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Instituto Três Rios – ITR - Faculdade De Direito

Disciplina Direito Penal III

Profª Drª Júlia Gomes Pereira Maurmo

Aluna: Ana Carolina Souza Magalhães - Matrícula: 2018770029

Atividade Assíncrona

I. ANÁLISE DO TIPO PENAL: Induzimento, instigação ou


auxílio a suicídio ou a automutilação

Tratando como objetivo principal a proteção da vida como um bem jurídico


indisponível, o novatio legis incriminadora trazida pela lei 13.968/19, institui as
condutas de induzimento, instigação e auxílio não mais apenas ao suicídio, mas
também à automutilação, trazendo uma nova proteção, desta vez à integridade
física.

A. BEM JURÍDICO TUTELADO

Anteriormente definido como incitação ao suicídio, o crime de


induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação trazido pela Lei
13.968 de 2020 que altera o Artigo 122 do Código Penal dispõe não mais apenas
sobre a proteção de um bem jurídico indisponível: a vida humana, porém traz
consigo a proteção de um segundo bem, a integridade física.

Logo a proteção do direito à vida estará correlacionada ao crime de


induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, portanto aqui a competência para
julgamento será do Tribunal do Juri conforme disposto no Artigo 5º, inciso
XXXVIII, alínea d da Constituição Federal, portanto sendo processada em uma
ação penal pública incondicionada. Em contrapartida, a proteção a integridade
física se direcionará ao crime de induzimento, instigação ou auxílio de
automutilação, esta será processada pela justiça comum, ainda que gere um
crime preterdoloso.
Cabe definir as ações de suicídio e automutilação, na primeira o agente
executa ato que retire sua própria vida, ainda que tal ação não constitua
propriamente um crime, é um fato antijurídico uma vez que a vida é um bem
indisponível. Em contrapartida, a automutilação encara-se como a ofensa a
própria integridade física, que assume a mesma normatividade do suicido, não
havendo expressa proibição, porém sendo reprovável socialmente ofendendo
outro bem jurídico indisponível.

É preciso ressaltar que a tentativa de suicídio ou automutilação não se


enquadram como infração penal, apenas o induzimento, instigação ou auxílio de
outrem que o faça, portanto o crime está voltado para o agente que objetiva que
outra pessoa realize a automutilação em si mesma ou chegue ao ato de suicidar-
se.

B. SUJEITO ATIVO

Uma vez tratando-se de um crime comum, poderá ser praticado por


qualquer pessoa sem a necessidade de condição especial.

C. SUJEITO PASSIVO

Como sujeito passivo, qualquer pessoa que possua capacidade de


compreensão de entender suas ações, portanto ao tratar-se de sujeito passivo
que não possa compreender suas ações se tratará de crime de homicídio,
quando se fala de resultado de homicídio ou por lesão corporal, quando se tratar
de automutilação. Portanto disciplinado no Artigo 122, parágrafos 6º e 7º do
Código Penal:

§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste


artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido
contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade
ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a
prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129
deste Código.

§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é


cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o
necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de
homicídio, nos termos do art. 121 deste Código.

Outro ponto relevante é que o sujeito precisa ser determinado, seja um


ou mais de um, pois ao tratar-se de incitação de pessoas indeterminadas se
tornará delito de incitação à crime prevista no Artigo 286 do Código Penal.

Incitação ao crime

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

D. TIPO OBJETIVO

Tratando-se de um crime que possui ação múltipla em cabe ressaltar


todas possíveis variáveis de seu tipo objetivo:

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar


automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

(i) Ação nuclear: Induzir ou instigar ou prestar-lhe auxílio material para


que alguém se suicide ou automutile-se;
Podemos definir as condutas da ação nuclear como:

(i) induzimento: o sujeito ativo irá criar a ideia na mente do sujeito


passivo do ato de automutilação ou suicídio, portanto o agente
elabora a possibilidade na cabeça da vítima;
(ii) instigação: o sujeito passivo já possui a ideia em mente e o agente
apenas a reforça, manipulando psicologicamente a vítima sem de
fato exercer ações materiais; e
(iii) auxílio: o sujeito ativo presta auxilio material à vítima fornecendo
itens que auxiliem na execução do suicídio ou automutilação.

É relevante mencionar que nas duas primeiras opções de conduta o


agente exerce um trabalho meramente psicológico, atuando mais na influencia
nas ações de alguém do que propriamente fornecendo algo que auxilie na
execução do suicídio ou automutilação, como por exemplo uma faca ou uma
arma.

Deste modo a conduta de auxilio diferencia-se grandemente da execução


de fato da ação, uma vez que alterada essa conduta o tipo penal
consequentemente se alterará. Portanto, ao falar de alguém que alguém que
retire a cadeira para que um terceiro se enforque não o está auxiliando e sim
praticando homicídio, da mesma forma que se um agente pegue a faca e corte
o braço de alguém devido a hesitação deste, não será mais automutilação e sim
lesão corporal. Todas condutas aqui definidas precisam ocorrer de forma dolosa.

O crime, portanto, caracteriza-se pela ação comissiva, além de ser


plurissubsistente uma vez que poderá desenvolver-se mediante diversas ações
conforme descritas acima.

E. TIPO SUBJETIVO
Conforme trata-se de um crime necessariamente definido pela intenção
de causar o suicídio ou a automutilação em um terceiro, o tipo subjetivo deste
crime é o dolo, seja ele eventual ou direto, não admitindo-se a culpa por falta de
descrição expressa em lei.

F. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

A consumação do crime previsto no Artigo 122 do Código penal não exige


a efetivação da automutilação, ou suicídio de alguém (sujeito passivo) que fora
instigado por outrem (sujeito ativo). Assim, para que haja a consumação do tipo
penal basta a mera instigação, induzimento ou auxílio a outrem sem que haja
necessariamente morte ou lesão corporal, tratando-se assim de um crime formal.

O crime se consumaria pelo próprio induzimento, instigação ou auxilio


material ainda que a vitima não venha a executar de fato a automutilação ou
suicido, entende-se que basta propor, reforçar a ideia ou fornecer-lhe o auxilio
material para que seja considerado um infrator.
Deste modo, o resultado de lesão ou morte se torna uma qualificadora
que é disposta nos parágrafos 1º, 2º, 6º e 7º do Artigo 122:

§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão


corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do
art. 129 deste Código:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

(...)

§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão


corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14
(quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental,
não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por
qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente
pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código.

§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra


menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não
pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos
termos do art. 121 deste Código.

Como advento da Lei 13.968/2019 o tipo penal passa a admitir a tentativa,


anteriormente ou ocorria a consumação da morte ou o fato se tornava atípico.
Desta forma, não ocorre mais a necessidade do sujeito passivo executar de fato
a lesão em si próprio seja a automutilação ou causar-se a morte. Basta as
condutas de induzimento, instigação e auxílio para que se torne típico, gerando
tentativa caso não se consume por causas alheias a vontade do agente, como
no caso de impedimento por um terceiro agente da entrega da arma ao sujeito
passivo.

II. QUESTÕES INTERESSANTES

A. DUELO AMERICANO OU ROLETA RUSSA

O duelo americano e a roleta russa são jogos de azar em que todos os


envolvidos assumem o risco da produção do resultado morte, portanto
constituindo-se como dolo eventual. Desta forma os envolvidos responderão por
participação em suicídio.

O primeiro ocorre quando dois indivíduos, possuindo duas armas e


apenas uma está carregada, as misturam, pegam e atiram contra a própria
cabeça. Já no segundo, os participantes escolhem uma arma e inserem no
tambor apenas um cartucho, onde o mesmo é girado e portanto tornando
aleatória a possibilidade de morte.
B. AMBICÍDIO (PACTO DE MORTE)

O pacto de morte é caracterizado quando duas ou mais pessoas


combinam o suicídio ao mesmo tempo, realizando-o em conjunto, ocorrendo no
caso de duas pessoas, um duplo suicídio. Portanto, diante da sobrevivência de
um ou de todos envolvidos haverá consequências jurídicas para a ação, são
elas:

(i) Se apenas um dos envolvidos sobrevive: Se este foi o causador do


suicídio em conjunto, por exemplo, foi este que abriu o gás a fim de
que ambos morressem, responderá por homicídio, artigo 121 do
CP.
(ii) Caso nenhum dos dois morre: Quem abriu o gás responderá por
tentativa de homicídio, artigo 121 c/c art. 14, inciso II do CP e o
outro por participação em suicídio, artigo 122 do CP;

C. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Para as testemunhas de Jeová a transfusão de sangue consiste como


ofensa as suas crenças, portando tornando a pessoa impura no reino de Deus,
possuindo assim motivação de convicção pessoal para negar o tratamento
médico em casos de urgência hospitalar.

Portanto, aqui conforme dispõe Luís Roberto Barroso, caberá a


ponderação de direitos entre a escolha e autonomia do praticante da fé tendo
como base a dignidade da pessoa humana e o direito à vida. Não se pode coagir
alguém a permanecer vivo contrariando suas convicções pessoais, tornando tal
pessoa infeliz e insatisfeita com a própria vida. Cada um tem o direito de escolha
de como quer viver, exercendo seu direito fundamental à liberdade, desde que
não afete negativamente a comunidade.

Portanto, o tema é de ampla complexidade e exige alto aprofundamento


para que o argumento se consolide, entretanto é possível se colocar de forma
sucinta que o direito de recusa ao tratamento é legítimo e consolida-se pelo
exercício da liberdade individual e religiosa, consolidado no caput do Artigo 5º
da Constituição Federal.

O grande ponto reforçado jurisprudencialmente é quanto a menores de


idade, que ainda não possuem plena capacidade para tomar suas próprias
decisões. Não há pacificidade sobre o tema onde o direito à vida, liberdade
religiosa e o direito dos pais a tomares as decisões pela criança ou adolescente
se confrontam, mas o entendimento que se sobressai, ainda que levemente é o
de que estando em risco iminente de vida, o incapaz ou relativamente incapaz
deverá ser atendidos pelo médico, enquanto possuindo algum grau de
consciência para exercer a autonomia e liberdade de escolha estariam sujeitas
a decisão e avaliação do Poder Judiciário, respeitando o seu direito previsto no
Artigo 16 do ECA .

Há ainda polêmicas sobre como os ensinamentos sobre a recusa ao


tratamento de transfusão de sangue poderia consistir em induzimento ou
instigação ao suicídio, porém o que prevalece é que não há a escolha de suicídio
uma vez que os seguidores dessa fé aceitam tratamento alternativo, porém, caso
este não seja possível optam por deixar a própria vida.

Por fim o tema é regado de ampla polemica sobre a criminalização ou não


das ações do médico, sendo avaliado caso a caso para definição de que se
tratou de um homicídio, participação em suicídio ou apenas respeito às
convicções pessoais do praticante da fé, envolvendo questões como a
incapacidade e lucidez do paciente.

D. DESAFIO DA BALEIA AZUL

Um jogo mortal que muito se dissipou pela internet gerando a morte e


automutilação de muitos jovens. A baleia azul é conhecida popularmente por
uma suposta tendencia suicida de encalhar em locais onde a possibilidade de
resgate é escassa, entretanto tal informação é repudiada cientificamente.

O jogo consiste em um conjunto de desafios que trazem a risco tanto a


integridade física do participante como por fim, em seu último desafio, o resultado
morte. Assim, com ampla divulgação utilizada na internet, o jogo atingiu diversas
pessoas com transtornos psicológicos que viram na brincadeira uma forma de
fuga.

Com isto, entendendo o nível de criticidade trazido pelo jogo e outras


variáveis possíveis, o legislador cria a norma que está em análise neste trabalho:
o crime de Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação
definida no Art. 122 do Código Penal sob a alteração da Lei 13.968 de 2020.
Ressaltando ainda a inclusão da possibilidade de aumento de pena presente na
ação virtual nos parágrafos 4º e 5º:

§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por


meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo
real.

§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou


coordenador de grupo ou de rede virtual.

Entretanto tal jogo é ainda mais complexo que o crime previsto agora no
Artigo 122, trazendo ainda a possibilidade de criminalização por outras condutas
como por exemplo a de ameaça, uma vez que o participante é coagido a não
voltar atras com a decisão de participar sob pena da morte assistida de seus
familiares.
Bibliografia

SANTOS CABETTE, Eduardo Luiz. Induzimento, instigação e auxílio ao


suicídio ou à automutilação: Nova redação dada pela Lei 13.968/19 ao artigo 122
do Código Penal. Meu site jurídico, [s. l.], 16 jan. 2020. Disponível em:
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/01/16/induzimento-
instigacao-e-auxilio-ao-suicidio-ou-automutilacao-nova-redacao-dada-pela-lei-
13-96819-ao-artigo-122-codigo-
penal/#:~:text=O%20tipo%20penal%20descrito%20no,incriminado%20no%20a
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PGR requer que Supremo garanta a Testemunhas de Jeová direito de


recusar transfusão de sangue: Raquel Dodge afirma que há insegurança jurídica
sobre o tema e que maiores de idade devem poder recusar por motivo de
convicção pessoal.. Migalhas, [s. l.], 11 set. 2019. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/quentes/310710/pgr-requer-que-supremo-
garanta-a-testemunhas-de-jeova-direito-de-recusar-transfusao-de-sangue.
Acesso em: 21 abr. 2021.

MACHADO, Rafael. Baleia azul: um jogo, vários crimes. Jus Brasil,


Brasil, p. 1-1, 1 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57258/baleia-
azul-um-jogo-varios-crimes. Acesso em: 20 abr. 2021.

DE PAULA RODRIGUES MAGGIO, Vicente. O crime de induzimento,


instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação (Código Penal, art. 122). Jus
Brasil, Jus Brasil, 3 maio 2020. Disponível em:
https://vicentemaggio.jusbrasil.com.br/artigos/795190165/o-crime-de-
induzimento-instigacao-ou-auxilio-a-suicidio-ou-a-automutilacao-codigo-penal-
art-122. Acesso em: 21 abr. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Título II, Capítulo I.
Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso
em 27 de abril de 2021.
BARROSO, Luís Roberto. Legitimidade da recusa de transfusão de
sangue por testemunhas de Jeová, dignidade humana, liberdade religiosa e
escolhas existenciais. Rio de Janeiro, 2010, p. 31.

Código Penal (1940): Decreto-lei n˚ 2.848, de 7 de dezembro de 1940.


Disponível
em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75524
>. Acesso em 27 de abril de 2021.

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