pesquisas na UFSCar e UNICAMP, nas áreas de
Sociologia do Trabalho e Saúde do Trabalhador. Têm experiência em treinamentos, comitês
de ergonomia e projetos de intervenção ergonômica nas empresas: UNILEVER, Telemig
Celular, Multibrás (Brastemp), SOICOM, CRB, Johnson & Johnson, PMMG, Companhia
Mineira de Metais, entre outras.

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S UMÁRIO

UNIDADE 1 ........................................................................................................... 9
Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho ................................................ 9
UNIDADE 2 ......................................................................................................... 14
Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho .............................................. 14
UNIDADE 3 ......................................................................................................... 22
Desenvolvimento Industrial e Saúde ............................................................... 22
UNIDADE 4 ......................................................................................................... 29
Saúde, Ciência e Tecnologia ........................................................................... 29
UNIDADE 5 ......................................................................................................... 32
Saúde e Desenvolvimento ............................................................................... 32
UNIDADE 6 ......................................................................................................... 36
Saúde e Desenvolvimento ............................................................................... 36
UNIDADE 7 ......................................................................................................... 42
Saúde e desenvolvimento................................................................................ 42
UNIDADE 8 ......................................................................................................... 46
ERGONOMIA, COMUNICAÇÃO E RUÍDO ..................................................... 46
UNIDADE 9 ......................................................................................................... 50
Ergonomia, Comunicação e Ruído .................................................................. 50
UNIDADE 10 ....................................................................................................... 55
Ergonomia, Comunicação e Ruído .................................................................. 55
UNIDADE 11 ....................................................................................................... 60
Modelos de Comunicação................................................................................ 60
UNIDADE 12 ....................................................................................................... 65
Interação e Ruído............................................................................................. 65
UNIDADE 13 ....................................................................................................... 70
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Ergonomia, Cognição e Trabalho Informatizado ............................................. 70
UNIDADE 14 ....................................................................................................... 73
Ergonomia e Sistemas Informatizados ............................................................ 73
UNIDADE 15 ....................................................................................................... 78
Ergonomia Cognitiva ........................................................................................ 78
UNIDADE 16 ....................................................................................................... 87
Estratégias Operatórias ................................................................................... 87
UNIDADE 17 ....................................................................................................... 94
Ergonomia e Cognição: Considerações Finais ............................................... 94
UNIDADE 18 ....................................................................................................... 96
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente ...................................................... 96
UNIDADE 19 ..................................................................................................... 104
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente .................................................... 104
UNIDADE 20 ..................................................................................................... 109
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente .................................................... 109
UNIDADE 21 ..................................................................................................... 117
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente .................................................... 117
UNIDADE 22 ..................................................................................................... 120
Trabalho Noturno e Gênero ........................................................................... 120
UNIDADE 23 ..................................................................................................... 125
Trabalho Noturno e Gênero ........................................................................... 125
UNIDADE 24 ..................................................................................................... 129
Trabalho Noturno e Gênero ........................................................................... 129
UNIDADE 25 ..................................................................................................... 133
Trabalho Noturno e Gênero ........................................................................... 133
UNIDADE 26 ..................................................................................................... 136
Trabalho Noturno e Gênero ........................................................................... 136
UNIDADE 27 ..................................................................................................... 143

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Privatização, Reestruturação e Condições de Trabalho: Um Estudo de Caso
........................................................................................................................ 143
UNIDADE 28 ..................................................................................................... 148
Privatização, Reestruturação e Condições de Trabalho: Um Estudo de Caso
........................................................................................................................ 148
UNIDADE 29 ..................................................................................................... 155
Privatização, Reestruturação e Condições de Trabalho: Um Estudo de Caso
........................................................................................................................ 155
UNIDADE 30 ..................................................................................................... 162
Privatização, Reestruturação e Condições de Trabalho: Um Estudo de Caso
........................................................................................................................ 162
GLOSSÁRIO ..................................................................................................... 171

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 182

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U NIDADE 1
Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho

Objetivo: Demonstrar os principais impactos da introdução de novas tecnologias sobre o


trabalho

Nos últimos anos, a introdução de novas tecnologias desencadeou uma gama de efeitos e
impactos sociais sobre o trabalho os quais alteraram, ou têm alterado, toda a forma como a
sociedade tem se estruturado.

Esses impactos repercutem sobre os processos de trabalho, a qualificação dos


trabalhadores, as condições de trabalho e a saúde, não só do homem para o trabalho, como
do homem em sociedade.

Vania Herédia apresenta elementos essenciais para o entendimento dessas questões. Em


seu artigo “Novas tecnologias nos processos de trabalho: efeitos da reestruturação produtiva”
a autora nos oferece bases fundamentais na compreensão das principais transformações no
mundo do trabalho e os seus efeitos sobre o trabalho.

Nas unidades 1 e 2, apresentaremos partes deste artigo.

Bom estudo!

Introdução

A economia internacional enfrentou nos anos setenta do século XX, um quadro de crise
estrutural que acarretou um processo de aprofundamento da globalização do capital através
da integração e da internacionalização de várias etapas do processo produtivo. Essa crise
trouxe consigo a imposição de um amplo processo de reestruturação do capital, a fim de

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instalar um novo modo de acumulação como meio de sair da crise e também de manter o
equilíbrio do sistema capitalista como um todo.

A reestruturação do capital em países de economias avançadas se fez com inovações


técnicas, organizacionais e financeiras, permitindo que, durante a década de oitenta, essas
economias enfrentassem uma expansão sustentada pela estabilidade de preços, com
recuperação do aumento da produtividade e já com a presença de novas tecnologias.

Processos de trabalho no contexto da reestruturação produtiva

A introdução de novas tecnologias desencadeou uma série de efeitos sociais que afetaram
os trabalhadores e sua organização. Esses efeitos repercutiram nos processos de trabalho,
na qualificação da força de trabalho, nas próprias condições de trabalho, na saúde do
trabalhador e consequentemente nas políticas de ocupação, afetando diretamente a questão
do emprego.

O uso de novas tecnologias trouxe em muitos países a diminuição do trabalho necessário,


que se traduz na economia líquida do tempo de trabalho, uma vez que, com a presença da
automação microeletrônica, começou a ocorrer uma diminuição dos coletivos operários e
uma mudança na organização dos processos de trabalho.

Essa economia do tempo de trabalho levou ao chamado "desemprego tecnológico"; que é


justificado por muitos autores como uma melhor otimização dos recursos humanos nos
processos produtivos do capital variável. Mas será que realmente pode ser interpretado
apenas pelo lado do capital como forma de mais-valia relativa?

Essa justificativa é explicada através do paradigma industrial e tecnológico, no modo de


acumulação flexível, adotado a partir dos anos oitenta, pelo uso da força de trabalho
polivalente, ágil, multifuncional com fins de dar consistência a esse modelo que se baseia na
economia de escopo, sustentada na demanda.

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A flexibilidade e a polivalência são elementos condicionantes desse padrão de produção,
rompendo com o modelo fordista que caracterizava a força de trabalho pela sua
especialidade, devido à linearidade de seu sistema. A rigidez do fordismo é substituída pela
idéia de flexibilidade e pela polivalência que o trabalhador deve desempenhar no uso de suas
funções.

O operário que anteriormente controlava apenas uma máquina ou uma operação de uma
máquina passa a ser responsável por uma ou várias máquinas que executam diversas
operações e que muitas vezes pode ser operacionalizada no próprio escritório. Esse dado
reflete que a economia líquida do tempo de trabalho ocorre e que essa circunstância é um
fator do desemprego tecnológico, apesar de não ser o único.

Nos países avançados, o desemprego tecnológico é minimizado por planos de


desenvolvimento e reorganização social, nos quais, apesar do uso de novas tecnologias, são
mantidos os níveis de emprego.

Porém existe uma discussão contínua promovida pelos seus sindicatos, conforme afirma
Falabella (apud NEDER,1988,p.15-16) no que diz respeito à diminuição ou ao
desaparecimento de seus coletivos de trabalho, "sobre o flagelo do desemprego e a
concorrência entre os jovens treinados para lidar com a nova tecnologia e os operários
especializados de meia-idade"[1].

Já nos países não avançados, como o Brasil, as discussões normalmente não ocorrem e
quando acontecem têm fins socialmente estabelecidos pelas classes hegemônicas,
defendendo seus principais interesses políticos.

Dessa maneira, precisa-se começar a discutir a possibilidade de políticas que girem em torno
de medidas reivindicatórias, que permitam ao trabalhador ter conhecimento daquilo que pode
ocorrer consigo, à medida que é afastado do processo de trabalho pelas causas decorrentes
dessas novas exigências mercantis do modo de acumulação, de suas potencialidades frente
à recolocação no mercado como meio de enfrentar o desemprego tecnológico.

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Essas medidas não podem ser avaliadas, sem serem questionados os aspectos que
concernem às questões econômico-estruturais, que envolvem aumento da produção e da
demanda; de investimentos nas áreas produtivas, nas condições de trabalho, nos planos de
ocupação, de emprego e do uso de novas tecnologias.

Certamente essas discussões afetam a "ordem social", pois questionam regras, leis, padrões
de consumo, de produção, novas incorporações de categorias ao mercado de trabalho,
relação campo-cidade, uma nova divisão do trabalho entre grupos, uma nova estrutura da
própria família, uma escola funcional, uma diferente visão de espaço e de utilização de
energias naturais e respeito à natureza.

Esses poderiam ser bons motivos para se discutir o futuro de uma sociedade que começa a
ser ameaçada pelo uso excessivo de máquinas e que tem claros os impactos imediatos
dessas políticas tecnológicas que são usadas na competição econômica, sem preparar a
população para as suas consequências.

Na literatura disponível de sociologia do trabalho, aparece atualmente com muita frequência


a discussão de que a reestruturação produtiva acarreta desemprego tecnológico. Entretanto,
não se pode esquecer que, no início da década de oitenta do século passado, houve uma
forte recessão econômica no Brasil, acompanhada de desemprego, sem que tenha ocorrido
uma reestruturação na produção.

Vale lembrar que as políticas econômicas adotadas naquele período, para combater a
inflação e enfrentar a recessão, reduziram o ritmo de crescimento da economia, trazendo
consigo uma série de efeitos como baixo índice de investimentos nas atividades produtivas,
uma forte sangria financeira para o pagamento dos juros da dívida externa, bem como uma
deterioração de importantes setores da infraestrutura econômica. Essas políticas foram
marcadas por uma economia oligopolizada, que ensejou ao país sofrer uma forte
deterioração da capacidade operativa dos empreendimentos econômicos.

A diferença entre países avançados e não avançados está no fato de que enquanto os
primeiros fizeram a revolução tecnológica e investiram em novos processos de produção, os

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segundos permaneceram naquele período defasados, com um parque industrial incapaz de
acompanhar os avanços da revolução tecnológica e as exigências do comércio mundial.

Pode-se dizer que, no contexto da crise econômica, expandiu-se o desemprego tecnológico,


quando o capital aproveitou-se dela para redefinir suas relações com o trabalho e impor
novas formas de produção.

Simultaneamente à reestruturação produtiva proposta, novos padrões de desempenho


gerais na economia foram impressos, para salvaguardar as relações entre capital/trabalho,
ferindo certamente o trabalho por relações e práticas tradicionais, precárias e intensas e
fortalecendo o capital pela adequação de processos modernos, tecnologicamente viáveis,
com investimentos financeiros públicos e privados, com a marca do novo modo de
acumulação, ou seja, pela flexibilidade.

Fórum 1 – Novas tecnologias e efeitos sobre o trabalho

Como foi dito, a economia internacional enfrentou nos anos setenta do século XX, um quadro
de crise estrutural que acarretou um processo de aprofundamento da globalização do capital
através da integração e da internacionalização de várias etapas do processo produtivo. Essa
crise trouxe consigo a imposição de um amplo processo de reestruturação do capital, a fim
de instalar um novo modo de acumulação como meio de sair da crise e também de manter o
equilíbrio do sistema capitalista como um todo.

Questão para ser discutida:

Até que ponto as tecnologias da informação podem resultar em benefícios sociais ou


acarretar em problemas de saúde, principalmente, mental?

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U NIDADE 2
Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho

Objetivo: Demonstrar os principais impactos da introdução de novas tecnologias sobre o


trabalho, em especial, a precarização, a terceirização e a flexibilidade

Nesta unidade continuaremos apresentando o artigo de Vania Herédia que apresenta


elementos essenciais para o entendimento das questões relacionadas à introdução de novas
tecnologias que desencadearam uma gama de efeitos e impactos sociais sobre o trabalho
que alterou, ou tem alterado, toda a forma como a sociedade tem se estruturado. Esses
impactos repercutem sobre os processos de trabalho, a qualificação dos trabalhadores, as
condições de trabalho e a saúde, não só do homem para o trabalho, como do homem em
sociedade.

Nesta unidade, foca-se, essencialmente, nos processos de terceirização, precarização e


flexibilidade.

Bom estudo!

Terceirização, precarização e flexibilidade

O uso de novas tecnologias envolve a assimilação de uma cultura empresarial onde haja a
integração entre as propostas de modernização tecnológica e racionalização. Nem sempre o
uso de novas tecnologias é apenas um processo técnico na medida em que pressupõe uma
nova orientação no controle do capital, no processo produtivo e na qualificação da força de
trabalho. Dos diversos efeitos que derivaram dessa orientação, a terceirização, a
precarização e a flexibilidade aparecem com constância como características do paradigma
flexível, em substituição ao taylorista-fordista.

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A terceirização, segundo Faria (apud Ramalho; Martins,1994,p. 43), ocorre de duas formas
no Brasil. Uma delas "objetiva alcançar tanto elementos de produtividade quanto condições
novas de competitividade. É a imposição das tecnologias gerenciais de qualidade. [...] E a
outra tem como finalidade reduzir custos".[2] Essas duas modalidades mostram como o
Brasil resolve as exigências dos novos paradigmas industriais, adaptando às condições
existentes as exigências do mercado quando relaciona competitividade e produtividade, sem
esquecer a qualidade.

Em nome da racionalização produtiva e da especialização flexível, a terceirização é adotada


como estratégia para gerar maior produtividade com competitividade. Com essa estratégia,
são introduzidos novos métodos de organização, sem muitas vezes investimentos em
tecnologia.

As mudanças organizacionais acabam confundindo-se com ambientes modernos. Entretanto,


essas medidas permitem às indústrias tornarem-se eficientes pela flexibilidade, e a
modernização facilita a concorrência. Com esses dois aspectos, torna-se possível enfrentar a
competitividade e promover produtividade pela qualidade. A flexibilização implica a redução
de quadros de funcionários, diminuindo as hierarquias na administração e reduzindo também
o número de trabalhadores no chão de fábrica. A agilidade na produção permite maior
controle das partes e domínio do todo. Permite também uma diminuição nos custos.

A terceirização em muitas indústrias do pólo metal-mecânico da Região Nordeste do Estado


do RS foi testada inicialmente em setores não ligados diretamente ao setor produtivo, com a
finalidade de avaliar seus efeitos e simultaneamente verificar o controle sobre esses
processos.

Essas indústrias começaram o processo de terceirização pelas áreas de apoio ao setor


produtivo e foram ampliando os serviços que entrariam nesse processo. Limpeza,
transportes, alimentação, saúde, assistência jurídica, manutenção, segurança patrimonial,
assistência social foram as primeiras áreas de apoio a serem terceirizadas e, após essas
primeiras experiências, áreas como a de recursos humanos, comunicação, marketing, foram
agregadas às primeiras.

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A partir das experiências realizadas, muitas avançaram na concepção de que não
necessitavam produzir todos os componentes de seu processo, pois poderiam comprá-los a
um custo menos elevado, e outras acabaram sublocando a força de trabalho necessária para
a atividade produtiva. Entretanto, a terceirização feita nas áreas de apoio à produção se
manteve.

No discurso empresarial aparece a justificativa de por que a terceirização promoveu agilidade


no processo produtivo, e essa argumentação na literatura pode ser vista como um elemento
de flexibilidade. A terceirização é um processo que exige um constante replanejamento,
versatilidade e garante a competitividade que o mercado impõe.

Um dos resultados visíveis da reestruturação produtiva foi a precarização pela saída de


trabalhadores do mercado formal de trabalho para os setores informais. O trabalhador, para
não perder totalmente sua dignidade, acaba se transferindo para o setor informal, perdendo a
possibilidade de assegurar direitos que havia conquistado ao longo de sua vida operária e,
na condição de desempregado, não vê alternativas e possibilidades de continuar com o
vínculo empregatício.

A opção pelo mercado informal, muitas vezes na condição de estar à margem do sistema,
lhe oferece parte daquilo que perdeu como marca de que está fora do sistema. A entrada no
mercado informal lhe parece provisória, mas acaba se distanciando da possibilidade de
retorno ao trabalho assalariado.

A precarização do emprego aponta para a instabilidade das relações de trabalho e para a


desvalorização da qualificação dessas relações. Com frequência, as grandes indústrias re-
contratam seus antigos funcionários para o trabalho necessário e o fazem através de
contratos de trabalho temporário ou mesmo pela subcontratação de serviços. A precarização
influi em quem está fora do processo e também em quem está dentro. Ela estabelece alguns
parâmetros.

Alguns impactos sociais das novas tecnologias: resultado de um estudo

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Discutindo a premissa de que a reestruturação produtiva em algumas regiões gerou
supressão de postos de trabalho, e concomitantemente desemprego tecnológico, pode ser
uma forma de questionar se houve a recomposição do emprego em favor de postos de
trabalho de baixa qualidade, ou de forma precária. Diante dessas possibilidades, o estudo
feito aponta que 80% dos entrevistados afirmam que houve eliminação de postos de trabalho
nos setores industriais, equipados com novas tecnologias, reduzindo a força de trabalho
empregada.

Apenas 20% dos entrevistados responderam que em suas indústrias não houve eliminação
de postos de trabalho, mas uma readequação de trabalhadores nos setores produtivos para
se integrarem no processo, visando garantir a produtividade.

A justificativa da eliminação de postos de trabalho foi de que a modernização tecnológica


permitiu reorganizar o trabalho, racionalizando-o e readaptando-o a novas funções
produtivas, com fins de manter padrões de qualidade. Ficou visível nesse estudo que a
produtividade é a alavanca das decisões de novos investimentos e de seus resultados.

Esses dados apontam para o que aparece na literatura sobre o tema, principalmente pelas
duas situações provocadas pela inovação, ou seja, a do desemprego e a do deslocamento
dos trabalhadores e sua reabsorção no mercado de trabalho.

Segundo Geller (apud,1998, p. 60 )[5], a redistribuição de trabalhadores entre setores é um


fenômeno contínuo, ligado ao processo tecnológico e ao crescimento produtivo". Entretanto a
relocação de trabalhadores entre setores é problemática quando a indústria não possui
programas de requalificação de sua força de trabalho.

Constata-se que os critérios de qualificação profissional perpassam as exigências da


escolaridade formal, criando uma distância da escola com o mundo do trabalho. Habilidades
como ler, escrever, calcular não bastam para qualificar um trabalhador tecnicamente. A
mudança tecnológica é "um processo contínuo que conduz a novas competências e à
reclassificação de postos" (p. 64). Estar atento às exigências do mercado e responder às
suas demandas não é uma tarefa simples, principalmente porque as mudanças tecnológicas

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têm sido acompanhadas por mudanças organizacionais, decorrentes das mudanças de
paradigmas.

Quanto aos principais efeitos obtidos com a introdução de novas tecnologias, o estudo indica
que o aumento de produtividade (36%) é muito importante, seguido de redução do tempo de
trabalho (28%); racionalização da produção (12%); qualidade do produto (12%); redução de
estoque (4%); redução de custos com a força de trabalho (4%), e 4% não responderam ao
questionamento. O raciocínio apresentado nesse questionamento se confirma na explicação
de Mattoso (apud LEITE, 1996, p.6), quando coloca que a tecnologia "em si mesma,
possibilita duas coisas: aumento de produtividade e redução do trabalho vivo envolvido na
produção. Ela não traz necessariamente o desemprego"[6]. Para esse autor, se existisse
uma política macroeconômica voltada ao pleno emprego, os efeitos da inovação seriam
diferentes. A subordinação ao capital financeiro internacional impede o enfrentamento do
fenômeno.

Os efeitos das inovações tecnológicas relacionadas às condições de trabalho, vistos pelos


entrevistados são: maior proteção do trabalhador nas áreas de insalubridade, diminuição de
acidentes de trabalho, menor número de trabalhadores, e a dispensa da força de trabalho.
Apenas um pequeno número de entrevistados afirmou que as inovações não afetavam as
condições de trabalho. Essas colocações indicam a ambiguidade dos efeitos, ou seja, de um
lado o trabalhador é protegido pelas mudanças quando o ambiente de trabalho instala novas
tecnologias que permitem a substituição do trabalho perigoso pelo trabalho controlado e
quando essas alterações são feitas em áreas de insalubridade, diminuindo os acidentes e
evitando uma série de doenças de trabalho, ocasionadas pelo tipo de trabalho. Por outro
lado, a substituição do trabalho humano pelas máquinas reduz o trabalho vivo e, ao mesmo
tempo, conduz ao desemprego. Quanto aos efeitos que a automação desencadeia nos
setores de produção, o estudo aponta em primeiro lugar para a redução do tempo de
trabalho, em segundo lugar para a reeducação profissional e em terceiro lugar para mudança
substancial no fluxo de produção.

Das inovações organizacionais mais frequentes aparecem: a mudança de layout; a


introdução de tecnologias, programas de qualidade total; a eliminação de estoques; controle

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de qualidade integrado ao processo; implantação inicial de células nos processos de trabalho
(integração vertical) e produção estabelecida pelo mercado sob a forma de encomenda.

Essas inovações, as organizacionais e tecnológicas fazem parte do paradigma flexível que,


segundo Harvey (1993, p.169) "tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de
classes, movida por ambos os lados, no domínio dos mercados de trabalho e do controle do
trabalho”. [7] Em decorrência das inovações organizacionais apresentam-se as seguintes
mudanças: a presença de uma nova cultura empresarial voltada para a educação e o
treinamento da força de trabalho, com colaboração e qualificação. A diminuição dos quadros
hierárquicos é marcada pela flexibilidade profissional, multifuncionalidade e polivalência.
Para discutir o processo de terceirização foram questionados aos entrevistados os critérios
utilizados para a contratação de serviços terceirizados, os principais ganhos e os motivos de
terceirização na área social.

Das indústrias pesquisadas, constatou-se que a totalidade delas utiliza serviços terceirizados
e que o principal critério utilizado para a contratação desses serviços é definido pelos custos
dos serviços (56%), a parceria com trabalhadores da própria indústria, a fim de assegurar a
filosofia de trabalho e manter uma negociação dos custos dos serviços (28%), e outros
motivos (16%).

Desses foram citados: necessidades externas urgentes para a satisfação dos clientes, a
posse de equipamentos para satisfazer as necessidades da indústria, a especialização, a
tecnologia do terceirizado e os custos adequados, compatíveis com os preços do mercado.

Quanto aos principais ganhos, as indústrias apontaram para a racionalização do processo


produtivo, seguido da diminuição dos custos sociais e para o aumento da produtividade.
Desses ganhos, salientaram a importância da diminuição dos gastos sociais. Chama a
atenção que a qualidade do produto, enquanto ganho obtido, não aparece como destaque, o
que demonstra uma certa incongruência com o discurso presente sobre a qualidade nas
indústrias. Apenas 4% dos entrevistados responderam que não há ganhos com a
terceirização.

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Considerações finais

O processo de modernização tecnológica não ocorreu dissociado da lógica da acumulação


capitalista, uma vez que a introdução das tecnologias é produzida pelo capital e não pelo
trabalho. As indústrias de transformação do pólo metal-mecânico de Caxias do Sul investiram
em automação microeletrônica através da instalação de equipamentos com
microprocessadores, pois possuíam tanto condições técnicas como financeiras para garantir
sua operacionalidade. Logo, as mudanças marcadas pelas inovações técnicas e
organizacionais demonstram a penetração da automação microeletrônica nos processos de
trabalho como paralelamente a implantação de novos paradigmas organizacionais.

O estudo aponta para a eliminação de postos de trabalho nos setores industriais equipados
com novas tecnologias, reduzindo a força de trabalho empregada. A justificativa da
eliminação de postos de trabalho foi de que a modernização tecnológica permitiu reorganizar
o trabalho, racionalizando-o e readaptando-o a novas funções produtivas, com fins de manter
padrões de qualidade.

O estudo aponta ainda que o processo de terceirização adotado nessas indústrias foi
promovido para obter racionalização do processo produtivo, diminuir gastos sociais e
aumentar a produtividade. Constatou-se também que muitos processos de terceirização
promoveram precarização da força de trabalho.

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EXERCÍCIOS DISSERTATIVOS:

1. Em que medida as novas tecnologias empregadas podem afetar as condições de


trabalho?

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U NIDADE 3
Desenvolvimento Industrial e Saúde

Objetivo: Situar a questão da saúde no contexto de desenvolvimento industrial

Nas próximas cinco unidades, entraremos em contato com a questão da saúde no contexto
de desenvolvimento industrial. Para tanto, leremos o artigo de Carlos Augusto Grabois
Gadelha da Fundação Oswaldo Cruz.

Em seu texto intitulado “Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial”


o autor situa a questão da saúde no contexto do “desenvolvimento nacional e da política
industrial. Tomou-se a ideia de corte estruturalista, marxista e schumpeteriano, onde a
indústria e as inovações constituem os elementos determinantes do dinamismo das
economias capitalistas e de sua posição relativa na economia mundial. Todos os países que
se desenvolveram e passaram a competir em melhores condições com os países avançados
associaram uma indústria forte com uma base endógena de conhecimento, de aprendizado e
de inovação. Todavia, na área da saúde essa visão é problemática, uma vez que os
interesses empresariais se movem pela lógica econômica do lucro e não para o atendimento
das necessidades da saúde”.

Introdução

O presente artigo situa a questão da saúde no contexto do desenvolvimento nacional e da


política industrial. Tomou-se a ideia de corte estruturalista, marxista e schumpeteriano, onde
a indústria e as inovações constituem os elementos determinantes do dinamismo das
economias capitalistas e de sua posição relativa na economia mundial. Todos os países que
se desenvolveram e passaram a competir em melhores condições com os países avançados,

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associaram uma indústria forte com uma base endógena de conhecimento, de aprendizado e
de inovação.

Todavia, na área da saúde, esta visão é problemática, uma vez que os interesses
empresariais se movem pela lógica econômica do lucro e não para o atendimento das
necessidades da saúde. A noção de complexo industrial da saúde constitui uma tentativa de
fornecer um referencial teórico que permita articular duas lógicas distintas, a sanitária e a do
desenvolvimento econômico. Isso porque a saúde, simultaneamente, constitui um direito de
cidadania e uma frente de desenvolvimento e de inovação estratégica na sociedade de
conhecimento.

O objetivo do presente trabalho foi mostrar, com base em dados sobre o potencial de
inovação no Brasil e de comércio exterior, como a desconsideração da lógica do
desenvolvimento nas políticas de saúde levou a uma situação de vulnerabilidade econômica
do setor que pode limitar os objetivos de universalidade, equidade e integralidade.

Desenvolvimento e política industrial: a tradição estruturalista na sociedade do


conhecimento

A questão do desenvolvimento e da política industrial sempre permeou o debate em torno do


papel do Estado para a superação das condições de atraso nos países subdesenvolvidos.
No Brasil, este debate norteou as contribuições da economia clássica do desenvolvimento
para pensar a superação da dependência e do subdesenvolvimento.

Citam-se diversos autores, como: Prebisch, Furtado, Tavares, Cardoso & Faletto, Cardoso
de Mello,5 entre muitos outros de tradição cepalina, sempre contrários à ideia de que as
forças naturais de mercado levariam a uma convergência na renda per capita e no padrão de
vida dos indivíduos. A mudança e a estratégia de desenvolvimento requeriam rupturas na
estrutura econômica e de ordem política e institucional.

É neste contexto teórico que políticas desenvolvimentistas foram perseguidas em diversos


países da América Latina no período de 1930 a 1980. A indústria era tomada como o núcleo

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central da estratégia daqueles países que almejassem superar a situação de dependência e
sua localização na periferia do sistema econômico.

A industrialização permitiria, a um só tempo: a produção de produtos com maior valor


agregado, a endogeneização da geração de progresso técnico, a melhoria na inserção
internacional – ou na linguagem cepalina, termos de troca entre bens industriais e primários.
Isso levaria, progressivamente, ao desenvolvimento e à redução da dependência frente aos
países desenvolvidos.

Em síntese, a luta pelo desenvolvimento era a luta pela industrialização. No nível político, a
indústria também permitiria uma nova aliança entre a burguesia industrial e os trabalhadores
em detrimento dos segmentos "atrasados" primário-exportadores. Assim, possibilitaria um
padrão de desenvolvimento mais inclusivo e igualitário, em conjunto com outras políticas,
como a de reforma agrária.

O processo de industrialização, de acordo com Tavares (1979), não era natural e envolvia
saltos qualitativos e rupturas na estrutura produtiva. Numa primeira fase, passaria pela
implantação de indústrias "leves" de menor necessidade de capital e de tecnologia para,
numa fase posterior, entrar nas indústrias pesadas de insumos básicos e de bens de capital.

Nessa segunda fase, o papel do Estado se mostrava central, permitindo o financiamento da


acumulação de capital e a coordenação dos investimentos complementares, inclusive na
infra-estrutura econômica. Os instrumentos utilizados iam desde a reserva de mercado para
o segmento privado nacional e estrangeiro até a constituição de empresas estatais de grande
porte.

Não cabe, para os objetivos do presente artigo, fazer uma crítica mais aprofundada desta
visão, mas apenas extrair algumas ideias mais importantes para o caso do Brasil por parte
de autores que compartilhavam, à época, da tradição cepalina e desenvolvimentista.

Sinteticamente, a despeito da problemática nacional ser tratada em profundidade, as


questões do modelo de desenvolvimento, da desigualdade, da exclusão eram incorporadas
segundo uma visão simplista da relação entre o Estado e a sociedade.

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Os interesses internos de classe associados ao capital internacional, não considerados
adequadamente, perpetuavam a dependência e a incorporação dos segmentos de baixo da
pirâmide social (Cardoso & Faletto, 1979). Na realidade, desconsiderava-se a realidade
endógena do desenvolvimento das forças capitalistas no Brasil num quadro de
desenvolvimento nacional, tardio no contexto histórico da fase avançada (ou oligopólica) do
capitalismo mundial e do passado escravagista e colonial. Ou seja, a questão do
desenvolvimento foi reduzida, em grande parte, à relação entre o centro e a periferia, sem
considerar a dinâmica capitalista interna, econômica, política e social, de um país atrasado e
dependente (Cardoso de Mello,5 1982).

Do ponto de vista das teorias mais recentes, que partem dos trabalhos de Schumpeter sobre
o desenvolvimento centrado no processo de inovação, pode-se afirmar que o modelo
tipicamente cepalino não distinguia entre capacidade produtiva incorporada em máquinas e
equipamentos e a capacidade tecnológica. Ou seja, em termos mais atuais, a base de
conhecimento e de aprendizado constituem os fatores dinâmicos mais destacados da
competitividade empresarial e nacional.

O caráter sistêmico da inovação, tendo a indústria como o núcleo dinâmico da geração e


difusão do progresso técnico, foi pouco considerado. Como consequência, pouco enfatizava
as competências requeridas a um processo contínuo de aprendizado e de constituição de
uma base endógena de inovação que permitisse a introdução de melhorias permanentes nos
bens, serviços e processos produtivos, elevando, inclusive, a capacidade de prospecção e de
absorção da tecnologia da fronteira internacional. Ou seja, atualmente se percebe
claramente que para o desenvolvimento econômico não basta ter capacidade produtiva, mas
também é essencial ter uma base sistêmica e industrial capacitada para a geração de
conhecimento e de inovação (Kim & Nelson,16 2005).

Independentemente das críticas e do processo concreto de expansão do capitalismo


periférico em certas situações ter sido extremamente excludente e desigual, como a
brasileira, o crescimento e diversificação do setor manufatureiro e a política industrial
estavam na raiz da superação da dependência e da mudança na divisão internacional do
trabalho. Isso une todos os autores citados, que focam sua preocupação no processo de

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desenvolvimento, tendo por base seu papel de motor do progresso técnico e da difusão de
inovações para todo o sistema, inclusive para a agricultura e para os serviços. A percepção
cepalina estruturalista constituiu uma referência muito forte que norteou as trajetórias de
desenvolvimento perseguidas pelo Brasil entre os anos de 1950 a 1980. Mesmo sob um
modelo excludente e concentrador, particularmente nos anos de autoritarismo, essa visão do
desenvolvimento esteve por trás de um processo vigoroso de crescimento econômico (acima
de 8% ao ano em média) acompanhado de fortes mudanças na estrutura produtiva.

A revolução neoliberal ocorrida no final dos anos 70 e nos anos 80, cujas ideias ainda são
muito presentes nas políticas públicas vigentes, atacou de modo incisivo a estratégia de
desenvolvimento adotada, modelo que ficou marcado como de substituição de importações,
negando o papel de indução e coordenação do Estado e acusando as políticas adotadas de
ineficientes e ineficazes. Agências internacionais como o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e o Banco Mundial (BIRD) adotaram em suas normas e políticas a visão de que o
papel essencial do Estado deveria ser criar os fundamentos ao bom funcionamento de uma
economia de mercado (seguindo o marketing conforming approach). Isso foi enfatizado em
documentos de referência da crítica e da proposição de um novo modelo (BIRD, 1,2 1993,
1997).

A experiência bem sucedida dos países do Leste Asiático foram inclusive (re) lidas, de modo
distorcido e falacioso, como casos bem sucedidos de desenvolvimento sem intervencionismo
seletivo do Estado na estrutura econômica, contrariando todas as evidências históricas.
Neste processo, o alvo principal do ataque foram as políticas desenvolvimentistas e a política
industrial, em particular (Gadelha,11 2001).

Na mesma direção, e como contraponto aos casos bem sucedidos, a experiência brasileira
era apresentada como um exemplo emblemático de fracasso do modelo de substituição de
importações. Ignorou-se que as bases materiais de um capitalismo mais desenvolvido tinham
de fato se constituído entre os anos 1950 e 1980, a despeito dos problemas já mencionados
relacionados à desigualdade, à exclusão e à precária base de inovações. O resultado deste
ataque e do esgotamento efetivo do modelo anterior frente aos novos desafios engendrados
pela globalização assimétrica e pela terceira revolução tecnológica foi mais de duas décadas

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de estagnação macroeconômica e de involução na estrutura industrial implantada
(Coutinho,8 2005).

No campo da saúde, em direção contrária a esta visão restrita do papel do Estado, são
lançadas as bases do Sistema Único de Saúde (SUS) justamente no final dos anos 80 e
início dos anos 90. O SUS teve as diretrizes da 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986
como marco, instituídas, em grande parte, na própria Constituição Brasileira de 1988 e na Lei
Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080 de 19/9/1990). Observe-se que esta última foi aprovada
pelo Congresso Nacional em pleno Governo Collor, que, por sua vez, e contraditoriamente,
representou a vitória do paradigma neoliberal na estratégia nacional que vem permeando as
sucessivas políticas econômicas implantadas desde então.

Assim sendo, em termos gerais, o setor saúde desenvolveu-se na contramarcha das


reformas liberalizantes, tendo se assentado num movimento político e social vigoroso (o
movimento ou "partido" sanitário), engendrando uma das mais importantes formas de
articulação federativa e de participação da sociedade civil nas políticas públicas nacionais
(Cordeiro,7 2001). Também é importante, em termos conceituais, a percepção promovida
pelo movimento sanitário e na academia de que a saúde não poderia ser tratada
setorialmente, apenas como combate às doenças. Ela está relacionada às condições gerais
de vida, o que remete à necessidade de um tratamento multissetorial integrado, envolvendo
a questão da promoção (Buss,3 2000) e, de modo ainda mais abrangente, do próprio padrão
nacional de desenvolvimento.

Todavia, essa visão integral da saúde e de sua relação com o desenvolvimento nunca
abordou sua relação com as estratégias para a atividade industrial e para a geração e
difusão de inovações em saúde, exceto na tradição das pesquisas e das ações relacionadas
à Avaliação Tecnológica em Saúde (ATS). Essa era numa perspectiva voltada
eminentemente para a regulação do processo de incorporação de tecnologias pelo sistema
de saúde, mediante análises econômicas do tipo custo-benefício em suas diversas vertentes.

Embora estratégica para a racionalidade do sistema e para o atendimento das necessidades


de saúde, esta forma tradicional do tratamento da questão tecnológica e da inovação no

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campo da saúde não abrange a saúde em uma outra dimensão. Isto é, a saúde como uma
frente importante de inovação, geração de renda e emprego e de desenvolvimento num
contexto de globalização excludente e assimétrica (Lastres et al,17 2005), onde a
dependência econômica aparece em diversas formas, inclusive, e de modo importante, na
produção de bens e serviços em saúde.

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U NIDADE 4
Saúde, Ciência e Tecnologia

Objetivo: Situar a questão da saúde no contexto de desenvolvimento industrial, ciência e


tecnologia

Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da


Fundação Oswaldo Cruz. Lembre-se de que em seu texto intitulado “Desenvolvimento,
complexo industrial da saúde e política industrial” o autor situa a questão da saúde no
contexto do “desenvolvimento nacional e da política industrial”.

Saúde, ciência e tecnologia

A literatura contemporânea sobre desenvolvimento mostra que a área de saúde constitui


uma frente importante para as atividades de ciência e tecnologia (C,T&I), de inovação, de
geração de emprego e renda e, portanto, de desenvolvimento econômico. Invariavelmente, é
uma das áreas líderes nos sistemas nacionais de inovação em conjunto com o complexo
industrial-militar (Rosemberg et al,20 1995).

Seguindo a própria lógica da concorrência capitalista (em bases oligopólicas), a produção


empresarial em saúde também constitui uma fonte de intensa geração de assimetrias, de
apropriabilidade privada dos frutos do progresso técnico e de exclusão de pessoas, regiões e
países.

A dependência e o subdesenvolvimento deixam, portanto, uma marca estrutural expressiva


também no campo da saúde, restringindo a evolução da atenção à saúde e a construção de
um sistema universal, equânime e integral. Isso coloca como desafio para os países menos
desenvolvidos a entrada de novos paradigmas tecnológicos, mediante a constituição de uma
base endógena de inovação em saúde e da montagem de uma indústria competitiva.

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Em síntese, não se pode tratar o padrão de desenvolvimento na sociedade do conhecimento
de um lado, e o sistema de saúde, de outro, como se fossem duas dimensões
independentes. O tratamento em separado, apenas sob uma lógica defensiva voltada para
proteção dos interesses e da pressão da indústria para a absorção de novos produtos e
processos no sistema, inadvertidamente faz com que as forças sociais, que historicamente
vêm lutando por um sistema de saúde amplo e inclusivo no Brasil, acabem atuando na
mesma direção do modelo neoliberal.

Por sua vez, esse modelo tem procurado vetar os processos endógenos de
desenvolvimento, de industrialização e de superação da dependência dos países menos
desenvolvidos, mediante a negação de políticas ativas e seletivas para a estrutura produtiva
nas áreas de maior dinamismo como a de saúde.

Assim, observa-se um duplo e contraditório ataque para a inovação em saúde vinculada ao


desenvolvimento das forças produtivas dos setores industriais. De um lado, de uma vertente
neoliberal que simplesmente descarta o papel do Estado na política industrial.

Do outro, uma vertente associada ao campo do pensamento crítico sanitarista que sempre
defendeu a ampliação do papel do Estado para a constituição de um sistema equânime e
universal, mas que, por raras vezes, relacionou a saúde como um campo vital para o
desenvolvimento nacional em bases empresariais.

A questão que se coloca é complexa, notadamente no campo político, mas seu


enfrentamento mostra-se absolutamente necessário. À agenda usual da pesquisa e da
política de saúde, coloca-se a necessidade de acoplar uma nova agenda voltada para a
concepção de políticas de desenvolvimento das atividades produtivas. Deve envolver
políticas científicas, tecnológicas e, fundamentalmente, políticas industriais e de inovação
para os distintos setores, inclusive para a área de serviços.

Nessa direção, torna-se necessário incorporar os temas ligados ao desenvolvimento das


atividades econômicas e à política industrial. Todavia, isso requer uma atualização para sua
adequação a uma sociedade em que as bases competitivas se assentam crescentemente no

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conhecimento e na inovação (Cassiolato, 1999). Entre esses temas de caráter analítico e
normativo, podem ser destacados:

 O estudo da dinâmica industrial e de inovação nas indústrias da saúde e sua


articulação com o sistema de atenção à saúde;

 A análise da constituição de uma base endógena de conhecimento em áreas


estratégicas do sistema produtivo da saúde, seguindo a premissa de que o
aprendizado ocorre com base numa capacitação local, tácita e sistêmica, se
distinguindo do simples processo de acesso e aquisição de informação;

 A constituição de redes técnico-produtivas, envolvendo um amplo conjunto de


organizações de produção, pesquisa, financiamento e regulação;

 A análise e promoção de atividades localmente interligadas que configuram arranjos


produtivos locais em saúde;

 A prospecção permanente de tecnologias portadoras de futuro;

 O estudo para a montagem de sistemas regulatórios não tradicionais no campo da


saúde como os ligados à propriedade intelectual e;

 Esforço para introduzir mudanças institucionais no setor produtivo e nas instituições de


suporte, sobretudo no âmbito financeiro e das organizações de pesquisa e de
tecnologia, envolvendo uma forte transformação do próprio Estado com a flexibilidade
e novos requerimentos, e desafios da terceira revolução industrial.

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U NIDADE 5
Saúde e Desenvolvimento

Objetivo: Situar a questão da saúde no contexto de desenvolvimento industrial

Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da


Fundação Oswaldo Cruz. Novamente, lembre-se que em seu texto intitulado
“Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial” o autor situa a questão
da saúde no contexto do “desenvolvimento nacional e da política industrial”.

O complexo industrial da saúde: em busca de uma visão integrada

É nesse contexto histórico, econômico e político que se desenvolve o conceito de complexo


industrial da saúde (Gadelha, 20024 e 200312). Procura-se captar, simultaneamente, a
dimensão sanitária e a econômica, numa perspectiva de pensar, no limite possível, a
interação entre saúde e desenvolvimento. Tal relação vai além da concepção de um sistema
de atenção adequado.

Remete, em última instância, para sua inserção numa estratégia de desenvolvimento que
privilegie, ao mesmo tempo, o dinamismo e atenuação da dependência econômica em áreas
estratégicas no atual contexto histórico, a exemplo dos equipamentos eletrônicos, da
biotecnologia e dos novos materiais.

O grande desafio é a constituição de um modelo que permita uma reestruturação da base


produtiva nacional na direção do dinamismo econômico e da superação do atraso em áreas
críticas para a atenuação da desigualdade e da exclusão social, como é o caso de todos os
segmentos que fazem parte do complexo da saúde.

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A noção de complexo industrial da saúde é a um só tempo, um corte cognitivo, analítico e
político. Como mostra a Figura 1, configura "(...) um conjunto selecionado de atividades
produtivas que mantêm relações intersetoriais de compra e venda de bens e serviços (sendo
captadas, por exemplo, nas matrizes de insumo-produto nas contas nacionais) e/ou de
conhecimentos e tecnologias (...)" (Gadelha,12 2003, p. 523).

Essas atividades produtivas estão inseridas num contexto político e institucional bastante
particular, envolvendo a prestação de serviços como o espaço econômico para o qual flui
toda a produção em saúde.

Assim, esta atividade está completamente inserida no complexo, tanto por crescentemente
se organizar em bases empresariais quanto por configurar o mercado em saúde, como
construção política e institucional. Isso confere organicidade ao complexo, permitindo
articular, num mesmo contexto, a produção de serviços e bens tão diferentes como
medicamentos, equipamentos, materiais diversos ou produtos para diagnóstico.

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A perspectiva é sistêmica, relacionada, portanto, ao conceito de sistema nacional de
inovação em saúde (Rosemberg et al, 1995). O conceito de complexo industrial da saúde
privilegia como elemento crítico desse sistema a atividade produtiva, considerando que o
núcleo da vulnerabilidade econômica do País na área da saúde é a fragilidade do sistema
industrial e empresarial brasileiro. A capacidade de inovação do País é determinada pelo
potencial de transformação de conhecimentos em bens e serviços novos ou melhorados em
sua qualidade e/ou processo produtivo.

Essa capacidade, no Brasil, é descolada da base científica e tecnológica nacional e das


necessidades do sistema de saúde, principalmente pela baixa capacitação empresarial em
realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento (Gadelha, 2005). Nesta perspectiva, pode-
se afirmar que constitui um esforço de recuperar a perspectiva estruturalista, enfatizando a
questão do desenvolvimento, da dependência e da política industrial e de inovação na área
da saúde, no contexto histórico da globalização assimétrica e da revolução tecnológico-
industrial em curso.

Tomando essa referência teórica do complexo industrial da saúde no contexto do padrão


nacional de desenvolvimento, e tendo por foco seu potencial de inovação e o perfil das
atividades que são efetuadas no País, trata-se agora de situá-lo frente à histórica questão da
dependência e do desenvolvimento.

Os dados mais recentes sobre a capacidade empresarial de inovação foram levantados pela
Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) 2003 (IBGE, 2005). Esta iniciativa
recente e de grande relevância evidencia a baixa intensidade de inovação das indústrias da
saúde, com dados específicos para a indústria farmacêutica (fabricação de produtos
farmacêuticos) e de equipamentos médico-hospitalares, embora nesta última categoria
estejam incluídos outros produtos não relacionados à saúde (instrumentos de precisão e
ópticos, automação industrial, cronômetros e relógios).

Os dados específicos são reveladores, mesmo considerando que relativamente, à média da


indústria essas atividades estão bem posicionadas. Em termos gerais, a taxa de inovação

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parece elevada: 50,4% das empresas farmacêuticas e 45,4% das empresas de
equipamentos introduziram alguma inovação de produto ou processo entre 2001 e 2003.

Todavia, os dados mais desagregados mostram que essas atividades se concentraram


largamente na aquisição de equipamentos para a melhoria de processos e em produtos e
processos novos para as empresas, mas não para o mercado nacional. Foram gastos com
atividades internas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) apenas 0,53% das receitas
líquidas nas empresas "inovadoras" farmacêuticas e 1,22% nas empresas de equipamentos
que introduziram alguma inovação no mercado. Outros dados, cujo detalhamento não
caberia no presente artigo, mostram também a pouca importância na relação com
instituições de C&T para a realização de atividades de P&D, o reduzido nível de cooperação
e alianças para o desenvolvimento de inovações e o impacto reduzido dos programas
governamentais. Apenas 16% das empresas inovadoras receberam algum apoio do Estado
nos dois setores, sendo o risco econômico de mercado (condições de mercado e riscos
econômicos) o fator mais crítico que tem limitado ou mesmo bloqueado as estratégias mais
intensas de inovação.

Por trás desses indicadores, torna-se necessário abrir o complexo da saúde pelos seus
segmentos, procurando captar o perfil das atividades produtivas realizadas no Brasil. Para
tanto, os melhores indicadores são os relacionados à balança comercial, uma vez que
espelha em quais segmentos o País é capacitado ou dependente de importações.

Como a noção de complexo industrial remete fundamentalmente para a base produtiva


existente no País, este indicador é muito mais relevante do que outros relacionados a
publicações científicas e mesmo patentes. Esses últimos indicadores, no Brasil, refletem
muito mais a capacitação em pesquisa aplicada e não necessariamente o potencial de
inovação que sempre deve ser relacionado à base empresarial.

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U NIDADE 6
Saúde e Desenvolvimento

Objetivo: Situar a questão da saúde no contexto de desenvolvimento industrial e


dependência do comércio exterior

Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da


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“Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial” o autor situa a questão
da saúde no contexto do “desenvolvimento nacional e da política industrial”.

Dependência do comércio exterior

Com base neste referencial teórico, a situação de dependência foi caracterizada mediante
um levantamento e sistematização dos dados de comércio exterior para o complexo da
saúde em seu conjunto e para cada um dos segmentos. As informações utilizadas foram
aquelas disponíveis nos bancos de dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério
de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (SECEX, Rede Alice).

Em linhas gerais os seguintes procedimentos metodológicos foram adotados, conforme


Gadelha (2002):

Base de informação primária. Essa base foi concentrada no período de 1997 a 2001, uma
vez que em 1997 houve mudança expressiva na classificação dos produtos comercializados
fruto da substituição da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM) para a Nomenclatura
Comum do Mercosul (NCM).7

Para captar o ocorrido nos anos 90, tomaram-se como base os estudos setoriais
disponíveis, que se mostraram adequados e suficientes para os objetivos pretendidos (Negri
& Giovanni, 2001). As dificuldades na base NCM para a identificação dos segmentos
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industriais da saúde consistiam em problemas de identificação dos produtos, quando
inseridos em categorias mais abrangentes e pouco definidas como as dos itens "outros" ou
em que o uso do produto não é específico à área da saúde. Embora houvesse essas
dificuldades, pôde-se trabalhar numa base primária mais homogênea, sem perder de vista a
dinâmica desses segmentos no período inicial da liberalização comercial.

Segmento farmacêutico. Foi adotado o procedimento usual de separar medicamentos


(produtos formulados) e fármacos (princípios ativos). Na indústria de medicamentos foram
utilizados os itens que constam no Capítulo 30 da NCM onde se concentram os produtos
farmacêuticos. Incluíram-se medicamentos apresentados na forma de doses ou
acondicionados para venda a retalho, extratos, substâncias humanas ou animais preparados
para fins terapêuticos ou profiláticos e medicamentos não apresentados em doses.

Não foram considerados sangue humano, sangue animal, antisoros, outras frações do
sangue, produtos imunológicos, vacinas, toxinas e outros produtos incluídos na análise
específica dos segmentos de vacinas, reagentes, hemoderivados, soros e toxinas, em
decorrência dos propósitos específicos do estudo.

Fármacos. Foi mantido o recorte de subitens do capítulo de produtos químicos orgânicos


(Capítulo 29 do NCM). Nesse recorte estão contemplados os fármacos e os intermediários
utilizados em sua produção. Devido ao fato dos intermediários e dos fármacos poderem ser
usados em outras indústrias, além de alguns códigos poderem envolver substâncias não
farmacêuticas, é possível a obtenção de alguns valores superestimados. Esses produtos
podem ser usados em indústrias de alimentos, cosméticos, análises clínicas e até na
indústria de plásticos (aditivos para borrachas e plásticos e corantes). Todavia, o risco de se
subestimar alguns valores também é presente pelo fato de os produtos químicos inorgânicos
utilizados na indústria farmacêutica e alguns orgânicos terem ficado de fora da análise. Em
todo caso, a despeito destes problemas inerentes ao padrão de classificação adotado pela
NCM, os valores agregados constituem um bom indicador do desempenho global do
segmento.

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Equipamentos e materiais. Seguindo a metodologia de Furtado & Souza9 (2001),
complementada com o recorte utilizado pela associação setorial (Associação Brasileira da
Indústria Médico-Odontológica - ABIMO), classificou-se os subitens da NCM em quatro
grupos, a saber: grupo 1: instrumentos médico-hospitalares;

grupo 2: aparelhos e equipamentos eletromédicos, odontológicos e laboratoriais;

grupo 3: próteses e órteses;

grupo 4: materiais de consumo.

Os reagentes de diagnóstico/laboratório em suporte e os reagentes para determinação dos


grupos/fatores sangüíneos foram excluídos do grupo de materiais de consumo (grupo 4),
pois estes dois itens foram incluídos no segmento de reagentes para diagnóstico. Em que
pesem as inclusões e exclusões efetuadas, fruto das necessidades específicas e do corte
analítico adotado no estudo, os valores são bastante próximos e comparáveis com os
apresentados na literatura e pela associação empresarial.

Hemoderivados. Foram agregadas às frações do sangue, os produtos imunológicos


modificados, entre outros relacionados ao sangue e seus derivados.

Reagentes para diagnóstico. O diagnóstico no período recente, infelizmente, não permitiu


um nível de desagregação recomendado para uma avaliação da competitividade dos
diferentes produtos, uma vez que incorporam bases tecnológicas bastante distintas. Não
obstante, o corte metodológico procurou fazer uma seleção dos produtos item a item, em
diferentes capítulos e posições da NCM, incluindo os reagentes para diagnóstico de origem
microbiana, os reagentes para determinação dos grupos/fatores sanguíneos, os meios de
cultura e os reagentes de diagnóstico em suporte.

Vacinas. Tomaram-se como base para a análise as vacinas para medicina humana que,
infelizmente, não estão desagregadas na forma do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Porém, incorporam tanto os bens acabados quanto os insumos importados e o atendimento
do mercado público e privado.

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Soros e toxinas. Neste caso, o corte foi imperfeito pela diversidade do uso; foram incluídos
os soros antiofídicos, antitetânico, antisoros polivalentes, toxinas, antitoxinas de origem
microbiana e outros produtos, que permitem uma visão geral de sua evolução.

Com base nesta metodologia de tratamento da balança comercial em saúde, levantaram-se


as informações em dólares (FOB - Free On Board) para o complexo e para seus segmentos
no período 1997 a 2004. Procedeu-se à atualização monetária para o ano de 2004 com base
no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) dos Estados Unidos, tendo-se, portanto, valores
reais para subsidiar a análise.

Em termos gerais, analisando o período como um todo, conforme mostrado na Tabela 1,


parece ter havido melhoria nas condições externas do complexo relacionas à balança
comercial. O ano de 1998 foi o de pior desempenho no déficit comercial, atingindo um valor
real de US$3,8 bilhões, sendo também o de maior valor nas importações (US$4,48 bilhões)
efetuadas pelas indústrias do complexo. Em 2003, estes valores atingiram um patamar
reduzido frente ao final dos anos 90, chegando o déficit a um valor inferior a US$2,5 bilhões
pela primeira vez nos oito anos analisados, fruto da redução nas importações.

Todavia, este quadro da balança comercial do complexo não é muito alentador quando se
efetuam considerações de ordem macroeconômica e uma análise mais desagregada por
produtos e blocos de países. Do ponto de vista macroeconômico, houve um claro impacto da

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evolução da taxa de câmbio no desempenho do setor, sendo mais forte do que avaliado em
trabalho anterior (Gadelha,12 2003).

Como há certa defasagem entre a evolução do câmbio e seu resultado nas importações e
nas exportações, pode-se inferir que o elevado patamar das importações até 2001 foi, em
parte, decorrente da taxa ter sido excessivamente valorizada até 1999, tornando as
importações do complexo competitivas (ou seja, mais baratas) frente à oferta local. Nos anos
de 2002 e 2003 o déficit se reduziu acentuadamente atingindo seu menor valor neste último
ano, fruto dos efeitos, retardados no tempo, da forte desvalorização cambial ocorrida em
1999. .

Em 2004, as importações voltaram a crescer em quase 20%, fato possivelmente relacionado


à nova valorização cambial associada ao ajuste macroeconômico efetuado com base em
elevadas taxas de juros. Esse cenário se mostrou muito atraente para a entrada de capital,
que levou à valorização da taxa de câmbio desde o início de 2003.

Aqui já aparece uma primeira fonte de vulnerabilidade econômica do complexo industrial da


saúde: sua forte dependência das condições externas e da política macroeconômica.
Qualquer movimento na taxa cambial pode levar a uma explosão do gasto em saúde ou com
as importações. Sob uma determinada conjuntura, a desvalorização do câmbio, ao menos
num primeiro momento, antes de gerar seus efeitos na redução das aquisições externas e no
aumento das exportações, pode levar a uma pressão nos gastos de saúde (encarecimento
em reais das importações) incompatível com as disponibilidades orçamentárias. Sob outra
conjuntura macroeconômica, uma valorização cambial, como a assistida no presente, pode
levar a uma explosão das importações e ao aumento da demanda de divisas externas para
fazer frente às necessidades de saúde.

Em ambas as situações, o que fica claro é que o modelo econômico de ajustamento externo
e interno interfere diretamente nas ações de saúde, limitando seus graus de liberdade e,
portanto, a própria política social vinculada ao acesso e à inclusão. A relação entre padrão de
desenvolvimento, política industrial e condições de saúde fica evidente, mostrando o risco de
excessiva dependência externa para viabilizar a política de saúde e seus objetivos.

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Todavia, há também questões estruturais que a análise dos dados permite evidenciar, sendo
ainda mais relevantes numa perspectiva de desenvolvimento em longo prazo. A Tabela 2
mostra, em termos da linha de produtos, que a dependência de importações se concentra
nos produtos de maior intensidade tecnológica e de conhecimento.

Confirmando esta indicação da concentração da dependência nos segmentos mais


dinâmicos, a análise do destino e origem por blocos econômicos confirma essa hipótese. As
exportações brasileiras em saúde se destinam majoritariamente para blocos menos
desenvolvidos, sendo que o Mercosul e o "Resto do Mundo" participaram, em 2004, por 61%
das vendas externas. Enquanto isso, 73% das importações foram provenientes dos países
mais desenvolvidos na União Européia e do North American Free Trade Agreement (NAFTA
- EUA e Canadá, sobretudo).

Há, portanto, uma clara assimetria nas relações internacionais brasileiras, evidenciando a
dependência de tecnológica em produtos mais intensos em termos de conhecimento
provenientes dos países mais desenvolvidos.

Para estes casos, não há muita sensibilidade das compras externas frente ao preço e à taxa
de câmbio. Para executar as ações de saúde, o País acaba tendo que importar produtos de
alta tecnologia dos países mais desenvolvidos a qualquer custo. É isso que explica que, após
o salto no déficit comercial no final dos 80, estimado em US$700 milhões com base na
literatura existente (Negri & Giovanni, 18 2001), o patamar de importações do País nunca é
inferior a US$3 bilhões. Já nos segmentos e mercados sensíveis aos preços e, logo, à taxa
cambial, a competitividade local se vincula a produtos e processos de menor intensidade de
tecnologia, como também evidenciaram os dados do IBGE15 (PINTEC, 2003) analisados
anteriormente.

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U NIDADE 7
Saúde e desenvolvimento

Objetivo: Situar a questão da saúde no contexto de desenvolvimento industrial, em que pese


o campo das indústrias de base biotecnológica.

Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da


Fundação Oswaldo Cruz. Novamente, lembre-se de que em seu texto intitulado
“Desenvolvimento, complexo industrial da saúde e política industrial” o autor situa a questão
da saúde no contexto do “desenvolvimento nacional e da política industrial”.

Setor industrial e saúde

Na área de equipamentos e materiais, que foi uma das que mais reduziu as importações ao
longo do período, a dependência se concentra nos equipamentos eletrônicos, que
certamente constituem os bens de maior complexidade e potencial de inovação. Há uma
indústria importante de fabricação instalada no País e que deu boas respostas frente à
demanda local, mas, no contexto da revolução microeletrônica e das condições cambiais,
sua capacidade competitiva no futuro pode estar claramente ameaçada.

No campo das tecnologias de base biotecnológica (hemoderivados, diversos produtos para


diagnóstico, vacinas e soros e toxinas), todos estão elevando suas importações, em alguns
casos de modo muito acentuado. No caso dos hemoderivados a situação é explosiva, com
as importações já atingindo quase US$300 milhões, triplicando no período analisado em
termos reais. Se não forem implementadas ações urgentes de desenvolvimento e produção
industrial, o País pode vir a ter sérias dificuldades em sua bem sucedida política de acesso a
estes produtos.

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No caso dos reagentes para diagnóstico, a despeito dos dados serem muito agregados, o
déficit permanece crônico, tendo havido uma expansão muito acentuada no último ano do
período. Esta situação reflete a perda de oportunidade para entrar num segmento
tecnológico promissor em termos da capacidade de interação entre o sistema de C&T e a
indústria, considerando que o salto tecnológico entre as atividades laboratoriais e as
industriais é relativamente menor frente a outros setores.

Por fim, na área de vacinas e de soros e toxinas (Figura 8), há uma clara piora na situação
comercial, com um crescimento acentuado nas importações e no déficit comercial. Em parte,
este processo pode ser resultado das estratégias dos principais produtores nacionais (Bio-
Manguinhos/Fiocruz e Butantan) de estabelecer acordos de transferência de tecnologia com
as grandes líderes da indústria mundial, mediante compromissos de importação durante o
período de absorção tecnológica. Todavia, há o risco, inerente a estes tipos de contrato, da
fronteira tecnológica se deslocar ao término do período, recolocando a questão da
dependência.

Em síntese, a análise da balança comercial do complexo industrial da saúde reflete como o


padrão nacional de desenvolvimento induz a uma precária especialização da base produtiva
e a uma inserção internacional fortemente assimétrica, tornando o sistema de saúde
vulnerável e dependente.

Considerações finais e perspectivas

Os resultados permitiram evidenciar a necessidade de pensar a saúde no contexto geral da


estratégia de desenvolvimento e da redução da dependência do País, o que deveria
constituir um desdobramento natural da concepção ampla (e não setorial) da saúde. O
conceito de complexo industrial da saúde, nesta perspectiva, se mostra útil, ao se relacionar
justamente a necessidade de articulação da lógica sanitária com a lógica econômica do
desenvolvimento na área da saúde. Seu estudo, com ênfase na questão da inovação e do
padrão de especialização do País no contexto mundial, evidenciou a desconsideração,
analítica e normativa, da dinâmica econômica setorial. Isso traz como consequência, uma

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extrema vulnerabilidade à política nacional de saúde, podendo implicar em riscos aos
objetivos de universalidade, equidade e integralidade.

Como desdobramento político, esta análise coloca a questão da articulação da política


industrial com a política de saúde no centro de uma estratégia de desenvolvimento do
complexo, tendo como pano de fundo o debate e a perspectiva de um novo modelo de
desenvolvimento para o País. Esse modelo deve privilegiar, ao mesmo tempo, a dinâmica de
inovação e desenvolvimento da indústria e a inclusão social, retomando a perspectiva
estruturalista colocada desde Furtado (1961), numa releitura contemporânea.

No período recente, alguns passos importantes, ainda que insuficientes, foram dados. No
campo da política industrial, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITCE), lançada em novembro de 2004, incorporou segmentos-chave do complexo
industrial da saúde.

A indústria farmacêutica, numa percepção ampla, que inclui medicamentos, fármacos,


hemoderivados e vacinas, foi selecionada como uma das quatro opções estratégicas
relacionadas às áreas de elevado dinamismo e intensidade de conhecimentos. Esta política
já implicou na mobilização de instrumentos importantes de financiamento (como o Programa
de Apoio de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica – Profarma, do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de outras iniciativas relacionadas aos
investimentos públicos em medicamentos e hemoderivados. Além disso, uma das outras
opções estratégicas são os bens de capital, com uma articulação para priorização dos
equipamentos médicos no âmbito desta política, mediante a intervenção da recém-criada
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Ademais, algumas medidas genéricas para a melhoria no ambiente institucional vêm


facilitando e flexibilizando a relação de instituições de pesquisa com o setor produtivo privado
(Lei n. 10.973 de 2/12/2004 - "Lei da Inovação"). A concessão de incentivos fiscais às
empresas, incluindo os investimentos em tecnologia (Lei n. 1.196 de 21/11/2005 - antes
conhecida como a "MP do Bem"), também atua na direção de se criar um ambiente favorável
à inovação e aos investimentos nas indústrias da saúde.

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No campo da política de saúde, pode-se afirmar que a questão do complexo industrial da
saúde começa a fazer parte de inúmeros documentos de política (na forma de "Complexo
Produtivo da Saúde"). Estabelecem-se diretrizes inclusive no Plano Nacional de Saúde
vigente, além de um conjunto de políticas setoriais, como para os medicamentos genéricos,
estratégicos, excepcionais e para Aids. Além disso, na própria estrutura do Ministério da
Saúde, foi criada a Secretaria Nacional de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos,
passando a haver um locus específico voltado para o desenvolvimento científico, tecnológico
e industrial em saúde, deixando a questão industrial de ser tratada de forma independente da
questão da geração de conhecimentos.

Em síntese, o contexto atual se mostra muito mais favorável do que foi no passado. Não
obstante, ainda há muito a avançar em uma ruptura cognitiva e política com as visões
antagônicas que ainda separam em campos muito estanques as necessidades da saúde e
as necessidades do País no desenvolvimento industrial. A não utilização, na prática concreta,
do poder de compra associado à política de saúde para o desenvolvimento tecnológico e
industrial constitui um exemplo destacado de que a dicotomia entre as duas lógicas ainda
persiste. Nessa direção, a necessidade de superação desta dicotomia mostra-se essencial.
Um país que pretende chegar a uma condição de desenvolvimento e de independência
requer, ao mesmo tempo, indústrias e fortes e inovadoras, e um sistema de saúde inclusivo e
igualitário. Este talvez seja um dos mais importantes desafios estratégicos do Sistema de
Saúde brasileiro.

ATIVIDADES OPTATIVAS:

1. Discuta em que medida o setor de biotecnologia e saúde pode contribuir com ganhos em
CT&I nos países em desenvolvimento.

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U NIDADE 8
ERGONOMIA, COMUNICAÇÃO E RUÍDO

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e a interação “homem – máquina” em termos de


comunicação

Nas próximas unidades, você terá acesso ao artigo de Ana Maria de Moraes intitulado “A
ergonomia e a minimização do ruído comunicacional no trabalho”, A leitura do presente artigo
nos oferecerá um alicerce teórico para a compreensão da articulação entre as diferentes
dimensões da interação “homem-máquina” bem como elementos para podermos situar o
papel da ergonomia nesse processo. Destes processos, resultam ruídos ergonômicos -
desconfortos, dores, doenças, incidentes e acidentes - que dificultam o desempenho
sensório-motor e cognitivo do homem - usuário, operador, consumidor, trabalhador – e
perturbam mais ainda a comunicação entre homens e homens e entre homens e máquinas.

Ergonomia e Comunicação

MONTMOLLIN (1970) define a Ergonomia como a "tecnologia das comunicações nos


sistemas homens-máquinas". E acrescenta mais adiante: "as comunicações entre o homem
e a 'máquina' definem o trabalho".

A inserção das interações do Sistema Homem-Máquina nas categorias do processo


comunicacional demanda a explicitação de alguns conceitos e a análise de alguns modelos
da comunicação. Desde suas origens, a Ergonomia utiliza o modelo de Shannon e Weaver
para explicitar as interações entre os homens e as máquinas.

A crítica aos modelos lineares e o estudo dos modelos de convergência da comunicação


permitem integrar os componentes do modelo sistêmico básico da Ergonomia no que existe
de mais atual na Teoria da Comunicação. Deste modo, renova-se concomitantemente a

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abordagem ergonômica das relações entre o homem e a máquina nos sistemas homem-
tarefa-máquina

Sistema de informação e processo de comunicação

A Teoria da Informação foi formalizada, nas primeiras décadas deste século, por Claude E.
Shannon e Waren Weaver. Na origem, os engenheiros da Bell Telephone elaboraram esta
teoria para determinar quais as condições de uma transmissão eficaz de uma dada
mensagem entre um emissor e um receptor e explicar as perturbações possíveis. O sistema
proposto por esses autores (engenheiros de telecomunicações) baseia-se principalmente na
teoria matemática da informação.

Preocupa-se, sobretudo, com a transmissão de mensagens pelos canais físicos (telégrafo,


rádio etc), através de aparelhos elétricos e eletrônicos, com a utilização eficiente dos meios
ou canais disponíveis - ou seja, um máximo de informação e um mínimo de ruídos.

Seu objetivo era medir a quantidade de informação suportável por um dado canal em dadas
circunstâncias, prever e corrigir as distorções passíveis de ocorrer durante a transmissão,
calcular o grau de receptividade da mensagem. Apresentava-se, portanto, como uma técnica
da engenharia de comunicações. Claude E. Shannon e Waren Weaver propuseram uma
formulação definitiva desse modelo em sua obra, The Mathematical Theory of
Communication (Urbana, University of Illinois Press, 1949).

Suas proposições, no entanto, logo se demonstraram utilizáveis em outros setores que não
aqueles cobertos pelo campo da engenharia. Verificou-se que os fatos da comunicação, em
sua generalidade, poderiam ser abordados através do instrumental de Shannon e Weaver.
Esta passagem, frequentemente foi acompanhada por um certo abandono das bases
matemáticas.

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Modelagem do processo comunicacional

Shannon e Weaver definiram comunicação como "todos os procedimentos pelos quais uma
mente afeta uma outra", mas o seu modelo objetivava a engenharia eletrônica, ressaltava a
comunicação eletrônica e o equipamento de circulação de informação, e abstraía as pessoas
envolvidas no processo.

Os elementos essenciais desse modelo, em RABAÇA e BARBOSA (1987), são os seguintes:

1) Uma fonte de informação seleciona, de um conjunto de mensagens possíveis, uma


mensagem;

2) O transmissor converte a mensagem em sinais, de acordo com um código


predeterminado e os transmite através de um canal adequado;

3) O receptor decodifica ou demodula os sinais recebidos para recuperar a mensagem


original e transmite a mensagem para o destinatário;

4) O destinatário recebe a mensagem e a interpreta.

Trata-se, essencialmente, de um modelo linear, unidirecional, esquerda-direita, da


comunicação.

Cabe mencionar que a comunicação interpessoal é uma preocupação de Weaver: "quando


falo com outra pessoa, o meu cérebro é a fonte de informação; o cérebro do outro é o
destinatário; meu sistema vocal é transmissor, e o seu ouvido o receptor" (Warren Weaver).
O conceito de ruído (tudo que interfere na transmissão e dificulta a recepção da mensagem)
também está presente no modelo de Shannon e Weaver.

No entanto, como diz COELHO NETTO (1980), como num passe de mágica esse modelo foi
transposto em sua totalidade para o domínio do tratamento da comunicação humana.
Aplicou-se o modelo de Shannon e Weaver aos mais diversos contextos: à biologia, à
psicologia, à sociologia, à linguística.

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Os trabalhos referentes à teoria da informação deram lugar a múltiplas aplicações no
domínio das ciências humanas, ao mesmo tempo em que se desenvolvia um novo campo
científico - a cibernética, cujas características essenciais foram descritas por Norbert Wiener
(1948). Passou-se a falar em quantidade de informação, em limiares de percepção, em
capacidade numérica de absorção de mensagens e a manipular a questão da interpretação
humana como se fosse uma série de caixinhas mecânicas, tal como o esquema de Shannon
e Weaver evidencia muito bem.

Foi Norbert Wiener quem elaborou a noção de feedback ou de retroação que considera a
possibilidade de “resposta” do destinatário da mensagem. Num sistema cibernético, o
feedback permite a regulação cíclica: a modificação de uma das grandezas de saída reage
sobre as grandezas de entrada a fim de manter o equilíbrio do sistema.

É a reação do efeito sobre a causa. Ao esquema unidirecional da teoria da informação de


Shannon e Weaver acrescentou-se um fluxo inverso que parte do destino para a fonte - tudo
o que vai, em contracorrente, do receptor para o emissor constitui um fenômeno de
retroação.

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U NIDADE 9
Ergonomia, Comunicação e Ruído

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e a interação “homem – máquina” em termos de


comunicação

Nesta unidade, você continuará lendo o artigo de Ana Maria de Moraes intitulado “A
ergonomia e a minimização do ruído comunicacional no trabalho”, A leitura do presente
artigo, como dissemos, nos oferecerá um alicerce teórico para a compreensão da articulação
entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina” bem como elementos para
podermos situar o papel da ergonomia nesse processo.

Destes processos, resultam ruídos ergonômicos - desconfortos, dores, doenças, incidentes e


acidentes - que dificultam o desempenho sensório-motor e cognitivo do homem - usuário,
operador, consumidor, trabalhador – e perturbam mais ainda a comunicação entre homens e
homens e entre homens e máquinas. Nesta parte a autora apresenta alguns exemplos de
modelos lineares de comunicação.

Alguns exemplos de modelos lineares da comunicação

= Lasswell

O modelo do cientista político Harold LASSWELL (1948), em RABAÇA e BARBOSA (1987),


consiste em "Quem disse o quê, em que canal, para quem, e com que efeito?" A adição do
canal como um elemento específico foi uma resposta ao crescimento de novos meios de
comunicação, tais como imprensa, telégrafo e rádio. A inclusão de efeitos foi uma quebra
importante com os modelos anteriores, que atendiam principalmente a propósitos descritivos.
O estudo dos efeitos inicia um novo campo: o enfoque comunicacional da mudança
comportamental humana.

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Lasswell propõe um modelo que visa primacialmente orientar o exame dos diversos aspectos
da comunicação de massa - o estudo de cada uma dessas questões implica modalidades
específicas de análise do processo comunicacional:

1) Quem (fatores que iniciam e guiam o ato da comunicação) - o estudo desse item
implica uma análise de controle.

2) Diz o quê - implica uma análise de conteúdo.

3) Em que canal (meios interpessoais ou de massa) - implica uma análise dos meios.

4) A quem (pessoas atingidas por esses meios) - implica uma análise de audiência.

5) Com que efeitos (impacto produzido pela mensagem sobre a audiência) – implica
análise do efeito.

Pode-se ainda acrescentar ao modelo original de Lasswell, uma questão referente às


causas, aos antecedentes ou intenções da mensagem, e uma outra relativa às condições em
que a mensagem foi recebida.

= Berlo

ROGERS e KINCAID (1981) observam que, embora o modelo de David K. BERLO (1963)
seja essencialmente linear (fonte, mensagem, canal, receptor), o próprio Berlo adverte que "é
perigoso assumir que um (dentre esses elementos) vem primeiro, outro por último, ou que
eles sejam independentes uns dos outros. Isto contradiz o conceito de processo, e
comunicação é um processo". Berlo afirma: - "O comportamento da fonte não ocorre
independentemente do comportamento do receptor ou vice-versa. Em qualquer situação de
comunicação, a fonte e o receptor são interdependentes".

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A partir de BERLO (1963), podemos dizer que toda a comunicação humana tem alguma
fonte - uma pessoa ou um grupo de pessoas com um objetivo, uma razão para empenhar-se
em comunicação.

Estabelecida uma origem, com ideias, necessidades, intenções, informações e um objetivo a


comunicar, torna-se necessário o segundo ingrediente. O objetivo da fonte tem de ser
expresso em forma de mensagem. Na comunicação humana, a mensagem existe em forma
física - a tradução de idéias, objetivos e intenções num código, num conjunto sistemático de
símbolos.

Segundo ROGERS e KINCAID (1981), anos depois de estabelecer o modelo F (fonte) - M


(mensagem) - C (canal) - R (receptor), Berlo aceitou as críticas ao modelo linear: "nossa
visão da pesquisa (com o foco sobre os efeitos da comunicação) e nossa visão da
comunicação (como um processo) são contraditórias".

Berlo afirmou: "Poder-se-ía argumentar que o modelo F-M-C-R não se pretendia um modelo
de comunicação, que não considerava nenhum dos testes de modelagem teórica, e que se
desenvolveu como uma ajuda áudio-visual para facilitar a memorização de relações da
comunicação". Berlo acusa a "fertilidade limitada da tradição de pesquisa" na qual ele foi
treinado (principalmente o enfoque psicológico da pesquisa experimental baseada na
pesquisa unidirecional).

Berlo acusa ainda que os modelos lineares do processo "faz-isto-para-os-outros", como a


persuasão, são apropriados para a maioria das comunicações humanas, embora não o
sejam para as comunicações mais importantes: "Eu não reconheço assunções subjacentes
ao determinismo causal linear que possam considerar a maior proporção dos eventos da
comunicação. Berlo conclui que o interesse na comunicação está mudando, principalmente
da persuasão direcional, onde modelos lineares foram mais satisfatórios, para "comunicação-
como-troca".

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Crítica dos modelos lineares da comunicação

Os modelos lineares da comunicação eram úteis para o propósito de desenhar experimentos


de laboratório, que assumem a causalidade unidirecional dos componentes do modelo em
relação aos efeitos da comunicação.

Acorde ROGERS e KINCAID (1981), ao olhar para trás, para 1948 ou 1949, com a vantagem
do ponto de vista de hoje, imagina-se porque o livro de Shannon e Weaver teve um impacto
tão grande no estudo científico da comunicação, em comparação com o livro 'Cybernetics' de
Norbert Weiner (1948), que apareceu mais ou menos na mesma época.

Evidentemente, um modelo linear de comunicação se adaptava melhor ao campo, então


emergente, da comunicação do que o modelo cibernético. O professor Wilbur Schramm, um
dos reprodutores do modelo linear na década de 50, mais tarde, nos anos 70, liderou o
movimento pelos modelos relacionais. Dizia ele:

"A mudança mais dramática na teoria geral da comunicação durante os últimos 40 anos foi o
abandono gradual da idéia de uma audiência passiva, e a sua substituição pelo conceito de
uma audiência altamente ativa e altamente seletiva, manipulando mais do que sendo
manipulada por uma mensagem - um parceiro integral no processo de comunicação".

Podia-se justificar tal assunção nos estudos de propaganda e persuasão, especialmente


quando se transmitiam as mensagens por meios de comunicação de massa. Estes modelos
descreviam um ato simples de comunicação, mas não o processo de comunicação. Muitos
aspectos importantes da comunicação humana não se adaptam aos modelos lineares e
tendem a ser ignorados pelas pesquisas de comunicação baseadas em modelos lineares.

"A maior diferença entre os fenômenos físicos e a comunicação humana é que os 'objetos' da
comunicação humana (diferentemente das bolas de bilhar) têm seus próprios propósitos. Os
seres humanos nem sempre usam a informação do modo que a 'fonte' pretende, ou da
maneira que é necessariamente interpretada pelo observador/ pesquisador. Estes fatores
são explicitamente considerados no modelo de convergência da comunicação" (ROGERS e
KINCAID, 1981).

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KRISTEVA (1988) ao analisar a relação entre a linguagem e o pensamento afirma que se a
linguagem é a matéria do pensamento, é também o próprio elemento da comunicação social.
Do mesmo modo que não há sociedade sem linguagem, também não existe sociedade sem
comunicação. Tudo o que se produz como linguagem tem lugar na troca social para ser
comunicado.

A autora enfatiza o papel ativo do receptor ao afirmar que a linguagem é um processo de


comunicação de uma mensagem entre dois sujeitos falantes pelo menos. “(...) cada sujeito
falante é simultaneamente o destinador e o destinatário da sua própria mensagem, visto que
é capaz de ao mesmo tempo emitir uma mensagem decifrando-a, e em princípio, não emite
nada que não possa decifrar”. Assim, a mensagem destinada ao outro é, num certo sentido,
destinada em primeiro lugar ao mesmo que fala: donde se conclui que falar é falar-se. "Do
mesmo modo, o destinador-decifrador só decifra na medida em que pode dizer aquilo que
ouve".

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U NIDADE 10
Ergonomia, Comunicação e Ruído

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e a interação “homem – máquina” em termos de


comunicação

Nesta unidade, você continuará lendo o artigo de Ana Maria de Moraes intitulado “A
ergonomia e a minimização do ruído comunicacional no trabalho”, A leitura do presente
artigo, como dissemos, nos oferecerá um alicerce teórico para a compreensão da articulação
entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina” bem como elementos para
podermos situar o papel da ergonomia nesse processo.

Destes processos, resultam ruídos ergonômicos - desconfortos, dores, doenças, incidentes e


acidentes - que dificultam o desempenho sensório-motor e cognitivo do homem - usuário,
operador, consumidor, trabalhador – e perturbam mais ainda a comunicação entre homens e
homens e entre homens e máquinas. Nesta parte a autora apresenta novos modelos
comunicacionais.

Novos paradigmas para a modelagem comunicacional: A abordagem relacional

Acorde BALLE (1995), a seleção espontânea ou semivoluntária efetuada por cada um, na
recepção de mensagens, é constituída por diversas etapas a que Jean-Noel Kapferer (1978)
chama os caminhos da persuasão, fórmula deveras feliz para designar o processo de
decodificação das mensagens, por via de uma persuasão possível. Toda e qualquer
campanha de opinião teria, portanto, como resultado, o reforço das convicções muito mais do
que abalá-las. Inúmeras observações registradas de modo empírico testemunham a favor da
tese da exposição seletiva - por exemplo, uma campanha ilustrativa da relação existente
entre o câncer e o tabaco foi acompanhada por 60% de não-fumantes e apenas por 32% de
fumantes.
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Assim, a recepção das mensagens surge como um processo que compreende quatro
fenômenos distintos: a atenção, a percepção, a compreensão e a memorização.

A atenção depende do nível de “alerta” do organismo, sendo esse mesmo nível tributário do
contexto ambiental. São postos em evidência dois aspectos essenciais: a seletividade e a
intensidade. A atenção distribui-se sempre entre vários objetos e depende, sobretudo da
vontade mais ou menos consciente de ser intensa “ou não, isto é, constante.

A percepção constitui sempre um processo ativo que se realiza no contexto de uma cultura.

Segundo a teoria da “Gestalt Psychologie”, a psicologia da forma, a percepção do essencial,


precede a percepção das subpartes. Ou então, de acordo com Jean-Noel Kapferer (1978):
“São as propriedades relacionais que criam a forma e não a reunião de cada uma das
subpartes.” A percepção decorre igualmente de uma decodificação. Daí a importância
decisiva do contexto cultural, o único capaz de conferir uma significação última às
mensagens difundidas.

Quanto ao processo da compreensão, a teoria clássica da informação propõe-nos hoje a


única definição operacional possível: “Há compreensão quando há correspondência entre os
sentidos da mensagem atribuídos pela fonte e pela audiência”.

A última sequência no processo de recepção é a memorização ou, em sentido mais amplo a


aceitação da mensagem. O fenômeno da retenção seletiva prolonga e encerra a lista dos
mecanismos psicossociológicos que presidem sub-repticiamente, mais do que
voluntariamente, à seleção de mensagens. A aceitação é a última passagem obrigatória nos
caminhos da persuasão. Contra todas as expectativas, são múltiplas as observações que
mostram que as mensagens não são forçosamente “aceitas” em razão de sua
“memorização”.

Na verdade, esta ideia preconcebida é solidária de uma concepção simplista e errônea do


processo de recepção das mensagens. A compreensão da mensagem não é condição
suficiente para sua aceitação, e, por vezes, nem sequer constitui condição necessária.

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Seria preferível, portanto, falar de auto persuasão em lugar de persuasão - o que determina o
resultado de uma comunicação persuasiva é o conteúdo das respostas “cognitivas”que
desencadeia, e não o conteúdo da própria mensagem. A memorização das mensagens não
segue forçosamente pari passu sua “eficácia”.

Qualquer mudança de opinião ou de atitude constitui um universo tridimensional:

 A dimensão cognitiva (as opiniões em que se vai fixar a mensagem);

 A dimensão afetiva (o grau de confiança atribuído ao comunicador);

 A dimensão conotativa (as intenções de ação do receptor).

Designa-se por “persuadibilidade” a capacidade de o destinatário de uma comunicação se


deixar convencer ou influenciar.

Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem foi publicado em 1964, com o


famoso aforismo “o meio é a mensagem” McLuhan, acorde BALLE (1995), destrói de
imediato a maneira como até então os efeitos das técnicas de difusão ou de comunicação
eram encarados. O que importa não é o conteúdo da mensagem, mas o modo como esta é
transmitida e, mais ainda, o meio através do qual é transmitida.

Considerando que a investigação sobre os meios de comunicação incide sobre setores


múltiplos e diversificados, McLuhan chama atenção para uma evidência um tanto esquecida,
a de que a mesma mensagem poder ter efeitos significativamente diferentes sobre a
sociedade e seus membros, segundo o tipo de veículo que assegura sua transmissão. Isto
significa, num sentido mais amplo, que o modo de transmissão da cultura influencia essa
cultura e, por conseguinte, acaba por transformá-la profundamente.

Nessa perspectiva, o que importa não é tanto o sentido da mensagem (o significado), mas a
forma como esta é transformada ou transfigurada pelo meio. Daí resulta a ideia de que as
técnicas uniformizam as sociedades e lhes impõem um modo único de utilização e de
pensamento.
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Segundo McLuhan, o importante não é essa inculcação progressiva e mais ou menos
clandestina de ideias, de juízos, de valores. Essa influência reside na adoção progressiva e
sub-reptícia de um modo de apreensão e de percepção inculcado por via da familiaridade
com os meios de comunicação.

A abordagem “interativa”, como afirma BALLE (1995), volta às costas para uma interpretação
demasiado mecanicista da influência dos meios de comunicação sobre a sociedade ou sobre
seus membros - para que a comunicação, como a liberdade, se aplique a uma relação social,
a de um “ator” face a outro “ator”, é necessário que cada um interprete os comportamentos
do outro e que atue com base nessa interpretação pelo menos tanto quanto em função de
suas próprias intenções.

Ao contrário dos esquemas lineares dos anos 50 e 60, o paradigma da ação sugere que se
pensem em conjunto os temas da comunicação, juntamente com seus intrumentos e seu
objeto - ele convida a distinguir entre si as atividades de comunicação, levando em conta não
só os objetivos que se propõem, mas também os meios que utilizam e as formas que podem
assumir.

Mais que uma manifestação de sentido único, seria preferível considerar a hipótese de
ajustes recíprocos entre os “emissores” e os “receptores” de uma mensagem. Adotar-se-ia,
ao mesmo tempo, uma representação interacionista da atividade de comunicação, dado que
esta, tal como a liberdade, aplica-se a uma relação social, a de um “ator” em face a um outro
“ator”. Estes interpretam os respectivos comportamentos recíprocos e agem com base nessa
interpretação.

“O receptor não é uma cera sobre a qual se viria imprimir a mensagem... ele possui a
capacidade não apenas de selecionar as mensagens que lhes chegam, mas também de
interpretá-las e de julgá-las em função de sua situação social e pessoal, de suas crenças,
opiniões, idéias, expectativas”.

“Uma mensagem difunde-se no corpo social a partir do momento em que se revela capaz de
superar um conjunto de etapas, porque faz sentido para os atores posicionados no
entrelaçamento das redes de interação e de comunicação.” (BOUDON, 1986).

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Ao contrário, a interpretação que podemos qualificar de dialética ou de interacionista
considera que os “usuários” dos veículos, sejam eles “emissores” ou “receptores”, agem em
função não só dos objetivos que se impõem, mas também da ideia que têm dos meios de
que dispõem e das pressões que sofrem. Os fenômenos de comunicação devem ser
considerados como uma troca de mensagens entre atores sociais.

Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua
SALA DE AULA e faça a Atividade 1 no “link” ATIVIDADES.

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U NIDADE 11
Modelos de Comunicação

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e a interação “homem – máquina” em termos de


comunicação

Nesta unidade, você continuará lendo o artigo de Ana Maria de Moraes intitulado “A
ergonomia e a minimização do ruído comunicacional no trabalho”, A leitura do presente
artigo, como dissemos, nos oferecerá um alicerce teórico para a compreensão da articulação
entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina” bem como elementos para
podermos situar o papel da ergonomia nesse processo. Destes processos, resultam ruídos
ergonômicos - desconfortos, dores, doenças, incidentes e acidentes - que dificultam o
desempenho sensório-motor e cognitivo do homem - usuário, operador, consumidor,
trabalhador – e perturbam mais ainda a comunicação entre homens e homens e entre
homens e máquinas. Nesta parte a autora apresenta o modelo de convergência da
comunicação.

Modelo de convergência da comunicação

ROGERS e KINCAID (1981) observam que o reducionismo, há algum tempo, apresenta-se


como tema prioritário nas ciências ocidentais: retalhar as coisas e estudar as partes. O
método é assim atomístico e mecanicista; reduzem-se as ambiguidades através do
isolamento de um ou de uns poucos elementos num processo total e examinam-se, então,
cada pedaço separadamente. Este enfoque atomístico mecanicista da ciência funcionava
para a física, química e outras ciências físicas. O mesmo não ocorre com as ciências
biológicas e sociais.

Em sistemas vivos, onde as partes são altamente interdependentes, o mecanicismo atomista


não dá conta da interação entre as partes. Durante os anos 60, surge um enfoque diferente
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do pensamento científico para preencher a lacuna das ciências biológicas e sociais: a teoria
geral de sistemas. A assunção central da teoria de sistemas é a asseveração de que o todo é
mais do que a soma de suas partes. A teoria holística de sistemas concentra-se em
conjuntos, nas relações entre as partes, nas interações do sistema com seu ambiente e no
controle ou autorregulação da direção.

Muitos pesquisadores abraçaram a teoria dos sistemas com grande entusiasmo. Conceitos
como 'feedback', 'input/output' e 'sistemas abertos' penetraram o vocabulário da maioria dos
cientistas da comunicação.

Existem dois obstáculos principais para a adoção do enfoque sistêmico no estudo da


comunicação humana:

1) A falta de um modelo de comunicação que possa representar adequadamente a


interdependência de relações entre as partes;

2) A falta de métodos adequados de pesquisa para estudar as relações da comunicação.


A partir do ponto de vista de Bateson, a comunicação - seja uma elocução ou uma
ação - não ocorre no contexto do subsistema ecológico de ideias, mas sim como uma
parte deste subsistema. A comunicação não é um produto ou efeito ou o que sobra do
contexto depois que o pedaço que queremos explicar foi retirado do contexto.

A rejeição da ideia de que o indivíduo seja uma entidade isolada, separada de seu ambiente
e dos outros indivíduos, é consistente com o princípio básico da teoria geral de sistemas. E a
teoria de sistemas é uma das principais influências teóricas do modelo de convergência da
comunicação.

= Assertivas básicas do modelo de convergência da comunicação (KINCAID, 1979):

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1) toda a informação é consequência de uma ação, e - através dos vários estágios do
processamento informacional humano - a ação pode se tornar consequência da
informação;

2) o processo de comunicação não tem início nem fim, mas somente relações mútuas
entre as partes que dão significado ao conjunto;

3) a informação e o entendimento mútuo são os componentes predominantes do modelo


de convergência da comunicação;

4) o processamento da informação no nível do indivíduo envolve percepção,


interpretação, entendimento, crença e ação, que criam - potencialmente, pelo menos -
novas informações para posteriores processamentos;

5) quando a informação é partilhada por dois ou mais participantes, o processamento da


informação deve conduzir ao entendimento mútuo, à concordância mútua e à ação
coletiva;

6) os componentes do modelo de convergência se organizam em três níveis de


'realidade' (ou de abstração): físico, psicológico e social;

7) uma vez que a interpretação e o entendimento da informação alcançam o nível de


interpretações partilhadas e o entendimento mútuo, o que se considerava como
processamento da informação individual torna-se comunicação humana entre duas ou
mais pessoas que possuem o propósito comum (mesmo se por um breve momento)
de se entenderem;

8) as implicações positivas dos termos não devem obscurecer outras alternativas do


processo de comunicação, pois cada componente implica seu oposto: concepção
errônea, interpretação equivocada, divergência e descrença reduzem o entendimento
mútuo e conduzem à discordância e ao conflito (um tipo de ação coletiva);

9) quatro combinações possíveis do mútuo entendimento e de acordo são factíveis:

a. Mútuo entendimento com acordo,

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b. Mútuo entendimento com desacordo,

c. Divergência mútua com acordo e

d. Divergência mútua com desacordo;

10)O esquema do modelo de convergência se perde na indicação da natureza dinâmica


do processo (como a maioria das representações diagramáticas), mas recupera-se o
dinamismo do modelo ao considerar dois importantes fatores:

a. A incerteza inerente do processamento da informação e

b. O mútuo entendimento como o propósito básico da comunicação;

11)Circuitos de informação (ou seja, redes), incerteza e propósito são os elementos-


chave da explicação cibernética e os componentes do modelo de convergência
tornam-se dinâmicos com a adição dos princípios básicos da cibernética.

O modelo de convergência da comunicação define a comunicação como um processo no


qual os participantes criam e partilham informações uns com os outros, de modo a alcançar o
mútuo entendimento.

Embora entendimento mútuo seja o propósito ou a função primária da comunicação, ele


nunca é alcançado em sentido absoluto - devido à incerteza inerente à troca de informação.
Vários ciclos de partilhamento de informações sobre um tópico podem aumentar o
entendimento mútuo, mas não completá-lo. Felizmente para maioria dos objetivos, não se
requer um mútuo entendimento perfeito. Geralmente, a comunicação cessa quando um nível
suficiente de entendimento mútuo foi atingido.

A convergência do entendimento de cada participante com os outros nunca se completa;


nunca é perfeita. Os códigos e conceitos que alguém tem disponíveis para o entendimento
são aprendidos através da experiência. Portanto, os sistemas conceituais que os

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participantes usam para os entendimentos só podem se aproximar de outros dentro de algum
limite de erro ou incerteza.

Por meio de várias interações ou ciclos de troca de informações, dois ou mais participantes
do processo de comunicação devem convergir em direção a um maior entendimento mútuo
do significado de cada outro ator do processo. Devem obter maior precisão e atingir os
limites de tolerância requeridos para o opósito em questão - implodir um edifício ou falar de
um dia de sol.

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U NIDADE 12
Interação e Ruído

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e a interação “homem – máquina” em termos de


comunicação

Nesta unidade, você continuará lendo o artigo de Ana Maria de Moraes intitulado “A
ergonomia e a minimização do ruído comunicacional no trabalho”, A leitura do presente
artigo, como dissemos, nos oferecerá um alicerce teórico para a compreensão da articulação
entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina” bem como elementos para
podermos situar o papel da ergonomia nesse processo.

Destes processos, resultam ruídos ergonômicos - desconfortos, dores, doenças, incidentes e


acidentes - que dificultam o desempenho sensório-motor e cognitivo do homem - usuário,
operador, consumidor, trabalhador – e perturbam mais ainda a comunicação entre homens e
homens e entre homens e máquinas.

O ruído ergonômico nas comunicações homem-tarefa-máquina

A realização do trabalho implica a interação entre o homem, homens, máquinas e ambiente.


De acordo com MORAES (1992), tal interação se explicita através de atividades de tomada
de informações, visuais e auditivas, acionamento de comandos, comunicações orais,
movimentação corporal e deslocamentos espaciais. A máquina, o grupo social e o ambiente
fornecem informações ao operador através de signos:

 Visuais - mostradores, telas, painéis sinópticos; gestos;

 Auditivos - campainhas, alarmes, sons emitidos durante o funcionamento e o


desempenho -

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 Barulhos de engrenagens e correias, de descargas de ar; palavras e sons;

 Olfativos - odores, maus cheiros, aromas;

 Palatais – gostos, doce, salgado,azedo, ácido;

 Táteis - sensações de contato mecânicas (rigidez e maciez), térmicas, vibrações;

 Sinestésicos (sinestesia - sentido pelo qual se percebem os movimentos musculares,


o peso e a posição dos membros) - trepidações, deslocamentos;

 Sinestésicos (sinestesia - relação subjetiva que se estabelece espontaneamente entre


uma percepção outra que pertença ao domínio de um sentido diferente, como, por
exemplo, um perfume que evoca uma imagem) - como, por exemplo, cor da chama e
temperatura.

O homem recebe os sinais e decodifica os signos e age. A partir dos seus sistemas
sensórios perceptivos detecta, discrimina e interpreta informações, através de processos
cognitivos seleciona, trata informações, define estratégias e toma decisões - atividades não
aparentes -, e envia mensagens através dos sistemas efetores e atua sobre os comandos
das máquinas e equipamentos, movimenta o corpo e assume posturas conforme exigências
de visualização, manipulação, palpação e audição, deslocam-se no espaço – atividades
parentes e observáveis. Ocorrem então mudanças de estado que enviam novas mensagens
e reinicia-se o ciclo que envolve mudança e transformação dos protagonistas e do ambiente
com vista ao alcance de determinadas metas.

Esta interação se dá num determinado ambiente que implica coações e constrangimentos -


ruídos - que perturbam a comunicação entre homens e máquinas.

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Ruídos ergonômicos nas comunicações homem-tarefa-máquina

Para EPSTEIN (1986), ruído “é todo fenômeno que se produz na ocasião de uma
comunicação, não pertencente à mensagem intencionalmente emitida" COELHO NETTO
(1980) apresenta o ruído com subdivisões - ruído físico e ruído semântico.

1) Uma fonte de informação produz mensagens;

2) Um transmissor codifica a mensagem, transformando-a em signos;

3) Um canal físico (medium, veículo) transporta os signos;

4) Um receptor decodifica os signos a fim de recompor a mensagem;

5) Um destinatário, pessoa ou coisa, recebe a mensagem;

6) Esse processo de transmissão está sujeito a sofrer as influências e alterações


provocadas por uma fonte física de ruídos (elementos perturbadores da forma da
mensagem ou 'engineering noise');

7) O mesmo processo está sujeito a ruídos de tipo semântico, responsáveis pela


distorção do significado da mensagem, e que podem ocorrer tanto no processo inicial
de codificação (tradução de uma intenção para uma forma) quanto na decodificação
(quando então a mensagem pode ser recomposta não com o significado visado pela
fonte mas segundo o significado que interessa, conscientemente ou não, ao
destinatário);

8) A fonte controla os efeitos da mensagem sobre o destinatário através da análise de


signos enviados, intencionalmente ou não, pelo destinatário (retroalimentação ou
'feedback').

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Seguem-se alguns exemplos de ruídos ergonômicos que perturbam as comunicações entre
homens e máquinas:

 A apresentação das informações, em termos de visibilidade, legibilidade e


compreensibilidade dificulta a percepção e consequentemente o processamento das
informações visuais;

 A mesma dificuldade quando da tomada de informações se dá como decorrência da


deficiência de iluminação - que prejudica a acuidade visual - ou o excesso - que
produz reflexos e ofuscamento da visão;

 O barulho das máquinas ou da manipulação de determinados materiais, como chapas


de aço, prejudica a tomada de informações auditivas;

 O mesmo barulho implica redução da capacidade de atenção, com prejuízos para a


recepção de mensagens e seleção de informações;

 O calor ou o frio em demasia, ou frequentes alterações de temperatura, acarretam


desconforto térmico, ocasionam problemas posturais e prejudicam a concentração;

 A posição e consistência de movimentação dos comandos - volantes, alavancas,


chaves seletoras, botões de pressão, pedais - atrapalham, retardam e impedem a
pronta e correta intervenção do operador;

 A topologia dos componentes informacionais - mostradores, telas, painéis - e dos


componentes acionais - comandos manuais e pediosos -, assim como as alturas,
profundidades e angulações de bancadas, consoles, apoio para braços, cotovelos e
pés determinam constrangimentos posturais;

 A desconsideração dos modelos mentais dos usuários, quando do projeto do modelo


conceitual de sistema, acarretando uma sobrecarga cognitiva para os operadores e
produzindo ruídos semânticos.

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Resultam desconfortos, dores, doenças, incidentes e acidentes, que dificultam o
desempenho sensório-motor e cognitivo do homem e perturbam mais ainda a comunicação
entre homens e homens e entre homens e máquinas.

A ergonomia, que tem como seu principal interlocutor o usuário, consumidor, operador,
trabalhador, sempre tratou das comunicações e interações dos homens com outros homens,
utensílios, equipamentos, máquinas, espaços, sistemas de informação e ambientes, com o
objetivo de facilitar o entendimento mútuo.

A partir do modelo de convergência da comunicação o ergonomista trata as comunicações


como processos de interação no qual os usuários, operadores, consumidores, criam e
partilham informações uns com os outros e com máquinas, equipamentos e ambientes.
Embora entendimento mútuo seja o propósito ou a função primária da comunicação, no
trabalho e no lazer, ele é prejudicado pelos ruídos ergonômicos e pela incerteza inerente à
troca de informação em sistemas abertos.

Segundo o enfoque interacionista, a ergonomia considera que os “usuários”, sejam eles


“emissores” ou “receptores”, agem em função não só dos objetivos que se impõem, como
também das metas do sistema homem-tarefa-máquina e das exigências da tarefa. Importa,
portanto, conhecer o conteúdo do trabalho e os modelos mentais dos diferentes atores -
projetistas, supervisores, manutenedores, operadores, compradores. Cumpre ainda observar
ruídos semânticos, constrangimentos interfaciais e físicos ambientais e restrições do
ambiente tecnológico.

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U NIDADE 13
Ergonomia, Cognição e Trabalho Informatizado

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e da cognição, no trabalho informatizado

Nas próximas unidades, você lerá o artigo de Júlia Issy Abrahão, Alexandre Magno Dias
Silvinoll e Maurício Miranda SarmetII, intitulado “Ergonomia, cognição e trabalho
informatizado”, publicado na revista “Psicologia: teoria e pesquisa” de 2005.

A leitura do presente artigo nos oferecerá um alicerce teórico para a compreensão da


articulação entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina” principalmente,
nos processos informatizados (internet, navegabilidade, etc.), bem como elementos para
podermos situar o papel da ergonomia nesse processo.

Ergonomia, cognição e trabalho informatizado.

Imagine uma pessoa que decide pagar a fatura do cartão de crédito em uma grande loja de
departamentos. Ao chegar, dirige-se ao Atendimento ao Cliente e se defronta com o seguinte
cenário: à sua esquerda, uma fila de mais ou menos 20 pessoas aguardando atendimento do
único caixa aberto; e à sua direita um terminal de autoatendimento, disponível, e um grande
cartaz que anuncia: "é rápido e fácil". Incentivada pelo cartaz ela se encaminha até o terminal
e tenta efetuar o pagamento. Lê as instruções iniciais, opta por um comando, lê novamente
as instruções, passa o cartão, digita a senha e não consegue atingir o seu objetivo. Ela não
desiste. Reinicia a operação, desta vez, sob os olhares das pessoas da fila, insere o cartão,
escolhe a opção, digita a senha, lê as instruções e não consegue. Tenta mais uma ou duas
vezes e, após novos insucessos, desiste e entra na fila aumentando o número de usuários
que o único caixa deve atender.

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Esta situação é mais comum do que se pode inicialmente supor. Por que um terminal de
autoatendimento que se intitula "rápido e fácil" não consegue atender aos clientes da loja?
Ou, por outro lado, por que os clientes da loja não conseguem executar suas tarefas nesta
máquina? Por que alguns clientes sequer tentam novamente usar o terminal, apesar do
mesmo se encontrar disponível e ele ter que se submeter a uma fila?

A resposta mais evidente é que para o usuário a tarefa não é tão fácil quanto aparentava e o
custo de lidar com esta tecnologia acaba sendo maior do que a permanência na fila. Ou
talvez, porque o "medo" do fracasso o impeça de tentar e se descobrir incompetente para
lidar com essas "coisas modernas". Assim, pode-se hipotetizar que o modelo subjacente à
concepção destas novas tecnologias não contemplou as competências dos seus usuários
exigindo que se adaptem a elas independente do custo e/ou do sucesso.

Os benefícios da introdução tecnológica na sociedade são indiscutíveis. No entanto, em face


à realidade acima descrita, é pertinente indagar se é possível que os progressos
tecnológicos resultem em facilidades de uso, favorecendo a interação e evitando atribuir aos
usuários a "eterna função de variável de ajustamento".

Na interação homem artefato deve-se considerar que esse homem possui recursos percepto-
cognitivos limitados (por exemplo, em relação à quantidade e tamanho das letras que ele
pode perceber e à quantidade e qualidade das informações que ele pode tratar
simultaneamente). Estas limitações são diferenciadas entre os indivíduos devido à sua
formação, experiência, idade e familiaridade com a tecnologia.

Enfim, a maioria desses artefatos pode produzir constrangimentos por não terem sido
projetados incorporando a lógica e as características do usuário ou quando o fazem, a sua
participação é incipiente. Cabe ressaltar, que o termo constrangimento assume, aqui, um
duplo significado: em primeiro lugar refere-se aos limites que a interface impõe aos sujeitos
no que tange as operações possíveis e, em segundo ao sentimento de frustração diante da
máquina.

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Esse papel do homem, como "eterna variável de ajustamento", vem sendo debatido desde a
Segunda Guerra Mundial. Essa é a mesma problemática que perpassa, de forma crítica, o
processo de implantação de novas tecnologias na atualidade.

Uma das primeiras demandas nessa direção surgiu, nos anos 1940, com o objetivo de
explicitar por que um equipamento extremamente moderno, que deveria facilitar a conduta
dos pilotos da aviação, não era operado com a eficiência e a eficácia esperadas (Wisner,
1994). Para responder a esta demanda, foi constituída uma equipe interdisciplinar.

O resultado das análises apontava, dentre outras questões, para a incompatibilidade entre a
percepção humana, a localização e a forma dos mostradores e controles. Assim, originou-se
a especialidade denominada Ergonomia, cujo objeto de estudo, em 1949, era similar à
situação que levou o cliente da loja, em 2004, a desistir de utilizar o terminal de auto-
atendimento e entrar na fila para pagar sua fatura.

Este artigo busca, na perspectiva da ergonomia, apontar o papel dos processos cognitivos na
(re) concepção de artefatos tecnológicos tais como os Sistemas Informatizados – SIs e
propor o conceito de competência como eixo de análise, agregando o usuário ao processo.

Para tanto, articula conceitualmente as representações para ação e as estratégias


operatórias na conformação das competências, identificando os processos cognitivos
envolvidos e sua importância para a concepção destes artefatos. Finalmente, aponta a
função destes conceitos e como a sua incorporação pode facilitar a interação dos homens
com os artefatos informatizados.

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U NIDADE 14
Ergonomia e Sistemas Informatizados

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e da cognição, no trabalho informatizado

Nesta unidade, você continuará lendo o artigo de Júlia Issy Abrahão, Alexandre Magno Dias
Silvinoll e Maurício Miranda SarmetII, intitulado “Ergonomia, cognição e trabalho
informatizado”, publicado na revista “Psicologia: teoria e pesquisa” de 2005.

A leitura do presente artigo, como foi dito, nos oferecerá um alicerce teórico para a
compreensão da articulação entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina”
principalmente, nos processos informatizados (internet, navegabilidade, etc.), bem como
elementos para podermos situar o papel da ergonomia nesse processo.

A Ergonomia e os Sistemas Informatizados

A Ergonomia possui um caráter essencialmente aplicado. Constituiu-se, enquanto área do


conhecimento, com o propósito de responder a uma demanda específica, e historicamente
sua evolução é consequente às transformações da atividade humana.

Com base nesta premissa, e nas consequências da introdução da informática nas situações
cotidianas, a Ergonomia tem sido requisitada a avançar na elaboração de um corpo teórico e
metodológico que contemple a análise tanto dos sistemas informatizados quanto do seu
impacto para os usuários.

A abordagem ergonômica encontra na interdisciplinaridade um de seus pilares, fazendo uso


de conhecimentos produzidos em diversas áreas do saber. Essa interdisciplinaridade, de
acordo com Pacaud (conforme citado por Wisner, 1996), favorece não somente o diálogo
entre áreas distintas, mas também a evolução de cada uma delas. A análise em situação real

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constitui a sua principal ferramenta, norteando a ação ergonômica e delimitando os
instrumentos e procedimentos mais adequados para a análise (Abrahão & Pinho, 1999;
Guérin, Laville, Daniellou, Duraffourg & Kerguelen, 1991/2001).

A Ergonomia aplicada aos sistemas informatizados busca estudar como ocorre a interação
entre os diferentes componentes do sistema a fim de elaborar parâmetros a serem inseridos
na concepção de aplicativos que orientem os usuários e que contribuam para a execução da
tarefa. No exemplo acima, ao tentar interagir com o terminal de autoatendimento, o cliente
tinha um objetivo que, aparentemente, era claro e simples: pagar o carnê.

Para tanto ele deveria buscar nas opções de interface da máquina (a tela como fonte de
informações e o teclado para inserção de dados), uma lógica que lhe permitisse efetivar uma
ação. Nesse sentido, esperar-se-ia uma linguagem inteligível, uma sequência de ações
claras e com as opções de entrada de dados que lhe permitisse o controle do processo e o
feedback para as suas ações. No entanto, algumas destas condições, aparentemente, não
foram contempladas. O que levou este usuário a fracassar na sua tarefa?

O que se pode depreender desta situação é que, atualmente, o usuário é convidado a


assumir um papel mais ativo em situações do seu cotidiano. Este papel, mediado por
aparatos e não por pessoas, exige do usuário do sistema uma capacidade de abstração e
representação da ação que, mesmo sem ter acesso a todos os componentes e às
informações, permita que as tarefas sejam executadas de forma eficiente e eficaz.

Nesta perspectiva, as exigências são, principalmente, de atividades que envolvem os


processos e operações cognitivas, tais como monitoração, interpretação, tratamento de
informações, resolução de problemas e memória (Sperandio, 1984). Rasmussen (2000)
corrobora este pressuposto ao afirmar que a inserção tecnológica aumenta as exigências de
natureza cognitiva, solicitando frequentemente do usuário um processo de resolução de
problemas e de criatividade.

A Ergonomia no estudo dos SIs analisa diferentes variáveis, tais como a utilidade e a
usabilidade do sistema e, especialmente, a dimensão cognitiva envolvida neste tipo de
tarefa. Dois eixos principais norteiam a análise de sistemas informatizados. O primeiro refere-

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se à utilidade do sistema, ou seja, se este possui os recursos (funcionais e de performance)
necessários à realização das tarefas para as quais ele foi concebido. Um exemplo de
utilidade pode ser ilustrado pelos Sistemas Centralizados de Informação – ERPs, adotados
cada vez mais por empresas, visando agilizar processos e a tomada de decisões,
considerando que estes permitem acessar informações de diferentes setores em diversos
níveis.

Por motivo de controle, segurança e até mesmo de confidencialidade, estas informações


nem sempre são disponibilizadas para leitura ou inserção de dados a todos na empresa.
Neste sentido, o sistema informatizado cumpre o seu papel de centralizar as informações da
empresa e disponibilizá-las aos diferentes atores.

O segundo eixo enfoca a usabilidade, relacionada à análise da qualidade do sistema em


facilitar o seu manuseio e sua aprendizagem pelo usuário (Senach, 1993). Apesar da
importância da estética na navegação (Lavie & Tractinsky, 2004), não se trata somente de
torná-lo mais atrativo ou agradável.

Tomando o exemplo dos ERP's, há pouca discussão sobre sua utilidade para a execução da
tarefa. Entretanto, a sua interface e lógica de funcionamento podem dificultar ou até impedir
a ação dos usuários, quando são de difícil interpretação ou quando são desenhados a partir
de uma compreensão distante da realidade de trabalho.

Nesta perspectiva, a literatura é rica em exemplos que apontam os riscos de se conceber os


sistemas informatizados sem incorporar as características, as necessidades e os limites de
seus usuários, na execução de tarefas específicas (Cybis, 2001; Ferreira, 1998; Scapin,
1988, 1993).

É oportuno acrescentar que os sistemas são utilizados por usuários comuns e não somente
por especialistas, e que os SIs tendem a se tornar cada dia mais interativos. Um exemplo é
dado por Kim, Han, Yang e Cho (2004) quando propõem que no futuro as interfaces serão
baseadas no corpo, modificando as formas de inserção e acesso às informações e evoluindo
as interfaces hoje existentes.

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A visão antropocêntrica, na qual o usuário passa a ter um papel fundamental, não
desconsidera a visão técnica necessária à concepção dos sistemas informatizados, mas
legitima que as características da população devem guiar as decisões de cunho técnico,
resultando em uma interface mais adaptada aos seus usuários. Neste enfoque, a usabilidade
seria determinada pela tarefa a ser executada.

Segundo Nielsen (1993), a usabilidade é composta por cinco atributos principais: facilidade
de aprendizado, eficiência, facilidade de memorização, baixa taxa de erros e satisfação do
usuário. Estes atributos são avaliados à luz da tarefa a ser executada e pelo custo dos
mecanismos cognitivos ativados pelos usuários.

Para Senach (1993), a usabilidade deve ser avaliada em função de suas propriedades
intrínsecas (referentes à lógica estrutural do sistema), de suas propriedades extrínsecas
(relacionadas à sua adequação à situação, às exigências das tarefas e aos seus usuários).
Não faz sentido, portanto, analisar um sistema informatizado fora do seu contexto de uso.

Scapin (1993) aprofunda a noção de usabilidade salientando que os problemas mais comuns
observados na concepção de interfaces podem ser associados não somente à falta de
conhecimentos prévios sobre a tarefa, mas também a não inserção dos usuários, revelando
uma lógica mais funcional do que operacional, remetendo mais uma vez a um modelo
tecnocêntrico de concepção.

O autor ressalta que homogeneizar as interfaces não garante a usabilidade, uma vez que
elas são concebidas para diferentes tarefas e usuários, com objetivos distintos. Daí a
dificuldade em se estabelecer parâmetros universais bem definidos para a análise de todas
as interfaces gráficas e evidencia a necessidade de uma metodologia que se ajuste às suas
especificidades.

Um exemplo ilustrativo desta problemática foi descrito por Castello-Branco (2002) na


avaliação e implantação de um sistema informatizado em um Restaurante Universitário – RU.
A autora analisou a interface gráfica deste sistema e identificou inadequações tais como: a
linguagem adotada (incluindo termos técnicos de informática, uso da língua inglesa e ícones
pouco representativos das suas funções); a população usuária (indivíduos com ampla

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experiência no seu trabalho, baixo nível de escolaridade e nenhuma prática com SIs) e; a
tarefa a ser desempenhada (já que o software servia a diferentes setores do RU). A
incompatibilidade, observada na implantação do sistema, resultou em diferentes tipos de
erros na operação.

Constatou-se que, na concepção do sistema do RU, não foram consideradas as


características dos usuários e a possibilidade de transferir para a interface os conhecimentos
e a experiência dos mesmos. Tal procedimento impôs aos usuários do sistema a
necessidade de reestruturação de sua representação sobre o trabalho e, consequentemente,
do seu fazer. A discrepância entre os procedimentos adotados anteriormente à
informatização e os atuais sugere que não foi considerada a possibilidade de transferência
do conhecimento do fazer antigo para o novo, exigindo dos trabalhadores, já não tão jovens,
a aquisição de novas competências para realizar uma atividade que eles dominavam há mais
de uma década.

Os sistemas informatizados solicitam aos usuários uma modelização dinâmica da situação


(representações), e a utilização de estratégias heurísticas que minimizem o custo cognitivo e
o tempo necessário para sua resolução. Esses procedimentos, no entanto, podem aumentar
a probabilidade de erros de julgamento.

A introdução de sistemas informatizados pode auxiliar o cotidiano dos indivíduos, mas, para
tanto, é necessário incorporar na sua estrutura a lógica do funcionamento cognitivo humano
e compatibilizar o sistema informatizado com este funcionamento. A utilização dos preceitos
da usabilidade, aliada à análise da situação real dos usuários, tal como proposta pela
Ergonomia, permite compreender as relações estabelecidas entre o sistema informatizado e
a situação, bem como o impacto destas na ação dos usuários do sistema.

Trata-se de uma estratégia para envolver o usuário que realiza uma tarefa específica e,
portanto, observá-lo em ação a fim de compreender a sua lógica e, assim, incorporar ao SI
elementos que facilitem a ação. Esse é o desafio teórico e metodológico colocado à
Ergonomia Cognitiva.

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U NIDADE 15
Ergonomia Cognitiva

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e da cognição, no trabalho informatizado

Nesta unidade, você continuará lendo o artigo de Júlia Issy Abrahão, Alexandre Magno Dias
Silvinoll e Maurício Miranda SarmetII, intitulado “Ergonomia, cognição e trabalho
informatizado”, publicado na revista “Psicologia: teoria e pesquisa” de 2005.

A leitura do presente artigo, como foi dito, nos oferecerá um alicerce teórico para a
compreensão da articulação entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina”
principalmente, nos processos informatizados (internet, navegabilidade, etc.), bem como
elementos para podermos situar o papel da ergonomia nesse processo. Nesta parte, os
autores apresentam o campo de atuação da ergonomia cognitiva.

Ergonomia Cognitiva

A Ergonomia Cognitiva – EC é um campo de aplicação da ergonomia que tem como objetivo


explicitar como se articulam os processos cognitivos face às situações de resolução de
problemas nos seus diferentes níveis de complexidade. É importante salientar que a EC não
tem como meta elaborar teorias gerais sobre a cognição humana (Green & Hoc, 1991;
Hollnagel, 1997). O seu papel é compatibilizar as soluções tecnológicas com as
características e necessidades dos usuários (Marmaras & Kontogiannis, 2001). Nesta
perspectiva, ela é solicitada a contribuir com um referencial teórico e metodológico que
permita analisar como o trabalho afeta a cognição humana e, ao mesmo tempo, é afetado
por ela (Hollnagel, 1997).

Os processos cognitivos, segundo Weill-Fassina (1990) e Weill-Fassina, Rabardel e Dubois


(1993), não são estáveis; eles se adaptam ao que deve ser realizado, nas condições
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existentes. Weill-Fassina (1990) propõe, como um dos objetivos da análise dos processos
cognitivos, compreenderem como os indivíduos regulam a situação de trabalho, ao
solucionar os problemas decorrentes da discrepância entre o que é prescrito (tarefa) e a
realidade encontrada.

Nessa relação, trabalho/cognição humana, subjaz o pressuposto de que cada novo artefato
altera a natureza da tarefa a ser realizada e exige dos usuários competências diferenciadas
para ação (Marmaras & Kontogianis, 2001; Marmaras & Pavard, 1999). Da mesma forma,
novos artefatos são concebidos no intuito de solucionar problemas de desempenho humano.
É nessa perspectiva que a EC busca compreender a cognição humana de forma situada e
finalística, ou seja, em um contexto de ação e voltada para um objetivo específico.

A EC investiga esses processos para compreender como um indivíduo gerencia o seu


trabalho e as informações disponibilizadas para, assim, apreender a articulação que ele
constrói e que o leva a realizar determinada ação. Da mesma forma, por exemplo, que a
Ergonomia não estuda o funcionamento do olho, do músculo, mas sim, a expressão desse
funcionamento por meio do olhar das posturas, dos gestos, dos movimentos, à EC interessa
a expressão da cognição humana.

O procedimento de análise e intervenção adotado nessas circunstâncias considera as


capacidades e os limites, tanto os de natureza fisiológica quanto cognitiva do ser humano e,
por essa via consegue, muitas vezes, explicar a gênese dos erros e dos incidentes
imputados à falha humana. Nesse sentido, para a EC interessa compreender o "porquê"
desta "falha humana"; assim, os processos de aquisição, processamento e recuperação de
informações constituem um importante objeto de estudo (vide Figura 1).

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Estes processos, em última instância, dão suporte às competências dos indivíduos. Tais
competências são constituídas a partir da sua ação em uma situação articulando:

(a) as representações que ele utiliza para compreender a situação e

(b) as estratégias de ação em um determinado contexto. A relação entre estas variáveis


(representações e estratégias) não é sequencial e/ou linear. Ditos de outra forma, os
processos cognitivos envolvidos em cada uma delas, ao interagirem, agregam informações e
delimitam a quantidade e qualidade dos conhecimentos evocados. A seguir, apresenta-se o
conceito de competência, representação para a ação, estratégias operatórias, ressaltando a
interação existente entre eles e a dinâmica dos processos cognitivos envolvidos.

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As competências

O conceito de competências é definido por Montmollin (1990) como sendo a articulação de


conhecimentos (declarativos e procedimentais), representações, tipos de raciocínios e
estratégias cognitivas que o sujeito constrói e modifica no decorrer da sua atividade. Elas
formam, na opinião do autor, uma estrutura que permite dar significado e propiciar a ação
humana no contexto real. Assim, só é coerente falar de competências quando relacionadas a
uma tarefa a ser cumprida.

Para a EC, as competências não estão relacionadas à noção de excelência do desempenho.


Portanto, é inadequado afirmar que só é competente aquele que realiza com perfeição a sua
tarefa. Em última instância, como afirma Montmollin (1995), as competências são inerentes a
todos os indivíduos. Apreender sobre em que bases se constroem as competências do
usuário é fundamental para que a EC possa sugerir alterações no contexto da situação e até
mesmo na concepção de interfaces informatizadas mais adaptadas.

Leplat (1991) aponta como características principais das competências: são construídas e
desenvolvidas com o objetivo de executar uma tarefa específica (logo, não são competências
gerais); são aprendidas no decorrer da atividade; são organizadas de forma a se atingir um
objetivo; e são noções abstratas e hipotéticas, uma vez que só o resultado de sua utilização
pode ser observado. É por meio dessas competências que os usuários são capazes de
realizar suas tarefas, e principalmente de antecipar os possíveis erros, disfuncionamentos e
aprimorar o seu procedimento na situação (Montmollin, 1986).

Um exemplo de construção de competências é apresentado no estudo de Sarmet (2003) em


que ele analisa a atividade de tutores em um curso de Educação a Distância via internet.
Para realizar suas tarefas, os tutores utilizam diferentes aplicativos, que guardam entre si
semelhanças percepto-cognitivas (ícones, cores, barras de menus).

Esses mesmos ícones nem sempre são semelhantes do ponto de vista funcional nos
aplicativos (por exemplo, as teclas de atalho "control+N" podem acionar a função "negrito"
em um aplicativo e a função "novo documento" em outro), solicitando constantemente o uso
da memória e da atenção. Podem-se apreender as competências construídas pelos tutores

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na medida em que eles utilizam seus conhecimentos e experiências com o intuito de
minimizar o efeito dos custos (erros, "retrabalho") da solicitação constante da memória e da
atenção em seu desempenho.

As competências dos indivíduos, pelas características apresentadas, são fundamentadas nas


representações que eles constroem a partir da sua ação para poder agir. Ou seja, são
formadas a partir de suas representações pela e para ação.

As representações pela e para ação

Le Ny (conforme citado por Montmollin, 1995) discute as representações sob duas


perspectivas: uma psicológica, como um conjunto de características e valores relacionados a
um objeto; e a outra técnica, como sendo a expressão de um conhecimento por meio de um
conjunto de signos. Ambas atribuem às representações o papel de armazenar as
informações sobre o mundo, seja na forma de modelos mentais, esquemas, scripts, mapas
ou imagens, dependendo da especificidade da informação armazenada.

As representações para a ação são abordadas por Teiger (1993), a partir da noção de
"processo" e de "objeto das representações". A primeira, diz respeito à sua elaboração, a
partir dos elementos disponíveis na atividade. As representações são criadas pelo usuário no
contexto da ação. É um processo continuo e dinâmico. É a ação que as definem e as
modificam, estão condicionadas às variações na natureza da atividade nas situações reais
(Weill-Fassina & cols., 1993).

A segunda refere-se às representações, criadas para alcançar um objetivo, expresso na


forma de uma ação. Essas representações para a ação são entendidas como um conjunto de
crenças, conhecimentos e habilidades, estruturado pela experiência do sujeito (Teiger, 1993).
As representações são constituídas pela e para a ação, funcionando como mediador entre a
ação (última) e a cognição (Ochanine, 1966). É por meio das representações que os
indivíduos selecionam as informações relevantes e os procedimentos mais adequados para
se realizar uma tarefa.

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Teiger (1993) e Weill-Fassina (1990) conceituam as representações como um construto
dinâmico: flexível, adaptativo, situado – na medida em que são elaboradas e utilizadas no
decorrer da ação, com um objetivo específico, agregando elementos oriundos de novas
experiências; e, sobretudo econômico, uma vez que são compostas somente pelas
informações mais relevantes. Esta noção remete ao conhecimento que é representado na
memória, e que é central para o conceito de representações para ação.

Silvino e Abrahão (2002) demonstraram, a partir de um estudo em uma organização pública


de caráter jurídico, a influência das representações dos trabalhadores na utilização de um
sistema informatizado de autuação. O estudo sugere, considerando o tempo gasto para a
realização e pelos modos operatórios adotados na execução da tarefa, que a representação
dos usuários mais experientes mostra-se mais eficaz.

O fato da representação para ação agregar somente as informações mais relevantes, o que
constitui uma forma de gestão dos recursos cognitivos (economia), é apontado também por
Amalberti (1991) em seus estudos sobre os modelos mentais, cujas características
apontadas pelo autor são a incompletude, a falta de limites claros, a pessoalidade, a
instabilidade e a não cientificidade.

A luz das teorias produzidas pela Psicologia Cognitiva, a representação é por vezes discutida
como o resultado de um processo de memória que pressupõe a codificação da informação, o
seu armazenamento e a sua evocação.

Os estudos sobre memória buscam compreender como o conhecimento é mantido e


recuperado, bem como os fatores que podem auxiliar ou dificultar esse processo. O modelo
tradicional de memória propõe uma estruturação em três níveis: memória sensorial
responsável pela manutenção, em um curtíssimo espaço de tempo, dos estímulos captados
pelos órgãos sensoriais, memória de curto prazo – manutenção dos estímulos relevantes por
um período curto de tempo, e memória de longo prazo, na qual as informações são
armazenadas sem uma limitação temporal (Best, 1995).

Um modelo desenvolvido mais recentemente e com suporte empírico, enfatiza a estrutura da


memória em termos de "memória de trabalho" e de "memória de longo prazo", a primeira

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como uma parte ativada da segunda. A memória de trabalho funciona como um gestor da
memória, e as informações recuperadas são reconstruídas nela, a partir do material existente
na memória de longo prazo (Anderson, 2000; Best, 1995; Sternberg, 2000).

Cabe ressaltar, que este modelo é uma "evolução" teórica do anterior, o da estrutura do
modelo tradicional da memória. Assim, a memória de trabalho não perde a característica de
manutenção e troca de informações por um curto espaço de tempo de acordo com o
contexto. Isso é importante já que o contexto gera pistas que permitem a "reconstrução" da
memória a cada evocação, o que lhe atribui um caráter dinâmico.

É relevante salientar que este modelo trata da estrutura geral da memória (Sternberg, 2000).
Enquanto processo, Anderson (1983) sugere que a memória pode ser compreendida
atuando por uma distribuição em redes, sugerindo que a informação é armazenada em
traços (nós) que estão ligados entre si, e que podem ser ativados ou não.

Neste sentido, pode-se pressupor que as representações para ação constituem-se em um


conjunto de traços de informação recuperados na memória de longo prazo e ativados na
memória de trabalho. Se, as representações estão estreitamente associadas ao processo de
memória como os conhecimentos representados se articulam para a construção das
competências dos indivíduos?

Uma forma integrativa das representações pode ser apreendida no modelo Cognitive
Architecture Process – CAP proposto por Anderson (1983). Este modelo agrega o conceito
de redes semânticas para o conhecimento declarativo e de regras de produção para o
conhecimento procedimental, que são organizados, conectados e apoiados em relações de
significado e frequência de utilização. Não são cópias fiéis do objeto representado; ao invés
disso, trata-se de (re) construções consequentes à ativação de um padrão de conexões na
rede a partir dos conhecimentos que a compõe.

Neste modelo integrativo, a ativação da rede obedece à disseminação de um padrão de


ativação que é limitado. Assim, quanto mais frequente é a ativação de um "caminho" entre
dois nós, mais forte ele se torna e maior a probabilidade de ser ativado novamente, quando o
conceito for estimulado outra vez, fortalecendo o processo de aprendizagem.

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No entanto, o padrão de ativação se modifica constantemente, já que em um determinado
contexto, os padrões se enfraquecem ou fortalecem por meio do uso (evocação). Quanto à
flexibilidade inerente a esse modelo, ela guarda similitudes com as características atribuídas
pela EC às representações para ação, seu caráter:

a) Incompleto (uma vez que nem todas as informações referentes ao objeto são
recuperadas);

b) Econômico (pois tende a estruturar a informação agregando traços frequentemente


recuperados em conjunto, bem como transformando conhecimentos declarativos em
procedimentais, reduzindo o custo associado ao processo), e;

c) Voltado e construído pela ação (pois se modifica a cada recuperação, elevando ou


reduzindo a probabilidade de evocação, adequando-se ao contexto).

Em EC, é interessante compreender como as representações são (re) constituídas e


utilizadas nas situações reais. Como nem todos os elementos da ação humana são
conscientes e verbalizáveis, cabe ao ergonomista explicitar as representações juntamente
com o usuário, por meio de observações da atividade, verbalizações espontâneas e
entrevistas. A partir da explicitação das representações e da identificação dos elementos
relevantes da situação, é possível estruturar sistemas informatizados mais eficientes e
eficazes, uma vez que a partir deles podem-se conceber sistemas que forneçam ao usuário
pistas claras que indiquem as possibilidades mais adequadas de ação.

A evolução dos softwares que utilizam padrão WIMP –"Windows, Icons, Mouse e Pull-Down
Menus", quando comparados aos seus predecessores, associa as representações gráficas
às denominações utilizadas e procura associar elementos do cotidiano para facilitar o seu
uso. No entanto, pistas podem também criar armadilhas num contexto específico (Evans,
Gibbons, Shah & Griffin, 2004). Assim, comandos como "recortar" e "salvar" tentam
estabelecer uma forte associação entre os instrumentos "tesoura" e "disquete" com as ações
esperadas.

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Neste caso, o estímulo visual do ícone, que representa uma tesoura, atua como pista que
ativa e disponibiliza para uso informações da memória relacionadas ao conceito do que
significa recortar um trecho do texto que está sendo redigido, bem como os procedimentos
necessários para executar esta ação (vide Figura 2 item a). Por outro lado, o comando
"colar" está associado a um símbolo que não guarda relação direta com a ação que ele
representa. Assim, para pessoas com pouca experiência este símbolo não atua como uma
pista forte (em alguns casos como pista alguma) do padrão de ativação para as
competências necessárias à ação "colar". Mesmo para usuários experientes, a falta de uma
representação direta com as ferramentas do dia-a-dia pode induzir a erros, levando-os a
acionar o ícone de "copiar" (vide Figura 2 item b), em vez do ícone "colar" (vide Figura 2 item
c), que é o desejado.

Como no exemplo do Windows citado acima, a tesoura se assemelha mais a um objeto


comum na realidade de escritórios, facilmente identificado pelas pessoas. Ela traz, ainda, sua
função associada ao comando disponibilizado. Contudo, não basta ao ergonomista buscar as
representações para ação. Para apreender as bases sobre as quais foram construídas as
competências do usuário, é preciso compreender como ele utiliza essas representações nas
situações reais. Nesse sentido, a Ergonomia faz uso dos conceitos de estratégias e modos
operatórios, que se manifestam na forma de ações, operacionalizando suas representações
para gerir os constrangimentos da situação de trabalho e/ou dos aparatos tecnológicos.

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U NIDADE 16
Estratégias Operatórias

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e da cognição, no trabalho informatizado

Nesta unidade, você continuará lendo o artigo de Júlia Issy Abrahão, Alexandre Magno Dias
Silvinoll e Maurício Miranda SarmetII, intitulado “Ergonomia, cognição e trabalho
informatizado”, publicado na revista “Psicologia: teoria e pesquisa” de 2005.

A leitura do presente artigo, como foi dito, nos oferecerá um alicerce teórico para a
compreensão da articulação entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina”
principalmente, nos processos informatizados (internet, navegabilidade, etc.), bem como
elementos para podermos situar o papel da ergonomia nesse processo. Nesta parte os
autores apresentam as estratégias operatórias que resultam e envolvem o raciocínio na
resolução de problemas.

As estratégias operatórias

O conceito de estratégias, de forma geral, pode ser entendido como um conjunto ordenado
de passos que envolvem o raciocínio e a resolução de problemas, possibilitando a ação
(Montmollin, 1995). As estratégias operatórias são definidas por Silvino e Abrahão (2003)
como sendo um processo de regulação que pressupõe mecanismos cognitivos como a
categorização, a resolução de problemas e a tomada de decisão.

As estratégias resultam, entre outros fatores, das possibilidades de interpretação das


informações do ambiente de trabalho e da evocação de conhecimentos e experiências
contidas na memória do trabalhador. Após a seleção das estratégias, o indivíduo é capaz de
operacionalizar um conjunto de procedimentos para alcançar o objetivo planejado. Aos
procedimentos dá-se o nome de modos operatórios (Guérin & cols., 1991/2001),
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consequência de uma regulação entre o que deve ser feito, as condições disponíveis para
sua execução e o estado interno do individuo.

Pelo menos quatro processos cognitivos estão envolvidos na estruturação e utilização (por
meio de estratégias e modos operatórios) das representações. Estes processos envolvem o
momento de percepção, bem como, a interpretação e elaboração das informações captadas:
atenção, categorização, memória e resolução de problemas, resultando em um procedimento
que permite a ação (resolução de problemas). Cada informação presente na situação
mobiliza estes processos, selecionando e tratando as informações relevantes para atingir os
objetivos almejados.

O processo de categorização busca identificar como as informações são percebidas e como


elas se articulam com as que estão armazenadas no sistema de memória do individuo,
auxiliando na compreensão de como uma nova associação se estabelece.

Nesse sentido, ela tende a organizar a realidade segundo uma lógica que se apóia em
crenças, valores e normas, ou seja, as verdades que o institui enquanto sujeito. Nesse
processo de dar sentido à realidade, entram em ação outros mecanismos, sendo um deles, a
atenção que também é dirigida pela experiência e conhecimentos logo, ela é seletiva, e
determina aspectos da realidade que serão descartados e outros retidos.

Este processo gera uma outra configuração que é enriquecida em função da variabilidade
conjuntural e até mesmo estrutural das situações reais. As características perceptuais e
contextuais relacionadas aos elementos a serem codificados podem facilitar ou dificultar sua
vinculação a uma categoria adequada (Barsalou, 1992), o que poderia ocasionar julgamentos
e ações inapropriadas na realização de uma atividade.

As teorias sobre a atenção buscam explicitar como o ser humano processa determinadas
informações privilegiando outras, e quais as consequências para o seu desempenho em
determinadas tarefas. A atenção é compreendida como o processo que permite a captação e
o tratamento ativo de informações (Sternberg, 2000).

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Um dos princípios norteadores dos estudos sobre a atenção está relacionado à quantidade
de estímulos diferenciados presentes em cada situação e a significação que o sujeito atribui
a cada um deles, dependendo das informações contidas na sua memória e das associações
que ele é capaz de estabelecer para elaborar uma representação, em tempo real, do
problema a que ele está confrontado. Neste sentido, seria inviável para o ser humano
processar cada elemento do contexto, por isso ele seleciona, segundo as suas
competências, as variáveis que considera pertinentes para a sua ação.

Estudos, como o de Anderson (1983), buscam definir como ocorre o processo de


automatização de procedimentos oriundo da prática do indivíduo e da quantidade de
situações semelhantes presentes na sua experiência, tornando o processo de recuperação
das informações mais rápido e permitindo que o indivíduo direcione seus recursos
atencionais para outras tarefas (Boronat & Logan, 1997; Logan, 1988).

Outros estudos procuram compreender o efeito de tarefas interferentes no desempenho dos


indivíduos, considerando que existe um limite para a atenção a diversos estímulos
simultâneos. A similaridade de estímulos de tarefas concorrentes, por exemplo, é um fator
que dificulta a realização da tarefa principal (Duncan & Humphreys, 1992 conforme citado por
Sternberg, 2000).

Estudos realizados por Pashler, Johnston e Ruthruff (2001) apontam que o processo de
atenção não ocorre somente em função do estímulo apresentado, sem um direcionamento
ativo do indivíduo; nesse sentido, ele não pode ser considerado completamente automático,
uma vez que o indivíduo é capaz de, até certo ponto, controlar o foco da atenção para
estímulos ou contextos específicos, "filtrando" informações irrelevantes para a execução de
determinada tarefa. Para os autores, as características dos estímulos do ambiente podem
facilitar ou interferir no controle consciente da atenção, a exemplo dos estímulos mais
discrepantes, que podem redirecionar o foco de atenção sem o controle do sujeito.

Na EC, procura-se compreender quais são as estratégias elaboradas que favorecem não
somente o direcionamento atencional, mas, sobretudo, como é distribuída sua atenção e a
partir de quais elementos da situação se estabelece uma hierarquia sobre o que é mais

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relevante ao desenvolvimento da atividade. Ao se identificar na situação real, as informações
e as estratégias utilizadas no processo, pode-se definir os parâmetros de transformação ou
critérios de flexibilização a serem incorporados no processo de forma a facilitar a seleção das
informações pertinentes.

No que se refere à resolução de problemas, os estudos buscam compreender como os


elementos de uma determinada situação são analisados e como os indivíduos utilizam as
informações disponíveis para encontrar uma solução. A teoria de Newell e Simon (1972,
conforme citado por Sternberg, 2000), pressupõe que este processo é composto: pelo estado
inicial do problema; o seu estado final (os objetivos a serem alcançados), bem como pela
representação das alternativas possíveis de resolução e pelos obstáculos existentes. Neste
modelo, o indivíduo lança mão de regras de produção, que são as ações possíveis que
alteram o estado atual para uma situação mais próxima ao estado final. De acordo com essa
teoria, este é um processo que engloba a análise dos elementos do problema e a busca pela
estratégia mais adequada.

Neste enfoque, pode-se supor que a dificuldade em obter alguns benefícios via internet, ou
pagar contas, ou pegar a segunda via de um imposto qualquer passe pela dificuldade ou
impossibilidade de formular o problema a ser resolvido. Naturalmente, como já foi dito, as
pessoas utilizam uma representação para compreender a situação e agir. Essa
representação, quanto mais distante da situação-problema, menos é adequada para obter
respostas.

Imagine que alguém vá pedir um benefício na Agência da Previdência Social. Após muito
tempo na fila, ele apresenta uma série de documentos ao atendente, que os protocolará e
dirá ao requerente que o processo será julgado e a resposta será dada no prazo de X meses,
ou por outro lado, informará ao cidadão que ainda são necessários alguns documentos que
poderão ser obtidos nos órgãos A, B e C. Neste caso, o requerente tem ciência (a) do estado
inicial do problema (qual é o problema, a localização das agências, rotas de trânsito e horário
de funcionamento, por exemplo), (b) do estado final (qual o resultado: o documento
protocolado e mais informações sobre o processo, seja a data do julgamento seja a
necessidade de encaminhar mais documentos) e (c) dos caminhos para a resolução (como

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fazer: ir à Agência com os documentos e protocolar o pedido). Apesar do trabalho, sofrimento
e perda de tempo evidente, o indivíduo sabe o que deve ser feito.

Na internet, as possibilidades de resolução podem ser inúmeras ou somente uma, a


depender da concepção da interface (lógica do site). Ou seja, pode-se chegar ao resultado
final por diferentes caminhos, mais longos ou mais curtos, dependendo de como se monta o
problema. Até a possibilidade de ajuda, neste contexto, que pode ser considerada um
caminho para a resolução, consiste em encontrar uma resposta previamente redigida ou
enviar um e-mail com a pergunta.

Assim, o problema apresentado pode ser definido em função das informações que
disponibiliza. Os problemas bem estruturados são aqueles que apresentam claramente o
estado inicial, o estado final desejado, os procedimentos e os obstáculos para sua solução.

Os problemas mal estruturados, por sua vez, não disponibilizam informações suficientemente
estruturadas que permitam a construção do espaço do problema. Desta forma, o indivíduo
não é capaz de interpretar, com precisão, como resolver o problema (Anderson, 1983;
Quesada, Cañas & Antolí, 2000; Quesada, Kintsch & Gomez, 2002; Sternberg, 2000). A
representação do espaço do problema, que é construída pelo indivíduo no momento da
resolução, está associada à clareza das informações disponibilizadas e à experiência
anterior do sujeito, e quanto mais correta for essa representação, maiores serão as chances
de resolução (Keren, 1984).

Quesada e cols. (2002) pontuam, de forma pertinente, que no "mundo real" as resoluções de
problemas adquirem características que as diferenciam de situações de laboratório. Segundo
os autores, elas são:

a) dinâmicas, pois ações anteriores podem determinar mudanças no ambiente e o


ambiente da tarefa pode mudar sem a interferência do sujeito;

b) limitadas temporalmente, porque as decisões têm que ser tomadas em um tempo


específico; e

c) complexas, já que a maioria das variáveis não está relacionada linearmente entre si.

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Essa variabilidade de características pode ser ilustrada pelo estudo conduzido por Sarmet
(2003), que pela via da análise ergonômica do trabalho, identifica como a situação de
interação entre o tutor e os alunos é permeada pela imprevisibilidade, dinamismo e incerteza.
Além disso, os seus dados revelam que o tutor não tem controle do seu meio de
comunicação e, que ele está submetido a panes e disfuncionamentos nos aplicativos
utilizados, ou ainda problemas de conexão na própria internet. Ele pode solucionar a
demanda de um aluno em dois minutos ou em uma hora, dependendo do grau de
complexidade da questão.

Aliados a estes fatores, a multiplicidade das ferramentas e a própria dinâmica inerente à


tarefa de tutoria compõem um quadro que prima pela variabilidade. Ao tutor cabe a atribuição
de lidar com todas estas variáveis, com um espaço de problema mal delineado e cumprir a
sua jornada de trabalho sem saber quais serão os problemas que deve resolver ou qual o
estado final para cada uma das demandas colocadas pelos alunos.

Como os recursos cognitivos são limitados, a análise de todos os elementos do contexto,


bem como das alternativas de ação disponíveis se mostra inviável (Holyoak, 1990), os
indivíduos elaboram "atalhos mentais" denominados de heurísticas, com o intuito de agilizar
os processos de resolução de problemas e decisão utilizando o mínimo dos recursos
disponíveis (Gingerenzer, Todd & ABC Group, 1999; Holyoak, 1990; Marmaras &
Kontogianis, 2001; Sternberg, 2000).

As heurísticas mais comuns dizem respeito à utilização da estratégia de solução mais


facilmente recuperada na memória (disponibilidade), ou mais representativa da solução para
problemas de categorias semelhantes (representatividade). A utilização de heurísticas,
justamente por serem baseadas em análises parciais da situação, pode aumentar a
probabilidade de erros e acidentes, em função de uma interpretação inadequada dos
elementos do contexto. Na maioria dos casos, no entanto, elas elevam a eficiência e a
eficácia das ações.

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Todos estes processos se articulam e se manifestam na competência do sujeito ao utilizar
seus conhecimentos e representações, gerando estratégias operatórias que resultam na
ação mais adequada, visando à realização da ação. Os processos atencionais e de
categorização auxiliam o indivíduo a determinar o que analisar na situação de trabalho e
quais representações e conhecimentos buscar na memória de longo prazo, gerando os
melhores procedimentos para solucionar a questão proposta.

Considerando que a EC tem como foco principal a análise da situação real, é parte do seu
fazer compreender como se dá a interação entre os elementos do sistema estudado. Dada a
importância do papel da interface como elemento mediador, é relevante estudar como se dá
a interação entre o usuário e o sistema informatizado.

Desta forma, retomando o primeiro exemplo que introduziu este artigo, o terminal de auto-
atendimento, quanto mais o sujeito se especializa nesta operação mais ele reforça a
probabilidade de recuperação dos conhecimentos necessários para agir, tornando-o
competente. Nesta lógica, quanto mais se incorpora o usuário na (re) concepção de sistemas
informatizados mais se pode aproximar a lógica de funcionamento, a interface e a linguagem
às representações e às estratégias que eles utilizam em sua ação.

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U NIDADE 17
Ergonomia e Cognição: Considerações Finais

Objetivo: Situar o papel da ergonomia e da cognição, no trabalho informatizado

Nesta unidade, você lerá as considerações finais do artigo de Júlia Issy Abrahão, Alexandre
Magno Dias Silvinoll e Maurício Miranda SarmetII, intitulado “Ergonomia, cognição e trabalho
informatizado”, publicado na revista “Psicologia: teoria e pesquisa” de 2005.

A leitura do presente artigo, como foi dito, nos ofereceu um alicerce teórico para a
compreensão da articulação entre as diferentes dimensões da interação “homem-máquina”
principalmente, nos processos informatizados (internet, navegabilidade, etc.), bem como
elementos para podermos situar o papel da ergonomia nesse processo.

Conclusão

O processo de informatização pode ser avaliado sob duas perspectivas até hoje distintas:
uma que é a do especialista e a outra a do usuário. O problema é que a articulação das duas
ocorre em um nível muito superficial. Talvez porque se trate, ainda, do usuário final como se
fosse um especialista, acreditando que um dia ele aprenderá a utilizar esse artefato
independente da lógica subjacente a seu manuseio. A consequência mais visível deste tipo
de procedimento é o custo para o usuário que, se manifesta sob a forma de erros frequentes
e sofrimento ao ser confrontado quotidianamente a esses artefatos nos mais diferentes
espaços de sua vida.

É bem verdade que os conhecimentos disponíveis sobre o homem em ação vêm se


desenvolvendo no rastro das novas tecnologias e permanecem, em geral, de acesso restrito.
Fato é, também, que os projetos de interface são relegados aos designers que raramente
são portadores de conhecimento sobre a cognição humana em situação. De fato, a eles são
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solicitadas a harmonia e a estética, conceitos que eles operacionalizam apoiados na
criatividade e sob alguma base da percepção humana.

Não bastasse essa dicotomia entre as lógicas, aparentemente de resolução simples, uma
outra variável complexa media a definição desses dois critérios: o da confiabilidade dos
sistemas. No meio dessa discussão se encontra o usuário, cidadão comum e trabalhador.
Todos ansiosos para obter sucesso ao operar estes artefatos, disponibilizados pelo
progresso tecnológico, e que aparentemente deveriam minimizar a carga de trabalho na lida
com a vida. No entanto, este é um privilégio reservado a poucos. Por quê?

Seriam tantas as competências solicitadas para incorporar as características dos usuários na


concepção dos artefatos que justifiquem, ainda hoje, a manutenção da lógica de concepção
idealizada e voltada para os especialistas? Não é visível que dessa forma se exclui boa parte
da população da sensação de bem-estar ao lidar com os artefatos disponibilizados até em
quiosques de shoppings centers?

A proposta aqui contida é que se indague, antes de tudo, quais as tarefas e a que faixa da
população se destina o produto. Para se atingir os objetivos a que o artefato se propõe e
nesse processo, é fundamental compreender como o usuário se apropria das informações
contidas no ambiente na perspectiva de incorporar essas representações (esquemas)
conceitualmente no projeto.

O referencial teórico metodológico da Ergonomia foi apresentado como forma de identificar o


processo segundo o qual o sujeito constrói suas interpretações do contexto em que se
insere, ao mesmo tempo em que permite transformar esse conhecimento em elementos de
mudança desse contexto. Trata-se de uma abordagem mediadora entre o sujeito e a
tecnologia como forma de assegurar que a lógica que guia a ação do usuário seja
contemplada tanto no processo de concepção quanto de reformulação das interfaces em
geral.

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U NIDADE 18
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente

Objetivo: Traçar o panorama de desenvolvimento industrial, apontando as consequências


sobre o meio-ambiente e consequentemente sobre a saúde

Nesta unidade, assim como nas unidades a seguir, trabalharemos com o artigo de Tânia
Franco e Graça Druck “Padrões de industrialização, riscos e meio ambiente” publicado na
revista Ciência e Saúde Coletiva de 1998.

Nele, as autoras abordam as questões dos riscos industriais e seus impactos sobre o meio-
ambiente e a saúde, sempre correlacionando com os padrões de trabalho e consumo das
sociedades ocidentais capitalistas. Atente para os processos de reestruturação produtiva e a
introdução de novas formas de gestão da produção e do trabalho e sua relação com o meio-
ambiente e as condições de trabalho, com consequências para a saúde dos indivíduos.

Bom Estudo!

Introdução

O atual momento histórico aponta, sem dúvida, para a importância da reflexão a respeito das
sociedades industriais contemporâneas e seus impactos sobre a saúde e o meio ambiente
nos diversos círculos sociais. É necessário abordar, dentro desta temática, a relação entre
trabalho, saúde e meio ambiente em sua dupla dimensão: dentro e fora das plantas
industriais.

Para tanto, convém fazer rápida retrospectiva histórica, com o intuito de focalizar elementos
cruciais - em termos sociais, políticos e econômicos - que envolvem esta temática e que
constituíram o próprio tecido sociopolítico de origem dos padrões de produção e consumo
prevalecentes hoje na maior parte do planeta.
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Tomando-se a Revolução Industrial como marco que revolucionou tanto as relações sociais -
exercidas entre os homens no desempenho das atividades econômicas e na vida social -
quanto às bases técnicas das atividades humanas - avanços científicos e sua aplicação
industrial sob a forma de tecnologia - é possível compreender o processo deflagrado de
crescente transformação da interação entre a humanidade e o planeta, isto é, entre as
atividades humanas e a biosfera.

A partir da Revolução Industrial - que se expandiu progressivamente da Inglaterra para o


resto do mundo ocidental e, no século XX, se desdobra 'modernamente' no mundo oriental -,
podem ser destacados elementos marcantes de transformação profunda na vida dos homens
entre si e com o meio ambiente e, consequentemente, das condições objetivas e subjetivas
da saúde humana e da sustentabilidade ambiental.

Em primeiro lugar, destaca-se a revolução nas relações existentes entre os homens, no


mundo do trabalho, quanto à propriedade dos meios de produção e o produto do trabalho -
as mercadorias. Retrospectivamente e em linhas gerais, observa-se que os produtores
artesãos deixaram paulatinamente de ser donos dos instrumentos de trabalho, dos meios de
produção, passando a constituir a massa de despossuídos e trabalhadores assalariados que
se expandiu, ao longo de séculos, juntamente com as populações expulsas do campo.

Os assalariados passaram a enfrentar jornada de trabalho determinada, com duração de


muitas horas diárias, devendo adaptar-se aos ritmos novos de trabalho, à materialidade
desse ambiente com suas instalações/equipamentos/materiais, que foram progressivamente
modernizados e utilizados, implicando o aumento da densidade de equipamento por metro
quadrado e mecanismos de agressão à saúde decorrentes das vibrações, ruído,
temperatura, traumatismos, alta concentração de poluentes, dentre outros.

Configuraram-se, assim, novos regimes de trabalho, executados sob ritmos cada vez mais
velozes e predeterminados, que trouxeram a potencialização de agentes agressivos
preexistentes e de novos, interativos, de distintas naturezas - físicos, químicos, ergonômicos
e organizacionais.

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Sob um comando cada vez mais exterior, o assalariado foi obrigado a obedecer aos
procedimentos de execução impostos, tendo que 'adaptar-se' socio-psico-biofisicamente às
máquinas - posturas, gestos repetitivos, velocidade... - e às tarefas cada vez mais parceladas
e fragmentadas. Segmentos de assalariados foram progressivamente especializados no
controle da produção e do trabalho - inicialmente, os capatazes e supervisores. A questão
específica do controle passou a constituir objeto de pesquisa, propiciando o delineamento de
campos diferenciados da ciência ocidental, notadamente a 'organização científica do
trabalho' e seus desdobramentos no campo da administração e das organizações, como a
psicologia industrial, a engenharia (de produção, posteriormente), a medicina ocupacional e a
higiene industrial.

O tecido social das sociedades industriais então emergentes foi urdido com relações
conflitantes, assimétricas e antagônicas, bem como com interesses divergentes no mundo do
trabalho. Estes antagonismos manifestaram-se ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX por
contínuas lutas e conquistas sociais quanto aos níveis de salários, aos limites de duração da
jornada de trabalho, às restrições ao trabalho dos menores e mulheres, à regulamentação
das horas extras, aos adicionais de insalubridade, de periculosidade e do trabalho noturno,
dentre outros.

Alguns elementos foram fundamentais para viabilizar a revolução industrial das bases
técnicas do trabalho. Em primeiro lugar, deve-se destacar o uso de novas fontes de energia.
As sociedades pré-revolução industrial utilizavam basicamente as forças humana e animal. A
partir de então, passaram a empregar o vapor, a combustão de recursos renováveis e não-
renováveis - como carvão e petróleo -, chegando-se, no século XX, ao uso da energia
nuclear para fins produtivos e/ou destrutivos. Simultaneamente, as máquinas, equipamentos
e instalações foram-se configurando materialmente cada vez mais potentes e incorporando
progressivamente atividades anteriormente realizadas pelos homens.

Assiste-se à expansão da capacidade produtiva, com escalas de produção inéditas para a


humanidade e, por conseguinte, com o uso de volumes crescentes de recursos naturais -
água, matérias-primas e insumos -; com a criação de recursos sintéticos, em substituição às
antigas e empregadoras lavouras de algodão, fibras naturais, borracha, produção de

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cerâmica etc.; com o uso crescente de novos materiais, em especial a partir da II Guerra
Mundial, quando se deu impulso à indústria química e petroquímica (Freitas, Porto e Gomez,
1995) e a geração de quantidades crescentes de resíduos industriais de maior ou menor
grau de risco para a vida humana.

Social e economicamente, este padrão de produção adquiriu forma cada vez mais
concentrada e intensiva em capital, cuja expansão e crises traduzem-se hoje na globalização
da economia, no ressurgimento, com maior força, do problema da exclusão social e da
diferenciação entre países do Norte e Sul, ricos e pobres, tal como na emergência e
consolidação de problemas ambientais locais e globais. Desafios deixados pelo século XX.

Nas sociedades ocidentais operou-se velozmente um processo de 'coisificação' dos


indivíduos e das relações humanas, com a perda da dimensão do indivíduo/subjetividade ou
com a instrumentalização da subjetividade, no sentido de uma sociedade laboriosa e
'racional', movida por lógica muito específica e particularizante, qual seja, a 'racionalidade
econômica', subordinada à lógica do lucro, da acumulação e retorno do capital investido e do
domínio da natureza a qualquer preço.

Sob esta lógica assiste-se, desde alguns séculos, a notável desenvolvimento tecnológico,
que trouxe crescente mecanização do processo de trabalho. Seus desdobramentos no
sentido da progressiva automatização - potencializada hoje pela microeletrônica - são
aplicados em praticamente todas as atividades socioeconômicas, integrando
progressivamente a produção, o controle, a concepção e a circulação de
mercadorias/matérias-primas/informações tanto no mundo industrial quanto nos demais
setores da economia.

Vale salientar que a incorporação e aplicação de tais avanços tecnológicos não têm
contribuído necessariamente para reverter o predomínio da organização taylorista do
trabalho e suas diferenciadas formas de agressão aos indivíduos, ainda predominantes nas
sociedades industriais, apesar das diversas inovações organizacionais, conforme assinala
Druck (1995).

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Em termos de conquistas sociais ancoradas no mundo do trabalho, os maiores avanços
ocorreram nos países-berço da industrialização, entre 1950 e 1970, nas 'décadas de ouro',
tão bem caracterizadas por Hobsbawn (1996), e que hoje se encontram em cheque pela
conjunção dos movimentos de globalização da economia, de reestruturação produtiva e
pelas respostas neoliberais à crise da economia mundial.

Voltados para os desafios e embates destas formas históricas de civilização edificadas nos
últimos três séculos, os campos científicos acima mencionados - além da Economia Política
e da Sociologia do Trabalho e, mais recentemente, da Ergonomia e da Psicopatologia do
Trabalho - construíram e se moveram nos marcos de um mundo laboral taylorista-fordista,
mantendo e recriando perspectivas distintas de conservar ou transformar tais sociedades e
seus alicerces.

Pesquisas e proposições de ação e reação na dimensão do controle social ou das buscas de


libertação humana, nos níveis micro e macro das sociedades industriais nascentes e em
consolidação, emergiram e encontram-se, hoje, assim como esta forma de civilização - com
seus padrões de produção e consumo - em crise. Paradigmas e sociedades em crise.

O salto é gigantesco, e as possibilidades de impactos sobre a saúde e o meio ambiente são


imensas e até imprevisíveis, todavia sendo previsível a insustentabilidade de semelhante
forma civilizatória se mantidos os atuais padrões de produção e consumo, conforme indicam
vários autores, como, por exemplo, Martine (1993), Sachs (1994), Hobsbawn (1996).

As sociedades industriais contemporâneas redefiniram radicalmente o uso do espaço. O


surgimento das cidades, a vertiginosa transformação de populações rurais em urbanas, o
peso crescente dos espaços urbano-industriais, semelhantes reconfigurações do espaço se
deram pari passu à consolidação dos Estados-Nação ao longo de séculos, os quais tiveram
papel decisivo na regulamentação da vida urbana, em particular, na dos países centrais, isto
é do espaço geográfico e socioeconômico intrafronteiras geopolíticas de cada país. Os fluxos
de investimentos foram guiados por fatores de alocação, tais como a disponibilidade de
recursos naturais renováveis e não-renováveis e dos custos de mão-de-obra.

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Atualmente deve-se acrescentar a 'vantajosa' atratividade dos países/sociedades
permissivas em termos de direitos trabalhistas e ambientais, na medida em que, em especial,
os países centrais avançaram historicamente em conquistas sociais - regulamentação do
trabalho - e restrições legais, visando à preservação ambiental e as gerações futuras. Nesse
sentido, investimentos produtivos movem-se no planeta em busca de espaços com
regulamentações menos restritivas, favorecendo a transferência de tecnologia e de riscos
entre países centrais e periféricos a partir da década de 1970 (para maiores detalhes, ver
Castleman, 1996; Thébaud-Mony, 1990; Franco, 1993; Freitas et al., 1995) ou de espaços
que permitam o dumping social e o dumping ambiental.

Mais recentemente, grandes organizações econômicas articularam-se no intuito de


neutralizar as regulamentações dos Estados-Nação em seus territórios e até penalizá-los
pelas restrições - ambientais e sociais - que venham a ser feitas aos investimentos, mediante
o Acordo Multilateral sobre Investimento - AMI -, que vem sendo negociado desde 1995 no
âmbito da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE - (Le Monde
Diplomatique, février 1998).

Às tentativas de fugir a tais restrições feitas por parte das empresas multinacionais que
possuem poder econômico e político crescente no mundo em globalização, acrescentam-se
outras, visíveis a partir dos anos 1980, de desregulamentação da vida social nos países que
viveram o Estado de Bem-Estar Social.

Assim, a queda do bloco soviético - possível limite político e concorrente para as sociedades
capitalistas -, as crises econômicas, o descolamento progressivo das esferas financeiras e
produtivas, as desregulamentações sociais, a redefinição do papel do Estado, a
desterritorialização e surgimento de Estados-anões e a expansão do poder das organizações
econômicas - empresas cada vez mais transnacionalizadas - e instituições financeiras
internacionais marcam as décadas mais recentes.

Carro-chefe destas mudanças, a "globalização deve ser compreendida como um movimento


de caráter estrutural do capitalismo. No plano material e econômico, o momento atual

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desenvolve e realiza - no limite máximo - as principais tendências presentes no sistema
desde os seus primórdios e, com maior intensidade, no início deste século.

É a realização destas tendências até as últimas consequências. Verifica-se um processo


crescente e intenso de concentração e centralização de grandes capitais, auxiliado por uma
dispersão de pequenos capitais. Vive-se o tempo dos empreendimentos e empresas
transnacionais, para além das multinacionais. Há um super dimensionamento da esfera
financeira da economia, que se torna cada vez mais prioritária nos investimentos do capital.
Nesta medida, cada vez mais a lógica financeira - apoiada nas inovações tecnológicas da
informática e das telecomunicações - se sobrepõe à lógica produtiva, acarretando graves
consequências no plano do emprego e da produção. (...) As transformações em curso, por
sua vez, qualitativas e quantitativas, são capazes de destruir economias inteiras de um dia
para o outro, a exemplo da volatilidade dos capitais fictícios/improdutivos aplicados nos
mercados financeiros, que saem e entram de um país para o outro, transitando de um lado
do mundo para outro, através das redes informatizadas de telecomunicações" (Druck e
Franco, 1997:16).

O movimento da globalização, em conjunto com a reestruturação produtiva em curso e a


adoção de políticas neoliberais de ajuste da economia por inúmeros países, tem resultado
em fenômeno novo historicamente, que é o descolamento entre crescimento econômico e
emprego. Ou seja, o crescimento econômico se dá sem o crescimento do emprego. A
destruição de empregos, quando ocorria anteriormente, era em geral compensada pela
criação de empregos em outros setores da economia, o que não mais vem ocorrendo como
padrão predominante. A OIT refere um desemprego de 30% no mundo. Este fenômeno tem-
se dado tanto nos países periféricos quanto nos centrais, sendo denominado, por Sachs
(1994), a "terceiro mundialização" dos países centrais.

Tais movimentos têm resultado na destruição de empregos com direitos trabalhistas e na


consolidação do trabalho precário, isto é, o 'emprego' sem garantias ou direitos - sem férias,
sem descanso semanal, sem auxílio doença, sem previdência etc. - e na crescente
legalização do trabalho temporário. Vários estudos estão demonstrando que semelhantes
formas de gestão do trabalho têm degradando as condições de sua realização e, por

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consequência, potencializado seus impactos sobre a saúde. Estes ocorrem seja pela via da
exclusão social no sentido estrito - desemprego, subemprego, acesso a bens, assistência
médico-social, cultura e educação - seja pela via da execução do trabalho precário, com
acúmulo de funções, maior intensidade e/ou extensão da jornada, maior exposição aos
riscos, submissão às condições inseguras de trabalho por fragilização das ações de
resistência coletiva e/ou individual dos sujeitos sociais.

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U NIDADE 19
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente

Objetivo: Traçar o panorama de desenvolvimento industrial, apontando as consequências


sobre o meio-ambiente e consequentemente sobre a saúde

Nesta unidade, continuaremos trabalhando com o artigo de Tânia Franco e Graça


Druck “Padrões de industrialização, riscos e meio ambiente” publicado na revista Ciência e
Saúde Coletiva de 1998. Como foi explicitado, as autoras abordam as questões dos riscos
industriais e seus impactos sobre o meio-ambiente e a saúde, sempre correlacionando com
os padrões de trabalho e consumo das sociedades ocidentais capitalistas. Atente para os
processos de reestruturação produtiva e a introdução de novas formas de gestão da
produção e do trabalho e sua relação com o meio-ambiente e as condições de trabalho, com
consequências para a saúde dos indivíduos. Nesta parte, as autoras trabalham com a
historicidade dos riscos industriais e do meio-ambiente.

A historicidade dos riscos industriais e do meio ambiente

Essas mudanças - que têm agravado o problema da exclusão social nos diversos países -
acontecem em momento muito específico da história da humanidade em sua relação com a
biosfera. Trata-se daquele em que a ação das sociedades contemporâneas - seus padrões
de produção e consumo, seu patamar tecnocientífico - é capaz de interferir profundamente
nos mecanismos reguladores da biosfera. Neste momento, ações locais também podem ser
globais. Os níveis micro e macro interagem, mesclando-se a problemas locais e globais.

Os principais problemas ambientais globais surgidos em virtude das poluições químicas -


emissões de gás carbônico e de milhares de outros poluentes, acúmulo de lixo tóxico - que
resultam em alterações no efeito estufa, destruição da camada de ozônio, chuvas ácidas,
dentre outros (Capra, 1982; Beaud e Bouguerra, 1993; Passet, 1995; Sachs, 1994; Martine,
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1993) decorrem dos padrões de industrialização vigentes, sobretudo nos países avançados,
assim como o esgotamento de recursos não-renováveis. Maimon (1995) elabora uma análise
do fenômeno: "Estimativas recentes indicam que apenas 12% dos estabelecimentos
industriais dos países desenvolvidos, concentrando 20% do valor adicionado, são
responsáveis por 2/3 do total da poluição industrial". É uma realidade paradoxal e
contrastante, tendo-se em mente que "atualmente menos de 1/4 da população mundial
consome 80% dos bens e mercadorias produzidos pelo homem" (Martine,1993).

Diante deste quadro, é preciso considerar como desafios não apenas a crescente exclusão
social, mas também a geração de escassez/penúria social pela destruição ambiental dos
atuais padrões civilizatórios. O desafio político, social e científico consiste na construção
histórica de sociedades com desenvolvimento sócioambiental, que são hoje as duas faces da
mesma moeda. Equidade social e inserção humana consciente no meio ambiente.

Os padrões de produção e consumo gestados ao longo dos últimos séculos passaram a


redefinir, cada vez mais profundamente, tanto o estado das águas, do ar, dos solos, da fauna
e da flora, quanto as próprias condições históricas da existência humana: seus espaços de
moradia e de trabalho, seus fluxos migratórios, as situações de saúde e morte. Por
conseguinte, é histórica a relação entre riscos industriais, meio ambiente e saúde das
populações, que muda com as feições das diferentes formas civilizatórias. Nas sociedades
industriais contemporâneas tal relação e historicidade mostram-se particularmente fortes e
perceptíveis quando são focalizados ramos industriais poluentes em demasia, como o
petroquímico, o químico e o nuclear. De modo simplificado, podem-se destacar alguns dos
traços essenciais desta trajetória.

Em primeiro lugar, estabeleceu-se estreita relação entre o ambiente intra e extrafabril nos
espaços urbano-industriais das sociedades atuais. A sucessão de acidentes de vastas
proporções, em particular a partir da década de 1970, e casos exuberantes de poluição
crônica (Love Canal/EUA) demonstram que são virtuais e quiméricos os muros e limites entre
as plantas industriais de setores poluentes e seu entorno - rios, mares, ar, terras, fauna, flora,
áreas residenciais (Capra, 1982; Franco, 1993; Freitas, Porto e Gomez, 1995; Druck e
Franco, 1997; Franco e Afonso, 1997).

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Nesse caminho há expansão progressiva do alcance dos riscos, isto é, do seu raio de ação;
o local e o global se interconectam e a potencialidade de degradações socioambientais
ultrapassa os locais de ocorrência de acidentes/contaminações, não se limitando, portanto,
às localidades ou às fronteiras geopolíticas dos países de origem. As chuvas ácidas e as
alterações do efeito estufa são claros exemplos.

Além do alcance ampliado, há intensa mobilidade dos riscos, "seja por meio de dutovias e
diversos meios de transportes e armazenamento de produtos, seja por meio das emissões
previstas das plantas e/ou fugitivas, são muitas as formas de disseminação de efluentes
líquidos, sólidos e gasosos.

“Por meio desta mobilidade, vastas extensões de terras, ar e águas são percorridas e
integradas como áreas de impactos sócio-ambientais e de riscos em todo o planeta.” Em
consequência, assiste-se historicamente à ampliação das populações potencialmente
expostas aos riscos que trazem, por sua vez, inéditos problemas para os mecanismos de
regulação da biosfera. Os efeitos agressivos para os organismos humanos podem deflagrar
processos mutagênicos, teratogênicos e carcinógenos a médio e em longo prazo, agressões
muitas vezes de caráter cumulativo e combinado. Trata-se de momento peculiar, no qual as
contradições do padrão de desenvolvimento presente interferem diretamente tanto na
morbimortalidade atual quanto na de futuras gerações.

Ademais, são sociedades de industrialização avançada ou não, diferenciadas e marcadas


por defasagens entre as estruturas institucionais e o preparo dos Estados-Nações e
populações para lidarem com os problemas causados pelas opções adotadas quanto ao
crescimento econômico e sua complexidade. As defasagens evidenciam-se pela carência
generalizada de informações e pela fragilidade de culturas de segurança industrial e
ambientalista no campo da produção e do consumo. Constituem o terreno propício à
transferência de tecnologias e de riscos entre países marcados por expressivas
desigualdades econômico-sociopolítico-culturais, que se aprofundam no atual processo de
globalização.

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Um dos indicadores desse processo de transferência de riscos entre povos consiste na
participação crescente dos países em desenvolvimento, tais como Brasil, México e Índia, no
que diz respeito à produção de acidentes de trabalho industrial de grande porte a partir da
década de 1970, envolvendo contaminações químicas e radiações em detrimento dos países
integrantes da OCDE, a partir da década de 1970 (Maimon, 1995; Freitas, Porto e Gomez,
1995). Nos países periféricos são mais acentuadas as defasagens entre os riscos das
plantas industriais e as estruturas e cultura existentes para gerenciá-los.

Sem dúvida, a sucessão de acidentes industriais ocorridos em vários pontos do planeta


evidencia "um dos sinais de esgotamento e insustentabilidade deste paradigma de
industrialização em relação à vida humana". Seja através da contaminação crônica e lenta
(Love Canal/EUA) seja aguda, por acidente industrial - Bophal/Índia, Seveso/Itália, Vila
Socó/Brasil, San Juan de Ixhuatepec/México, Pojuca/Brasil, dentre outros -, acontecimentos
desta natureza inauguram fase inédita na trajetória do mundo industrial e na evolução dos
seus riscos potenciais, acidentabilidade e sustentabilidade.

Subjacente a essa trajetória, deve-se considerar que foram colocados em marcha, nas
últimas décadas, os mecanismos de precarização do trabalho. Assim, no âmbito do
movimento mundial de reestruturação produtiva, a adoção de práticas de gestão 'modernas' -
tal como a terceirização disseminada e extensiva mesmo à operação e manutenção de
setores industriais de alto risco - tem resultado, por um lado, na precarização das condições
de trabalho, na fragilização das ações coletivas e de resistência individual, em condições de
segurança industriais mais vulneráveis e em sujeição aos agravos à saúde, pelo menos em
alguns contextos.

Por outro lado, práticas de gestão desta natureza têm projetado um manto de invisibilidade
política e social sobre o mundo real do trabalho, ocultando os seus problemas, contradições
e alternativas de solução, diluindo e fragmentando os sujeitos sociais.

Por todos esses aspectos e pela complexidade dos desafios criados, importa considerar que
a redefinição dos padrões de produção e consumo - no sentido de um desenvolvimento
sustentável com equidade social - depende da existência e atuação de sujeitos sociais com

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visibilidade social, não podendo advir das leis cegas de mercado nem de formulações
pseudocientíficas que justifiquem seja a política de degradação do meio ambiente - que gera
mais escassez social a médio e longo prazo, sobretudo nos países periféricos - seja a
política de exclusão e apartação social que tem prevalecido, até então, nos países nucleares
e periféricos.

Nesse sentido, um dos casos emblemáticos no Brasil de hoje é o complexo industrial químico
e petroquímico da Região Metropolitana de Salvador, RMS/BA, com espaço urbano-industrial
localizado no município de Camaçari, no qual se encontram padrões de gestão/organização
do trabalho e da produção inovadores - destacando-se a terceirização -, tecnologias de base
microeletrônica desconhecidas até então, nova política de relações entre sindicatos e o
patronato e questões sócio-ambientais da maior importância e atualidade, relacionadas à
precarização do trabalho, do emprego e à circularidade do mercado de trabalho
segmentado/urbano precário. Na impossibilidade de abordar todos esses aspectos no
escopo deste artigo, faz-se um recorte, focalizando apenas a mobilidade dos riscos
industriais e alguns indicadores da acidentabilidade neste espaço urbano-industrial e de sua
relação com as modernas práticas de gestão do trabalho - com a transferência de riscos para
os trabalhadores terceirizados - com base em diferentes fontes de pesquisa.

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U NIDADE 20
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente

Objetivo: Traçar o panorama de desenvolvimento industrial, apontando as consequências


sobre o meio-ambiente e consequentemente sobre a saúde

Nesta unidade, continuaremos trabalharemos com o artigo de Tânia Franco e Graça


Druck “Padrões de industrialização, riscos e meio ambiente” publicado na revista Ciência e
Saúde Coletiva de 1998. Como explicitado, as autoras abordam as questões dos riscos
industriais e seus impactos sobre o meio-ambiente e a saúde, sempre correlacionando com
os padrões de trabalho e consumo das sociedades ocidentais capitalistas. Atente para os
processos de reestruturação produtiva e a introdução de novas formas de gestão da
produção e do trabalho e sua relação com o meio-ambiente e as condições de trabalho, com
consequências para a saúde dos indivíduos.

A mobilidade dos riscos entre as dimensões intra e extrafabril

É importante focalizar a questão da mobilidade dos riscos industriais, uma vez que, por meio
dela, vastas extensões de terra, ar e água podem ser atingidas, tornando-se áreas de
impactos socioambientais e de riscos de degradação decorrentes de acidentes ou poluição
crônica. No caso considerado, as populações potencialmente expostas incluem os
trabalhadores atuantes nos próprios sítios industriais e os cidadãos moradores, ou mesmo
em trânsito, em locais compreendidos em um raio de muitos quilômetros de distância. As
vítimas desses acidentes - ocorridos na produção, no armazenamento ou transporte de
matérias-primas, insumos, produtos e resíduos - são potencialmente múltiplas, envolvendo
os elementos inanimados e animados do mundo material, muito além dos muros e limites
das plantas industriais. Ademais, seus efeitos não se esgotam necessariamente no tempo de

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ocorrência do acidente, mas podem romper as barreiras do tempo presente, atingindo ciclos
de vida dos indivíduos e alcançando gerações futuras.

Focalizar a mobilidade em território da RMS/Bahia pressupõe esclarecer que a superfície


desta região metropolitana é composta por muitos rios - importantes fornecedores de água
para as populações e para atividades socioeconômicas - e solos usados para moradias e
atividades econômicas, sociais e culturais. Entrecortando este espaço encontram-se
rodovias, linhas férreas e uma rede de dutovias que transportam intensivamente produtos
químicos e petroquímicos, sobre ou sob a superfície. A RMS apresenta ainda extensa faixa
litorânea e a Baía de Todos os Santos, onde estão localizados os portos de Salvador e Aratu.

Esses espaços do mundo inanimado e animado têm sido atingidos de forma aguda pelos
acidentes industriais e, de forma lenta, cumulativa, gradual e predominante, pela poluição
industrial crônica dos efluentes industriais sólidos, líquidos, gasosos e pela poluição urbana.

Os registros oficiais de acidentes de trabalho não contemplam esse lado dos acidentes: sua
mobilidade e alcance socioambiental. Foi possível a aproximação a tais dimensões pelo
levantamento dos acidentes industriais noticiados em jornais diários da imprensa local, no
período compreendido entre 1983 e 1993, incluindo os ramos industriais de bens
intermediários altamente poluentes – químico, petroquímico e metalúrgico - que aconteceram
na produção, no armazenamento ou transporte dos materiais processados/a processar.

No caso dos acidentes ocorridos nas plantas - acidentes de trabalho típicos - o universo
recortado restringiu-se às unidades industriais situadas na Região Metropolitana de Salvador
- RMS, em particular, no Pólo Petroquímico de Camaçari, que concentra de modo
predominante as indústrias de produtos químicos básicos e intermediários na Bahia.
Consiste em empreendimento integrado, intensivo em tecnologia de ponta, iniciado na
segunda metade da década de 1970.

Convém salientar que o complexo industrial químico e petroquímico foi implantado sem
adequada estrutura e programa de controle ambiental. O período de 1983/1993 é de
maturação desse complexo de indústrias, época propícia para destacar aspectos que se
delineiam a partir da década de 1980.

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Em primeiro lugar, o envelhecimento das maiores plantas industriais, suas instalações e
equipamentos, aumentando as necessidades de manutenção preventiva e corretiva
adequadas e de gestão eficaz da segurança industrial. Em segundo lugar, inaugura-se um
período de intensas campanhas de marketing das empresas em torno dos programas de
qualidade total e a adoção simultânea de formas de flexibilização do trabalho, que implicaram
a demissão de quadros qualificados e antigos das empresas e o avanço indiscriminado e
generalizada da terceirização - inclusive e justamente, nas áreas de manutenção, produção,
laboratório e serviços médicos dentre outras, pari passu ao envelhecimento das maiores
plantas industriais.

Ao final deste período, pode-se observar ainda a fragilidade em termos de segurança


industrial, prevenção e controle dos impactos socioambientais, embora possam ter ocorrido
avanços nesse sentido. Tanto local quanto nacional e internacionalmente, o mundo
empresarial apropriou-se das questões ambientais, passando a adotar postura propositiva e
menos passiva, abandonando a negação dos problemas gerados. Atualizou seus modelos de
gestão - incorporando e subordinando os desafios do desenvolvimento sustentável à lógica
de mercado -, ocupando crescente espaço na mídia e em projetos de preservação ecológica
na tentativa de legitimar-se perante clientes e consumidores.

Também no complexo industrial da RMS, as empresas têm divulgado amplamente a adoção


de programas de qualidade e de atuação responsável para as comunidades e o meio
ambiente, e têm buscado obter certificados ISO. Contudo, as práticas de gestão do trabalho,
com sistemáticas demissões e terceirização de atividades essenciais, são contraditórias com
uma proposta de desenvolvimento sustentável social e ambientalmente.

O recurso indiscriminado à terceirização precisa ser revisto sob a perspectiva de suas


consequências para as condições de segurança industrial e ambiental, da precarização das
condições de trabalho, da geração de mais exclusão social e, potencialmente, da
degradação e violência social. Ademais, a terceirização tem funcionado como mecanismo
que isenta as empresas das responsabilidades quanto a inúmeros acidentes industriais, suas
vítimas e danos socioambientais, conferindo-lhes invisibilidade social e política.

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Assim, não causa admiração o fato de que os acidentes de trabalho sejam frequentes nessas
plantas industriais - a média anual de acidentes para 37 destas empresas é de 2.474
acidentes/ano entre 1988 e 1992, sendo 2.070 acidentes típicos/ano -, do mesmo modo que
não surpreende que esteja ocorrendo transferência de riscos para os trabalhadores
terceirizados. Em 1988, mais de 50% dos acidentados em quinze dessas empresas eram
trabalhadores empregados, passando em 1992 a representar 35% e os terceirizados nada
menos que 65% dos acidentados, conforme registros fornecidos pelas empresas.

Também não causa espanto o fato de que a resultante dos acidentes industriais noticiados
na imprensa apresente tendência à elevação constante a partir de 1987. A conjunção de tais
fatos e processos aponta para a fragilização das condições de segurança industrial, até
então, nesses ramos e revela o caráter superficial e tangencial dos programas de qualidade
total e de atuação responsável no que concerne ao cotidiano do mundo real da produção de
bens intermediários e dos riscos industriais na RMS.

Os acidentes que foram noticiados pela imprensa, em razão da repercussão que tiveram por
causa das vítimas humanas ou danos causados e extensão socioambiental do fenômeno,
tiveram lugar tanto nas plantas industriais quanto nas vias de transporte de cargas industriais
- dutovias, rodovias, ferrovias e mar. Metodologicamente foram classificados e agrupados,
conforme a característica predominante da ocorrência, em explosão; incêndio;
vazamento/escapamento; tombamento de carga; outros problemas no processo de trabalho;
acidente de trajeto - envolvendo passageiros/trabalhadores dos sítios industriais poluentes
da RMS e risco ambiental sem referência, vazamento, escapamento, tombamento de carga,
incêndio ou explosão durante/após o acidente.

Foram levantados 139 acidentes, dentre os quais houve 114 ocorrências envolvendo
explosões, incêndios, vazamentos e/ou tombamentos de carga, no período entre 1983 e
1993. Apresentaram leve redução em 1993, mantendo-se, porém em patamar superior ao do
início do período. Além desses, foram levantadas 195 denúncias de contaminação ou risco
de contaminação ambiental de provável origem industrial.

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Em relação às vítimas humanas - trabalhadores das empresas, empregados e terceirizados,
e cidadãos residentes próximos aos sítios ou às rotas de transporte de cargas - pode-se
considerar, inicialmente, o universo das que foram quantificadas.

Observa-se a média de 37,9 vítimas/ano, sendo 14,36 mortes/ano e a média de 23,5 feridos
ou contaminados/ano por acidentes industriais de grande porte noticiados no período de
1983/93. Foram quantificadas 417 vítimas, sendo 158 mortos e 259 feridos ou com
problemas de saúde por contaminação. Além dessas, há inúmeras referências imprecisas a
pessoas queimadas, contaminadas e intoxicadas por poluentes químicos, feridas ou mortas
nos acidentes noticiados.

É preciso considerar também outro universo de vítimas, que corresponde ao daquelas


pessoas que foram submetidas a situações de pânico, medo e desespero nesses acidentes e
que não foram quantificadas: trabalhadores nas próprias plantas industriais e as populações
vizinhas que vivenciaram a mobilidade dos riscos, dos acidentes e de suas consequências.
Assim, em todo o período - exceto no ano de 1984 -,ocorreram acidentes envolvendo
situações de pânico e medo entre moradores de certos bairros e sedes de municípios da
RMS, em especial de Camaçari, Dias D'Ávila e Candeias, em alguns dos quais determinados
moradores apresentaram francos sintomas de contaminação decorrente de
vazamento/escapamento de substâncias químicas.

O estudo dos acidentes ocorridos no período permite constatar a insegurança no transporte


de cargas perigosas, uma tênue articulação entre empresas contratantes e terceiras em
relação ao controle e prevenção de riscos, a fragilidade e/ou ausência de cultura de
segurança industrial por parte tanto das empresas quanto do Estado, a falta de ação
integrada e racional entre empresas e instituições do Estado, a falta de orientação das
populações sujeitas a tais riscos, a ausência ou a falta de condições adequadas à evacuação
ou isolamento da área, bem como dificuldades de assistência médica.

Inúmeros acidentes ilustram tal situação, dentre os quais se destaca um grave acidente
ocorrido em Pojuca/RMS, em 1983, devido ao descarrilhamento, tombamento e vazamento,
seguido de explosões e incêndio, de vagões-tanque que transportavam gasolina e óleo

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diesel originários da refinaria de Mataripe/RMS. Oficialmente, foram 100 feridos e 99 mortos,
a maioria de crianças e adolescentes, registro considerado subenumerado por familiares e
sobreviventes da tragédia. Como todos os demais acidentes noticiados sucederam-se um
'jogo de empurra' quanto às responsabilidades, reflexo de uma realidade sob o fogo cruzado
de interesses divergentes dos atores sociais envolvidos.

As lições dessa tragédia não foram devidamente assimiladas e muitos dos seus aspectos se
repetiram em outros acidentes industriais - exceto a produção de mortes tão numerosas -
tanto naqueles envolvendo transporte de carga - via rodoviária, ferroviária ou marítima -
quanto acidentes nas plantas próximas às sedes de municípios.

Em alguns dos acidentes ocorridos nas plantas industriais com impactos extramuros, os
relatos e a memória de residentes são contundentes: explosões, fortes trepidações e ruído,
"o céu vermelho" e as tentativas desesperadas de fuga, abandono de casas, busca individual
de proteção com artifícios improvisados. Via de regra, populações fogem e funcionários são
evacuados.

A percepção dos riscos desse tipo de indústria, que é das mais importantes opções
econômicas do estado da Bahia, e o medo de contrair doenças têm peso significativo para
certos segmentos populacionais (Borges e Franco, 1997; Franco e Kato, 1997),
permanecendo ainda muito frágil o reconhecimento de tais questões como problema social e
de saúde pública, assim como o reconhecimento da legitimidade dos interesses de
trabalhadores e cidadãos.

Os extremos do período 1983-1993 estão assinalados por acidentes que traduzem os


mesmos problemas de desinformação e desassistência das populações nas áreas de
influência.

Em 1983, houve vazamento de amônia em planta industrial no Pólo, causando forte poluição
atmosférica no bairro de Nova Dias D'Ávila, na sede do município de Dias D'Ávila. A
população entrou em pânico, muitos apresentando sinais e sintomas de contaminação e
vivenciando as dificuldades de assistência médica sem a presença da empresa responsável
ou das autoridades públicas no local. Em 1993, outro grande acidente ocorreu no parque de

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esferas e tanques de nafta, gasolina etc., na Copene, empresa que responde por 40% da
produção de petroquímicos básicos no país.

Houve explosões seguidas de incêndio, debelado após 15h de seu início. Os funcionários em
regime administrativo foram evacuados, tendo sido referido forte ruído, pânico de
trabalhadores e das populações de Camaçari e Dias D'Ávila, além de abandono de casas
pelas famílias. A autoridade pública, desta vez presente, admitiu a necessidade de elaborar
um plano de evacuação e de ativar a unidade de Queimados e Toxicologia do Hospital Geral
de Camaçari.

Considerados em conjunto, os acidentes industriais que envolvem o transporte de cargas


químicas com derramamentos/vazamentos na RMS apresentam tendência crescente entre
1983 e 1993, dinâmica que, embora sofra oscilações, traduz-se em resultante nitidamente
ascendente, mantendo-se em níveis superiores aos do início do período considerado. Foram
sistematizados 53 acidentes com cargas perigosas em rodovias, 22 acidentes no mar, 13 em
ferrovias e 10 em dutovias.

Em vários acidentes ocorre o tombamento de carga perigosa com vazamentos que atingem
rios, causando a morte de peixes e outras espécies, nos quais se constata transporte de
carga perigosa sendo realizado em condições irregulares, fugindo às normas de segurança e
padrões de transporte de carga perigosa (ácido sulfúrico, TDI, benzeno etc.). A rigor, esta é
uma questão de gestão industrial, de gestão da segurança industrial das empresas e de
organização do trabalho.

São também frequentes os acidentes envolvendo o vazamento e o derramamento de


derivados de petróleo na Baía de Todos os Santos e no Litoral Norte/Atlântico da RMS, com
a formação de extensas manchas litorâneas, atingindo ecossistemas frágeis e de
importância, como os mangues.

Assim, deve-se questionar a terceirização como forma de gestão, em função da recorrência


de certo número de empresas contratantes e terceiras envolvidas nos acidentes. Inúmeros
casos permitem constatar precárias condições de segurança do transporte realizado pelas
terceiras.

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São contratadas cerca de 30 empresas de transportes de cargas pelas empresas do Pólo
Petroquímico de Camaçari, as quais conduzem, em média, 50 mil toneladas de produtos
químicos e petroquímicos por mês para diversos estados brasileiros, realizando, em média,
quatro mil viagens/mês. Segundo o Diretor Adjunto do CRA - Centro de Recursos Ambientais
- "em média, dois acidentes com cargas perigosas acontecem mensalmente", conforme
reportagem publicada em 1993.

Em termos espaciais, há concentração dos acidentes na região metropolitana e uma


progressiva rarefação, embora tenham também ocorrido em distâncias de até 600 km das
fontes de produção industrial.

Em suma, o estudo desses acidentes, sob o ponto de vista qualitativo, permitiu levantar
aspectos de interesse quanto a esta realidade industrial, expressando enorme distância entre
o patamar tecnológico, seus riscos e as políticas de gestão das empresas - da produção e do
trabalho -, assim como a atuação e preparo do Estado para lidar com os mesmos. Na
verdade, as formas de gestão vigentes, em particular a terceirização indiscriminada, tendem
a agravar e potencializar os riscos existentes.

Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua
SALA DE AULA e faça a Atividade 2 no “link” ATIVIDADES.

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U NIDADE 21
Industrialização, Riscos E Meio-Ambiente

Objetivo: Traçar o panorama de desenvolvimento industrial, apontando as consequências


sobre o meio-ambiente e consequentemente sobre a saúde

Nesta unidade, leremos as conclusões do artigo de Tânia Franco e Graça Druck “Padrões de
industrialização, riscos e meio ambiente” publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva de
1998. Como explicitado, as autoras abordaram as questões dos riscos industriais e seus
impactos sobre o meio-ambiente e a saúde, sempre correlacionando com os padrões de
trabalho e consumo das sociedades ocidentais capitalistas, os processos de reestruturação
produtiva e a introdução de novas formas de gestão da produção e do trabalho e sua relação
com o meio-ambiente e as condições de trabalho, com consequências para a saúde dos
indivíduos.

Considerações finais

Semelhante cenário reflete, antes de tudo, a profunda fragilidade do tecido social local
receptor desse tipo de empreendimento industrial. Altamente poluente e com riscos
incontestáveis para a saúde humana, este empreendimento foi implantado em lapso de
tempo historicamente muito rápido, com base em um mercado de trabalho muito limitado e
marcado por relações sociais e políticas autoritárias e assimétricas, com questionável
exercício da cidadania.

Tal fragilidade, na verdade, não favorece o equacionamento desses problemas nem maior
controle sobre os mesmos. Políticas de gestão do trabalho que acentuem a exclusão e a
apartação social, que se pautem na supressão, negação ou omissão de informações para a
sociedade, não contribuirão, seguramente, para superar essa fragilidade social, nem os
problemas dos riscos ambientais e de suas consequências para a saúde pública.
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O momento histórico-social das sociedades contemporâneas é preocupante e deve servir de
estímulo à busca de sua compreensão e de alternativas. A fragmentação do conhecimento
científico não contribui para abordagens consequentes do problema. De fundamental
importância é a incorporação dos aspectos políticos, sociais e culturais nos enfoques
‘técnicos’ relativo aos problemas de saúde e meio ambiente (Porto e Freitas, 1997).

Ademais, urge que os principais problemas ambientais sejam reconhecidos em suas origens
nas sociedades contemporâneas, da mesma forma que sua inerente conexão com a questão
da equidade social, no intuito de compreendê-los e possibilitar a construção de alternativas
para sua superação.

Tecidos sociais fragilizados, com sujeitos sociais imprecisos e sem identidade, em um mundo
globalizado no qual se movem e agem com facilidade as grandes organizações econômicas,
colocam imensos desafios.

Sociedades com expressivo desenvolvimento tecnocientífico, que se direcionam para mover-


se no terreno das relações sociais de trabalho flexíveis sim, porém em retrocesso histórico e
predatórias, não favorecerão alternativas consistentes de desenvolvimento socioambiental
sustentável, a médio e longo prazo.

Sabemos que, por trás da opaca nuvem de nossa ignorância e da incerteza de resultados
detalhados, as forças históricas que moldaram o século continuam a operar. Vivemos num
mundo conquistado, desenraizado e transformado pelo titânico processo econômico e
tecnocientífico do desenvolvimento do capitalismo, que dominou os dois ou três últimos
séculos.

Sabemos, ou pelo menos é razoável supor, que ele não pode prosseguir ad infinitum. O
futuro não pode ser uma continuação do passado, e há sinais, tanto externamente quanto
internamente, de que chegamos a um ponto de crise histórica.

As forças geradas pela economia tecnocientífica são agora suficientemente grandes para
destruir o meio ambiente, ou seja, as fundações materiais da vida humana. As próprias
estruturas das sociedades humanas, incluindo mesmo algumas das fundações sociais da

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economia capitalista, estão na iminência de ser destruídas pela erosão do que herdamos do
passado humano. Nosso mundo corre o risco de explosão e de implosão. Tem de mudar.

Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos trouxe até este ponto
e - se os leitores partilham da tese deste livro - por quê. Contudo, uma coisa é clara. Se a
humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado
ou do presente.

Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do


fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudança da sociedade é a escuridão. (Hobsbawn,
1996:562).

EXERCÍCIOS DISSERTATIVOS:

2. Disserte como o processo de industrialização pode impactar sobre o meio-ambiente e


acarretar em riscos à saúde, tanto dos trabalhadores envolvidos, como da população
envolvida.

ATIVIDADES OPTATIVAS:

2. Discuta como as tecnologias apropriadas (que levam em consideração os riscos


ambientais, sociais, econômicos, culturais, etc.), podem favorecer as organizações.

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U NIDADE 22
Trabalho Noturno e Gênero

Objetivo: Demonstrar como o trabalho noturno afeta a saúde e qualidade de vida e situar a
discussão do ponto de vista das relações de gênero

Entre as unidades 22 e 26, o trabalho noturno será nosso tema de investigação. O texto de
Lúcia Rosemberg “Gênero e trabalho noturno: sono, cotidiano e vivências de quem troca a
noite pelo dia”, publicado no caderno de saúde coletiva de 2001, apresentam bases
conceituais para a avaliação das condições de trabalho de quem troca turnos de trabalho.
“Em que pesem as questões de gênero e diferenças quanto ao cotidiano, a inversão de
horários é sentida de forma intensa por homens e mulheres, permeando diversos aspectos
da vida, como a saúde, o lazer, os estudos e as relações amorosas.”

Sua pesquisa revelou efeitos mais prejudiciais do trabalho noturno sobre as mulheres,
particularmente as que têm filhos. Segundo a autora, esses padrões do sono se articularam
com as expectativas que recaem sobre os gêneros, revelando a “profunda interrelação entre
o trabalho profissional e a vida doméstica como geradoras de impactos à saúde, o que
ressalta o caráter essencial das relações de gênero na compreensão da realidade vivida
pelos que trabalham em horários não usuais”.

Bom Estudo!

Introdução

A análise das relações de gênero associadas ao trabalho noturno é uma demanda atual, já
que o aumento da força de trabalho feminina inclui um contingente que trabalha à noite em
indústrias, onde o turno noturno era restrito aos homens até recentemente (1988, no Brasil).

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Assim, pouco se conhece das especificidades da população feminina que trabalha à noite em
espaços industriais.

O presente estudo parte do conceito de tempo biológico, segundo o qual as funções


orgânicas diferem entre o dia e a noite, de forma que o trabalho noturno implica alterações
não só na vida social, mas também no organismo.

Os problemas decorrentes desta inversão são estudados pela Cronobiologia, área do saber
que trata da organização temporal biológica, esclarecendo os mecanismos subjacentes a
algumas dificuldades por que passam os trabalhadores e acrescentando, com isso, mais
uma faceta às complexas relações entre trabalho e qualidade de vida.

A Cronobiologia estuda os ritmos biológicos - mudanças em variáveis fisiológicas ou


comportamentais que se repetem regularmente, como a alternância entre a vigília e o sono
ou o ciclo menstrual. Pesquisas na área revelam um encadeamento interno entre os ritmos,
essencial à condição de saúde (Marques & Menna-Barreto, 1997). Esta organização
temporal compõe-se de ritmos de diversas frequências, dos quais os de 24 horas
(denominados circadianos) são os mais estudados.

Quando uma pessoa trabalha à noite, ela passa a dormir de dia, mas outros ritmos biológicos
(o de temperatura, por exemplo) não se modificam instantaneamente, o que leva à chamada
dessincronização interna. Isso se manifesta quando a pessoa tenta dormir de dia, mas se
sente alerta: na realidade, ela precisa repousar no momento em que seu corpo se prepara
para a vigília (Minors & Waterhouse, 1981).

As refeições com a família, os estabelecimentos comerciais e o nível de ruídos seguem os


horários "normais" da sociedade, contribuindo para prejudicar o sono diurno. Nesse sentido,
o trabalho à noite está associado a um cotidiano essencialmente diferente do adotado pela
comunidade em geral, no que concerne aos ritmos sociais e biológicos.

Suas consequências incluem a insônia, irritabilidade, sonolência de dia, sensação de


"ressaca" e mau funcionamento do aparelho digestivo, que levam em longo prazo a doenças
relacionadas ao sistema gastrointestinal e nervoso. São ainda observados efeitos à

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segurança do trabalho e à qualidade de vida dos (as) trabalhadores (as) e suas famílias
(Fischer, 1996).

Ao analisar as condições de trabalho como fonte de impacto à saúde, deve-se reconhecer o


papel das mulheres como responsáveis pelas atribuições domésticas - papel que tem se
alterado pouco apesar da crescente participação feminina na força de trabalho (Bruschini,
1990; Sorensen & Verbrugge, 1987). Quando realizados sob condições adversas, ambos os
trabalhos (doméstico e profissional) afetam a saúde física e mental das mulheres, enquanto
apenas o trabalho profissional tende a afetar a saúde nos trabalhadores do sexo masculino
(Hall et al., 1990). O reconhecimento das diferenças (e desigualdades) entre homens e
mulheres quanto ao dia-a-dia demanda abordagens que dêem conta da especificidade da
situação feminina quanto à saúde (Garduño, 1997).

Neste sentido, há que se usar novo instrumental de análise que leve em conta os papéis
socialmente atribuídos a homens e mulheres, na medida em que eles envolvem diferentes
fatores de risco à saúde (Aquino, 1996). O questionamento sobre o próprio conceito de
"trabalho" pela sociologia de cunho feminista contribui para esta discussão quando se recusa
a limitá-lo ao trabalho remunerado, propondo uma definição ampla que inclua o trabalho
doméstico (Kergoat, 1989).

A relação saúde-trabalho, cujos efeitos de gênero têm sido pouco explorados (Brito, 1997;
Messing, 1999), ganha novos contornos quando se trata do trabalho noturno, já que ele
permite às mulheres lidar com as demandas duais dos trabalhos profissionais e domésticos
(Brown, 1982). Para elas, a escolha do turno está associada à conciliação do trabalho à noite
com o cuidado dos filhos de dia, como mostram dados populacionais e estudos de caso (Lee,
1992; Walker, 1985).

A reorganização da vida cotidiana - de forma a acomodar o sono e as demais atividades do


dia - pode ser difícil para as mulheres em função da dupla jornada. Assim, as diferenças
entre homens e mulheres quanto ao lidar (do inglês coping) com o trabalho noturno têm sido
atribuídas a fatores culturais, e não a características biológicas (Härma, 1995; Nachreiner,
1998).

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Neste contexto, o impacto do trabalho noturno sob a ótica de gênero envolve a realidade de
homens e mulheres fora do trabalho, além de considerar sua relação com o processo de
trabalho, particularmente os aspectos relacionados à divisão sexual do trabalho (Garduño,
1997; Kergoat, 1989).

Este estudo baseia-se em dois eixos identificados na literatura sobre o impacto do trabalho
noturno à saúde: a privação do sono como questão central entre os que trabalham à noite,
afetando de forma significativa o bem-estar físico e mental (Akerstedt, 1996) e a escassez de
estudos que abordem a fala de trabalhadores (as) e suas vivências em relação ao "desafio
temporal" decorrente de um ritmo de vida que contraria princípios biológicos e de convivência
social.

A idéia que norteia a pesquisa é a de que, se a abordagem cronobiológica do sono -


eminentemente quantitativa - é essencial na análise da privação de sono, por outro lado ela
não dá conta dos fatores subjacentes à maior ou menor possibilidade de dormir, que
dependem do cotidiano de cada um, podendo, portanto, ser sujeitos à influência de gênero.

Aliamos o estudo quantitativo dos horários de sono às informações provenientes de uma


metodologia qualitativa que buscasse apreender o significado que os(as) trabalhadores(as)
atribuem ao sono e aos trabalhos profissional e doméstico, trazendo à tona suas vivências e
práticas em relação à inversão de horários.

A pesquisa aqui descrita é parte de uma investigação maior realizada em etapas, quais
sejam:

1) a caracterização do grupo quanto às variáveis sócio-demográficas e relativas ao


trabalho profissional,

2) o estudo cronobiológico do sono,

3) a análise qualitativa das falas relativas à inversão de horários,

4) a complementação do estudo quantitativo do sono, com base no uso de equipamento


portátil e

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5) a análise dos trabalhos profissional e doméstico, incluindo a descrição dos ambientes
físico e organizacional da fábrica, dos postos de trabalho e das tarefas domésticas
realizadas por homens e mulheres.

Os resultados gerais dessas etapas foram apresentados na forma de relatório (Rotenberg et


al., 1999). Este artigo refere-se às etapas 1 a 3, tendo por objetivos analisar
quantitativamente o sono de trabalhadores e trabalhadoras e apreender suas percepções
sobre o trabalho noturno, sob o enfoque das relações de gênero.

Fórum 2 – Trabalho noturno

A relação saúde-trabalho, cujos efeitos de gênero têm sido pouco explorados (Brito, 1997;
Messing, 1999), ganha novos contornos quando se trata do trabalho noturno, já que ele
permite às mulheres lidar com as demandas duais dos trabalhos profissional e doméstico
(Brown, 1982). Para elas, a escolha do turno está associada à conciliação do trabalho à noite
com o cuidado dos filhos de dia, como mostram dados populacionais e estudos de caso (Lee,
1992; Walker, 1985).

Questão para ser discutida:

Discuta essa relação em termos da construção das identidades de gênero e como isso pode
acarretar em problemas para a saúde da mulher.

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U NIDADE 23
Trabalho Noturno e Gênero

Objetivo: Demonstrar como o trabalho noturno afeta a saúde e qualidade de vida e situar a
discussão do ponto de vista das relações de gênero

Nesta unidade continuaremos lendo o texto de Lúcia Rosemberg “Gênero e trabalho noturno:
sono, cotidiano e vivências de quem troca a noite pelo dia”, publicado no caderno de saúde
coletiva de 2001 no qual são apresentadas bases conceituais para a avaliação das
condições de trabalho de quem troca turnos de trabalho. A seguir, apresentaremos o estudo
de caso feito pela autora no setor de plásticos no Rio de Janeiro. A metodologia é explicada
pela autora.

Estudo de Caso

O trabalho de campo foi realizado em uma fábrica do setor de plásticos no Rio de Janeiro,
que produz embalagens para colônias, xampus e similares. Nos setores da produção que
têm atividade noturna, a jornada de trabalho é de 22 às 6h de segunda à sexta-feira, com
folgas nos fins de semana. O estudo incluiu todos os trabalhadores do turno da noite (60
pessoas), porém nem todas as pessoas participaram de toda a pesquisa, devido a
demissões e ao remanejamento de pessoal.

Os dados sócio-demográficos e o estudo quantitativo do sono (etapas 1 e 2) referem-se ao


conjunto de 46 pessoas (30 mulheres e 16 homens) que participaram de ambas as etapas; a
análise das entrevistas refere-se a dez pessoas (cinco homens e cinco mulheres)
selecionadas segundo critérios descritos no respectivo item. Os procedimentos de coleta e
tratamento dos dados são apresentados a seguir.

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 Etapa 1: dados sóciodemográficos e relativos ao trabalho profissional

Aplicamos um formulário que incluía dados relativos às variáveis sóciodemográficas e


à atividade desenvolvida na fábrica, o tempo de trabalho noturno e a ocorrência de
outra ocupação.

 Etapa 2: a cronobiologia do ciclo vigília-sono

Utilizamos folhas de registro nas quais os (as) trabalhadores (as) assinalavam os


horários de sono, trabalho e tempo livre (F. M. Fischer, comunicação pessoal; Knauth
et al., 1983) por sete semanas consecutivas. Neste período, mantivemos dois contatos
semanais com os (as) trabalhadores (as), acompanhando os registros e esclarecendo
as dúvidas.

O estudo cronobiológico do sono visou complementar dados preliminares (Rotenberg


et al., 2000a). Analisamos o sono diurno ocorrido entre noites consecutivas de
trabalho com base no número de episódios de sono por dia, na duração do primeiro
sono do dia e na duração total do sono por dia. Comparamos estes parâmetros (a)
entre as amostras masculina e feminina, (b) entre as mulheres que têm e que não têm
filhos de até dez anos e (c) entre os homens que têm e que não têm filhos nesta faixa
etária, que se baseia em estudo anterior (Rotenberg et al., 2000b). Utilizamos o teste
U de Mann-Whitney, adotando o nível de significância de 5% (Zar, 1996).

 Etapa 3: a análise das entrevistas .

Adotamos uma metodologia qualitativa baseada em entrevistas semiestruturadas,


abordando aspectos gerais do trabalho noturno, vantagens, desvantagens e seus
efeitos no cotidiano, principalmente na organização das atividades. O roteiro abordava
ainda as percepções sobre o sono, a fadiga e a saúde, assim como suas mudanças a
partir do trabalho noturno. Também inquirimos sobre as atribuições e relações de
gênero dentro e fora da fábrica, no dia-a-dia dos entrevistados.

Para selecionar o grupo de dez pessoas (cinco homens e cinco mulheres) cujas entrevistas
foram analisadas, contemplamos a diversidade observada quanto à situação conjugal e à
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presença de crianças em casa, que elegemos como fatores relevantes na compreensão do
cotidiano, incluindo os horários de sono. O grupo era composto de dois homens solteiros e
três casados (incluindo união livre), dentre os quais dois tinham filhos de até dez anos.
Quanto às mulheres, duas eram solteiras, duas casadas e uma separada; com exceção das
solteiras, todas tinham filhos naquela faixa etária.

As falas foram analisadas a partir da transcrição integral e literal das fitas gravadas nas
entrevistas. A partir da construção de familiaridade com os textos, elaboramos dois recortes
gerais que agruparam os trechos que abordavam (1) o sono, com ênfase nas experiências
de dormir de dia, hábitos, queixas e alternativas adotadas e (2) as Relações de Gênero,
reunindo relatos sobre as diferenças entre homens e mulheres no trabalho doméstico, seus
impactos na vida afetiva, sexual, social e familiar. Com estes recortes, trabalhamos com as
entrevistas como um conjunto, selecionando as falas mais ilustrativas para compor um
"mosaico" de significados, encadeados na forma de um texto que procurou seguir as
argumentações em suas próprias lógicas e ambivalências.

 Etapa 1: perfil sócio-demográfico e relativo à atividade profissional

A amostra feminina incluiu trabalhadoras com idade entre 20 e 47 anos, com valor
médio de 33 anos. Entre os trabalhadores, a idade variou entre 24 e 47 anos, com
valor médio de 36 anos. A situação conjugal diferiu bastante entre homens e
mulheres: a amostra masculina era composta prioritariamente de homens casados,
incluindo união livre (75%), seguida dos solteiros (19%), sendo um trabalhador
separado (6%). A distribuição foi mais homogênea entre as mulheres, com valores
percentuais de 40%, 33% e 27%, respectivamente. A maioria das pessoas tinha filhos;
60% das mulheres tinham filhos de até dez anos, ao passo que 50% dos homens
tinham filhos nesta faixa etária.

A amostra masculina incluía supervisores, mecânicos, controladores de qualidade e


profissionais que fazem o transporte da matéria-prima. As mulheres trabalhavam na linha de
produção como embaladeiras ou operadoras de máquina, sendo a única exceção referente a
uma delas, que atuava no controle de qualidade. O tempo de trabalho noturno diferiu

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bastante entre os dois grupos. A maioria dos homens (69%) trabalhava à noite há mais de
um ano, ao passo que um percentual semelhante de mulheres (70%) trabalhava à noite há
menos de um ano, ressaltando-se que 50% delas atuavam neste turno há menos de seis
meses. Apenas dois trabalhadores tinham outra ocupação regular, ambos atuando como
zeladores de prédio três dias por semana, de manhã.

 Etapa 2: análise cronobiológica do sono diurno

O grupo estudado apresentou diferentes padrões quanto ao número de episódios e à


duração do sono. Algumas pessoas dormiam regularmente uma vez por dia, outras,
duas vezes, enquanto um terceiro grupo dormia ora uma vez, ora duas vezes por dia.
A maioria das pessoas costumava dormir de manhã, ao voltar da fábrica, sendo o
horário de início do sono anterior às 10 horas em 90% das mulheres e em 81% dos
homens.

As amostras masculinas e femininas diferiram apenas em relação à duração do primeiro


sono (U = 154,5; p = 0, 049); as medianas de 5,5 e de 4,6 horas, respectivamente, indicam
que as mulheres tendem a dormir menos de manhã, quando comparadas aos homens.
Considerando as diferenças entre as duas amostras quanto ao tempo de trabalho noturno,
fizemos comparações adicionais relativas exclusivamente às pessoas que trabalhavam à
noite há pelo menos um ano, que constituem um grupo de 11 homens e nove mulheres. Tais
comparações confirmam a menor duração do sono matutino entre as mulheres (U = 24; p =
0,053), com medianas de 5,4 e de 4,2 horas, nos homens e mulheres, respectivamente; os
resultados apontam, ainda, para uma redução da duração total do sono por dia entre as
trabalhadoras, quando comparadas aos colegas do sexo masculino (U = 20,0; p = 0,025);
com medianas de 7,8 e 7,0 horas, respectivamente.

Nenhum efeito significativo da presença de crianças sobre o sono foi observado na amostra
masculina. Quanto às trabalhadoras, as que têm filhos dormem mais vezes por dia (U = 50,5;
p = 0,015), quando comparadas às que não os têm, havendo uma tendência entre elas à
redução do sono matutino (U = 66,0; p = 0,075), neste caso um resultado próximo ao limite
da significância.

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U NIDADE 24
Trabalho Noturno e Gênero

Objetivo: Demonstrar como o trabalho noturno afeta a saúde e qualidade de vida e situar a
discussão do ponto de vista das relações de gênero

Nesta unidade continuaremos lendo o texto de Lúcia Rosemberg “Gênero e trabalho noturno:
sono, cotidiano e vivências de quem troca a noite pelo dia”, publicado no caderno de saúde
coletiva de 2001 no qual são apresentadas bases conceituais para a avaliação das
condições de trabalho de quem troca turnos de trabalho. A partir do estudo de caso,
explicado na unidade anterior, a autora trabalha com a subjetividade dos trabalhadores para
elucidar as consequências desse tipo de trabalho sobre a saúde operária.

A fala dos trabalhadores e trabalhadoras

Homens e mulheres compartilham a percepção de que o trabalho noturno implica grandes


mudanças em suas vidas. A necessidade de se manter em vigília à noite e de repousar de
dia permeia vários aspectos da vida, como a saúde, o cotidiano, o lazer, os estudos, assim
como as relações amorosas (os nomes abaixo são fictícios).

Como ficam o sono e a vigília

Ao longo dos relatos, a menção ao sono e à vigília permite depreender uma sequência de
temas que vão desde a descrição desses estados e da interferência de fatores sociais e
ambientais sobre eles, até as análises explicativas sobre as consequências de se
experimentar repetidamente a inversão de horários, que envolve não só a vigília noturna e o
sono diurno, mas também o "desencontro" em relação aos horários da família e da
comunidade em geral.
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A expressão "a noite foi feita para dormir" está presente explicita ou implicitamente em
diversas falas, como neste caso: "Porque o ser humano cansa né, tem sono... ainda mais no
período da noite, eu acho que a noite não foi feita para você trabalhar, você tem que
dormir..." (Sabrina).

Dormir à noite parece fazer parte da ordem natural das coisas. A alteração desta ordem é
percebida pelo corpo ou pela mente, que se comunica com a pessoa, seja pedindo para
dormir, seja, mais enfaticamente, cobrando o sono: "Quer dizer, você está cansada... o seu
organismo está pedindo sono e você está fazendo ao contrário do que ele está pedindo"
(Elvira).

A percepção de que o corpo sabe que horas são e que a troca do dia pela noite não é
inócua, aparece através da constatação recorrente de que o sono diurno é qualitativamente
inferior ao noturno: "Você dorme porque tem que dormir, mas descansar o corpo, não
descansa não" (Américo).

Diversos fatores contribuem para o dormir mal de dia, abrangendo desde o ambiente físico
onde o sono se realiza, até os compromissos socialmente definidos que condicionam o dia-a-
dia. Entre as condições ambientais que prejudicam o sono, o calor e o ruído são os mais
frequentemente referidos, aparecendo juntos, às vezes. Os ruídos geralmente envolvem a
presença de crianças em casa ou na vizinhança. Independentemente da fonte de ruído, este
é muitas vezes percebido como dotado da capacidade de penetrar a cabeça, perturbando
sobremaneira o sono: "Se eu ouvir uma pessoa conversando assim, aí pronto, aquilo dali
parece que fica dentro da minha cabeça... aí ai meu Deus do céu" (Laura).

Por sua vez, o espaço físico reduzido favorece ainda mais a concentração dos ruídos e até a
propagação dos odores: "É apertado, né... é só um cômodo e dividido. (...) Então... minha
esposa está fazendo uma fritura, o cheiro da gordura, do óleo quente vai lá ao meu nariz e
eu acordo. Às vezes eu acordo sufocado (...) o cheiro vai ao nariz..." (Pedro).

Já a claridade parece afetar menos o sono, se comparada ao efeito do calor: "Tem só a


claridade do dia... mas a minha esposa fecha a janela, aí (...) tem que estar um tempo
fresquinho, se tiver calor... vai atrapalhar. (...) Que prejudica mesmo é calor" (Pedro).

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A dificuldade em dormir de dia parece surpreender uma das trabalhadoras, ao perceber que
não é o barulho das crianças, nem a claridade que prejudicam o seu sono: "Não é nem o
barulho, nem a claridade, é que eu não consigo dormir, mesmo" (Elvira).

O dia-a-dia fora da fábrica

Diversos aspectos interferem na qualidade e na quantidade do sono de um trabalhador do


turno noturno. Tais aspectos se articulam, dentro e fora do trabalho, no cotidiano de cada
um, principalmente no que diz respeito à divisão de trabalhos domésticos e
responsabilidades familiares. Assim, as demandas do dia-a-dia são de suma importância no
que concerne à possibilidade de dormir e aparecem como o maior divisor de águas entre
homens e mulheres. Os cuidados com a limpeza e a arrumação da casa, o preparo das
refeições, a atenção às crianças frequentemente foram mencionados por homens e mulheres
como atribuições que sobrecarregam especialmente a trabalhadora, comprometendo
gravemente seu tempo para dormir: "A gente chega em casa (...) tem que dividir o descanso
com as tarefas domésticas entendeu, e fica meio complicado, porque você fica assim meio
desequilibrada: ou você descansa ou você cuida das tarefas, ou você cuida dos filhos
entendeu?" (Elvira).

Tal sobrecarga para as mulheres ocorreria em função da atribuição dos trabalhos domésticos
como uma característica essencialmente feminina que, por sua vez, nas relações de gênero,
se articula com uma prerrogativa masculina que facilitaria a ausência dos homens nestas
mesmas atividades. Desta forma, pudemos ouvir das mulheres falas muito claras sobre este
caráter de "obrigatoriedade" dos cuidados domésticos: "Você tem que chegar em casa, fazer
sua obrigação" (Marina).

Mas também ouvimos falas que, em tom de reclamação, apontam a prerrogativa dos homens
de não adesão aos trabalhos da casa, tanto como um agravante da sobrecarga feminina,
quanto como uma vantagem que permite a eles dormir mais e, portanto, se adaptar mais
facilmente ao trabalho: "Porque o homem já tem uma vantagem, ele já tem comida pronta,

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roupa lavada, tudo certinho, ali. A gente tem que fazer, se a gente não fazer quem vai fazer?"
(Marina).

Por sua vez, os homens confirmam que em sua rotina diária a prioridade é dormir. Dormem
porque precisam se preparar para o turno noturno, mas, também, porque podem se entregar
mais livremente à satisfação desta necessidade: "Em casa eu não faço quase nada, não,
entendeu? Trabalho só mais é aqui mesmo. (...) Chego em casa, tomo café, deitei... tô
dormindo" (João).

Entre as donas-de-casa, os horários de sono são claramente determinados pelas "brechas"


entre uma atribuição doméstica e outra. Também entre os homens, a disponibilidade de
tempo para dormir varia em função do maior ou menor comprometimento com outras
atividades, mas para eles as tarefas domésticas parecem não afetar o sono, a ser de forma
eventual: "Fazer as coisas em casa e depois ir dormir... e o tempo que sobra pra gente
dormir é pouco, né?" (Marina). "Não levanto para nada (...) só se acabar um gás, aí eu
levanto para trocar o botijão" (Américo).

A menção à necessidade de resolver assuntos de dia, que também reduz o tempo para
dormir, ressalta o "desencontro" em relação aos horários de funcionamento dos
estabelecimentos: "Você fica na rua... você sai daqui 6 horas... aí, pô, eu tenho que ir no
banco, o banco abre 10 horas. Já perde tempo de você tá dormindo em casa..." (Marina).

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U NIDADE 25
Trabalho Noturno e Gênero

Objetivo: Demonstrar como o trabalho noturno afeta a saúde e qualidade de vida e situar a
discussão do ponto de vista das relações de gênero

Nesta unidade continuaremos lendo o texto de Lúcia Rosemberg “Gênero e trabalho noturno:
sono, cotidiano e vivências de quem troca a noite pelo dia”, publicado no caderno de saúde
coletiva de 2001 no qual são apresentadas bases conceituais para a avaliação das
condições de trabalho de quem troca turnos de trabalho. Nesta parte, a autora continua
trabalhando com a subjetividade dos trabalhadores para elucidar as consequências desse
tipo de trabalho sobre a saúde operária, em especial a saúde física e mental dos indivíduos.

A saúde física e mental

Para os que trabalham à noite, dormir está intimamente relacionado às condições de saúde:
"Quando vai chegando a tarde (...) eu vou vendo que está passando a hora e eu não consigo
dormir, então eu já começo a me tremer, sinto aquele tremor assim... às vezes dá uma
sensação de taquicardia, que o meu coração vai sair pela boca (...) eu me sinto nervosa"
(Elvira). "A saúde tô é normal, só que a gente tem que dormir um pouco. Ao menos quatro
horas, cinco horas, no mínimo, porque, se não dormir, não trabalha..." (João).

A necessidade imperiosa de dormir por vezes se mescla com a necessidade também


imperiosa de realizar as tarefas domésticas, gerando grande tensão: "Engordei mais, estou
mais estressada,... fico nervosa. Vou até no médico pra ver se o médico passa um remédio
pra mim. (...) Você trabalhando de dia você não sente a hora, mas quando você esta em
casa de dia você sente que a hora tá passando e você não tem nada. (...) Você tá ali deitado,
ah, quero levantar e o caso é que você não pode levantar, você tem que dormir. A obrigação
é dormir, entendeu? (...) Se eu não dormir, eu vou me ferrar depois" (Marina).
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Esta tensão também se expressa na contundência de algumas falas que descrevem
situações em que é preciso interromper o sono: "Eu deito um pouquinho e acordo lá pras 11
horas, mas é um sono terrível, apavorante! (...) Porque você acorda assustada. (...) porque
você cortou o sono e você fica meia aérea" (Marina). "Quando você começa a pegar no
sono, vem alguém te acordar, (...) você trabalhou à noite, chegou de manhã, você vai deitar
assim, você percebe o sono chegando, chega alguém para te chamar (...) o corpo reage de
uma forma sabe, você sente uma fraqueza, tipo uma febre, é uma coisa muito forte (...) tipo a
bateria está... descarregando (...) você tem que atender a pessoa e deitar urgente entendeu,
é como se você tivesse a possibilidade de morrer ali (...) Às vezes chega a Light lá, vai
mexer, aí eu tenho que abrir o portão" (Nelson).

As mudanças de hábitos associadas ao trabalho noturno envolvem também a alimentação:


"Mudou porque... na maneira de comida mudou. Já quando acorda, é hora de almoço. Hora
de almoço é tudo descontrolado. (...) Tenho mais controle mais não." (João).

Algumas falas enfatizam o impacto à saúde e ao bem-estar através de uma percepção quase
visceral das relações entre o corpo e a mente. Neste relato, Pedro se refere a expressões
como "nervos trabalhando" e "mundo de abalo", articulando sua agressividade com os
problemas decorrentes do horário de trabalho, que seriam mediados através de maus
hábitos adquiridos no trabalho noturno, como o excesso de café e cigarro: "Mudou. (...) Eu
peguei envelhecimento precoce. Eu tenho 44, 45 anos... tem pessoas que aparentam que eu
tenho 60 entendeu? (...) Porque você... eu estou acordado agora e vou estar dormindo mais
tarde, lá pelo meio dia, mas a consciência da gente está trabalhando, os nervos estão
trabalhando entendeu? Nós vivemos em mundo de abalo (...) Não dorme, não tem aquele
descanso espiritual (...) aquela coisa gostosa, aquele silêncio... não tem, a trepidação de
tudo durante o dia, qualquer movimento do dia está te abalando (...) Você estar com
aparência de acabado, por quê? Sua carne, seu organismo está cansando entendeu? (...) aí
o seu corpo vai começando a murchar entendeu? (...) Um pouco agressivo. (...) Eu não sei
se é porque eu... trabalhar à noite e trabalhar de dia é... sei lá, dá muito nervoso, porque eu
fumo, tomo café direto né? (...) ocê toma café à noite e toma café de dia, quem trabalha de
dia só toma o café de dia, de noite está dormindo. E eu não, eu tomo café de dia, de noite, a

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noite toda e uma boa parte do dia. Aí aquilo também pode causar abalo de nervo né? E se
eu fumo um maço de noite, de cigarro, eu já vou passar a fumar dois" (Pedro).

A menção ao "nervoso” associado ao desânimo também é atribuída à mudança de rotina:


"No começo, eu conseguia dormir bem sabe, mas à medida que foram passando os dias, aí
não sei se é o nervoso também, porque esse serviço à noite descontrola um pouco a gente...
sabe, na parte de sistema nervoso (...), então eu passo praticamente a minha vida toda
dormindo tendo sono normal, (...) fora o serviço, nunca tive insônia, aí (...) de repente eu
quebro essa rotina, mudo, fico a noite inteira acordada... quer dizer, o corpo sente né? (...)
Aí, quer dizer, minha vida mudou completamente, eu não tenho ânimo mais para nada"
(Elvira).

O desânimo e o cansaço também prejudicam os estudos: "Eu tenho que ver curso, porque
minha mãe fala: 'você não pode viver o tempo todo enfiada o tempo todo dentro da fábrica,
mal ou bem você tem estudo, você sabe ler e escrever... tem que acabar o estudo... porque
você não faz curso disso, o curso daquilo...' eu falo: mãe, às vezes eu estou tão sem pique
para nada, que dá vontade de chegar, deitar e dormir..." (Sabrina).

A necessidade de dormir também adentra o fim de semana, prejudicando o lazer: "Porque


são muitos sonos atrasados, são o quê? São segunda, terça, quarta, quinta e sexta... aí só...
aí larga no sábado (...) Ficam 5 dias atrasados... Ó, sábado, eu não agüentei ver a 'Praça é
Nossa'... e domingo eu não vi o 'Topa Tudo Por Dinheiro'... Não adianta, (...) O sono bate,
mesmo sem querer você dorme" (Clarice).

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Trabalho Noturno e Gênero

Objetivo: Demonstrar como o trabalho noturno afeta a saúde e qualidade de vida e situar a
discussão do ponto de vista das relações de gênero

A discussão e considerações do estudo de Lúcia Rosemberg “Gênero e trabalho noturno:


sono, cotidiano e vivências de quem troca a noite pelo dia”, publicado no caderno de saúde
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condições de trabalho de quem troca turnos de trabalho, são apr