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CRESCENT – CENTRO DE ESTUDOS E TERAPIA DA FAMÍLIA

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM INTERVENÇÃO SISTÊMICA


COM FAMÍLIAS

RENATA GOLTARA LIBONI VESCOVI

A ÁRVORE DA VIDA: RESGATANDO OS RECURSOS PESSOAIS DE


MULHERES PARA LIDAR COM AS ADVERSIDADES

VITÓRIA
2017
RENATA GOLTARA LIBONI VESCOVI

A ÁRVORE DA VIDA: RESGATANDO OS RECURSOS PESSOAIS DE


MULHERES PARA LIDAR COM AS ADVERSIDADES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao curso de Pós-graduação lato sensu em
intervenção sistêmica com famílias, do Centro de
Estudos e Terapia da Família – Crescent / FDV,
como requisito para a obtenção do título de
terapeuta em intervenção sistêmica.
Orientadora: Profa. Ma. Adriana Müller.

VITÓRIA
2017
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Resumo

O artigo apresenta uma discussão da metodologia da “Árvore da Vida” como facilitadora da


expressão dos recursos pessoais de mulheres, para lidar com o que distinguiram como
problema/sofrimento. Inspirada no construcionismo social a metodologia foi desenvolvida em uma
Unidade Básica de Saúde da Grande Vitória com cerca de seis mulheres, com idades entre 14 e
64 anos, que procuraram a instituição de saúde para atendimento psicológico. Observou-se que
as histórias tinham pontos comuns, eram vivências de situações associadas à expressão do
sofrimento pela via do desânimo, do isolamento, da tristeza restringindo a narrativa pessoal aos
problemas. O grupo se constituiu como espaço que favoreceu a troca entre as mulheres no
sentido da construção conjunta de possibilidades, da valorização de estratégias que já estiveram
presentes na vida de cada uma para lidar com situações adversas e da dissolução do problema,
abrindo caminho para a consolidação de narrativas preferidas.

Palavras chave: Construcionismo social, Grupo de mulheres, Árvore da Vida, Narrativas


preferidas.
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Este artigo é um dos frutos originados da formação no Centro de Estudos e Terapia de Família-
Crescent, Vitória/ES. Digo um dos frutos porque ao longo do curso houve uma transformação
desta profissional e a conquista de lugares ainda não imaginados de atuação. Foi possível
conhecer modos de estar com o outro a partir da valorização das capacidades mais do que das
deficiências. Pensar no sentido da possibilidade que a pessoa tem de reescrever e renarrar sua
história.

Um dos modos que abriu caminhos para a conquista do campo das possibilidades de reautoria da
vida foi o das práticas narrativas. Essas práticas são reconhecidas como pós-modernas. O
paradigma pós-moderno reuniu um conjunto de contribuições teóricas, inaugurando meios
alternativos de investigação e avaliação psicológicas. Diferentemente da perspectiva moderna de
ciência baseada na simplicidade, na estabilidade, na possibilidade da objetividade, a visão pós-
moderna parte dos seguintes pressupostos: a realidade como construção social, uma vez que os
significados atribuídos à vida são forjados em dados contextos e relações, a existência de
múltiplas verdades e não de uma verdade universal, e o abandono do dualismo mente-natureza
(GERGEN, 1989, apud GRANDESSO, 2011).

Nesse escopo paradigmático, destaca-se o construcionismo social como um discurso que


influencia as práticas pós-modernas. A Terapia Narrativa foi fortemente pautada pelas ideias
construcionistas especialmente na ênfase dada ao contexto de interação como um território de
construção de significados compartilhados, que atribuem sentido à vida; no questionamento de
pressupostos essencialistas e universais, e no destaque da potencialidade terapêutica das
narrativas (GERGEN,1985; BRITO & GERMANO, 2013).

A Terapia Narrativa é uma abordagem contemporânea da Terapia Familiar desenvolvida por


David Epston e Michael White no início dos anos 80, esta focaliza a desconstrução de histórias
dominantes que tendem a abafar o sujeito, colando-o ao problema, para abrir caminho à reautoria
da vida, ou seja, à possibilidade de reedição da autobiografia. Por serem as narrativas que
organizam a experiência humana, ofertando uma matriz de significados que vão dando sentido à
vida a partir da atribuição de valores, elas se apresentam como histórias inacabadas, indicando
vários caminhos a serem explorados de modo a possibilitar a reescritura da vida (GRANDESSO,
2011).

Pensar em narrativas como construções e atribuições dinâmicas de sentido indica que a atuação
do terapeuta não pode ser pautada pela postura do especialista que detém todo saber sobre algo.
Há de se considerar um terapeuta em relação com uma pessoa que é especialista em sua vida.
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Destituir-se desse lugar de especialista é adotar a postura de “não-saber” que requer não limitar o
entendimento, a explanação e a interpretação em terapia às experiências e teorias a priori para a
criação de contextos facilitadores de mudança e reflexão. Dessa forma, cabe ao terapeuta
coconstruir um contexto conversacional em que seja possível o nascimento do novo, do inusitado,
do ainda não-dito, percorrendo caminhos alternativos mais libertadores e adotando uma
curiosidade genuína (GRANDESSO, 2011; MORGAN, 2007; ANDERSON & GOOLISHIAN, 1992).

Anderson e Goolishian (1992) completam que se trata de uma atitude de mútua exploração,
terapeuta e cliente, do entendimento e da experiência, conduzindo a um processo de
interpretação colaborativo. Isso oferece uma base para terapias mais socialmente
contextualizadas e despatologizantes, posto que a ideia da natureza constitutiva da linguagem
torna possível, por meio das relações estabelecidas entre as pessoas, o surgimento de múltiplas
verdades (PACHOAL & GRANDESSO, 2014; SOUZA, MCNAMEE & SANTOS, 2010).

Ampliar contextos pensando a partir de uma realidade que é criada e recriada nas relações, pode
levar à pessoa ao abandono da ideia de que seus problemas são internos e de que os
diagnósticos a definem. Assim pode-se falar em uma forma de conversar desenvolvida por
Michael White na Terapia Narrativa chamada de conversações de externalização. A partir dela o
problema é retirado do domínio do especialista, é desnaturalizado e permite à pessoa desenvolver
estratégias para lidar com o que lhe aflige, uma vez que foi gerado ao longo de sua história de
vida (WHITE,2012; CAREY & RUSSEL, 2004). White (2012) destaca que conversações de
externalização são aquelas nas quais o problema é objetificado, não a identidade da pessoa. O
problema torna-se uma entidade separada, algo que propicia o acesso da pessoa a opções
diversas para lidar com as dificuldades.

Além disso, ao descolar o problema da pessoa que o vivencia, as conversações de externalização


têm como objetivo o resgate da autonomia, pressupondo que as pessoas têm habilidades, valores
e recursos pessoais para diminuírem a influência do problema em suas vidas. Há uma abertura
para que a pessoa reclame a sua vida dos efeitos do problema (WHITE, 2012; MORGAN, 2007).
White (2012) afirma ainda, que não tendo a identidade emaranhada ao problema há
possibilidades para sua redefinição, fazendo com que a pessoa possa ter vivências em
consonância com o que valoriza. É o que afirma Denborough (2014) ao dizer que quando
pensamos que somos o problema fica difícil saber o que fazer, a separação entre nós e os
problemas torna possível iniciar a revisão da relação que estabelecemos com eles.
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Outro recurso desenvolvido por Michael White foi o de conversações de reautoria. Entende-se
que tais conversações propiciam o enriquecimento de histórias subordinadas por meio das
perguntar realizadas pelo terapeuta. Cabe ao terapeuta alimentar as experiências singulares,
incentivando as pessoas a resgatarem os elementos que fizeram parte delas. Esses elementos
contribuem com a ampliação dos significados facilitando à pessoa recorrer às novas narrativas
para iniciativas diferentes diante de adversidades vindouras. Abre-se o caminho para a reautoria
de histórias e para a (re)construção de identidades (WHITE, 2012).

Quando um cliente procura o auxílio do terapeuta, passa a narrar a sua história a partir de
situações em sequência, que respeitam um enredo. Normalmente são situações que refletem
aspectos negativos como fracasso, sofrimento, chamadas por White (2012) de saturadas pelo
problema. São histórias dominantes que se destacam e abafam outros eventos da experiência.
Nesse sentido Grandesso (2011) aponta que as narrativas, ao mesmo tempo, que favorecem a
organização da experiência, podem se constituir como ‘âncoras’ que limitam, restringem ou
mesmo dificultam a evolução do humano. Para que um curso diferente possa ser criado, as
conversações de reautoria são iniciadas, alimentando o potencial dos eventos chamados por
White de “acontecimentos singulares”, negligenciados, desconstruindo narrativas saturadas de
problema que darão lugar a histórias e identidades preferidas (WHITE, 2012).

Ainda sobre a reautoria White (2012) argumenta que ela concretiza a premissa do enfoque nas
potencialidades, isso porque quando se estimula a pessoa a preencher as histórias alternativas,
novas conclusões sobre a vida são possíveis mais afinadas aos recursos. Muitas delas acabam
por se opor às conclusões naturalizadas pautadas nas deficiências relacionadas diretamente às
histórias dominantes. Outra maneira de valorizar em terapia as competências, fortalecendo as
histórias alternativas são as conversações de remembrança. Por meio dessas conversas, há o
resgate de pessoas significativas, aquelas que tiveram um papel importante na trajetória dos
clientes, que contribuíram com a formação de suas identidades e valores. Aprecia-se também a
contribuição do cliente para a identidade e visão de mundo da pessoa significativa, dando colorido
às histórias preferidas (WHITE, 2012).

Como forma de consolidação do processo terapêutico, uma estratégia utilizada na Terapia


Narrativa é a criação de documentos: certificados, cartas, declarações. Esses acabam por
tornarem-se a concretização da história preferida que foi sendo fortalecida e preenchida pelo
cliente. Eles podem ser utilizados tanto na terapia individual quanto em grupo. No grupo, a
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construção é coletiva como uma forma de refletir e compartilhar a experiência com outras pessoas
que vivenciaram situações semelhantes (DENBOROUGH, 2014; WHITE, 2012; MÜLLER, 2013).

A partir do que foi apresentado até aqui é possível indicar que o objetivo da Terapia Narrativa é
abrir caminho para a formação do senso de competência da pessoa ao lidar com as dificuldades.
Isso implica mudança que incorre sobre a ruptura de narrativas limitadoras, propiciando a
reconstrução de significados para o surgimento de uma nova história, a história preferida,
suficientemente potente para organizar as experiências presente, passada e futuras (WHITE,
2012; GRANDESSO, 2011).

Quando a Terapia Narrativa é trabalhada com grupos ela ganha uma dimensão coletiva, fundando
as chamadas Práticas Narrativas Coletivas. Essas são apoiadas em metodologias baseadas em
metáforas. Denborough (2008) apresenta diferentes metodologias relativas a essas práticas que
se constituem como vias para a criação de conversações transformadoras em grupos e/ou
comunidades, são elas: “Árvore da Vida”, “Time da Vida” e a “Pipa da Vida”. No Brasil algumas
metodologias também foram desenvolvidas como os “Ritmos da Vida” (MÜLLER, 2016) e a
“Despensa da Vida” (NOVIS & ABDALA, 2014).

Sendo a metáfora um conjunto de significados que se desenvolve no espaço de relações


comungado pelas pessoas, ela pode ampliar a possibilidade de alimentação de novas narrativas,
bem como favorecer a reautoria de histórias alternativas. Apresenta-se útil na formulação de
novos marcos de sentido, algo que acontece no discurso decorrente das trocas dialógicas. Assim,
a metáfora é um convide às pessoas para criação de novas narrativas tendo como parâmetros
significados mais favoráveis ao desenvolvimento existencial (PASCHOAL & GRANDESSO, 2014).

Fazer menção a histórias semelhantes, a um encontro nas narrativas de pessoas diversas,


remete ao conceito de Paulo Freire (1992), chamado de “Unidade na diversidade” que oferta um
dos aportes às Práticas Narrativas Coletivas. Tal ideia abre caminho para uma transformação
calcada nas semelhanças, mais que nas diferenças, promovendo assim um discurso de
competência. Isso quer dizer que em um grupo as semelhanças entre as histórias podem ser
trabalhadas de modo a redimensioná-las, facilitando mudanças pessoais através da troca de
diferentes significados que tem uma influência na identidade dos membros. Sendo o problema
uma construção relacional, no plano conversacional, há esforços de ressignificação possibilitando
o nascimento de descrições preferidas para os participantes, nas quais os problemas assumem
outros lugares e ganham outros sentidos (RASERA & JAPUR, 2007).
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A partir dessa perspectiva toma-se como guia o enfoque construcionista social que insere o
processo grupal em um processo conversacional, por envolver pessoas situadas em dado
contexto sócio-histórico-cultural, agindo conjuntamente, e construindo sentidos por meio da
linguagem. Compreendido como um recurso conversacional o grupo se constitui como um espaço
de criação de contextos de relação e de diálogo favoráveis à construção de sentidos de mundo e
de versões do “eu” (GUANAES, 2017).

Neste artigo a metodologia trabalhada foi a da “Árvore da Vida” (DENBOROUGH & NCUBE,
2011), pautada pelos conceitos da Terapia Narrativa, que se vale da metáfora do desenho de uma
árvore para resgatar a história das habilidades e competências, desenvolvidas ao longo da vida
das pessoas, que as auxiliaram a superar situações difíceis. A metáfora da árvore possibilitou
criar um território seguro para contar as histórias pessoais de maneira indireta. A partir do contar,
pontes entre as histórias são criadas inaugurando possibilidades de mudanças de significados e
de expectativas para o futuro.

Método

Focalizando o grupo como o principal meio de construção de contextos, este artigo trata da
experiência da aplicação da Terapia Narrativa através de Práticas Narrativas Coletivas
(DENBOROUGH, 2008) na Atenção Primária à Saúde. Cabe destacar o caráter da Atenção
Primária à Saúde que consiste no primeiro nível de atenção do SUS, tendo como atribuições a
articulação da promoção de saúde, prevenção e do acolhimento. Ela é a porta de entrada no SUS
e referência para os outros níveis de complexidade de atenção (HEIMANN & MENDONÇA, 2005).

Pelas características deste espaço de atuação, que compreende acolhimento e relações, as


Práticas Narrativas Coletivas se mostraram como alternativa profícua de cuidado, dado que elas
visam a auxiliar coletivos a acessar os recursos locais para lidar com as dificuldades. Um
movimento que perpassa a realidade de um grupo, de uma comunidade, podendo fortalecer
formas coletivas de construção de estratégias orientadas ao manejo de problemas sociais
(DENBOROUGH, 2008).

A experiência aqui apresentada a partir da metodologia da “Árvore da Vida” foi realizada com um
grupo de mulheres em uma Unidade Básica de Saúde. A “Árvore da Vida”, originalmente, foi
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pensada como uma forma de auxiliar crianças da África do Sul em vulnerabilidade, que passavam
por situações de abandono, violência entre outras e desde então, vem sendo disseminada em
diferentes países e se mostrando útil em contextos diversos envolvendo diferentes faixas etárias e
grupos (DENBOROUGH & NCUBE, 2011).

A proposta foi pensada para o grupo de mulheres por acreditar no potencial generativo do diálogo,
como desenvolvem Anderson e Gehart (2007), que propicia a criação conjunta de significados
para que se possa seguir em frente. Assim, o diálogo poderia nortear o encontro de um ponto
comum nas narrativas do grupo, que dissesse respeito não somente a uma história saturada de
problemas, mas a histórias alternativas. Estas últimas, capazes de resgatar e de alimentar
maneiras de responder às adversidades vivenciadas.

Quando há formação de um contexto seguro para o relato das histórias pessoais, como nesta
metodologia, facilita-se a ligação de pequenos momentos bons ocorridos na linha da história de
vida, enfatizando-os em relação aos ruins, tornando a vida mais fácil de viver. Ao longo das
etapas da “Árvore da Vida”, são erguidas pontes entre o que se valoriza na vida, as habilidades,
as esperanças e sonhos, as pessoas significativas, os presentes recebidos e aqueles que se
gostaria de dar. É uma linha histórica particular que vai sendo preenchida com aspectos positivos,
formando uma narrativa preferida, não uma história do problema (DENBOROUGH, 2014).

A metodologia da “Árvore da Vida”, sob o prisma de uma Prática Narrativa Coletiva pode ser
entendida através de quatro etapas, são elas:
a) primeira etapa- relatos das histórias individuais:;
b) segunda etapa- busca da “unidade na diversidade”;
c) terceira etapa - como conseguimos superar nossas dificuldades;
d) quarta etapa- a contribuição para a vida de outras pessoas que passam por
situações semelhantes.

Cada uma dessas etapas guarda correspondência com as partes a serem desenvolvidas com o
grupo, a seguir serão apresentadas as etapas conforme orientação de Denborough e Ncazelo
Ncube (2011):

- Parte I /primeira etapa (desenhar a árvore da vida): começa-se pelas raízes da árvore que é um
estímulo para que se fale sobre as origens, lugares especiais, exemplos de vida, pessoas,
momentos, frases que marcaram. Depois o solo, que representa elementos da história atual,
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coisas que fazem parte do dia a dia. O tronco abre a oportunidade de falar sobre as habilidades,
aquilo que permite seguir em frente. Os galhos representam as esperanças, os desejos e sonhos.
As folhas tratam das pessoas importantes, possibilidade de conversações de remembrança. Os
frutos falam dos presentes recebidos que podem ser ou não de ordem material e por fim, as
flores, que dizem respeito aos presentes que são deixados ao mundo;

- Parte II (construir a floresta da vida)/segunda etapa: oportunidade de falar a respeito dos pontos
comuns entre as vivências dos participantes, resgatando o conceito de “unidade na diversidade”; -

- Parte III (refletir sobre as tempestades que chegam)/terceira etapa: cria-se um contexto para a
troca sobre as dificuldades enfrentadas a partir da reflexão a respeito das ameaças encontradas
em uma floresta. Que desafios enfrentam os animais e as árvores? Como eles respondem às
ameaças? Assim, é possível incentivar os participantes a falarem sobre os desafios enfrentados e
sobre as respostas que normalmente dão a eles;

- Parte IV (entregar os certificados)/quarta etapa: entrega de um certificado em que conste as


habilidades, competências, pessoas especiais e sonhos destacados nas árvores de cada
participante.

Neste trabalho, optou-se por desenvolver a metodologia em sete encontros. Sendo assim, as
partes correspondentes ao enfoque narrativo foram fluindo naturalmente durante as
conversações. Encerrados os encontros, foi possível organizá-los de acordo com as partes
mencionadas. A ordem será apresentada da seguinte forma:

- Parte I: preparando o solo do território de identidade preferida, desenvolvida em três


encontros (1º., 2º. e 3º.);

- Parte II: Unidade na diversidade, desenvolvida em um encontro (4º.);

- Parte III: quando as tempestades chegam, desenvolvida no 5º. encontro;

- Parte IV: possibilitando a consolidação do caminho coconstruído, desenvolvida nos 6º. e


7º. encontros;
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Apresentando o grupo

A metodologia foi desenvolvida com um grupo fechado de mulheres, com idades entre 14 e 64
anos, durante sete encontros de uma hora e meia cada um, uma vez por semana. O grupo foi
iniciado no dia 19 de janeiro de 2017 e finalizado no dia 16 de março de 2017, totalizando sete
encontros. Ele contou com a participação inicial de oito mulheres, sendo que uma delas desistiu
no primeiro encontro e a outra no terceiro encontro. Foram realizadas entrevistas individuais com
cada uma delas, tendo como objetivos conhecer as demandas e expectativas, avaliar se havia
demandas comuns, apresentar a proposta do grupo e saber da disponibilidade para participação.
A partir disso foi possível estabelecer o período da tarde para a realização dos encontros.

As participações foram voluntárias e autorizadas mediante assinatura de Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido, conforme resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde,
com garantia de anonimato. Foram observadas também, as normas da Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP, Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, Brasil) e o
Código de Ética Profissional dos Psicólogos, por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres
humanos. Desse modo, as participantes do grupo serão apresentadas por nomes de flores:
Girassol (14 anos), Hortência (64 anos), Jasmim (45 anos), Margarida (51 anos), Rosa (56 anos)
e Violeta (27 anos).

Parte I: preparando o solo do território de identidade preferida

“Unidas venceremos”
Participaram deste primeiro encontro oito mulheres entrevistadas, com narrativas semelhantes
sobre dificuldades que vivenciavam. O momento inicial foi destinado ao estabelecimento do
acordo de convivência, em que os seguintes aspectos foram apontados como fundamentais ao
bom funcionamento do grupo: sigilo; respeito à história do outro; o controle do tempo de fala para
garantir a participação de todas; sinalizar que o tempo está terminando e pedir que a pessoa
conclua; fazer silêncio enquanto o outro fala, de modo a garantir a escuta; não julgar; não
aconselhar; ao falar, fazê-lo na primeira pessoa do singular; estar presente durante os seis
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encontros, caso não seja possível, retomar o que foi feito com aqueles que faltaram; o horário e
dias de realização do grupo (quinta-feira, às 14h com duração de 1h30min).

Passado esse momento, cada uma se apresentou dizendo o nome, um resumo do que elas
escolheram compartilhar sobre si e as expectativas em relação ao grupo. As dificuldades foram
apresentadas, prevalecendo histórias saturadas de problemas, no entanto, alguns recursos
utilizados para lidar com tais histórias também apareceram. Foram pontos semelhantes nas
narrativas, o desânimo diário, a tristeza, a autodepreciação. As expectativas também foram
comuns e fizeram emergir a possibilidade de se trabalhar as histórias preferidas. Essas giraram
em torno do resgate da parte saudável de cada uma, território da alegria, do sorriso, da
esperança, do sentido de viver.

Em um terceiro momento, foi realizada uma dinâmica com o objetivo de facilitar o reconhecimento
do quanto os problemas têm assumido o primeiro plano da vida delas, impedindo-as de investir
nas possibilidades e competências. Foi apresentada uma folha A4 branca com um ponto preto no
meio e pedido para que elas descrevessem o que viam. Surgiram os seguintes relatos: “- É um
ponto negro com alguma coisa no meio” (Rosa); “- É um poço sem fundo” (Violeta).

A conversa foi acerca de como a perspectiva que tiveram da folha poderia simbolizar aquela que
elas tinham a respeito da vida. Focar em um ponto preto e atribuir a ele tal conotação,
desconsiderando o vasto espaço branco, parecia representar que focar no problema, com
pensamentos negativos sobre a vida, não permitia ver um campo de possibilidades. Isso propiciou
a externalização do problema, levando-as a identificar como ele estava roubando a cena de suas
vidas. A essa altura cabia a nomeação do grupo, surgiram sugestões diversas (“grupo da
libertação”, “grupo de superação”, “grupo forte”, “um alcance”) até que escolheram “Unidas
Venceremos”. Foi assim que elas decidiram ser reconhecidas.

O segundo encontro: abertura para a entrada da luz

A conversa foi iniciada a partir das experiências de cada participante com árvores. Esse
disparador abriu caminhos para a rememoração de situações agradáveis da infância,
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relacionadas a árvores. Foi possível a associação das vivências com sentimentos de felicidade e
sensações de prazer, muitas delas na companhia de pessoas da família.
Em seguida, houve a apresentação da metodologia com uma breve explicação sobre o desenho
da árvore. Das partes que iriam compô-la como as raízes, o solo, o tronco, os galhos, as folhas,
os frutos e as flores, e do que cada uma representaria. A fala foi de que era o momento para elas
construírem a própria árvore que permitiria ver e resgatar as ferramentas disponíveis, aquelas que
tinham ajudado essas mulheres a vencer as dificuldades e que as ajudaria a alcançar também os
objetivos delas.

Foram disponibilizados lápis de cor, canetas esferográficas e borrachas. Houve verbalizações no


sentido de insegurança em desenhar, justificativas de que não estavam habituadas a desenhar
árvores, de que o desenho não ficaria bom, destacando o discurso da incapacidade por não
serem escolarizadas. Elas foram encorajadas a desenhar da forma como preferissem, de maneira
livre. Com o tempo, entregaram-se ao momento lúdico.

Cada uma recordou uma árvore frutífera. Surgiram mangueira, jabuticabeira, coqueiro e
mexeriqueira. O início da conversa foi pelas raízes. Essa parte da árvore propiciou falar sobre as
origens de cada mulher, especialmente resgatando brincadeiras de infância, lugares e pessoas
significativas, ensinamentos, músicas marcantes, alguns dos aspectos que estiveram presentes
na infância e na adolescência delas: “- Aprendi muitas coisas. Parei de mentir.” (Jasmim); “-
Estava com minha irmã. Eram momentos de alegria, de lazer” (Hortência); “- Eu brincava. Era um
sentimento bom” (Margarida).

Ao final, mencionaram o quanto foi agradável ter recordado as coisas boas que pareciam já não
existir, uma vez que o olhar delas estava direcionado para as histórias saturadas de problemas,
como se apenas os momentos ruins abarcassem e definissem tudo o que viveram.

Neste segundo encontro, embora as narrativas negativas ainda prevalecessem parecia já se


vislumbrar a abertura de frestas para a entrada de histórias alternativas. Um território seguro de
identidade preferida estava sendo gerado pelo grupo.

O terceiro encontro: brotando a árvore


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Foi realizada uma dinâmica de aquecimento com o objetivo de continuar resgatando os recursos
dessas mulheres, além de facilitar a consolidação de uma nova história, de uma narrativa na qual
estivessem presentes possibilidades. Foi pedido para que cada uma pensasse sobre uma
qualidade. Pensaram por algum tempo a respeito, relacionaram ao que desejavam alcançar, até
conseguirem elaborar algo. A Rosa falou que gostaria de ser mais amorosa, ao falar mais sobre o
que ela entendia a respeito de ser amorosa acabou por, naquele momento, reconhecer-se
amorosa.

A Margarida disse que pensou em “maravilhosa”, mencionou que se descobriu assim ao pensar
em suas outras qualidades como ser “trabalhadeira”, “rápida”, “honesta”. A Hortência destacou o
fato de ser “muito boa” e explicou que era seu lema “fazer o bem, sem olhar a quem” e isso fazia
com que ela se sentisse melhor. A flor Jasmin, mencionou ser “especial” e completou que as
pessoas a veem assim, dizem ajudá-la por ela merecer. Já Violeta falou sobre ser “verdadeira”
que alcançou a qualidade de “determinada”, “bondosa”, “solidária”.

Todas acabaram contando histórias sobre como as qualidades se fizeram ou se faziam presentes
em suas vidas. Depois desse resgate das qualidades a partir da exploração do campo de
identidade preferida, retomou-se à Árvore da Vida. Houve a descrição dos momentos atuais, no
solo, das competências e habilidades, no tronco, dos desejos e planos para o futuro, nos galhos.
Neste encontro, Girassol (filha da Margarida) informou que não poderia continuar em razão do
reinício de suas aulas.

Parte II: Unidade na diversidade

Neste quarto encontro, houve a continuidade do preenchimento da Árvore da Vida agora com as
folhas que representavam as pessoas importantes na vida das mulheres, com os frutos que
tratavam dos presentes recebidos por elas, e com as flores que foram os presentes deixados por
elas para o mundo. Embora Girassol não estivesse mais presente, em decorrência do reinício das
aulas, foi convidada a continuar a sua árvore e a participar da cerimônia de encerramento. Mesmo
com a ausência da filha, Margarida compareceu e se sentiu mais segura para seguir sozinha já
diferente de quando iniciou e solicitou a presença da filha nos encontros.
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Antes, de dar início à atividade, uma das participantes se mostrou pouco disposta a realizá-la.
Estava mobilizada emocionalmente, parecia precisar compartilhar com o grupo a sua dificuldade e
foi ouvida. Sua história encontrou um ponto comum nas histórias das demais que acabaram
expondo as formas com que cada uma lidava com situações de vida parecidas. Depois disso, a
participante referida, preferiu permanecer no grupo, mas sem dar continuidade a sua árvore.
Ficou até o final.

Rosa falou um pouco a respeito de sua árvore, destacando a importância de uma “amizade
saudável” que concebeu como uma relação pautada pela confiança. Disse ainda, que a confiança
era um valor para ela transmitido pelo pai, em uma época na qual a palavra era suficiente na
garantia de compromissos. Margarida também se manifestou, destacando os presentes que
recebeu da vida como os “abraços” de pessoas próximas que indicaram a ela “esperança”,
“felicidade”, “apoio”.

Passado o momento de partilha, a floresta foi feita. As árvores foram dispostas umas ao lado das
outras na parede. Isso permitiu conversar sobre o conceito de Paulo Freire de “Unidade na
diversidade”. Nesta hora, Rosa recordou um louvor de sua igreja chamado “o crente e a palmeira”
que tratava de uma palmeira que envergava, mas voltava a ficar de pé. Algumas disseram
conhecer e se interessaram pelo conteúdo. Como Rosa não sabia cantar, foi acordado de que no
próximo encontro todas ouviríamos juntas para avaliar se ele fazia sentido ou não para o que
estavam construindo juntas. Se fizesse, o louvor poderia dar o tom da próxima etapa da árvore
que consistia em uma conversa sobre as “tempestades” (dificuldades que chegam sem aviso
prévio e convidam à invenção de formas de enfrentamento).

Houve o acolhimento da fala de uma participante e a preocupação de prestar apoio a ela. A


própria participante, mesmo sem querer realizar o desenho da árvore, preferiu permanecer com o
grupo. As mulheres estavam mais à vontade. Manifestando com espontaneidade o que iam
reconhecendo ao desenhar a própria árvore. Compartilhavam e construíam assim, aos poucos e
juntas o território de identidade preferida.

Parte III: quando as tempestades chegam


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Foi o momento de conversar sobre as tempestades que representavam as ameaças e as


dificuldades vivenciadas. Primeiro buscou-se falar acerca das ameaças sofridas por uma floresta.
Elas se lembraram de queimadas, desmatamento, entre outras. Na sequência refletiu-se sobre as
formas de defesa tanto das árvores quanto dos animais e assim, foi possível transpor às
dificuldades vivenciadas por elas, resgatando as estratégias que encontram para se defenderem.

Foi então que elas se voltaram para as árvores que cada uma desenhou e reconheceram os
recursos que as auxiliaram a lidar com as adversidades até alcançarem o estado atual. O louvor
sugerido no último encontro, de Eliane Fernandes, foi colocado para que todas pudessem ouvir:

Em muitas vezes na vida do crente / A luta é constante em seu caminhar / E tem


momentos que a prova é tão grande / Que o crente pensa até em parar / E quando
as lágrimas molham o seu rosto / O inimigo diz pra ele desistir / E quando pensas
que está sozinho / Tão desesperado só pelo caminho / Jesus diz meu filho eu
estou aqui / A tempestade breve vai passar / Jesus guia o barco no meio do mar /
Ele é o piloto e quando guia o barco o crente tem vitória / Faça como a palmeira
quando o vento vem / Ele arrasta tudo e ela vai também / Mas quando ele passa,
ela se levanta e canta vitória. Por muitas vezes encontrei na bíblia / Falando do
crente em comparação /Dizendo que ele é como a ovelha / Quando é provada não
reclama não. / A prova traz sempre a experiência / Aumentando assim a fé de um
cristão / Quando a luta chega ele não se desespera / Se humilha fazendo como a
palmeira / Depois se levanta com a benção na mão.

A letra foi impressa e entregue para cada uma. Elas puderam acompanhar e destacaram os
trechos que mais faziam sentido para elas. Traçaram uma relação entre as tempestades que
abalavam as árvores, as envergavam, e os recursos de que dispunham para se reerguerem.
Associando às histórias pessoais Rosa destacou a ação do vento que soprava e envergava a
árvore, dizendo que poderia ser comparado às situações do dia a dia, às dificuldades, “àquilo que
arrasa e deixa a pessoa para baixo”.

Foi pedido que passadas as tempestades, elas escrevessem em suas árvores o tema da nova
história que gostariam de viver. Seguem as descrições: “Ser feliz” (Violeta); “Superar tudo o que
está acontecendo comigo” (Jasmim); “Ter saúde” (Hortência); “Cheia de alegria” (Rosa); “Alegria”
(Margarida).
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A partir disso, elegeram os sonhos, as esperanças, as pessoas importantes, os valores e


habilidades que queriam registrar em seus certificados. O grupo seria encerrado no próximo
encontro.

Parte IV: possibilitando a consolidação do caminho coconstruído

Compareceram ao sexto encontro apenas três participantes. As que estavam presentes decidiram
que seria melhor finalizar o grupo na próxima semana. Justificaram não fazer sentido concluir sem
as outras, uma vez que o nome do grupo era “Unidas Venceremos”. Completaram que se
começaram unidas, tinham que concluir unidas. Decidiu-se então falar a respeito de como foi para
cada uma participar do grupo até aquele momento.

Rosa disse ter ficado “mais pra cima”, pôde ver que todos tinham problemas e assim valorizar
bons aspectos de sua vida, esquecidos. Hortência disse ter aprendido com as outras, passando a
perceber que “a gente pode muito mais”. Relatou que foi possível perceber de outra forma
situações de sua vida que lhe causavam sofrimento. Mencionou que irá tentar melhorar ainda
mais, além de trocar a experiência que teve com a neta, incentivando-a a procurar ajuda.

Margarida disse o seguinte: “- Achava que só eu tinha problemas”. Pôde-se observar que o
sorriso retornou ao seu rosto, a sua alegria passou a se fazer presente durante os encontros e ela
disse estar melhor. Puderam falar com alegria e otimismo sobre o futuro.

Compartilhando com outras pessoas

Apenas uma das participantes não pôde comparecer. Girassol retornou para o encerramento do
grupo. Concluiu a sua árvore em casa e levou-a para compartilhar sua experiência com todas as
outras. A mesma pergunta do penúltimo encontro foi feita para aquelas que não puderam
comparecer, sobre o que ter participado do grupo tinha significado para elas. Jasmim falou que,
nos últimos dias, teve boas vivências que a levaram a reafirmar a ideia de que ela era capaz de
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dar conta das coisas e além disso, de doar um pouco de si aos outros. Relatou que estava bem e
que o grupo havia contribuído muito para isso. Continuou dizendo que “vivia pra baixo”, “triste”,
mas no grupo acabou descobrindo que era capaz. Assim como as outras, mencionou que
trocando experiências observou que não era apenas ela que passava por dificuldades. Que
ouvindo as histórias de superação era “melhor enxergar a luz que a escuridão”, colocando o que
aprendeu em prática. Disse ainda ter gostado de “fazer a árvore, conversar, compartilhar”.

Girassol recordou a dinâmica realizada no primeiro encontro, da folha em branco com um ponto
preto no centro. Disse que a partir dela aprendeu o quanto era importante considerar outros
aspectos na vida, além dos problemas. Isso a ajudou a superar as situações vivenciadas. Violeta
disse ter aprendido que assim como ela todos tinham problema, deixou de se sentir a única a
passar por situações difíceis. Relatou ainda a sua felicidade ao ver que as outras conseguiram
“ficar bem e superar as dificuldades”.

Houve o reconhecimento de todas sobre as conquistas das colegas. Puderam observar a


mudança de postura, de discursos e de semblantes que antes indicavam a prevalência de
histórias saturadas de problemas. Parece que o grupo tornou viável a construção de histórias
preferidas que contemplassem mais as habilidades e competências que as deficiências. Houve a
proposta de que deixassem mensagens escritas umas para as outras. Para isso cada uma
recebeu papeis com o nome das participantes e escreveram as mensagens que foram entregues
e lidas neste mesmo encontro. Surpreenderam-se com as palavras de encorajamento. Todas
escreveram e receberam. Também foi pedido que dissessem algumas palavras a pessoas que
porventura viessem a participar de outro grupo e que estivessem passando por momentos
semelhantes aos que elas atravessaram. Registramos em uma folha.

“- Não desista, não se sinta fraco. Saiba que tem Deus nos olhando e nos dando força para
continuar a caminhada sem parar no meio.” (Margarida)

“- Procure ajuda, olhe as coisas boas e não as coisas negativas. Que vocês possam se superar
como aconteceu com a gente. Estou saindo superada! Com uma alegria enorme, em relação ao
que eu estava.” (Jasmim)

“- Vá em frente, não desista! Peça a Deus e siga em frente. Temos que ir à luta!” (Hortência)
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“- Não desistam. Tenham força de vontade. Para tudo tem esperança, mesmo parecendo
impossível. Não se importem com as más vozes que tentam te rebaixar. Tenham fé e sigam em
frente. Só assim, vão conseguir vencer. Adorei participar do grupo e tenho certeza que como esse
grupo me ajudou, poderá ajudar muito mais vocês.” (Girassol)

“- Não deixe as pessoas dizerem que não é capaz. Confie em Deus e ore sempre. Os humilhados
serão exaltados. Siga em frente sempre. A vida é bela para quem sabe sonhar, mas tem que
correr atrás.” (Violeta).

Foram entregues os certificados datados e assinados por mim, com a descrição de aspectos
selecionados por elas ao longo dos encontros. O certificado foi iniciado com o título “A Árvore da
Vida”, seguido dos trechos: Este documento é o reconhecimento dos desejos, sonhos e
esperanças de (nome da participante) de (competências escolhidas); Entre muitas pessoas
são importantes em minha vida:...; Possuo valores e habilidades que têm me acompanhado
no caminho da vida como:.... Seguem as descrições dos certificados:

Certificado de Rosa: “Este documento é o reconhecimento dos desejos, sonhos e esperanças de


ROSA de ser mais amorosa, ser saudável, cheia de alegria...; Entre muitas pessoas são
importantes em minha vida: filha, mãe, Deus é tudo...; Possuo valores e habilidades que têm me
acompanhado no caminho da vida como: ser ótima costureira, ser honesta...”.

Certificado de Hortência: “Este documento é o reconhecimento dos desejos, sonhos e esperanças


de HORTÊNCIA, de ser feliz, ter saúde...; Entre muitas pessoas são importantes em minha vida:
minha mãe, pai, meus filhos e netos...; Possuo valores e habilidades que têm me acompanhado
no caminho da vida como: ser honesta...”

Certificado de Violeta: “Este documento é o reconhecimento dos desejos, sonhos e esperanças


de VIOLETA, de ser feliz, atuar, abraçar a P. [cantora popular], ter um emprego, abraçar tia N...;
Entre muitas pessoas são importantes em minha vida: P. F., C. G., N. M., V., Pai...; Possuo
valores e habilidades que têm me acompanhado no caminho da vida como: determinação, sorrir,
ter fé e esperança...”

Certificado de Jasmim: “Este documento é o reconhecimento dos desejos, sonhos e esperanças


de JASMIM, de ser independente, trabalhar, ser mais feliz...; Entre muitas pessoas são
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importantes em minha vida: minhas filhas, irmãs e mamãe...; Possuo valores e habilidades que
têm me acompanhado no caminho da vida como: fazer as pessoas rirem com minhas
brincadeiras, cozinhar, ser útil para alguém...”

Certificado de Margarida: Este documento é o reconhecimento dos desejos, sonhos e esperanças


de MARGARIDA, de ter alegria, saúde, força, felicidade e mais ânimo...; Entre muitas pessoas
são importantes em minha vida: minha mãe, minha filha, minha avó, meu pai...; Possuo valores e
habilidades que têm me acompanhado no caminho da vida como: competência, honestidade,
bondade, alegria, minha força vem de Deus...”

O encerramento foi um momento de partilha em que cada uma pôde reconhecer certa
transformação em si e nas demais. Foi o que as mensagens entregues umas às outras, refletiram,
além das apresentadas anteriormente que elaboraram a partir da experiência no grupo. Houve um
abraço coletivo e a expressão de que desejavam dar continuidade aos vínculos formados para
além daquele contexto institucional.

Considerações

A experiência com um grupo de mulheres, heterogêneo no que diz respeito à idade, permitiu
observar que a convivência entre diferentes gerações não se constituiu como uma barreira. Pelo
contrário, pareceu ter sinalizado boas trocas, contribuindo para o amadurecimento das mais
jovens e para o avivamento das mais velhas. Ao compartilharem suas histórias, encontrando
pontos comuns, houve o reconhecimento de si no outro e a consideração autêntica de cada
vivência ali apresentada.

Parecia que o território da identidade preferida pôde ser consolidado. O senso de competência foi
sendo fortalecido, modificando visivelmente as mulheres do grupo. O sorriso voltou a habitar o
rosto de Margarida, como observado por ela e pelas outras participantes. Rosa reconheceu-se,
amorosa e capaz de colocar em prática seus planos, verbalizando ter se deslocado do lugar de
“vítima” para o de protagonista de sua vida. Hortência reviu a relação com a família a partir do que
as outras participantes disseram sobre o mesmo tema.
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Cada uma se movimentou no sentido de reescrever a própria história, sabendo também o quanto
foi coautora da história da outra. Ao pensarem em uma mensagem a ser transmitida a grupos
vindouros, mostraram que ao acessarem os recursos pessoais resgataram também a confiança
em si, possibilitando contagiar outras pessoas com as descobertas feitas. O efeito do grupo foi o
de, por meio do diálogo, possibilitar a criação de significados e modos de continuar seguindo. Elas
se envolveram umas com as outras, inspiradas inclusive pelo nome que adotaram para o grupo:
“Unidas venceremos”. Foi a união que norteou a reflexão conjunta, o reconhecimento de
elementos comuns entre elas e a procura da reinterpretação de vivências anteriores, abrindo
caminho para construções novas.

Nesse sentido, o grupo foi se constituindo como território seguro para o cultivo de identidades
preferidas e histórias alternativas, além de um espaço potente de conexão entre essas mulheres.
É o que se pode constatar ao voltar para os relatos do penúltimo e do último encontro,
principalmente, nos quais elas mencionaram que só foi possível revisitar a própria história
lançando um novo olhar, porque ouviram a história das demais.

Essa experiência com um grupo, com tais características em uma instituição de saúde, pode
oferecer mais uma possibilidade de prática que visa trabalhar os recursos coletivos. Pode-se
vislumbrar como vantagens: a ampliação dos atendimentos em saúde mental ao público que
recorre ao SUS, o desenvolvimento de alternativas ao acompanhamento individual, bem como a
facilitação do reconhecimento da comunidade de sua capacidade de protagonizar a resolução das
dificuldades vivenciadas. Esse se mostrou um campo profícuo para a aplicação da metodologia
da Árvore da Vida. De todas que concluíram a metodologia, apenas uma teve a necessidade de
retomar o acompanhamento individual.

Faz-se útil destacar que a opção por dividir a metodologia em partes, conforme os encontros
aconteciam, no início, pareceu ser um empecilho à efetividade do grupo. Havia uma preocupação
de que as participantes estivessem presentes a todos os encontros de modo a não romper com a
continuidade da atividade. No entanto, isso não podia ser garantido. Foi preciso que o grupo
tivesse certa flexibilidade para lidar com as ausências que, porventura, ocorressem. Isso foi
contornado, conforme o contrato estabelecido ainda no primeiro encontro. As desistências foram
sentidas pelas demais participantes, contudo as que permaneceram formaram uma coesão, uma
identidade grupal que permitiu seguirem juntas até o fim.
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Observar esse movimento gerido pelas mulheres, reafirmou a posição da facilitadora não como
aquela que habitava o lugar do discurso dominante, imprimindo o poder, mas como alguém que
estava ali para caminhar ao lado de todas, no sentido da (re)descoberta das ferramentas que elas
já tinham para desobstruir os caminhos que poderiam conduzi-las à superação, alimentando o
poder proveniente delas mesmas.

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