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Gilvan Ventura da Silva, Norma Musco Mendes (orgs.) et alii, 2006 ÍNDICE
Mauad Editora: Rua Joaquim Silva, 98, 5° andar INTRODUÇÃO: O IMPÉRIO ROMANO E Nós 13
Lapa - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 20241-110
Te!.: (21) 3479.7422 - Fax: (21) 3479.7400 Norberto Luiz Guarinello
www.mauad.com.br
CAPÍTULO I: O SISTEMA POLÍTICO DO PRINCIPADO 21
EDUFES: A~Fernando Ferrari, 514
Norma Musco Mendes
Vitória - ES - CEP: 29075-710
Te!.: (27) 3335.2370 CAPÍTULO 11: ECONOMIA ROMANA NO INÍCIO DO PRINCIPADO 53
Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni
Revisão:
CAPÍTULO IV: A SOCIEDADE ROMANA DO ALTO IMPÉRIO 85
Sandra Pássaro Ciro Flamarion Cardoso e Sônia Regina Rebel de Araújo
Etimologicamente, Res publica significa tudo aquilo que é público, que pode
ser o próprio Estado, sua constituição, o interesse comum. Os romanos não ti-
nham um nome específico para designar o seu sistema político; era simplesmente
equacionado com a própria comunidade e os seus interesses.
\
Res publica, quer dizer, "assunto da união de certo número de homens asso-
ciados por um consenso comum no direito e na comunhão de interesses" (Cic.
De Rep.1.2S). De acordo com esta concepção, as relações de mando e obediên-
cia eram centradas no domínio da lei emanada pelo princípio da soberania do
povo, algo que atribuía às leis um caráter divino e afastava o domínio do homem
sobre o homem. Os cidadãos obedeciam às leis criadas pela vontade política de
fazer do direito o meio de regular as relações humanas. Isto fica explícito quando
Cícero, nas Leis, discursa sobre a necessidade da autoridade, atribuindo-lhe o
caráter de presidir, de ordenar o que é justo, útil e de agir conforme a lei. Neste
sentido afirma:
do. Forma primeira da monarquia em Roma que se transformou ao longo do m sécu- Egito, porém sua posição de marido de Cleópatra e pai de seus filhos o tomava
lo em uma monarquia burocrática, o Dominato, conforme veremos mais adiante. príncipe consorte e procônsul ao mesmo tempo. Marco Antônio doou possessões
romanas no Oriente a Cleópatra e seus filhos. Este gesto era inconcebível para
um magistrado romano e feria o espírito republicano, afastando-o das tradições
Principado: Modelo Romano de Poder Pessoal
romanas. Portanto, a integração com o passado dos monarcas helenísticos colo-
cou Marco Antônio numa posição vulnerável, facilmente explorada por Otávio.
O processo de estruturação do Principado envolve a análise do posicionamento
Por outro lado, a posição do jovem herdeiro de César revelava o esforço de re-
das forças políticas antagônicas após a morte de Caio Júlio César.
conciliação com a tradição romana e italiana.
Evidentemente, os tiranicidas, após a morte do ditador, não conseguiram se
Atacando as atitudes de Marco Antônio no Oriente e enfatizando a ameaça de
apoderar das rédeas do governo.
orientalização de Roma, Otávio obteve a aderência da aristocracia romana e da
Em 44 a.C. as autoridades oficiais do Estado eram o cônsul sobrevivente Marco população da Itália. Tal situação foi muito conveniente. Em 32 a.c. seus poderes
Antônio e o comandante-em-chefe de cavalaria, M. Aemílio Lépido, que manti- de triúnviro, assim como os de Marco Antônio, terminariam. Era um momento
veram o controle do governo. No entanto, existia um outro homem, Otávio, so- decisivo, pois ambos retomariam à vida privada. Explorando a posição compro-
brinho e filho adotivo de César, designado por ele em testamento como seu her- metedora de Marco Antônio, Otávio pedia a unidade romana, se colocando como
deiro, que chegou em Roma em abril de 44 a.C. o defensor da tradição contra a ameaça de dominação Oriental. Para provar as
Sentia-se menosprezado por Marco Antônio e numa condição inferior, pois intenções de Marco Antônio, Otávio divulgou as chamadas Doações de Alexandria.
este acabara de adquirir o proconsulado nas Gálias Cisalpina e Transalpina, ao Ganhou a opinião pública e deflagrou verdadeiro golpe em Marco Antônio, que
passo que ele só tinha como prerrogativa o nome de César. Buscando apoio para lhe assegurou a sanção nacional e a manutenção do seu comando militar para
posicionar-se frente a Marco Antônio, Otávio aproximou-se de Cícero, famoso salvar Roma da ameaça do Leste. Uma espécie de plebiscito foi organizado sob a
líder da oligarquia senatorial e incansável defensor da República. forma de juramento de fidelidade e de obediência pessoal:
Cícero convenceu o Senado e o povo, através dos seus discursos designados
"...A Itália toda, espontaneamente jurou-me fidelidade e quis-me como
Filipicas, de que Marco Antônio era uma ameaça para a ordem republicana, tor-
chefe de guerra .... " (R.G.25).
nando-se urgente uma guerra "justa" contra ele, na qual a participação de Otávio
como herdeiro de parte do exército de César era bastante significativa. Pensou Este juramento também englobava as províncias do Ocidente. Otávio se tor-
encontrar em Otávio um aliado seguro para a causa senatorial. Porém, tal tentati- nou chefe de um "partido" e chefe da guerra contra um romano traidor, cujo
va fracassou com a aprovação pela Assembléia Tributa da Lei Titia, em 27 de momento decisivo foi a batalha de Ácio em 31 a.c.
novembro de 42 a.c., que transformava as negociações entre Otávio, Marco An- A versão oficial justifica esta guerra como justa, caracterizada como a defesa
tônio e Lépido num Triunvirato. da liberdade e da paz contra um soberano inimigo, romano degenerado que tenta-
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32 o SISTEMA PoL!TICO DO PRINCIPADO
REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
o conselho de Augusto a Tibério estaria relacionado aos efeitos da derrota de Os Flávios mantiveram os cargos destes funcionários estatais, substituindo os
Q.Varo e não ao fim da expansão militar romana.
libertos pelos cavaleiros.
"Do advento dos imperadores até os dias de hoje se passaram cerca Reforçou-se, também, a centralização em proveito do imperador através da
de mais de 200 anos, durante os quais a cidade foi muito embelezada, ampliação das atribuições do Conselho do Príncipe. Encarregado de juntamente
seus recursos ampliados e no longo reino de paz e segurança tudo foi com o imperador preparar as disposições que deveriam ser aprovadas pelo Sena-
direcionado para uma prosperidade duradoura. Algumas nações foram do, tornou-se a última instância em matéria criminal.
acrescentadas ao Império por estes imperadores, e as revoltas foram su- Nesta tendência de centralização administrativa paralela ao processo de abso-
primidas. Possuidores das melhores partes da terra e do mar, eles tive- lutismo imperial é importante analisarmos a questão da elaboração do direito.
ram como objetivo preservar seu Império pelo exercício da prudência,
Os senado consultas continuavam sendo as fontes essenciais do direito, po-
mais do que o expandir indefinidamente sobre as tribos bárbaras pobres rém era decisiva a intervenção imperial. Entretanto, na medida em que o poder
não lucrativas. " (Prefácio 7) imperial se fortalecia, a fonte primordial de direito passou a ser representada pelo
Esta passagem de Apiano, a concepção de imperium sinefine, a dinâmica das príncipe. Ou !!2elhor, passou a ser relacionada com a vontade do imperador. Em
relações de identidade e alteridade, conforme veremos mais adiante, nos leva a 160, o jurista Gaio definiu que o dito pelo imperador através de decreto - (deci-
sustentar a hipótese de que, de certa forma, os imperadores romanos tinham cons- são sobre matéria judicial que serviam pontos de referência) -; de um edito (re-
ciência do custo marginal da ação imperialista, em função do qual as conquistas gras que deveriam ser obedecidas durante o seu reinado e difundidas pelo Impé-
se restringiam às áreas, cujo desenvolvimento da complexidade social era sufici- rio) -; de uma cart~(respostas dadas às consultas de governadores funcionários
ente para justificar o custo da conquista e tornar possível a "missão civilizadora" sobre assunto específico) - o~ de man~ata - (instruções dadas aos governadores
de província) -, tinha força de lei.
de Roma. Os germanos não tinham cidades, viviam em aldeias, eram seminômades
e, ao sentirem-se ameaçados, fugiam para as florestas, transformando os confron- De acordo com o mencionado no início deste capítulo, a jurisprudência ad-
tos em desgastantes combates de guerrilhas. quiriu grande importância e ao seu lado os juristas profissionais, elevados ao
Ademais, a idéia de fim da conquista é frágil porque a linha administrativa de primeiro escalão da administração central, tiveram grande influência junto com
fronteira nunca inibiu os romanos de avançar por onde tivessem reais interesses, os imperadores na elaboração do direito e interpretação da lei.
como foi o caso, por exemplo, da anexação da Britânia, da Judéia, da Lícia, da A centralização do direito foi acompanhada de uma codificação. O imperador
Trácia, da Dácia, da Arábia e da região da Germânia de alto índice de produção Adriano, que possuía grande sentido de universalidade, mandou que o jurisconsulto
de alimentos e de possibilidade de existência de trocas comerciais (vide Quadro 2 Sálvio Juliano, em 130, recolhesse e codificasse os editos anteriores dos pretores.
- Cronologia do Território Conquistado). Formou-se o Édito Perpétuo, cuja utilização prática é evidente, fixando definiti-
Os sucessores de Augusto consolidaram o sistema administrativo, buscando vamente as regras do direito concernente à função da justiça. No futuro, somente
ampliar a centralização imperial. o imperador podia modificá-lo ou completá-Ia.
O corpo de funcionários imperiais, tidos como colaboradores diretos do prín- Tais procedimentos foram imprescindíveis para a unificação do mundo roma-
cipe, foi ampliado em número e em poder. no, e a influência do direito romano codificado se faz sentir até hoje.
Originários da casa do imperador, estes funcionários não tinham competência Em 18, Augusto foi investido pelo Senado da atribuição de velar pelos costu-
definida. O imperador Cláudio as definiu criando uma burocracia imperial para mes e pela lei (cura morum et legum), quer dizer o poder decensor. Isto lhe
cuidar da correspondência, arquivos, das investigações judiciais cujas causas possibilitou fazer uma s~gunda revisão no álbum senatorial, controlar os ingres-
deveriam ser analisadas pelo imperador e nos serviços financeiros. Nestas fun- sos nas ordens eqüestres e senatorial e emitir a nota censoria, ou seja, expulsar,
ções Cláudio empregou seus libertos, apesar da reprovação dos senadores. banir aqueles julgados transgressores da ordem e da moral romanas. Em virtude
do ~oder tribunício, podia vetar qualquer resolução do Senado e, depois de 23
a.c., recebeu o direito de reunir o Senado e a primazia na apresentação dos pro-
obtenção do comando militar superior e do exercício do poder trib~o, e em 12 as circunstâncias históricas surgidas com a criação do Império Romano, penetrar
a.c., após assumir o pontificado máximo, Augusto conseguiu exercer sobre to- numa moral, numa sociologia e numa religiosidade para explicarmos a forma
dos os institutos políticos do Estado uma soberania ilimitada. original que a monarquia adquiriu em Roma. No entanto, a passagem acima de
Indubitavelmente, Tácito tem razão em afirmar que Augusto, gradualmente, Floro, escritor do século Il, denota que se estruturou ao redor do princeps uma
_absorve.!Lasíunç~s do Senado, dos magistrados e das leis (Anais 1,2). ~ova identificação temporal, na medida em que toda a sua atuação política como
triúnviro e após a batalha de Ácio, em 31 a.c., contemplou as inquietações que
Portanto, numa dinâmica de novidades com permanência, criou-se um apare-
afligiam a sociedade romana e gigiam a restauraçãoda res publica e da grande-
lho de Estado que, além de valorizar o documento escrito, substituiu o contato
za de Roma ante as ameaças de orientalização encarnadas em Marco Antônio e
físico entre os cidadãos e entre estes e as instâncias de poder. Ademais, represen-
Cleópatra, conforme já mencionamos. À nova identidade política do princeps
tou o momento de criação de uma política sistemática de exploração e organiza-
como tutor de todo processo decisório civil e militar se aliou a idéia de início de
ção das regiões conquistadas, pondo fim ao amadorismo existente durante o go-
uma nova era, durante a qual Roma, pela vontade divina e providencial, havia
verno republicano.
sUperado um momento de caos dominado pelas guerras civis e estava destinada a
organizar e controlar o mundo conhecido.
Não houve uma clara demarcação entre a era Republicana e a era Imperial. A
admiração pelos heróis, pelas realizações e a sobrevivência dos ideais republica-
1,,1
i mos, interpretados por nós como estratégias de Romanização, os quais modela-
vam de várias formas a vida pública e privada, por meio de um conjunto
de estruturar o Principado num contexto republicano e minimizar o seu aspecto
político e militar, através de justificativas sagradas. Constituiu-se na essência das
multifacetado de dispoS'rtivos capazes de transmitir e impor a adoção do ideal de tensões e conflitos políticos do Principado, principalmente após o imperador Cláu-
ser romano, tais como: produção intelectual, formas de culto, práticas sociais, dio, quando a Libertas se tornou um conceito político usado para condenar a
educação, remodelação dos ambientes físicos, organização administrativa, insti- tirania dos imperadores considerados ruins pelo Senado e para dar suporte ao
tuições, surgimento de novos grupos sociais, construção dos marcos espaciais ideal de monarquia moderada nos moldes de Augusto. Esta questão foi intensifi-
urbanos e rurais, rede viária, organização militar. cada a partir de Nero, quando a divindade do imperador começa a ser debatida.
Neste contexto, o processo de Romanização se confundiu com a própria prá- No bojo desta problemática estava a ficção político-jurídica da natureza do
tica imperialista, e, talvez, a principal estratégia tenha sido a manutenção e cria- poder imperial, algo que se agravava nos momentos de sucessão dos imperadores.
ção dos distintos tipos de civitas. As civitates tiveram a função estruturante de Como assegurar a permanência do Principado após a morte de Augusto?
possibilitar a centralização político-administrativa para o gerenciamento do ex- A introdução de qualquer sistema sucessório que tivesse como dispositivo a
cedente produtivo, para a cooptação das elites nativas e para a divulgação da prática da hereditariedade seria certamente desaprovada pela opinião pública e
cidadania romana. A organização municipal viabilizou a integração, desenvol- incompatível com a idéia de restauração republicana. Nada impedia, entretanto,
vendo um sentimento de pertença, expressado pelo conceito de cidadania, algo que Augusto emitisse um voto, apontasse um candidato que tivesse condições de
que foi socialmente institucionalizado e moralmente construído, apesar das di- substituí-Io. Isto foi feito através da adoção e da associação parcial do escolhido
versidades regionais, sociais e culturais. ao poder imperial. A adoção não significava a introdução da monarquia hereditá-
Tornar-se cidadão romano era um aprendizado, demarcado por expectativas ria, pois era tradicionalmente conhecida pelas famílias romanas e não transfor-
de comportamentos singulares. Foi através da cidadania que os romanos construí- mava imediatamente o adotado em sucessor. A co-regência dava ao escolhido
ram a sua identificação étnica como um processo de comunicação cultural de um grande força perante a opinião pública, conferindo-lhe honras e dando-lhe a pos-
status jurídico e legal que careceu de um conceito baseado num centro étnico sibilidade de mostrar seus méritos.
comum. Foi caracterizada por uma identidade incompleta, expressada pela políti- O critério de adoção foi utilizado por Augusto na escolha de Tibério, filho de
ca da cidade, na qual o sentido de domínio se associava à vontade de integrar sua esposa Lívia, porque Agripa e seus netos Lúcio César e Caio César faleceram.
(GIARDINA, A. 1994:1ss). Assim, conforme afirma G. Woolf, "o imperialismo Tibério recebeu o comando militar superior e os poderes tribuno, pois era
romano pode ser interpretado como uma dominação étnica, um domínio exercido necessário demonstrar sua importância para o bem do Estado, transformando-o
IIIII!I
no segundo homem da comunidade. Assim, em 19 de agosto de 14, quando Augusto
12 Vide Mendes, N. M. e Ventura, G. da Silva. As representações do poder imperial em Roma morreu, Tibério já estava investido da essência do poder imperial. Bastava, ape-
entre o Principado e o Dominato. Dimensões. Revista de História da UFES, v. 16, 2004. nas, a confirmação do Senado e do povo para consagrar a observância das práti-
13 Mendes, N. M. As Relações Políticas entre o Princeps e o Populus Romanum através do cas republicanas. Todavia, Augusto não teve condições para estabelecer uma re-
"transcrito público" Hélade 2 (1) , 2001 :39-49 (www.heladeweb.com/volume2/numeroll nor-
gra estável para a sucessão imperial.
ma - musco - mendes. Htm).
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42 o SISTEMA POLÍTICO DO PRINCIPADO
REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
II1
Logo o relacionamento entre Tibério e o Senado se rompeu diante da atmosfe- Como delegar a Flávio Vespasiano'" a síntese dos poderes do príncipe do Se-
ra de intrigas e ameaça de conspiração, provocando, em 37, a sua morte. nado, pois ele não era nenhum patrício e nem romano? Os sucessores de Augusto
Aclamado pelo exército, Calígula viu confirmada sua designação pelo Se- ozaram de uma espécie de legitimidade oriunda do reflexo póstumo da sua auto-
nado e pelo povo. Tornou-se impossível o bom relacionamento com o Senado ;idade, pois, por adoção ou por nascimento, pertenciam a sua família.
diante de sua tendência tirânica e desmedida, querendo governar como um Vespasiano tinha ao seu lado apenas a vitória militar. A monarquia já era uma
monarca oriental, exaltando a ideologia helenística e buscando sua realidade, mas era preciso reafirmar a autoridade do princeps e evitar qualquer
autodeificação. Em 15 de janeiro de 41, os oficiais da guarda pretoriana o as- ação do Senado que pudesse obstruir as suas intenções e de seus adeptos. Isto
sassinaram. Com sua morte desaparecia a família dos Júlios. Porém, restava um parece ter sido o motivo da aprovação pelo Senado de um decreto que foi confir-
tio de Calígula, Cláudio, que os pretorianos se apressaram em aclamar, e o mado pelo povo, investindo todos os poderes vinculados ao comando superior
Senado investiu-lhe os poderes de príncipe. Ficava, assim, constituída a dinas- militar e aos poderes tribunícios, já exercidos por Augusto, Tibério e Cláudio, a
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tia Júlio Claudia. Vespasiano, não fazendo menção aos imperadores "autoritários" Calígula e Nero
e nem aos usurpadores de 68 e 69. A esta forma de acumulação de funções e
Após a desordem do reino de Calígula, o novo imperador quis restaurar o
poderes chamamos Lei de Império de Vespasiano, que lhe dava o direito e o
Estado através do desenvolvimento de uma política centralizadora, cujo con-
poder de fazer o que fosse necessário para servir aos interesses do Estado e à
junto atingia profundamente o Senado, na medida em que fortalecia a atuação
dos libertos imperiais na administração central, conforme já afirmamos, e ins- dignidade de todas as coisas divinas e humanas, públicas e privadas.
crevia entre as famílias patrícias, famílias plebéias. Esta promoção tinha o Foi uma tentativa de definir a auctoritas e fornecer uma substância legal para
valor de uma distinção honorífica, porém para o imperador representou uma a posição do príncipe. A antiga prática segundo a qual a posição do imperador era
forma de ação sobre a nobreza senatorial. Este mesmo objetivo pode ser in- baseada num consenso legal, na posse da auctoritas e no costume foi alterada.
terpretado em relação à ampla concessão da cidadania romana às cidades do Não havia mais um compromisso entre as instituições republicanas e a acu-
Ocidente, principalmente das províncias da Bética e da Narbonense, e a ins- mulação de poderes na pessoa do Imperador. Houve um reconhecimento formal
crição dos mais ricos na ordem eqüestre. Externamente, a principal atuação do direito constitucional do governante do Estado. Evoluiu-se para uma monar-
de Cláudio foi a conquista da Britânia, como uma forma de complementar a quia constitucional que traz os germes da monarquia absoluta (ADCOCK,
conquista da Gália. FE.1959:31).
No ano de 54 foi envenenado por sua quarta esposa, Agripina, sendo sucedi- Outra etapa importante neste processo de afirmação da autoridade imperial de
do por Nero. Vespasiano foi a inscrição da sua família dentre as famílias patrícias. Desta for-
Os pretorianos aclamaram Nero e o Senado ratificou. Depois de cinco anos de ma, a partir de Vespasiano o protocolo de nomeação dos imperadores passou a
um bom governo, sob a influência dos seus tutores, dentre os quais o grande ser Imp( erator) como prenome, que significava o poder proconsular ilimitado;
filósofo Sêneca, Nero transformou-se num tirano. Concebeu o poder imperial Caesar como gentilício, em reconhecimento da importância deste para a funda-
como uma monarquia à moda faraônica do tipo da monarquia lágida, encarando ção do regime Aug(ustus) como cognome utilizado antes do nome pessoal
o soberano como a encarnação do deus Sol. (ALBERTINI, E.1970: 110).
Em 68, Nero suicidou-se ao ser abandonado pelos exércitos, pela guarda Flávio Vespasiano dedicou-se a uma restauração política nos moldes de
pretoriana e por ter sido declarado pelo Senado como inimigo público. Não havia Augusto, porém adaptada ao seu tempo social valorizar Roma e a Itália
mais nenhum representante da família Júlio Claudia em condições de receber a enfraqueci das pela tirania orientalizante de Nero.
magistratura imperial.
Iniciou-se a primeira crise sucessória do Império Romano no ano de 68, tam-
bém denominado oAno dos Quatro Imperadores: Galba, ato, Vitélio e Vespasiano, 14 Era um "hemo novus" proveniente de uma rica família da região da Sabina que percorreu
único a sobreviver sem rival. etapa por etapa a carreira das honras e se destacou nas campanhas militares na Judéia.
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o SISTEMA POLfTICO DO PRINCIPADO REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
Um dos traços característicos do regime flaviano e da restauração política em- Assim, podemos entender por que Tácito afirma que:
preendida foi a tentativa de estabelecimento da hereditariedade do Principado.
"Nerva soube conciliar duas coisas que até o momento pareciam in-
Conforme podemos notar pelo que já foi exposto, a sucessão no Principado
conciliáveis: principado e a liberdade. " (Agrícola 2,2)
sempre adotou um caráter dinástico, utilizando-se da adoção e da co-regência
como artifícios. A crise de 68/69 demonstrou o perigo da instabilidade entre a No entanto, no cerne do pensamento político estóico está a questão de como
autoridade civil e a força militar frente à fragilidade das práticas sucessórias. diferenciar um monarca de um tirano. De acordo com Sêneca, a distinção não
Vespasiano, buscando a estabilidade, designou seus filhos como seus sucessores, está baseada na legitimidade do poder ou nas limitações, mas na forma como o
colocando-os ao seu lado como colaboradores principais. tirano ou o monarca usavam o poder (De Clem. 1,11,4).
Procurou, também, consolidar de todas as formas sua autoridade, demons- Neste sentido, a clemência do imperador moderava a sua conduta e passou a ser a
trando-se despótico e apre~ntando uma tendência à sacralização, pois a casa única garantia dos súditos, pois era fruto da razão e da sabedoria e a antítese da cólera. 15
imperial transformou-se em domus divina. Estas idéias se adequaram às transformações sofridas pelo Principado no sé-
Vespasiano foi sucedido pelo seu filho Tito, em 79, que conservou a linha culo II e possibilitaram a formulação teórica para um poder cada vez mais abso-
política de seu pai, morrendo após dois anos de reinado. Foi sucedido pelo irmão luto do príncipe. Neste processo também interagiu a transformação da elite cêntrica,
Domiciano com quem renasceram tendências do despotismo que o fez rebaixar a a qual já não apresentava forte ligação com a tradição republicana.
autoridade do Senado, intitulando-se dominus et deus. Portanto, Domiciano en- Desde a dinastia dos Flávios, diante da prática de elevação do estatuto políti-
frentou uma forte oposição senatorial, sendo assassinado numa conspiração, em co-jurídico das civitates para a condição de município latino, verificava-se uma
96. Todos os seus atos foram anulados pelo Senado e, por conseguinte, extin- mudança na formação da elite cêntrica pela presença de homens novos, proveni-
guiu-se a dinastia dos Flávios. entes dos municípios, das colônias e das províncias. Basta citarmos as famílias de
Sabemos que neste momento a sociedade romana já havia se conscientizado origem espanhola dos imperadores Trajano e Adriano. A presença dos Orientais
de que o governo tinha que ser monárquico. tornou-se mais numerosa com Tito e Domiciano. No conjunto, a porcentagem de
A própria Libertas era considerada como uma independência de opinião e não senadores de origem provincial cresce sensivelmente: entre 68 e 96 a presença de
um republicanismo (Tac.Ann.XIV,12). Tácito é ciente do universalismo de Roma senadores italianos cai de 83% para 76%, enquanto a dos provinciais passa de
16,8% para 23%, dentre os quais 75% eram Ocidentais e 15% Orientais (PETIT,
e da necessidade do Principado para manter a paz e a ordem (Diálogo dos Ora-
dores. 38,7; Hist. 1,1,16; 11,38). Todas as suas críticas são dirigidas para os sena- P. 1974:138). Algo que se modifica, pois no final do século Il, 58% dos membros
do Senado eram Orientais (PATTERSON, J. 1992:161). Tal tendência foi ampli-
dores que buscavam uma relação direta e pessoal com o imperador, esperando
ada pela criação do direito latino mais amplo (latium majus) por Adriano, segun-
dele proteção e favores, agiam servilmente, enquanto outros poderiam preservar
do o qual nas cidades de direito latino os decuriões recebiam a cidadania romana
a Libertas, atuando com independência, sem bajulação e fortalecendo o Senado
como instância institucional (JOLY, F. 2003: 123). plena transmissível a toda a sua família.
Com o assassinato de Domiciano, em 96, Nerva foi eleito imperador na idade Trajano encarnou o ideal senatorial do príncipe "primus inter pares", por ter
de 64 anos. Iniciou-se no período dos Antoninos, considerado pela tradição ro- empreendido uma política interna de deferência ao Senado; uma política de as-
mana como o momento do apogeu do Império Romano. sistência pública à Itália, que foi interpretada como uma forma de restaurar a sua
Superioridade, através da instituição dos alimenta" e pela retomada da ação guer-
Nerva significava a transição para um novo conceito de princeps e para a
sucessão. O princeps deveria ser a pessoa mais qualificada e adequada para exer-
15 vid
! e Cardoso, Zélia de A. Política e Poder nas obras de Sêneca, In: PHOINIX. Rio de
cer esta tarefa e deveria ser indicado pelo imperador ainda reinante. Passou a ser
Janeiro: Mauad, 2003, 360-379.
considerado como o primeiro servidor da comunidade de acordo com a justifica- 16E '
mprestimo de dinheiro pelo imperador a baixos juros aos proprietários territoriais da Itália,
tiva filosófica da monarquia helenística e com os princípios do estoicismo. C~jos lucros, em vez de serem devolvidos ao imperador, seriam destinados à educação e à
dIVersao
- das crianças pobres.
A teoria da eleição e adoção do melhor homem para a tarefa de dirigir o Esta- TACITUS. The Annals. Books I-III. Harvard University Press, The Loeb Classical
do funcionou para a sucessão de Adriano, Antonino Pio e Marco Aurélio. No en- Library 1992.
tanto, Marco Aurélio tinha um filho, Cômodo, que foi o escolhido para sucedê-lo. TACITUS. The Annals. Books IV-VI,XI-XIV Harvard University Press, The Loeb
Impossível saber se Marco Aurélio foi movido pelo amor paternal, pelo dese- Classical Library, 1986.
jo de restabelecer o princípio de hereditariedade ou se realmente considerava TÁCITO. Agrícola. Tradução de Agostinho da Silva, Coleção Horizonte-Clássicos,
Cômodo o "melhor dentre os melhores". O fato é que Cômodo foi o exemplo do Portugal, 1974.
que aconteceria com a nova teorização da transmissão do poder imperial, se o TÁCITO. Diálogo dos Oradores. tradução de Agostinho da Silva, Coleção Horizon-
escolhido não fosse realmente o melhor. te-Clássicos, Portugal, 1974.
Cômodo rompeu com o ideal do príncipe perfeito. Seu assassinato em 192 The Geography of Strabo. London: The Loeb Classical Library, 1988.
selou o fim da dinastia dos Antoninos e do Principado. Um soldado africano,
SÊNECA. Tratado sobre a Clemência. Tradução de Ingeborg Braren, Petrópolis: Vo-
Sétimo Severo, foi aclamado imperador, inaugurando uma autocracia baseada na
zes, 1990.
II força militar e anunciando a transição para o período chamado de Dominato.
SUETÔNIO. El Divino Augusto. In: Biografos y Panegiristas Latinos, Madrid: Aguilar,
Consagrava-se, assim, a vitória da tendência política absolutista de tipo Oriental
1'11'
1969.
que durante todo o Principado chocou-se com a tendência política Ocidental,
considerada mais moderada.
'li Bibliografia
GARNSEY, P., SALLER, R. The Roman Empire; economy, society and culture. PETIT, P. Histoire générale de l Empire Romaine. Paris: Seuil, 1974.
London: Duckworth, 1987. RICHARDSON, J.S. Imperium Romanum: Empire and Language of Power. The
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