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Tutoria 2

Anemia ferropriva

Anemia (OMS) é a condição na qual a concentração sanguínea de hemoglobina se encontra abaixo dos valores esperados
(inferior a -2DP), tornando-se insuficiente para atender as necessidades fisiológicas exigidas de acordo com idade, sexo,
gestação e altitude. De origem multifatorial, pode ser ocasionada pela deficiência de ferro e/ ou diversos outros
micronutrientes, por perdas sanguíneas, processos infecciosos e patológicos concomitantes; uso de medicações específicas que
impeçam ou prejudiquem a absorção do ferro. A principal causa de anemia é a deficiência de ferro (> 60% dos casos no mundo).

Anemia ferropriva ocorre como resultado final do desequilíbrio no balanço entre a quantidade de ferro biodisponível
absorvido na dieta e as necessidades do organismo, após o esgotamento das reservas de ferro e do ferro funcional circulante,
(a reserva de ferro do organismo é insuficiente para a síntese normal de componentes que dependem desse mineral).

 Caracteriza-se laboratorialmente por redução na concentração sérica de hemoglobina, último estágio da depleção de
ferro no organismo. No primeiro e segundo estágios há, respectivamente, diminuição dos depósitos e do transporte de
ferro, e os níveis de hemoglobina permanecem inalterados.
 Em populações com alta prevalência de anemia ferropriva, pode-se considerar que praticamente toda a população seja
deficiente em ferro.

O ferro é o metal mais presente no corpo humano e está em todas as fases da síntese proteica e dos sistemas respiratórios,
oxidativos e anti-infecciosos do organismo. Grande parte dele vem da reciclagem de hemácias, uma menor quantidade vem da
dieta (fontes vegetais ou inorgânicas - não-heme; carnes e ovos –heme). A secreção gástrica de ácido clorídrico (necessária para
a solubilização dos sais de ferro e para a manutenção do ferro na forma ferrosa Fe2+) também é importante para a absorção do
mineral.

- Epidemiologia:

A OMS utiliza critérios para classificar o grau de prevalência da anemia como um problema de saúde pública pelo valor Ed Hb e
Ht. (1) Grave: = ou > 40%  Brasil se encontra aqui exigindo políticas públicas de combate à deficiência de ferro e anemia.
Estudos mostram que 65% têm anemia ferropriva; e uma pesquisa do PNDS (2009) diz que a prevalência é de 20,9% entre
crianças de 6 a 59 meses e a maior é no Nordeste (25,5%). (2) Moderado: 20-39, 9%. (3) Médio: 5- 19,9%.

Calcula-se que quase dois bilhões de pessoas em todo o mundo apresentam anemia e que de 27% a 50% da população seja
afetada pela deficiência de ferro. Mesmo acometendo todos os grupos etários e níveis sociais, com ampla distribuição
geográfica, a anemia ferropriva ainda é uma doença que atinge prioritariamente as camadas socialmente menos favorecidas,
de menor renda e desenvolvimento.

No Brasil, os dados variam, pois tem muitos estudos isolados, de grupos e não representativos da realidade nacional. Variam de
40% a 50% das crianças estudadas, sendo maior em crianças menores de três anos e gestantes. Em revisão sistemática de 53
artigos brasileiros realizada em 2009 pelo grupo de Jordão (21.000 crianças avaliadas), a prevalência descrita para anemia foi de
53%, sendo maior nas regiões Norte e Nordeste.

A recomendação do Consenso: o Brasil teve uma pequena melhora nos últimos anos, pelo aumento da prevalência do AM, uso de fórmulas
enriquecidas, melhoria do acesso a fontes alimentares, programas de fortificação e enriquecimento de alimentos, campanhas educativas
governamentais e privadas, e modificações ambientais.

Porém, os resultados de estudos de prevalência de âmbito nacional são controversos, escassos, com populações pequenas e
regionalizadas. Há necessidade de estudos que utilizem amostras representativas e calculadas, com base populacional.

Sugere-se a criação de suplementos em periódicos (contemplar artigos nacionais que não obtiveram espaço editorial em revistas
internacionais por serem temas de interesse regional). Contar com apoio de grandes corporações e/ou sociedades cientificas, para analisar
a prevalência em amostras representativas ou de grande porte. Agregar também dados de grandes laboratórios, hospitais públicos e
privados, que disponham de dados de hemograma, ferritina, marcadores inflamatórios e CID registrado de anemia ferropriva. Há
necessidade de dados atualizados, representativos e de confiabilidade, para a continuidade de programas de prevenção e tratamento mais
adequados.
A anemia causa efeito no CD de populações em risco por afetar grupos em idade de crescimento e comprometer o
desenvolvimento cerebral. Desde o pré-natal causa prejuízos no desenvolvimento de habilidades cognitivas, comportamentais,
linguagem e capacidades motoras das crianças. Esse impacto negativo pode permanecer mesmo após tratamento precoce por
décadas, principalmente naquelas menos estimuladas ou de baixo nível social e econômico. Alguns estudos mostram reversão
parcial do déficit cognitivo ocasionada pela anemia quando o tratamento ocorre de maneira precoce e prolongada, com mínimo
de 2 meses de utilização adequado do ferro (3 meses no mínimo para que as reservas reponham).

A carência de ferro pode predispor a cáries dentárias, menor discriminação e identificação de odores, alterações na imunidade
não específica, paladar e apetite (com associação a quadros de pica - alterações do sabor e apetite); resposta alterada ao
estresse metabólico e desenvolvimento audiovisual.

 Na gestação a anemia, principalmente se ocorrer no 1º e 2º trimestre tem desfechos obstétricos desfavoráveis:


prematuridade, baixo peso ao nascer e aumento da mortalidade perinatal e neonatal.
 No período pós-parto se associa à redução da qualidade de vida e aumento nos níveis de depressão, o que pode
implicar diretamente no cuidado com o recém-nascido e seu desenvolvimento, desfavorecendo o aleitamento materno.

- Fisiologia e metabolismo do ferro:

O ferro distribui no organismo humano em formas inorgânica e orgânica (3,5-4,5g), sendo que 70% é o ferro funcional ou
essencial (desempenha funções fisiológicas e ocorre na hemoglobina, mioglobina e enzimas intracelulares contendo ferro); os
outros 30% é o ferro de armazenamento ou não funcional e ocorre na ferritina e hemossiderina.

O heme é a unidade porfirínica complexada ao ferro da hemoglobina. O conteúdo de ferro na hemoglobina é de 0,33%, a perda
de 100 mL de sangue resulta na perda de 50 mg de ferro. Não há sistema de excreção pelo ferro, é perdido pequenas quantias
diariamente na queda da pele, cabelo, unhas, fezes, perspiração, urina. Na mulher, há perdas adicionais pela menstruação e
leite materno. Adulto homem perde 1mg e mulher 1,5mg.

- O duodeno é responsável pela homeostase do ferro, regulando sua absorção na dependência do estado corporal de ferro.
Dieta = ferro inorgânico (não heme e ferritina não heme), - plantas e em tecidos animais; e o ferro heme – na mioglobina e
hemoglobina.

- O ferro heme é absorvido intacto; após ser liberado da mioglobina/hemoglobina pelo processo digestivo, é transportado para
dentro das células intestinais por uma proteína carreadora (PCFT/ HCP1). O ferro não heme no estado férrico (3+) é convertido
para o estado ferroso (2+) pela enzima redutase citocromo b duodenal – Dcytb – e absorvido pelos enterócitos por meio de um
transportador específico divalent metal transporter (DMT1), localizado na membrana apical dos enterócitos.

- No interior do enterócito é armazenado na forma de ferritina ou é transportado para o plasma pela ferroportina.

- Na circulação, a feroxidase (hepaestina) transforma o ferro ferroso em férrico e liga-se à transferrina.

- Nos eritroblastos, os receptores de transferrina aceitam complexos Fe-transferrina, que sofrem endocitose, e o ferro é
incorporado na hemoglobina.
O principal regulador da absorção de ferro é a hepcidina, pois regula a expressão da ferroportina. Ela é um hormônio peptídico
circulante composto por 25 aminoácidos, sintetizada no fígado e detectável no sangue e na urina.

 A ferroportina é a molécula exportadora de ferro presente nos macrófagos, hepatócitos e na membrana basolateral dos
enterócitos. É essencial para a transferência do ferro para o plasma.
 A ligação hepcidina + ferroportina induz sua endocitose e proteólise nos lisossomos, reduzindo sua presença e a
exportação do ferro das células, preservando os depósitos de ferro.
 A hepcidina é regulada pela concentração de ferro no organismo e pela necessidade de ferro para eritropoiese.

Quando a oferta de oxigênio está inadequada nas anemias hemolíticas ou hemorragias, a resposta homeostática é o aumento da
produção de eritrócitos, induzindo a diminuição do nível de hepcidina, aumentando a disponibilidade do ferro proveniente da
dieta e dos estoques dos macrófagos e hepatócitos. A deficiência de ferro induz a diminuição dos níveis da hepcidina.
A sobrecarga de ferro e as doenças inflamatórias aumentam a hepcidina.

Dosagens de hepcidina poderiam complementar os indicadores mais utilizados de reservas corporais de ferro total, como o ferro
e a ferritina séricos. A validação do índice hepcidina/ferritina pode ser útil no diagnóstico da hemocromatose hereditária.

- Fatores etiológicos:

É mais comum acontecer em populações com baixa renda, desnutrição intrauterina, prematuros, de baixo peso ao nascer ou
gemelares, que abandonaram o aleitamento materno precocemente, que substituíram o leite materno pelo leite de vaca sem
suplementação de ferro; que receberam dietas pobres em ferro; desnutridos; que apresentam infecções frequentes; com
capacidade limitada do organismo em absorver o ferro dietético; que necessitam de ferro para o crescimento; com alta
incidência de parasitismo; que apresentam sangramento intestinal por causa de alergia alimentar causada, principalmente, pelo
uso do leite de vaca integral; ocorrência de pólipos ou divertículos; uso de drogas que podem levar a sangramento digestivo ou
que inibem a secreção gástrica.

 Na gestação o feto recebe da mãe uma quantidade relativa e constante de ferro que é estocada no fígado
(principalmente no último trimestre de gestação). Essa reserva + a proveniente do AME garante aporte suficiente até
aproximadamente 4-6 meses.
 Para os RN prematuros e os de baixo peso os estoques se esgotam rapidamente, sendo necessário suplementar a
partir do 1º mês de vida.
 Os lactentes no período de 4 meses a 1 ano de idade devem incorporar cerca de 200 mg de ferro e requerem a
absorção diária de 0,8 mg/dia. Apresentam maior risco de deficiência de ferro entre 6 e 18 meses de idade, período de
crescimento rápido, quando os reduzidos estoques de ferro, a ingestão frequentemente inadequada e as perdas
gastrintestinais crônicas (devidas à alergia ao leite de vaca, às parasitoses, à doença diarreica e ao refluxo
gastroesofágico) podem afetar o equilíbrio entre perdas e ganhos.
 Nos períodos pré-escolar e escolar, o risco de desenvolver deficiência de ferro geralmente diminui em razão da menor
necessidade desse mineral (a velocidade de crescimento diminui) e de sua maior ingestão em dietas mais equilibradas.
 Na adolescência aumenta o risco da deficiência de ferro, devido a maior necessidade associada ao crescimento púbere
e, na maioria das vezes, da alimentação inadequada, que não é suficiente para suprir a demanda aumentada de ferro
para a expansão eritrocitária.

- Diagnóstico Clínico e laboratorial:

A deficiência de ferro é o estado insuficiente de ferro para manter as funções fisiológicas normais dos tecidos, ou seja, nem toda
anemia é por deficiência de ferro, e é possível estar deficiente em ferro sem apresentar anemia (depleção dos estoques de ferro
e diminuição da eritropoese).

Os sinais e sintomas surgem lentamente e guardam relação com os estágios de depleção e deficiência do ferro corporal e
anemia propriamente dita (manifestações clínicas e fisiológicas aparentes).

1º estágio – depleção de ferro: reduz o depósito de ferro no fígado, baço e medula óssea. Diagnosticado pela ferritina sérica
(principal parâmetro utilizado para avaliar as reservas de ferro – tem forte correlação com o ferro armazenado nos tecidos).
CUIDADO, a concentração de ferritina é influenciada pela presença de doenças hepáticas e processos infecciosos e inflamatórios,
devendo ser interpretada com cautela. Valores < 12μg/L são fortes indicadores de depleção das reservas corporais de ferro em
crianças menores de 5 anos, e < 15μg/L para crianças entre 5 e 12 anos.
2º estágio – deficiência de ferro: o diagnóstico é feito pela própria redução do ferro sérico, aumento da capacidade total de
ligação da transferrina (>250- 390μg/dl) e a diminuição da saturação da transferrina (<16%).

Outros exames podem ser necessários como a transferrina, zincoprotoporfi rina eritrocitária e capacidade total de ligação do
ferro. O ferro sérico é relevante no diagnóstico quando seus valores se encontram menores que 30mg/dl.

3º estágio – anemia ferropriva: redução sanguínea da Hb e Ht e alterações hematimétricas. Os valores da OMS são
hemoglobina menor que 11g/dl e 11,5g/dl para crianças de 6 a 60 meses e crianças de 5 a 11 anos de idade, respectivamente.
Para o hematócrito, valores abaixo de 33% e 34% para crianças de 6 a 60 meses e crianças de 5 a 11 anos de idade,
respectivamente.

No hemograma, leucopenia e plaquetose podem ser indicativos e devem ser considerados.

A contagem dos reticulócitos se relaciona à eritropoiese, uma vez que o volume de hemoglobina presente nos reticulócitos
representa o volume de ferro disponível para a eritropoiese e é um indicador precoce da anemia ferropriva e déficit de
hemoglobinização. A referência para crianças do seu valor relativo é de 0,5% a 2%, e do valor absoluto de 25000-85000/mm 3,
(mais fidedigno).

Os exames laboratoriais de rotina para diagnóstico e para a profilaxia da anemia são preferencialmente o hemograma
completo (com parâmetros hematimétricos), contagem de reticulócitos e ferritina. O uso da ferritina como marcador da
fase de depleção é essencial, porque, quando há intervenção nesta fase, os resultados são de possível profilaxia dos
déficits cognitivos.

A proposta do consenso é que haja uma triagem de exames já em crianças a partir dos 12 meses de vida  Avaliar
hemograma + PCR (p/ descartar infecção e inflamação) e a ferritina.

Em casos de necessidade, para DDX ou naqueles não resolvidos com o tratamento habitual, outras provas de avaliação podem
ser realizadas, como a dosagem do ferro sérico, transferrina, zincoprotoporfirina eritrocitária, capacidade total de ligação do
ferro, entre outros. No entanto, estes exames detectam apenas a fase de deficiência de ferro e não a de depleção.

 O diagnóstico da anemia por valor de hemoglobina deve ser feito pelas faixas de normalidade para cada idade e não
por valor absoluto.
 O critério para ferritina é que a criança deva ter valores acima de 30μg/ dl. Valores inferiores a 15μg/dl indicam
deficiência grave e valores intermediários devem ser avaliados após suplementação com ferro.
 O teste do pezinho (triagem neonatal) também deve ser utilizado para descartar causas genéticas de anemia (p. ex.
doença falciforme ou deficiência de G6PD, bem como outras hemoglobinopatias).

Uma vez realizado o diagnóstico da anemia ferropriva, o tratamento deve ser estabelecido de forma correta e emergencial,
com o melhor sal disponível, com controle adequado e pelo tempo necessário.

Nunca esquecer de levar em consideração o caráter evolutivo do processo de anemia: (1) depleção das reservas de ferro (2)
queda no ferro circulante com deficiência da eritropoese (3) redução do ferro funcional ligado à hemoglobina = anemia clínica. O
diagnóstico é feito avaliando-se três aspectos na avaliação laboratorial: 1) deficiência do ferro ligado a hemoglobina; 2)
deficiência de ferro circulante; e 3) deficiência nas reservas de ferro.
(TRATADO SBP) Para o diagnóstico laboratorial basta associar a concentração de hemoglobina e índices hematimétricos abaixo
dos valores de referência ou RDW (coeficiente de variação eritrocitária) acima de 14%.

 Na hematoscopia, no esfregaço, os eritrócitos apresentam baixa concentração de hemoglobina, revelando ao exame


aumento da palidez central (hipocromia). Sua medida é feita pela concentração da hemoglobina corpuscular média
(CHCM) ou pela hemoglobina corpuscular média (HCM), que relacionam a hemoglobina ao hematócrito ou ao número
de hemácias, respectivamente, e que na deficiência de ferro encontram-se diminuídas.
 O RDW obtido nos contadores eletrônicos é um elemento útil no diagnóstico diferencial das anemias e é o sinal mais
precoce da deficiência de ferro, medida quantitativa da anisocitose.

Na anemia ferropriva há heterogeneidade do tamanho das hemácias, resultando em anemia microcítica com RDW elevado,
ao contrário de outras anemias microcíticas, como a talassemia, em que as células são uniformemente pequenas. A ferritina
sérica reflete o estoque de ferro no organismo e pode elevar-se falsamente na vigência de processo infeccioso, por se tratar
de uma proteína de “fase aguda”. Casos complexos ou de má resposta terapêutica podem exigir ampliação da propedêutica,
com realização de exames mais específicos, como:

 Contagem de reticulócitos: normal, mas pode estar elevada. Pode ter aumento de plaquetas (efeito inespecífico da
eritropoietina).
 Dosagem do ferro sérico: é pouco específica para o diagnóstico, pois só se altera em estágios avançados de anemia.
 Capacidade de ligação do ferro (CLF): seu aumento é consequencia da deficiência de ferro.
 Índice de saturação da transferrina (IST): calcula pela divisão da ([Fe sérico]/ CLF) x 100. É mais específica que os
componentes isolados. Reduz nas doenças inflamatórias e deficiência de ferro.
 Protoporfirina eritrocitária livre (PEL): é a penúltima etapa na biossíntese do heme. Na ferropenia há quantidade
insuficiente de ferro para se combinar com a protoporfirina e formar o grupo heme da hemoglobina; causando acúmulo
de protoporfirina livre nas células vermelhas.
 Receptores da transferrina: mede as necessidades teciduais de ferro. Aumenta quando as células precisam de mais
ferro. O receptor permite que as células retirem ferro do composto ferro-transferrina sérico, e seu aumento antecede
o aparecimento da anemia.
 A curva de resistência globular osmótica está desviada para a esquerda, demonstrando aumento da resistência à lise
osmótica nos casos de anemia ferropriva.
 Exame da medula óssea: sua punção pode mostrar hiperplasia eritroide com predominância de normoblastos ou
microeritroblastos policromatófilos, porém só é feita em casos extremos (dificuldade no DDX com outras entidades).
 Nível de hemoglobina no reticulócito (CHr): forte preditor da deficiência de ferro na anemia.

A avaliação clínica não é suficiente para detecção de casos precocemente, uma vez que os sinais clínicos se tornam visíveis
apenas depois da condição instalada ou quadro de deficiência já intenso, com consequências graves e de longa duração

Sinais clínicos trazidos pelo consenso: redução da acidez gástrica, gastrite atrófica, sangramento da mucosa intestinal,
irritabilidade, distúrbios de conduta e percepção, distúrbio psicomotor, inibição da capacidade bactericida dos neutrófilos,
diminuição de linfócitos T, diminuição da capacidade de trabalho e da tolerância a exercícios, palidez da face, das palmas das
mãos e das mucosas conjuntival e oral, respiração ofegante, astenia e algia em membros inferiores, unhas quebradiças e rugosas
e estomatite angular.

Os sinais e sintomas mais frequentemente são:

 Palidez cutâneo-mucosa,  Dificuldade para realizar  Dificuldade na


 Apatia, atividade física, termorregulação,
 Adinamia,  Fraqueza muscular,  Fadiga crônica,
 Dispneia,  Intolerâncias aos exercícios,  Inapetência,

 Prejuízo do desenvolvimento físico.

É comum a perversão do apetite (geofagia ou compulsão por comer gelo, sabão, espuma de colchão ou cabelo). Ao exame físico
podem ser notadas palidez cutâneo-mucosa e glossite (hiperemia e perda das papilas linguais). Dependendo da intensidade da
anemia, podem-se observar sopros cardíacos leves proto/ mesossistólicos suaves, sem irradiação, decorrentes do estado
hiperdinâmico da circulação sanguínea e esplenomegalia (até 3 cm abaixo do rebordo costal esquerdo).
Manifestações não hematológicas são: redução da capacidade de atenção, déficits psicomotores e comportamentais e
alteração da função imune caracterizada por inibição da capacidade bactericida dos neutrófilos (gera maior susceptibilidade à
diarreia, doenças respiratórias e infecções, com prejuízo da imunidade mediada por células).

Pode alterar a neurotransmissão dopaminérgica, com redução do processo de mielinização, o que prejudica as funções
cognitivas. Crianças anêmicas apresentam um padrão consistente de atraso na aquisição da linguagem, da coordenação de
equilíbrio corpóreo e do desenvolvimento motor.

- Diagnóstico diferencial da deficiência de ferro:

A anemia ferropriva é a causa mais comum de anemia microcítica. É caracterizada pela redução do volume corpuscular médio
(VCM) e com frequência acompanha da redução da HCM e CHCM, caracterizando a presença de hipocromia associada. As outras
condições são: talassemias, anemia de doença crônica, anemia sideroblástica e envenenamento por chumbo.

- Fatores que influencia a absorção de ferro:

A quantidade de ferro fornecida na dieta depende de sua biodisponibilidade (disponibilidade de um nutriente aos processos
metabólicos e fisiológicos normais). As dietas são consideradas de alta biodisponibilidade (absorção > 19%), média
biodisponibilidade (11 a 18%) e baixa biodisponibilidade (5 a 10%), dependendo de sua composição (quantidade de carnes, ácido
ascórbico, fatores inibidores). A biodisponibilidade do ferro pode ser afetada pela concentração de ferro, fatores dietéticos,
forma química de ferro, interação do ferro com outros nutrientes e características individuais. Dentre as características do
indivíduo, influenciam na absorção do ferro os processos infecciosos, a inflamação, deficiência de vitamina A, deficiência de
riboflavina e, principalmente, o estado corporal de ferro.

O ferro heme contribua em 10 a 15% da ingestão de ferro, entretanto, é responsável por mais de 40% do ferro absorvido em
decorrência de sua melhor e mais uniforme absorção (15 a 35%). A absorção do ferro não heme é de 2 a 10%. A forma química
do ferro também influencia em sua absorção, por exemplo, o ferro ferroso e o ferro heme são mais bem absorvidos.

Fatores inibidores:
 Polifenóis: tem ação quelante do ferro na luz intestinal, diminuindo sua biodisponibilidade. Têm em vegetais, frutas,
alguns cereais e legumes, café, vinhos, chocolates e chás. Evitar o consumo deles horas após a ingestão de alimentos
ricos em ferro.
 Fitatos: tem em todas as plantas, cereais não refinados e legumes. Causa efeito dose-dependente a partir de
concentrações relativamente baixas (2 a 10 mg/refeição). Pode ser removido ou degradado durante o preparo e
processamento do alimento (moagem, aquecimento, germinação, fermentação, “deixar de molho”). Comer acido
ascórbico para neutralizar o efeito negativo.
 Cálcio: compromete a absorção tanto do ferro não heme quanto do heme, inibindo a captação de ferro pelos
enterócitos. O efeito inibidor do cálcio é limitado quando avaliado em conjunto com outros fatores inibidores e
facilitadores, mas é bom evitar o consumo de ambos simultaneamente.
 Caseína e proteínas de legumes: as que inibem são as proteínas do leite (caseína e soro), ovo, soja e albumina.

Lactentes que interrompem prematuramente o AM devem utilizar fórmulas lácteas infantis fortificadas com ferro para nutrição
e prevenção da deficiência de ferro. Por fatores culturais e socioeconômicos, algumas famílias não têm acesso e disponibilidade
de fórmulas, e substituem pelo leite de vaca que não apresenta o mesmo teor de ferro das fórmulas para o lactente, o maior
teor de cálcio e proteínas pode reduzir a biodisponibilidade do ferro.

Fatores facilitadores: O ácido ascórbico (principalmente em dietas vegetarianas) e o ácido cítrico melhoram a biodisponibilidade
do ferro, reduzindo-o de férrico para ferroso, além de seu efeito quelante.

O processamento industrial do alimento, o cozimento e a estocagem degradam o ácido ascórbico, inibindo seu efeito
estimulador. Para sua absorção, o ferro inorgânico deve estar oxidado (ferro ferroso, também é menos reativo com fitatos e
polifenóis). A absorção do ferro heme não está sujeita aos mesmos mecanismos regulatórios e fatores inibidores.

 A vitamina A e o betacaroteno formam um complexo com o ferro, mantendo-o solúvel na luz intestinal, e diminui o
efeito inibitório dos fitatos e polifenóis.
 O tecido muscular (carne, frango ou peixe) aumenta a absorção do ferro (30 g dele equivale a 25 mg de ácido
ascórbico), aumentando a absorção de ferro em duas a três vezes.
 Peptídeos liberados da digestão de proteínas se liguem ao ferro, formando complexos na luz intestinal, aumentando
sua solubilidade.

A principal absorção do ferro ocorre no duodeno, porém, tem sido demonstrada absorção de ferro no colo. Onde agem os
carboidratos não digeríveis (pectina, inulina, difructose anhydorate e oligofrutose), possivelmente pela diminuição do pH,
formação de complexos solúveis de ferro, redução do ferro férrico para ferroso pela flora intestinal, proliferação da área
absortiva no colo e aumento da proteínas absorvedoras de ferro.

- Prevenção:

Ações de educação alimentar e nutricional (EAN) preveem o estímulo ao acesso


universal à alimentação adequada, ao aleitamento materno exclusivo e prolongado, de
forma a aumentar o consumo de alimentos fontes de ferro, bem como de alimentos
que aumentam a biodisponibilidade e a absorção do ferro na introdução de alimentos
complementares.

A contraindicação de uso de leite de vaca in natura, não processado, em pó ou fluido


antes dos 12 meses (limitação de consumo de 500ml/dia após os 12 meses) é uma
estratégia protetora devendo ser continuamente incentivada.

Estilos de vida optantes por regimes de alimentação restritos para o uso de carnes e
alimentos fontes de ferro hemínico requerem igualmente acompanhamento nutricional
adequado, com apoio de nutricionistas especialistas para garantir o consumo adequado
de ferro e ou suplementação profilática sempre que necessário. As recomendações de
ingestão de ferro são apresentadas nas Dietary Reference Intakes (DRIs) e foram
desenvolvidas e calculadas pelo Institute of Medicine of the National Academies.

Entre as políticas nacionais que visam a prevenção da AF em crianças, tem a


fortificação de alimentos, adotada em consonância com a OMS e que visa abordagem
sustentável e custo-efetiva para a prevenção da AF, a estratégia NutriSus (oferta de sachês com 15 micronutrientes em pó para
acréscimo às preparações da criança na rotina escolar), e a fortificação da água potável com ferro. A ANVISA, autorizou a
fortificação das farinhas de trigo e milho com fumarato ferroso e sulfato ferroso (de boa disponibilidade) em 4 a 9 mg para cada
100g de farinha (RDC n° 150 de 2017).

Programa Nacional de Suplementação de Ferro – PNSF que atinge crianças de seis a 24 meses de idade (1mg/kg peso/dia),
gestantes e lactantes até o terceiro mês pós-parto com suplementação profilática com sulfato ferroso via oral. A recomendação
vigente da SBP orienta a suplementação profilática com dose de 1mg de ferro elementar/kg ao dia dos três aos 24 meses de
idade, independentemente do regime de aleitamento.

 Para lactentes nascidos pré-termo ou com baixo peso (menor de 1500g), a recomendação é de suplementação com
2mg/kg/dia a partir do 30º dia até os 12 meses.
 Para os prematuros com baixo peso (entre 1000g e 1500g) a recomendação de suplementação é de 3mg/kg/dia até os
12 meses;
 Para recém-nascidos com menos de 1000g, de 4mg/kg/dia.

Após o 1º ano de vida, a suplementação em todos os casos reduz-se para a dose de 1mg/kg/dia por mais 12 meses. A dose de
suplementação profilática com ferro elementar recomendada é diferenciada (30mg/ dia) para crianças entre 2 e 12 anos
residentes em regiões com prevalência de anemia ferropriva superior a 40%. Essa suplementação é suficiente para elevar a
concentração de hemoglobina e estoques de ferro, contribuindo para a redução do risco de anemia.

Para gestantes, a recomendação profilática é de 40mg/dia de ferro elementar para mulheres não anêmicas, 60-120mg/dia para
gestantes com anemia, por mínimo de 60 dias.

É importante também ações no escopo da atenção básica à saúde para a prevenção e controle da anemia (como o controle de
doenças infecciosas e parasitárias, ampliação da rede de saneamento básico e higiene pessoal, bem como acesso a água
tratada), bem como ações voltadas para a saúde reprodutiva da mulher, como a prevenção da gravidez na adolescência,
planejamento familiar, estímulo ao acompanhamento nutricional no pré-natal precoce, acesso a cuidados perinatais e pós-natal
(clampeamento adequado do cordão umbilical, prevenção de hemorragia pós-parto e intervalo Inter gestacional maior que 18
meses).

‘- Tratamento:

O tratamento da anemia ferropriva é pautado na orientação nutricional para o consumo de alimentos fonte, e reposição de
ferro - por via oral - com dose terapêutica de 3 a 5 mg/kg/dia de ferro elementar para crianças por mínimo de oito semanas.

A suplementação deve ser continuada visando a reposição dos estoques de ferro, o que varia entre dois a seis meses ou até
obtenção de ferritina sérica maior que 15μg/dL 2, (ressalvando a importância de que o valor alcance os valores esperados entre
30 e 300μg/dL).

Dentre os diversos tipos de sais de ferro disponíveis para a suplementação destacam-se o sulfato ferroso, o fumarato ferroso e
o gluconato ferroso. Os sais de ferro são eficazes na correção da hemoglobina e reposição dos estoques de ferro, apresentam
baixo custo e a rápida absorção (difusão ativa e passiva, no duodeno).

Deve ter cautela quanto ao excesso de dosagem, uma vez que a oxidação do ferro ferroso gera radicais livres, e a absorção do
ferro excessiva eleva a saturação da transferrina e o ferro livre no plasma, tóxico para o metabolismo. Por sofrer influência dos
componentes dietéticos, a suplementação com sais de ferro deve ser realizada longe das refeições, recomendando-se a
tomada em jejum, 1h antes das refeições ou antes de dormir.

A adesão ao tratamento com sais ferrosos é geralmente baixa devido aos sintomas adversos frequentes (35% a 55%) e típicos
da suplementação, como náuseas, vômitos, gosto metálico, pirose, dispepsia, plenitude ou desconforto abdominal, diarreia e
obstipação. Assim, a dose ideal torna-se a dose tolerada pelo paciente. Apesar disto, o sulfato ferroso ainda é o composto de
escolha pelo MS para os programas de suplementação no SUS, o que se reflete em potencial abandono do tratamento ou da
profilaxia. Efeitos adversos: cor preta das fezes, manchas escuras nos dentes e distúrbios gastrintestinais (náuseas, vômitos,
diarreia, dor epigástrica, cólicas e constipação intestinal). A redução da dose diária ou administração imediatamente após as
refeições pode diminuí-los. Ingerir com água ou suco de frutas cítricas pode impedir ou mascarar o gosto e a formação de
manchas nos dentes.
Há também os sais férricos e aminoquelatos - ferro polimaltosado, ferro aminoquelado, EDTA e ferro carbonila:

 Com melhor perfil de adesão, por padrão de absorção mais lento e fisiologicamente controlado (tx de absorção de
50%), por não sofrerem alterações com a dieta (pode tomar durante ou após as refeições), e por provocarem menos
efeitos adversos (10% a 15%).
 Os sais férricos apresentam eficácia semelhante aos ferrosos quanto à correção da anemia ferropriva. O ferro quelato
tem alta biodisponibilidade (a união do ferro ao aminoácido impede a formação de compostos insolúveis), não é
prejudicado por fatores inibidores da dieta e não é exposto diretamente à mucosa intestinal (reduzindo os riscos de
toxicidade local e de efeitos adversos), apresentando as mesmas vantagens do uso dos sais férricos.
 O ferro carbonila é a alternativa mais abundante em teor de ferro elementar (98%), com boa disponibilidade e
efetividade, e menor taxa de efeitos adversos em relação aos sais ferrosos, porém mais do que os outros sais férricos.
Pode ter sua absorção diminuída por componentes da dieta, devendo ser administrado em jejum. Apesar da absorção
lenta e controlada, todas as alternativas mencionadas requerem maior tempo de tratamento e de apresentar custo
para o paciente, uma vez que ainda não são distribuídos gratuitamente na rede pública. Assim, a família deve ser
educada quanto à importância da adesão ao tratamento.

Além da suplementação de ferro via oral, a reposição parenteral de ferro é recomendada em casos excepcionais como os de
hospitalização por anemia grave após falha terapêutica do tratamento oral, necessidade de reposição de ferro por perdas
sanguíneas, doenças inflamatórias intestinais, quimioterapia ou diálise ou após cirurgias gástricas com acometimento do
intestino delgado, devendo sempre ser solicitada avaliação de especialista experiente para uso prévio.

O planejamento deve ser pautado na confirmação diagnóstica e identificação da etiologia da anemia, seguida pela correção da
causa primária, suplementação com ferro oral (dose de 3 a 5mg de ferro elementar/kg/dia, fracionado ou em dose única, antes
das refeições, por 3 a 6 meses) e confirmação do sucesso terapêutico.

 A dose de ferro depende do sal utilizado na suplementação, e sua escolha deve ser pautada nos padrões de absorção
de cada sal, no grau de resposta em relação ao tempo, e na menor ocorrência de efeitos colaterais (sugere-se
prioritariamente o uso de sais quelatos-bisglicinatos ou ferro polimaltosado, inclusive nos programas de suplementação
profilática da rede pública, visando a redução dos efeitos colaterais que causam a baixa adesão ao programa).
 O sulfato ferroso poderia ser a escolha dentre as opções na inexistência de sais férricos, monitorando-se a adesão ao
programa, pela grande quantidade de ocorrência de efeitos colaterais, mesmo em doses baixas. As ações
governamentais de modificar a palatabilidade dos sais distribuídos na rede pública de saúde melhoram a aceitação,
mas não implicam em menores efeitos colaterais.

A monitorização do quadro deve ser realizada pelos parâmetros laboratoriais de reticulócitos, hemograma completo a cada 30
a 60 dias, e dosagem de marcadores do estoque de ferro-ferritina, com 30 e 90 dias; sendo que o tratamento deve durar até a
reposição dos estoques de ferro, quase sempre por volta dos seis meses de tratamento.

A orientação nutricional se baseia no estímulo ao AME nos primeiros seis meses de vida e ao aleitamento complementar até os
dois anos, orientação adequada da IA complementar e contraindicação do consumo de leite e derivados e outros fatores
antinutricionais junto às refeições da criança com anemia. É recomendado o trabalho de educação alimentar e nutricional,
aconselhamento dietético em parceria com o profissional nutricionista e/ou produção de manual de orientação dietética
subsidiado por classes e órgãos científicos, com orientações práticas. Cuidados especiais devem ser realizados com grupos de
risco para deficiência, como vegetarianos.

A criança menor de um ano que recebe leite de vaca in natura ou fórmula inadequada se enquadra em situação de risco
nutricional para anemia ferropriva e deve ser avaliada precocemente quanto à necessidade de suplementação. A SBP
recomenda não utilizar o leite de vaca sem modificações antes do primeiro ano de vida. É recomendada a produção de fórmula
láctea genérica, com características CODEX, porém com a utilização de sais de ferro adequados, de boa disponibilidade e menor
custo (ou subsidiadas).

O pediatra deve estar atento a importância da anemia no país, com cuidado intenso para evitar a ocorrência de deficiência de
ferro mesmo em fases iniciais, prevenindo as consequências de longo prazo desta carência. Cabe ao profissional de saúde
conscientizar a população e os pacientes da importância da profilaxia e tratamento adequado, assim como a
autoconscientização dos efeitos a longo prazo que a deficiência de ferro ocasiona. Daí o lema: anemia ferropriva, mais do que
uma doença, uma urgência médica.
Desnutrição energético-proteica (DEP):

Pode ser considerada um desbalanço celular entre o suprimento de nutrientes (macro e micro) e a demanda do organismo para
assegurar sua manutenção, crescimento e funções metabólicas. Pode ser classificada como:

 Primária: há oferta insuficiente de nutrientes por determinado período. Tem que ser considerada uma entidade
multifatorial, envolvendo aspectos de natureza médica e social. Isso torna seu diagnóstico e tratamento mais
complexos.
 Secundária: associada a outras doenças ou situações (fibrose cística, cardiopatia congênita...). Surge por perda anormal
de nutrientes, aumento do gasto energético e/ou diminuição da ingestão alimentar.

Sua prevalência teve significativa redução em vários países incluindo Brasil. A PNDS
2006 mostrou que houve declínio expressivo na frequência de déficit de peso/idade,
peso/altura e altura/idade em crianças menores de 5 anos em todas as regiões do
Brasil. A queda foi menos expressiva na Região Norte.

Entretanto, até mesmo a forma 1ª pode ser encontrada em bolsões de pobreza


urbanos das regiões sudeste, sul e centro-oeste, grande parte da região Norte, no
semiárido nordestino e em pop indígenas. Já a forma 2ª é observada com frequência em unidades hospitalares. Estudo
multicêntrico conduzido com crianças abaixo de 5 anos internadas em hospitais gerais de ensino de capitais brasileiras
encontrou 16,3 e 30% de comprometimento (escore z inferior a -2) dos indicadores peso/ estatura e estatura/idade,
respectivamente.

A letalidade é elevada em crianças que apresentam formas graves de desnutrição. Visando a reduzir esses elevados índices, em
1999, a OMS publicou um guia de conduta para o tratamento de crianças desnutridas hospitalizadas. Instituições que adotaram
o referido protocolo conseguiram reduzir de forma significativa a mortalidade em crianças com DEP moderado/grave.

Estudo realizado em Centro de Referência para tratamento de desnutrição na região Sudeste avaliou a eficácia do protocolo da
OMS com algumas adaptações em relação ao tipo de dieta utilizada (uso de fórmulas industrializadas isentas de lactose para a
fase de estabilização e com baixo teor de lactose na fase de recuperação nutricional). Os autores descreveram resultados
bastante animadores em relação à letalidade, que foi inferior a 2%, e melhora na relação peso/estatura em 92,2% das crianças,
com um tempo médio de internação de 17 dias.

- Fisiopatologia:

A DEP leva a uma série de alterações sistêmicas, resultado, em última instância, das adaptações fisiológicas do organismo à
menor disponibilidade de nutrientes para a célula. A criança portadora de DEP vive em tênue equilíbrio, muito próximo do
colapso.

As repercussões da DEP que acontecem em curto prazo podem prejudicar o equilíbrio metabólico, funcionamento de órgãos e
sistemas que, de forma direta, aumentam a mortalidade e exigem ajustes da terapia nutricional para que se consigam atingir as
metas para recuperação. Em longo prazo, pode haver prejuízo do crescimento, desenvolvimento neuropsicomotor e aumento
do risco futuro para desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. Quanto maior a gravidade da DEP, mais intensas
serão suas repercussões metabólicas.
Há duas formas clínicas de DEP grave conhecidas: marasmo e kwashiorkor; pode ter a forma mista: kwashiorkor-marasmático.
Não se sabe os fatores que levam a evolução para uma ou outra. Entretanto, as crianças marasmáticas têm melhor resposta de
fase aguda na vigência de processos infecciosos em comparação com as de kwarshiorkor (risco de mortalidade maior).

- Diagnóstico: A OMS disponibilizou em 2009 publicação que recomenda os critérios de triagem que estariam fortemente
relacionados ao diagnóstico de DEP grave em crianças de 6 meses a 5 anos, utilizando como referencial o proposto pela OMS,
2009.

Marasmo:

Acomete com mais frequência lactentes jovens. São características baixa atividade, pequeno para a idade, com membros
delgados, em razão da atrofia muscular e subcutânea, com desaparecimento da bola de Bichat (último depósito de gordura a ser
consumido, localizado na região malar), que favorece o aspecto envelhecido (fácies senil ou simiesca), costelas visíveis e nádegas
atróficas. O abdome pode ser globoso e raramente observa-se hepatomegalia. Os cabelos são finos e escassos, e o
comportamento, apático.

Kwashiorkor:

Clinicamente tem alterações de pele (lesões hipocrômicas ao lado de hipercrômicas, com descamação), alterações dos cabelos
(textura, coloração e facilidade em se soltar do couro cabeludo), hepatomegalia (decorrente de esteatose), ascite, face de lua
(edema de face), hipoalbuminemia e/ou anasarca.

Em geral, acomete crianças mais velhas (acima de 2 anos) e pode cursar com apatia e/ou irritabilidade. A causa do edema na
forma kwashiorkor é multifatorial e relaciona-se com aumento da permeabilidade endotelial, extravasamento de líquido e
proteínas para o terceiro espaço. Alguns dos mecanismos são:

 Prejuízo do funcionamento da bomba de sódio e potássio: por redução da disponibilidade de adenosinatrifosfato (ATP).
O funcionamento ineficaz da bomba Na-K leva a alteração do equilíbrio eletrolítico, com aumento do sódio intracelular
e corporal total e edema celular;
 Redução da síntese e extravasamento de albumina para o terceiro espaço: aumento da permeabilidade endotelial com
escape de albumina e água para terceiro espaço;
 Aumento da secreção do hormônio antidiurético: em associação com o prejuízo do funcionamento da bomba de Na-K,
há alteração do equilíbrio hidroeletrolítico;
 Elevação nas concentrações de citocinas pró-inflamatórias que atuam diretamente no endotélio e elevam a
permeabilidade;
 Exacerbação do estresse oxidativo (EOx): trata-se de um desbalanço entre a produção e neutralização de radicais livres
(RL) produzidos durante os processos metabólicos e oxidativos celulares. Os RL podem afetar qualquer molécula,
contudo, graças ao fenômeno da peroxidação lipídica, as membranas celulares, especialmente do endotélio, são as
mais danificadas. A perda da integridade endotelial leva ao extravasamento de proteínas (albumina) e líquidos para o
espaço intersticial, resultando em edema clínico.

Os antioxidantes transformam os RL em espécies menos reativas, limitando seus efeitos tóxicos. O sistema antioxidante pode
ser dividido em dois grupos:

 Enzimáticos: incluem uma série de enzimas produzidas pelo fígado, como a superóxido dismutase, catalase e glutationa
peroxidase. Essas enzimas requerem alguns oligoelementos como cofatores para sua máxima eficiência, incluindo
selênio, ferro, cobre, zinco e manganês.
 Não enzimáticos: incluem algumas vitaminas e oligoelementos, como vitamina E, A, C e selênio.

Sabe-se que em crianças com forma kwashiorkor de DEP há prejuízo da defesa antioxidante enzimática e não enzimática,
favorecendo o ataque de RL ao endotélio, com consequente aumento da permeabilidade, extravasamento de líquido para
terceiro espaço e edema clínico.

- Tratamento:

O tratamento da DEP grave pode ser dividido em duas fases.

1. Ocorre dentro do hospital e envolve dois momentos:


 Fase inicial de estabilização
 Fase de reabilitação, quando a criança já apresenta condições clínicas de iniciar sua recuperação nutricional.
2. Após a alta hospitalar, ainda é necessária uma assistência multidisciplinar criteriosa e frequente. Deve-se levar em
conta que crianças que apresentem DEP secundária por vezes não conseguem atingir as metas de recuperação
nutricional do desnutrido primário.

É sugestão da própria OMS que as recomendações gerais para tratamento de DEP (marasmo e kwashiorkor) devam ser seguidas,
mas pode ter adaptações dependendo das características particulares dos centros que prestam assistência. O importante é
considerar que as crianças com DEP grave apresentam características metabólicas que as diferenciam de crianças eutróficas e
que o conhecimento delas é fundamental para o sucesso da recuperação clínica, nutricional e para a redução de mortalidade.

Tratamento hospitalar:

Está indicado quando há descompensação metabólica, hidroeletrolítica, infecciosa, instabilidade hemodinâmica, anemia grave
e/ou hipotermia. Tendo em vista a necessidade de atualização e adequada capacitação na assistência a crianças gravemente
desnutridas, a OMS defende a utilização de um protocolo com
essa finalidade. Fase de estabilização ou fase inicial: identificação e
tratamento de fatores que podem levar à descompensação
da criança desnutrida, tratamento de infecções, correção de
A OMS propôs 10 passos para o cumprimento das metas do distúrbios metabólicos e deficiências nutricionais, para que
tratamento da criança com DEP grave: se possa iniciar a recuperação nutricional;

1. Hipoglicemia: glicemia sérica < 54 mg/dL. Causa importante Fase de reabilitação ou de crescimento rápido: fase
de mortalidade nos primeiros dias. Os sinais clássicos de intensiva de recuperação nutricional, reabilitação física e
palidez, hipotermia, sudorese e perda de consciência nem emocional, com participação da família;
sempre estão presentes. Se houver suspeita clínica sem
comprovação laboratorial, tratar como tal. Após o tratamento, Seguimento ou acompanhamento: após a alta, a criança e
reiniciar a dieta em intervalos não superiores a três horas, sua família devem ser acompanhadas, para evitar recidivas
incluindo o período noturno: e otimizar ao máximo o crescimento e o desenvolvimento.

 Criança consciente: oferecer 50 mL de solução de


glicose a 10%, via oral, ou a própria dieta;
 Criança inconsciente ou com convulsões: 5 mL/kg de solução de glicose a 10% por via endovenosa ou 50 mL de glicose a
10% por sonda nasogástrica.

2. Hipotermia: temperatura axilar < 35°C. O atendimento da criança deve ser feito, se possível, em sala com temperatura
adequada (25 a 30° C), com a criança protegida. Se hipotermia, providenciar imediatamente o aquecimento (contato com o
corpo, cobertores, roupas).

3. Desidratação (sem choque): os sinais de desidratação na criança desnutrida são mais difíceis de serem avaliados, em virtude
da escassez de tecido celular subcutâneo. Por isso, sinais clínicos diretos, como FC, débito urinário e peso, são muito
importantes.

 Hidratação por via oral: sempre que possível com solução apropriada, contendo menor quantidade de sódio, maior de
potássio, acrescida de micronutrientes – ReSoMal. Iniciar com 5 mL/kg a cada 30 minutos por 2 horas, seguidos de 5 a
10 mL/kg, com reavaliações a cada hora – com cerca de 70 a 100 mL/ kg de ReSoMal. A dieta deve ser reiniciada no
máximo 2 a 3 horas após o início do processo de hidratação. Há, ainda, a possibilidade de adaptação do soro de
reidratação oral convencional: 1 pacote diluído em 2 litros de água, acrescido de 50 g de sacarose (25 g/L) e 40 mL da
solução de eletrólitos e minerais da OMS;
 Hidratação intravenosa: deve ser instituída na impossibilidade da oral ou em crianças gravemente desidratadas (sem
choque). Utilizar 30 mL/kg de soro glicofisiológico ao meio (0,45 mEq/L de sódio) em 2 horas, podendo repetir, se
necessário. Sempre que possível, retornar para a via oral.

4. Distúrbios hidreletrolíticos e acidosbásicos: os mais comuns são os relacionados aos íons intracelulares (hipopotassemia,
hipomagnesemia e hipofosfatemia). A reposição deve ocorrer por 5 dias a 2 semanas após a normalização dos níveis séricos.
Importante lembrar que, por causa da falência da bomba de sódio e potássio, o nível sérico de sódio é mais baixo na criança
desnutrida, e a reposição deve ser feita de forma criteriosa e lenta, se os valores forem inferiores a 120 mEq/L. A acidose
metabólica (pH sanguíneo inferior a 7,1) e o bicarbonato plasmático menor que 10 mEq/L devem ser corrigidos.

5. Infecções: por segurança, deve ser encarada como imunodeprimida. Não apresenta sinais clínicos clássicos de infecção, como
a febre, por isso o uso precoce de antibioticoterapia deve ser considerado, ao mesmo tempo em que se investiga o foco,
utilizando os recursos disponíveis no local de atendimento. Verificar e atualizar a carteira de vacinação.

6. Terapia nutricional: deve ser planejada em duas fases: inicial ou estabilização e de crescimento rápido ou recuperação. A
OMS propõe a utilização de fórmulas artesanais preparadas com leite de vaca em diluição apropriada com acréscimo de óleo
vegetal, açúcar, solução de eletrólitos e minerais e vitaminas na forma de mix acrescido à dieta ou na forma de medicamentos.
As fórmulas industrializadas isentas de lactose e com baixo teor de lactose podem ser utilizadas nas fases de estabilização e
reabilitação, respectivamente.

 Fase de estabilização (1 a 7 dias, crianças com descompensação clínica ou infecciosa): podem ser utilizados volumes
progressivos da fórmula inicial ou fórmulas infantis dietoterápicas isentas de lactose, disponíveis no mercado. O uso de
fórmulas infantis hidrolisadas deve ser considerado em situações disabsortivas graves decorrentes de intolerância à
proteína do leite de vaca ou em quadros de sepse. Considerar o uso de sondas se a ingestão energética for inferior ao
gasto energético basal estimado (lactente – 55 kcal/kg);
 Fase de reabilitação: a criança encontra-se estável e o objetivo é a recuperação nutricional. Dessa forma, ela deve
receber 1,5 a 2 vezes a recomendação de nutrientes para sua idade, quando lactente. Nesta fase, pode-se utilizar a
fórmula para crescimento rápido da OMS ou fórmulas infantis com menor oferta de lactose disponíveis no mercado.
Pode-se optar pelo acréscimo de módulos à dieta: carboidratos (preferencialmente polímeros de glicose máximo de
5%) e/ou lipídios (óleo vegetal máximo de 3%).
7. Reposição de micronutrientes: recomenda-se a suplementação, na fase de recuperação nutricional, de micronutrientes
(zinco, cobre, ácido fólico, vitamina A e ferro) em crianças com DEP. Importante não apenas visando à recuperação nutricional,
mas também à melhora do sistema imunológico e à redução do estresse oxidativo. A megadose de vitamina A deve ser feita
somente em regiões onde a prevalência de deficiência é alta. Em estudo recente citam a importância da utilização de dietas com
menor osmolaridade na fase de estabilização, especialmente em crianças com HIV e diarreia; no caso de choque hipovolêmico, a
preferência pelo uso de Ringer lactato na reanimação hídrica, com concomitante monitoramento para hipervolemia e
sobrecarga cardíaca; e a monitoração, com consequente maior preocupação com a reposição de fósforo.

8. Monitoração da terapia nutricional instituída: o acompanhamento dos parâmetros clínicos e metabólicos é de fundamental
importância para o êxito do tratamento. O incremento diário de peso é um bom parâmetro de evolução favorável ou não da
terapia nutricional instituída. Considera-se 5 g/kg/ dia o ganho mínimo para lactentes com DEP em recuperação.

9. Estimulação (sensorial, emocional e do desenvolvimento): o processo de estimulação deve ser planejado em consonância
com as condições clínicas do paciente. O envolvimento e a participação ativa da mãe e o atendimento por parte de equipe
interprofissional torna-se fundamental para a recuperação global da criança gravemente desnutrida.

10. O acolhimento da mãe pela equipe e a postura de não elevar os sentimentos de culpa pela situação de desnutrição do
filho são parte importante da abordagem terapêutica. Quando o vínculo mãe-filho está comprometido, a mãe é tão vítima do
processo quanto a criança. A boa relação entre o binômio implica trocas afetivas e, para tanto, é necessário que a mãe exerça
bem seu papel materno, que é influenciado por vários fatores (história de vida, os cuidados e afetos recebidos de seus pais, a
qualidade da relação conjugal e a dinâmica familiar).

A atuação integrada da equipe de saúde mental e estimulação é fundamental, devendo se iniciar pelo apoio e conscientização
da mãe. Durante a hospitalização, prioriza-se o contato mãe-filho por toques e massagens que devem ser desenvolvidos,
preferencialmente pela mãe, sob supervisão de um profissional. No processo educativo realizado pela equipe, é importante a
educação nutricional e os cuidados de higiene pessoal e ambiental (água, alimentos e higiene de utensílios utilizados no preparo
e administração de alimentos). Salienta-se a grande quantidade de coliformes fecais nas mamadeiras, constituindo, assim, mais
uma fonte de contaminação de leites, chás, sucos e água oferecidos à criança. Utensílios e água contaminados favorecem o
sobrecrescimento bacteriano e o consequente desenvolvimento de enteropatia ambiental, que pode comprometer o processo
de recuperação nutricional pelo agravamento da má absorção de nutrientes e possibilidade de infecção. Assim, a educação
nutricional deve abordar com ênfase as questões de higiene.

O trabalho de estimulação deve ser progressivamente implementado com a melhora clínica, podendo ser realizado de forma
individual ou grupal, com o envolvimento da mãe, para que ela possa praticar no domicílio.

Terapia em hospital-dia:

Centro de recuperação Nutricional: é uma estrutura simples que respeita a organização social da comunidade, com a presença
das mães e uma dieta baseada nos alimentos disponíveis na região e com menor custo possível, funcionando de 8-10h/dia, 5-6
dias/semana, com capacidade para 30 crianças.

Esses Centros de Recuperação e Educação Nutricional (CREN) tem estrutura física semelhante aos da década de 1970, mas não
os mesmos objetivos (não só a normalização dos índices de peso para estatura, mas também a recuperação da estatura). O
tempo de tratamento que, em média, era de quatro meses, passa a ser mais longo, em função de uma abordagem mais ampla
da criança e da família. Os CREN, pautados em um contexto social, têm os seguintes objetivos:

 Promover a recuperação nutricional efetiva de lactentes e pré-escolares com desnutrição primária;


 Prevenir a ocorrência de enfermidades;
 Diagnosticar e tratar as intercorrências de saúde;
 Promover o desenvolvimento da criança como um todo;
 Realizar trabalho educativo globalizante entre os familiares e responsáveis pela criança desnutrida, de modo a acelerar
o processo de recuperação, evitar recaídas quando da alta e prevenir a ocorrência de novos casos de desnutrição
energético-proteica na família;
 Fortalecer ou capacitar a mãe/responsável na identificação e busca de soluções para suas dificuldades;
 Incrementar a relação mãe/responsável e criança;
 Diagnosticar e corrigir hábitos alimentares inadequados da mãe/responsável e da criança;
 Facilitar o acesso das famílias mais carentes aos recursos sociais disponíveis na região, ajudando-as, ainda, a equacionar
as dificuldades em que se encontram.

Precisa de equipe multidisciplinar com pediatra, nutricionista, assistente social, psicólogo, pedagogo, enfermeira e equipe
auxiliar/administrativa.

A criança desnutrida de até 72 meses de idade, em sua forma moderada ou grave (escore Z inferior a -2 DP da média do padrão
de referência NCHS), tanto em peso como em estatura para idade, que não apresente intercorrências infecciosas que
demandem tratamento hospitalar, teria indicação de internação nesses centros.

Esse paciente pode ser encaminhado pelo hospital terciário, pelas UBS, pelo PSF ou por intermédio de busca ativa, por meio de
censos antropométricos que se realizam após contato com a liderança local nas comunidades que mais experimentam a
exclusão social.

A criança permanece no Centro por dez horas em todos os dias úteis da semana e recebe cuidados de higiene, tratamento de
infecções e suplementação de micronutrientes, cinco refeições (com receituário-padrão contemplando 80% das necessidades
energéticas e mais de 100% das necessidades proteicas), realiza atividades lúdicas e educativas, participa de oficinas sempre
com temas transversais, e a família é acolhida em suas dificuldades pelo serviço social e pelo psicólogo.No Brasil, os Centros de
Recuperação ainda são iniciativas isoladas, geralmente vinculadas a Universidades e sem proposta clara como estratégia de
combate à desnutrição infantil nas políticas públicas.

Tratamento ambulatorial:

Destina-se a crianças que estão em processo de recuperação nutricional de formas graves da doença, provenientes de hospital
terciário e centros de recuperação nutricional ou encaminhados da rede pública, centros de educação infantil, PSF ou de censos
antropométricos realizados na comunidade, ainda nas formas leve e moderada.

A DEP, por ser de etiologia multifatorial, deve ser abordada por equipe interdisciplinar, com pediatra, preferencialmente
nutrólogo, nutricionista, psicólogo e assistente social + um serviço de referência, para encaminhar pacientes que necessitem de
exames subsidiários de métodos de imagem, exames de maior complexidade e avaliação de especialistas. Devem existir na
dinâmica dessa equipe momentos que propiciem a troca de informações, experiências vividas, bem como as dificuldades
encontradas por esses profissionais.

As crianças com DEP primária e suas famílias vivem, na maior parte das vezes, experiências de exclusão social, com difícil acesso
ao serviço de saúde e educação, seja pela ineficácia da estrutura existente, seja pela falta de significado que a DEP enfrenta nas
famílias em situação de pobreza. Efetuar busca ativa na comunidade, por intermédio de contatos com a liderança local, é papel
do serviço social dessa equipe, mapeando as comunidades mais carentes e de poucos recursos e realizando censos
antropométricos com a aferição de peso e estatura em local escolhido pela liderança, dentro da própria comunidade, com baixo
custo e de elevada operacionalidade. Isso ajuda a identificar as crianças com DEP, de qualquer forma clínica ou etiologia,
reconhecer recursos já existentes e fornecer outros necessários para que a família enfrente esse problema de saúde.

Após a identificação das crianças com DEP, as formas leve e moderada são encaminhadas ao atendimento ambulatorial, para
avaliação médica e nutricional. Anemia ferropriva, parasitoses intestinais, enteropatia ambiental, diarreias agudas e
persistentes são algumas das doenças frequentemente associadas à DEP. A suplementação de micronutrientes como vitaminas
e oligoelementos como ferro e zinco é habitualmente realizada.

No atendimento nutricional, falar sobre os hábitos alimentares da criança e da família, com diagnóstico quantitativo e
qualitativo da ingestão dos nutrientes e da ocorrência de erros alimentares. Educação nutricional, com melhor aproveitamento
dos alimentos e dos recursos de que essa família dispõe, é a estratégia utilizada no momento da consulta, com material visual de
fácil entendimento, pois muitas dessas mães têm baixo nível educacional; oficinas nas quais as mães preparam em cozinha
experimental receitas de baixo custo, alto valor nutricional e dividem experiências com relação ao tratamento de seus filhos.

O atendimento psicológico, em um primeiro momento, não tem caráter terapêutico, mas, sim, de diagnóstico das relações
familiares e do contexto emocional em que essa criança se encontra e de que forma isso afeta a gênese da DEP. Ele pode ser
exclusivamente com a mãe ou somente com a criança, mas são priorizados atendimentos de caráter lúdico e vivencial com os
dois, como oficinas em que mãe/cuidador, criança e psicólogo preparam uma receita simples em cozinha experimental e, nesse
cenário, podem-se reconhecer alguns aspectos importantes do binômio.

O profissional do serviço social desempenha papel importante nessa equipe, pois deve propiciar à mãe ou ao responsável pela
criança viver experiências que lhes permitam desenvolver suas potencialidades. A intervenção entre as famílias ocorre a partir
do estabelecimento do vínculo de confiança, que facilita a adesão ao tratamento e se desenvolve por meio de atividades
integradas: entrevista social, visita domiciliar, oficinas em cozinha experimental, cursos de capacitação profissional para
favorecer a inclusão no mercado de trabalho e outras estratégias que o serviço social utiliza, de acordo com as demandas dessa
família.

No Brasil a recuperação de crianças desnutridas em ambulatório foi baixa, sendo os melhores resultados em lactentes e
naqueles com maior déficit ponderoestatural. No entanto, quando se enfrenta a DEP com abordagem interdisciplinar, como
realizado em centros de referência, tem até 40% de recuperação nutricional em peso e estatura.

A recuperação nutricional em ambulatório, apesar do baixo custo, mostra-se mais lenta que a verificada em centros de
recuperação nutricional ou em hospitais, uma vez que cabe aos pais ou responsáveis pela criança a maior responsabilidade pelo
tratamento. A prevenção e o controle da DEP dependem de medidas mais amplas e eficientes de combate à pobreza e à fome e
políticas de inclusão social. No entanto, é responsabilidade dos profissionais de saúde o atendimento à criança e a adequada
orientação preventiva em comunidades ou UBS, que deve incluir:

 Orientação ao aleitamento materno exclusivo até o sexto mês;


 Orientação para a introdução de alimentos complementares adequados ao final do sexto mês de vida, com
manutenção do aleitamento materno até 2 anos ou mais;
 Vigilância sequencial do crescimento e desenvolvimento e anotações no Cartão da Criança;
 Orientações quanto à higiene no preparo de alimentos e de utensílios;
 Cuidados com a água, entre outros.

A prevenção da DEP é a melhor forma de atuação, visto que essa doença propicia alterações em curto e longo prazo, elevando a
morbidade e a mortalidade por doenças e piorando a qualidade de vida.

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