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Gilvan Ventura da Silva, Norma Musco Mendes (orgs.) et alii, 2006 ÍNDICE

Direitos desta edição reservados à APRESENTAÇÃO 9


MAUAD Editora Ltda., em co-edição com
Maricí Martins Magalhães
a Editora da UFES (EDUFES).

Mauad Editora: Rua Joaquim Silva, 98, 5° andar INTRODUÇÃO: O IMPÉRIO ROMANO E Nós 13
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Te!.: (21) 3479.7422 - Fax: (21) 3479.7400 Norberto Luiz Guarinello
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CAPÍTULO I: O SISTEMA POLÍTICO DO PRINCIPADO 21
EDUFES: A~Fernando Ferrari, 514
Norma Musco Mendes
Vitória - ES - CEP: 29075-710
Te!.: (27) 3335.2370 CAPÍTULO 11: ECONOMIA ROMANA NO INÍCIO DO PRINCIPADO 53
Pedro Paulo Funari e Renata Senna Garraffoni

CAPÍTULO 111: TERRA E TRABALHO NA ITÁLIA NO ALTO IMPÉRIO 65


Projeto Gráfico:
Núcleo de Arte/Mauad Editora Fábio Duarte Joly

Revisão:
CAPÍTULO IV: A SOCIEDADE ROMANA DO ALTO IMPÉRIO 85
Sandra Pássaro Ciro Flamarion Cardoso e Sônia Regina Rebel de Araújo

Ilustração da capa: CAPÍTULO V: PRÁTICAS CULTURAIS NO IMPÉRIO ROMANO:

Segmentos da Tabula Peutingeriana. ENTRE A UNIDADE E A DIVERSIDADE 109


Regina Maria da Cunha Bustamante

CAPÍTULO VI: A RELIGIÃO NA URBS 137 q


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
Claudia Beltrão da Rosa

R336 CAPÍTULO VII: CRISTIANISMO E IMPÉRIO ROMANO 161


Repensando o Império Romano: perspectiva socioeconômica, política e André Leonardo Chevitarese
cultural / Gilvan Ventura da Silva; Norma Musco Mendes (organizadores).
- Rio de Janeiro: Mauad; Vitória, ES: EDUFES, 2006 CAPÍTULO VIII: Os SEVEROS E A ANARQUIA MILITAR 175
Inclui bibliografia Ana Teresa Marques Gonçalves
ISBN 85-7478-181-9
CAPÍTULO IX: DIOCLECIANO E CONSTANTINO:
1. Roma - História - Império, 30 a.C.-476 d.e. 2. Roma - Política e governo -
A CONSTRUÇÃO DO DOMINATO 193
30 a.C. - 476 d.e. L Ventura, Gilvan. lI. Mendes, Norma Musco.
Gilvan Ventura da Silva e Norma Musco Mendes
CDD 937.06
CDU 94(37) CAPÍTULO X: ESTRUTURAS SOCIAIS NA

ANTIGUIDADE TARDIA OCIDENTAL (SÉCULOS IVNIII) 223


Renan Frighetto
CAPÍTULO I

.. o Sistema Político do Principado

Norma Musco Mendes

A "Falência" do Sistema Republicano Romano

Etimologicamente, Res publica significa tudo aquilo que é público, que pode
ser o próprio Estado, sua constituição, o interesse comum. Os romanos não ti-
nham um nome específico para designar o seu sistema político; era simplesmente
equacionado com a própria comunidade e os seus interesses.
\
Res publica, quer dizer, "assunto da união de certo número de homens asso-
ciados por um consenso comum no direito e na comunhão de interesses" (Cic.
De Rep.1.2S). De acordo com esta concepção, as relações de mando e obediên-
cia eram centradas no domínio da lei emanada pelo princípio da soberania do
povo, algo que atribuía às leis um caráter divino e afastava o domínio do homem
sobre o homem. Os cidadãos obedeciam às leis criadas pela vontade política de
fazer do direito o meio de regular as relações humanas. Isto fica explícito quando
Cícero, nas Leis, discursa sobre a necessidade da autoridade, atribuindo-lhe o
caráter de presidir, de ordenar o que é justo, útil e de agir conforme a lei. Neste
sentido afirma:

"como as leis comandam os magistrados, também os magistrados co-


mandam o povo e se pode dizer verdadeiramente que o magistrado é a lei
que fala e a lei é o magistrado mudo" (De Rep.3,2).

Logo, Res publica significava mais que um conjunto de cidadãos. Significa-


va todos os assuntos e tudo que dissesse respeito àquela comunidade, assim como
a forma de governo que preservasse os interesses coletivos e garantisse a ordem, vida familiar, moral idade pública e privada. Neste sentido, A.Wallace-Hadrill
a liberdade contra o estabelecimento da monarquia, ou seja, o governo de um só. (1997) interpreta a idéia de moralidade como autoridade, objetivando caracteri-
zar a crise da República, não simplesmente como um momento de revolução
Com o crescimento do Império Romano durante o período republicano, gra-
econômica, social, política, conforme as análises de Th. Mommsen e R. Syme
dualmente Roma se transformou numa cosmópolis ultrapassando os limites
(1960), mas como uma revolução cultural. Fundamenta a sua tese afirmando que
institucionais e espaciais característicos das cidades-Estado clássicas, principal-
a crise da república foi uma crise de autoridade sobre a qual o sistema social
mente, diante da prática de concessão de cidadania romana.
estava construído. Assim, a idéia de revolução cultural se fundamenta na trans-
Os historiadores e os autores romanos, tanto no sentido cronológico quanto formação das estruturas de conhecimento que interagiu com o processo de
constitucional, têm dificuldades para encontrar uma data para o final do período helenização, implicando a mudança dos locais de autoridade. A.Wallace-Hadrill
republicano. Catão, o jovem, declarou que a aliança política entre César, Pompeu argumenta que durante os últimos séculos do período republicano os nobres ti-
e Crasso em 60 a.c. havia sftio o primeiro e o grande mal para a República nham o monopólio sobre o processo de "invenção" e "reinvenção" da tradição;
(Plut.Pomp.47.2-3). A invasão da Itália por César, em 49 a.c., também pode ser do conhecimento da lei civil, considerado como específico da tradição ancestral;
considerada crucial. Por outro lado, Tácito concebe as mortes de Brutus e Cássio do controle das práticas religiosas que lhes dava a autoridade suprema para orga-
na batalha de Filípicas em 42 como o fim da República, pois o último exército nizar o calendário e, assim, ter o controle do tempo e do ritmo da vida dos roma-
republicano havia sido derrotado (Anais.2.1). Porém, data o estabelecimento do nos. No bojo deste processo, A.Wallace-Hadrill ressalta, também, as transforma-
governo de um só homem em 31, após a batalha de Ácio (Hist.l). ções verificadas na própria linguagem do latim, especialmente pela ação dos
No entanto, preferimos seguir a idéia que se desenvolve desde Th. Mommsen gramáticos.
de que o final do período republicano foi um processo que se iniciou com as Em todos estes aspectos, a tradição, a memória, o conhecimento escaparam
mortes dos irmãos Tibério e Caio Graco (133/121 a.Ci). Isto porque estes aconte- das mãos da nobilitas para as mãos de especialistas, aqueles que detinham o
cimentos trouxeram no seu bojo todos os elementos que numa relação assimétrica saber acadêmico. Redefiniu-se a posição dos juristas, cuja autoridade não mais
anunciavam o período de desagregação do sistema republicano romano, afetado era derivada da sua posição social e sim do controle da política e da ciência do
em sua global idade pelas grandes inovações produzidas pelo crescimento do Im- direito. A elaboração do calendário e, portanto, o controle do tempo, já em 46
pério Romano. a.c., com César, passou a ser objeto de racionalização, pois os matemáticos e
As crises recorrentes que sucederam os conflitos políticos suscitados pelas astrônomos através de cálculos acurados redefiniram o ritmo do ano.
tentativas de reforma agrária dos Gracos liberaram todas as forças que caracte- Enquanto a língua falada era incontrolável, os gramáticos tiveram autoridade
rizaram o processo de desagregação do sistema republicano, tais como o indivi- como guardiões da linguagem escrita, possibilitando estabilidade na linguagem
dualismo x coletivismo, ou seja, impossibilidade das instituições republicanas oficial da literatura e da administração. Certamente, podemos perceber que a ra-
preservarem os interesses da Res publica ante os interesses privados; cisão no cionalização foi um instrumento de controle.
seio da elite romana cujas divergências se manifestavam na luta pelo exercício do
Portanto, à autoridade política, social e militar dos "imperatores" foi alinhada
poder, sendo caracterizada não como rivalidades sociais e sim políticas e circuns- a autoridade acadêmica, representada pelos especialistas que o cercavam.
tanciais; a formação de coligações políticas entre os círculos de liderança; o uso
Nesta conjuntura podemos inserir os ensaios de poder pessoal de Caio Graco,
da violência na vida pública; prática de ilegalidades constitucionais; a incapaci-
Sila, Pompeu e Júlio César.
dade do exército cívico diante das necessidades de um exército profissional e
permanente e, portanto, o surgimento das bases essenciais para o estabelecimen- Este último lançou as bases de um regime absoluto, consolidando o militaris-
to do poder pessoal (MENDES, N. M. 2002) mo, desconsiderando, humilhando, desmembrando e tutelando de forma transpa-
rente os institutos políticos da República. Vemos em César o ideal universalista,
A tradição historiográfica representada por Políbio, Salústio, Cícero, Tito Lívio
unificador e de integração entre Roma, Itália e províncias. Serviu-se da ditadura
associa as crises políticas da República com a mudança dos costumes e a corrupção
como um instrumento para obter um poder centralizado e pessoal. Sua morte,
dos mores. Tais afirmações devem ser entendidas como explicações totalizantes
sem deixar de lado as noções desenvolvidas pelos gregos sobre o tiranicídio, é
na medida em que para os romanos o termo mores engloba a política, religião, a

22 o SISTEMA POLÍTICO DO PRINCIPADO


REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO 23
entendida por nós como o resultado da ação de um grupo de senadores que se sentia Manter um equilíbrio de poderes entre três dinastas ambiciosos já era difícil.
ultrajado em sua dignidade e em seus interesses pela ditadura vitalícia de César, Com a anulação da posição de Lépido sob suspeita de traição levantada por Otá-
pois sabemos que para um senador romano a República era uma forma de governo vio, a situação ficava ainda mais difícil. Conseqüentemente, o mundo romano
e um estilo de vida. César não teve tempo para consolidar o seu programa de poder encontrava-se dividido entre dois homens: Otávio, encarregado do governo do
pessoal, mas lançou as bases sobre as quais a monarquia romana será erguida. Ocidente, e Marco Antônio, do governo do Oriente. Após a derrota dos assassi-
César quis ser mais do que poderia ser, pois o ideal republicano ainda era nos de César, Marco Antônio permaneceu no Leste, tencionando consolidar a
forte e incompatível com a existência de um poder absoluto vitalício, na iminência, posição romana nas províncias orientais e prosseguir os planos de César em rela-
possivelmente, de se tomar uma realeza. Portanto, seu programa de governo cons- ção à guerra contra os Partos. Vendo o Egito como um apoio financeiro para
tituiu-se num exemplo, mas sua morte uma advertência. custear sua campanha oriental e como um sustentáculo da dominação romana no
Otávio Augusto fundou a monarq.w.iaque seu pai adotivo quis fundar: o Principa- Leste, cada vez se vinculou mais a esta região e a sua rainha. Não se tomou rei do

do. Forma primeira da monarquia em Roma que se transformou ao longo do m sécu- Egito, porém sua posição de marido de Cleópatra e pai de seus filhos o tomava

lo em uma monarquia burocrática, o Dominato, conforme veremos mais adiante. príncipe consorte e procônsul ao mesmo tempo. Marco Antônio doou possessões
romanas no Oriente a Cleópatra e seus filhos. Este gesto era inconcebível para
um magistrado romano e feria o espírito republicano, afastando-o das tradições
Principado: Modelo Romano de Poder Pessoal
romanas. Portanto, a integração com o passado dos monarcas helenísticos colo-
cou Marco Antônio numa posição vulnerável, facilmente explorada por Otávio.
O processo de estruturação do Principado envolve a análise do posicionamento
Por outro lado, a posição do jovem herdeiro de César revelava o esforço de re-
das forças políticas antagônicas após a morte de Caio Júlio César.
conciliação com a tradição romana e italiana.
Evidentemente, os tiranicidas, após a morte do ditador, não conseguiram se
Atacando as atitudes de Marco Antônio no Oriente e enfatizando a ameaça de
apoderar das rédeas do governo.
orientalização de Roma, Otávio obteve a aderência da aristocracia romana e da
Em 44 a.C. as autoridades oficiais do Estado eram o cônsul sobrevivente Marco população da Itália. Tal situação foi muito conveniente. Em 32 a.c. seus poderes
Antônio e o comandante-em-chefe de cavalaria, M. Aemílio Lépido, que manti- de triúnviro, assim como os de Marco Antônio, terminariam. Era um momento
veram o controle do governo. No entanto, existia um outro homem, Otávio, so- decisivo, pois ambos retomariam à vida privada. Explorando a posição compro-
brinho e filho adotivo de César, designado por ele em testamento como seu her- metedora de Marco Antônio, Otávio pedia a unidade romana, se colocando como
deiro, que chegou em Roma em abril de 44 a.C. o defensor da tradição contra a ameaça de dominação Oriental. Para provar as
Sentia-se menosprezado por Marco Antônio e numa condição inferior, pois intenções de Marco Antônio, Otávio divulgou as chamadas Doações de Alexandria.
este acabara de adquirir o proconsulado nas Gálias Cisalpina e Transalpina, ao Ganhou a opinião pública e deflagrou verdadeiro golpe em Marco Antônio, que
passo que ele só tinha como prerrogativa o nome de César. Buscando apoio para lhe assegurou a sanção nacional e a manutenção do seu comando militar para
posicionar-se frente a Marco Antônio, Otávio aproximou-se de Cícero, famoso salvar Roma da ameaça do Leste. Uma espécie de plebiscito foi organizado sob a
líder da oligarquia senatorial e incansável defensor da República. forma de juramento de fidelidade e de obediência pessoal:
Cícero convenceu o Senado e o povo, através dos seus discursos designados
"...A Itália toda, espontaneamente jurou-me fidelidade e quis-me como
Filipicas, de que Marco Antônio era uma ameaça para a ordem republicana, tor-
chefe de guerra .... " (R.G.25).
nando-se urgente uma guerra "justa" contra ele, na qual a participação de Otávio
como herdeiro de parte do exército de César era bastante significativa. Pensou Este juramento também englobava as províncias do Ocidente. Otávio se tor-
encontrar em Otávio um aliado seguro para a causa senatorial. Porém, tal tentati- nou chefe de um "partido" e chefe da guerra contra um romano traidor, cujo
va fracassou com a aprovação pela Assembléia Tributa da Lei Titia, em 27 de momento decisivo foi a batalha de Ácio em 31 a.c.
novembro de 42 a.c., que transformava as negociações entre Otávio, Marco An- A versão oficial justifica esta guerra como justa, caracterizada como a defesa
tônio e Lépido num Triunvirato. da liberdade e da paz contra um soberano inimigo, romano degenerado que tenta-

24 o SISTEMA POLfTICO DO PRINCIPADO 25


REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
va subjugar a Itália e o Ocidente sob o governo de uma Rainha Oriental. Ácio servadora, possibilitando a consolidação das transformações socioeconômicas
representou o choque entre as forças do herdeiro de César, do Senado, do povo e do final do período republicano. Ou melhor, definiu as linhas gerais das relações
dos deuses de Roma contra a Rainha e os deuses do Rio Nilo e, conseqüentemen- sociais no Alto Império e a base escravista da economia romana.
te, afastou a ameaça de orientalização tão temida pela aristocracia romana, pois Esta nova forma política de governo da res publica é representada pela con-
significava um regime político nos moldes dos monarcas helenísticos. centração pelo princeps da tribunicia potestas', do pontificatus maximus" e do
A vitória em Ácio foi crucial para o herdeiro de César, o qual passou a ser imperium majus. O princeps assumiu, assim, uma posição retora para consolidar
visto como o restaurador da liberdade (vindex libertatisy. Esta posição o afastava e integrar o Imperium, cujo significado se adequa à nova realidade imperial de
da ditatura de César. Otávio representou o triunfo de um "partido", quer dizer, do Roma. Ou melhor, a tradicional noção republicana de imperium é vinculada ao
consenso da Itália e do Ocidente, contra uma facção para restaurar a República sentido de concentração de poderes nas mãos de um único indivíduo, o qual pas-
(R.G. 1,1). Naturalmente, Qa."partido" vencedor tinha um programa a realizar: sava a ter, em nome do povo romano, o controle sobre o immensum imperii corpus
restabelecimento da paz e liberdade, proteção do Estado, dos cidadãos e dos pro- _ imenso corpo imperial (Tac. Hist, I., 16). O termo passa a ser sinônimo de urbs,
vincianos e manter a dominação do mundo. Portanto, conforme define Nicolet civitas e res publica e conforme afirma Richardson (1991:9), foi por meio do
(1983:164), o Principado representou uma conquista tripla: política, temporal e exercício do imperium sobre todo o mundo romano que a monarquia retomou a
espacial.' Roma. Roma passou a ser representada pelo princeps, na condição de agregador
do sistema de valores e peculiaridades culturais que significavam um padrão de
Política perceber, crer, avaliar, agir e desenvolver um código de categorias destinado a
orientar;o desenvolvimento das relações sociais.
A construção de um novo sistema político deveria ser elaborada fora do âmbi- O advento do Principado está ligado às mudanças profundas nas relações
to do sistema republicano de governo, porém em torno de práticas e,Jistentes nas políticas. As necessidades de gerir as novas condições sociais, econômicas, mili-
relações de poder, ou melhor, em torno da figura do princeps', conforme as idéias tares e administrativas surgidas pela criação do Império exigiram o desenvolvi-
de Cícero expostas na De Res publica. mento de um regime político de caráter pessoal, porém sob uma máscara republi-
Por intermédio do princeps, as elites romanas tencionavam manter o Imperium cana. Foi a estruturação do modelo romano de poder pessoal, podendo ser cha-
e reviver os ideais de res publica, ou seja, preservar a sua base material mediante mado de "monarquia republicana".
a proteção da propriedade privada, a manutenção dos seus privilégios sociais e a Otávio e Agripa, em 28 a.c., receberam o direito formal de exercer o poder
garantia de segurança pessoal do indivíduo, afastando assim os abusos do tempo dos censores e recensearam 4.063.000 cidadãos (R.G. 11,8). A restauração da
das guerras civis. Neste sentido, a atuação de Otávio Augusto foi bastante con- ordem também exigia uma reorganização da composição do Senado, pois diante
das guerras civis muitos senadores haviam desaparecido. Limitou-se o número
dos senadores em 600 membros e determinou-se que somente poderiam ser alis-
! Não é nosso objetivo discutir a natureza do Principado, cujas teses mais representativas tados os ex-magistrados que possuíssem o censo mínimo de 1.000.000 de
podem ser encontradas em L. Homo (1928); Ch. Wirszubski (1968); P. Petit (1974,v.l) Le sestércios. Assim, ficava reconstituída a ordem senatorial com bases jurídicas
Gall & Le Glay (1987); R. Etienne (1970); Petit (1974) e F. E. Adcock (1959). Uma excelente precisas diferentes das bases frágeis calcadas na tradição vigente durante a Repú-
discussão destas teses pode ser encontrada em Silva (2001).
blica. Deve ser ressaltado que, embora tenham sido posicionados abaixo dos se-
2 Pela tradição republicana, o título de princeps (o mais eminente cidadão do Estado) era dado
a um cidadão que ocupasse uma posição de liderança e destaque na cidade, obtida pela consa-
gração de sua popularidade, dignitas e auctoritas. Há muita diferença entre a posição dos
príncipes republicanos e a posição de Otávio como príncipe do Senado. Durante a República, 3 Tribunicia potestas significava o controle da iniciativa legislativa e o amparo dispensado ao
a preeminência do príncipe não era permanente, sendo revestida de noções de paridade e povo romano.
eqüidade. Veremos que a posição de Otávio, como foi permanente, afastou a noção est6ica de 4Como pontifex maximus, garantia a pax deorum, exercendo a posição de mediador entre os
"primeiro entre iguais". homens e os deuses.

26 O SISTEMA Pourico DO PRINCIPADO 27


REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
nadores, os cavaleiros podiam ocupar as magistraturas e, se tivessem o censo . "Desde então, eu fui superior a todos por autoridade, mas não tive
mínimo de 400.000 sestércios e fossem inscritos, podiam, também, ingressar no poder maior do que tiveram aqueles que foram meus colegas em cada
Senado. magistratura. " (RG, 34)
Ao precisar a ordem senatorial e criar condições, através da concessão de
O acordo de 27 a.C. foi necessário para assegurar a dominação do "partido"
empréstimos financeiros em benefício daqueles que não possuíam o censo, Otá-
do príncipe, a manutenção da paz, significando o fim do regime de exceção e o
vio transformou os senadores em clientes do príncipe.
início do governo legal e legítimo. Como nos diz Tácito:
O engrandecimento da posição de Otávio era visto como desenvolvimento na-
tural e necessário para a manutenção da ordem e retorno à estabilidade. Era preciso "... durante seu sexto consulado, César Augusto, seguro de seu po-
consolidar a sua posição, o que foi feito em 13 de janeiro de 27 a.C. numa reunião der; aboliu os atos do triunvirato e fez as leis para estabelecer a paz sob
do Senado, onde Otávio fez um discurso refinadamente retórico, declarando que: um príncipe ... " (Anais, 111, 28)
•••
"depois de terfeito acabar as guerras civis, tendo assumido o supremo Ocorreu em 23 a.c. um novo acordo entre o príncipe e o Senado, muito im-
poder por consenso universal, transferi o governo da república, passando portante para o futuro do governo imperial.
o da minha pessoa às mãos do senado e do povo romano". (R.G 34) Mostrando sua habilidade política e reconhecendo a importância da ocupação
do consulado para os nobres, Augusto abriu mão desta magistratura, só voltando
Tal ato teve como resultado o compromisso entre o Senado e Otávio de divi-
a ocupá-Ia, excepcionalmente, em 5 a.c. e 2 a.c. Permaneceu procônsul de suas
dir o governo do Império. Otávio recebeu o Império proconsular por dez anos,
províncias, mas fortaleceu sua autoridade de duas formas: a) seu comando militar
para o governo civil e militar de um certo número de províncias (Espanha, Gália
foi ampliado, englobando toda a extensão do mundo romano, e tornando-se supe-
e Síria), que foram denominadas, mais tarde, provinciais imperiais. O Senado e o
rior àquele dos seus colegas, passando a denominar-se imperium majus; b) rece-
povo ficavam encarregados do governo e administração das restantes províncias,
beu ou passou a exercer com maior freqüência os poderes do tribunato da plebe
posteriormente chamadas de senatoriais. (Dio Cassio 53,1118)
que contrabalançaram, sob o aspecto civil, a perda do consulado no interior da
Dias depois "... por decreto do senado foi-me conferido o título de cidade. (Dio Cassio, 53, 32)
Augusto e a minha porta ficou enfeitada com louro em nome do Estado, Naturalmente, o consulado continuou a existir, pois era um dos símbolos do
uma coroa cívicafoi posta na porta e na cúria Júlia, foram colocados um governo constitucional e satisfazia às aspirações da aristocracia.
escudo de ouro e uma inscrição para certificar que aquele escudo áureo Os poderes de tribuno possibilitaram a Augusto, que já se encontrava protegi-
me fora oferecido pelo senado e pelo povo romano devido ao meu valor; do pela inviolabilidade, o direito de vetar as decisões do Senado, de convocá-lo,
minha clemência, minha justiça e piedade ... " (R.G. 34) assim como a Assembléia do Povo e de propor com primazia os projetos de lei.
Enfim, possibilitou o controle do poder civil, que, segundo Tácito, foi a "essên-
Em nome, em aparência, em teoria, a soberania do Senado e a do povo foi
restaurada. Os poderes concedidos a Otávio Augusto não provocaram séria con- cia do principado." (Anais, 111, 56)
testação numa geração que havia conhecido a ditadura de Sila e a autocracia de Ao tornar-se Sumo Pontífice em 12 a.c., Augusto teve sua posição no Estado
César. Ao contrário, pela sua historicidade e virtudes foi-lhe concedido um título reforçada, como chefe da religião.
que o tornava "mais sagrado e venerado, porque enquanto ele vivesse sobre a Portanto, o comando militar superior, os poderes de tribuno e o pontificado
terra tinha que lhe ser concedido um nome que o elevasse à posição de divinda- máximo tornavam a soberania de Otávio Augusto ilimitada. Mormente, ao ser
de". (Floro. L.II,34) complementada pelos encargos específicos a ele confiados. O direito de emitir
Portanto, a partir de 27 a.C. Otávio Augusto acumulava o consulado, editos deve ter sido uma concessão especial, assim como o direito de declarar a
proconsulado, inviolabilidade tribunícia, o direito de intervenção e recebera uma guerra e a paz e concluir tratados. A criação dos serviços civis e militares pode ser
áurea religiosa em decorrência do título de Augusto. Como ele próprio afirmou: olhada como o resultado de autorização especial dada pelo Senado e pelo povo,
explicada pela noção de missão.
28 o SISTEMA POLfTICO DO PRINCIPADO REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
29
Habilmente o príncipe recusou toda magistratura ou cargo ilegal, mas para o padas por senadores encarregados da conservação dos serviços básicos da cidade
bem do Estado aceitou os encargos a título provisório. Daí o surgimento gradual (aquedutos, estradas, edifícios sagrados).
das prefeituras e curatelas encarregadas da realização de funções técnicas relacio- Apesar da existência dos tribunais permanentes, os senadores passaram a
nadas com a administração de Roma e da Itália, conforme veremos mais adiante. exercer jurisdição sobre seus próprios colegas, tendendo a transformar-se numa
Detendo o comando militar superior, tinha o.E.2derde justiça .sobre os e~i- corte de justiça. No governo de Tibério já encontramos um verdadeiro tribunal
tos e os provinciais que eram exercidos por seus legados. Esta prerrogativa pas- senatorial.
sou a vigorar, também, para os cidadãos romanos, substituindo, gradativamente, A atividade financeira foi dividida entre ~rínci2e e o Senado, mas de forma
o direito de apelação ao povo romano de qualquer cidadão romano, antes de ser desigual.
executado, pela apelação ao Imperador.
Augusto teve necessidade de aumentar as receitas públicas diante dos aumen-
V As :ttribuições eleitorais das Assembléias foram reduzidas e praticamente anu- tos dos gastos com a administração e exército permanente.
ladas pelo desenvolvimento da prática de recomendação de candidatos aos Co-
~ -
mícios. Ninguém se apresentava ao consulado se não fosse candidato do prínci-
Por meio de recenseamentos feitos a cada cinco anos nas províncias, Augusto
teve a preocupação de conhecer o cadastro provincial e o número de pessoas
pe, assim como para a pretura, para o edilato e para a questura. As eleições para livres vivendo fora da Itália ou das colônias romanas e desenvolveu, progressiva-
estas magistraturas se tornaram mera formalidade.
\ ment~umjro.posto_por..c.ab~ça (tributum capitis), do qual a Itália estava isenta, e
O Principado representou o fim do pouco que havia de participação popular, um imposto sobre as propriedades (tributum solii, cobrado a todos os proprietári-
pois a liberdade eleitoral foi quebrada pelas novas práticas introduzidas no pro- os de bens imóveis. De certa forma a ação dos publicanos' foi freada, pois cada
cesso eleitoral, como já vimos. As eleições tornaram-se mera formalidade, até comunidade era responsável pela cobrança junto dos governadores.
que foram suprimidas em 14 d.e. por Tibério. Da mesma forma, a atividade Ciente da repugnância dos romanos pelo imposto direto, tido como uma for-
\ legislativa do povo foi desativada. - -
Durante a República, as gr~des questões políticas eram debatidas em públi- ---
ma de submissão, Augusto criou impostos indiretos aliados às velhas taxas de
alfândega e circulação de mercadorias - (25% ad valorem). Estabeleceu os se-
co. Sob o novo regime eram discutidas e decididas por poucos homens. Iniciou- guintes impostos indiretos: 5% sobre o valor dos escravos libertados (vicesima
se a prática do gabinete governamental. Formaram-se comitês compostos pelos ibertatis); 1% sobre as vend;;em-yeilão (centesima rerum venalium); 4% sobre
cônsules, um titular de cada magistratura e quinze senadores escolhidos por sor- }~ ' a venda de escravos (quinta et vicesima venalium mancipiorum) e 5% sobre a
teio, cuja duração era de seis meses (Suetônio, Augusto, 33). Estes comitês se sucessão (vicesima hereditatum). Este último foi destinado a alimentar unica-
constituíam em _órg~s de administração e não de autoridade, utilizados pelo prín- ,mente o tesouro militar.
cipe como um conselho. As principais questões de governo, sem dúvida, eram Os Senadores controlavam o T~ouro d~ Saturno formado pelos impostos di-
debatidas numa outra instância, formada pelos amigos de Augusto, designada reto e indireto das províncias senatoriais, enquanto ao imperador cabia a gerência
Conselho do Príncipe. Com o fortalecimento do governo imperial, a importância sobre o Fisco, tesouro nutrido pelos impostos das províncias imperiais, sobre o
deste Conselho foi aumentada, passando a ser o responsável pelo destino de Roma 'tesouro Militar alimentado pelos impostos criados por Augusto e destinado ao
e do mundo. pagamento do exército e, naturalmente, sobre o!at'2monium constituído pelas
Se o Senado perdia importância como um instituto político, os senadores ga- propriedades privadas do Imperador.
J nhavam ~ título individual porque passavam a ocupar a maioria dos cargos cria-
~elo novo regime. O comando do exército e da administração das províncias
imperiais lhe foi confiado 'l.a.9l1alidade de agentes de Augusto. Para cuidar dos
5 No final do século III a.C., diante da inexistência da idéia de funcionalismo público, começa-
assuntos civis e criminais que envolvessem a segurança pública da cidade de
ram a surgir as sociedades de publicanos que adjudicavam do Estado o direito de realizar
Roma, Augusto criou a Prefeitura da Cidade, cujo titular era escolhido entre os serviços públicos ligados à cobrança de impostos. suprimento de víveres e equipamentos para
senadores. Juntamente com esta prefeitura funcionavam as ~atelas também ocu- o exército em campanha.

30 o SISTEMA POLfTICO DO PRINCIPADO REPENSANDO o IMPÉRIO ROMANO 31


Augusto reservou para si a prerrogativa exclusiva de controlar a política mo- tenção do poder. Os imperadores romanos sistematizaram e regularam esta práti-
netária, pois era o responsável pelas emissões das moedas de ouro (aurei) e de ca em seu benefício, tornando-se chefes absolutos do exército. Augusto manteve
prata (denario), outorgando ao Senado o controle nominal da cunhagem das pe- sempre o exército do seu lado. Preocupou-se em assegurar a disciplina e fornecer
ças de bronze (as). recompensas aos soldados. Financiou a distribuição de terras e de donativos em
dinheiro aos veteranos (R.G.lS). Em posse de suas fazendas na Itália ou nas
Aos e~tres foi reservada a gerência dos bens imperiais. Chamados de pro-
províncias, os veteranos honravam Augusto como patrono e defensor. Os legio-
curadores, dirigiam os serviços financeiros das províncias imperiais, algumas das
nários estavam isolados politicamente, separados dos seus generais e ligados ape-
principais funções administrativas no interior da cidade de Roma e, também, nas
nas ao imperador e através dele a Roma, personificada em sua pessoa. Isto ficou
províncias senatoriais onde o imperador possuía bens. No Egito, por exemplo,
ainda mais evidente quando Augusto, no ano 6, criou o já mencionado Tesouro
onde os senadores não podiam entrar, mesmo se tivessem propriedades, todos os
Militar. Trata-se, portanto, de uma etapa decisiva para a organização militar do
altos funcionários foram cavaleiros (LE GALL,J. LE GLAY, M. 1987:94). Fica-
•••
va, assim, organizada
dos por Augusto:
a ordem eqüestre para ocupar os importantes cargos cria- --
novo regime, pois o exército dependia
guinte, do imperador.
exclusivamente do Estado e, por conse-

É importante frisar que o exército (legiões e tropas auxiliares) era composto


- Prefeito dos Vigilantes: encarregado do comando das tropas especiais res-
pela população do Império inteiro, integrando todos os cidadãos da Itália e das
ponsáveis por conter os incêndios e manter um policiamento noturno da cidade
províncias e não-cidadãos. A submissão do exército significava, desta forma, a
de Roma;
submissão de todos os habitantes do Império ao imperador.
- Prefeito da Anona: diante das crises recorrentes no abastecimento de grãos
Tácito (Anais, 1.11) menciona que Augusto deixou para Tibério o seguinte
para a cidade de Roma, Augusto criou entre os anos 8 e 14 o praefectus annonae,
conselho:
que tinha por missão zelar pelo abastecimento da plebe e do exército, garantindo
os carregamentos de cereais provenientes da Sicília, África e Egito. "o Império deveria ser mantido dentro das pedras de limites".
- Prefeito do Pretório: comandante de um corpo de elite responsável pela
Com base neste consilium, E. Luttwak" sustenta a hipótese de que a derrota de
segurança pessoal do Imperador. A guarda pretoriana era formada por 9.000 ho-
Q. Varo na floresta de Teutoburgo em 9 d.C., frente ao exército bárbaro comanda-
mens e ficava parte estacionada em Roma e outra na Itália. A prefeitura do pretório
do por Armínio, significou o fim da política de conquista romana e a consolida-
foi o posto mais elevado que um cavaleiro podia atingir. Ao lado da guarda
ção da fronteira com a periferia germânica, norteada pela noção de uma estraté-
pretoriana passaram a existir três coortes urbanas, num total de 3.000 homens
gia imperial que objetivava a criação de um perímetro fronteiriço de defesa com
que ficavam permanentemente em Roma à disposição do imperador ou, na sua
base em limites naturais guarnecidos por tropas auxiliares, estacionamento de
ausência, do prefeito da cidade para manter a ordem.
legiões, sistema de comunicações rápidas entre as linhas de frente e um bom
Conforme podemos notar, estas secretarias absorveram grande parte das atri- fluxo de informações entre os generais e o imperador.
buições do consulado, censura e edilato, criando uma aristocracia de serviço,
Certamente, a política externa de Augusto consistiu no estabelecimento do
formada por senadores e eqüestres, de tal forma que uma ordem vigiava e contraba-
limes' da Britânia; dos Rios Renos e Danúbio, do Oriente e do norte da África,
~ançava a influência da outra.
considerados como caminhos de passagem de tropas e suprimentos para o exérci-
Augusto também compreendeu a necessidade de instituir uma marinha para to, canal de comunicação e base de defesa, mas, também, de conquista.
assegurar o policiamento dos mares, a qual permaneceu como uma força secun-
dária, sendo recrutada entre libertos e peregrinos.
6 Vide WHITTAKER, C.R. Frontiers of the Roman Empire. A social and economic study.
É notório que o caráter essencial da monarquia em Roma foi determinado London: Johns Hopkins University Press, 1994.
pela transformação das instituições militares. 7["
unes é comumente traduzido como fronteira. Porém a idéia de fronteira no mundo romano não
Observamos que durante o final da República, os chefes políticos recrutaram deve ser entendida em termos lineares, estanques, mas como uma franja de território, local de
e sustentaram suas legiões, transformando os instrumentos de obtenção e manu- união e integração entre aqueles que eram culturalmente diferentes (Mendes, N. 1997:323).

33
32 o SISTEMA PoL!TICO DO PRINCIPADO
REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
o conselho de Augusto a Tibério estaria relacionado aos efeitos da derrota de Os Flávios mantiveram os cargos destes funcionários estatais, substituindo os
Q.Varo e não ao fim da expansão militar romana.
libertos pelos cavaleiros.
"Do advento dos imperadores até os dias de hoje se passaram cerca Reforçou-se, também, a centralização em proveito do imperador através da
de mais de 200 anos, durante os quais a cidade foi muito embelezada, ampliação das atribuições do Conselho do Príncipe. Encarregado de juntamente
seus recursos ampliados e no longo reino de paz e segurança tudo foi com o imperador preparar as disposições que deveriam ser aprovadas pelo Sena-
direcionado para uma prosperidade duradoura. Algumas nações foram do, tornou-se a última instância em matéria criminal.
acrescentadas ao Império por estes imperadores, e as revoltas foram su- Nesta tendência de centralização administrativa paralela ao processo de abso-
primidas. Possuidores das melhores partes da terra e do mar, eles tive- lutismo imperial é importante analisarmos a questão da elaboração do direito.
ram como objetivo preservar seu Império pelo exercício da prudência,
Os senado consultas continuavam sendo as fontes essenciais do direito, po-
mais do que o expandir indefinidamente sobre as tribos bárbaras pobres rém era decisiva a intervenção imperial. Entretanto, na medida em que o poder
não lucrativas. " (Prefácio 7) imperial se fortalecia, a fonte primordial de direito passou a ser representada pelo
Esta passagem de Apiano, a concepção de imperium sinefine, a dinâmica das príncipe. Ou !!2elhor, passou a ser relacionada com a vontade do imperador. Em
relações de identidade e alteridade, conforme veremos mais adiante, nos leva a 160, o jurista Gaio definiu que o dito pelo imperador através de decreto - (deci-
sustentar a hipótese de que, de certa forma, os imperadores romanos tinham cons- são sobre matéria judicial que serviam pontos de referência) -; de um edito (re-
ciência do custo marginal da ação imperialista, em função do qual as conquistas gras que deveriam ser obedecidas durante o seu reinado e difundidas pelo Impé-
se restringiam às áreas, cujo desenvolvimento da complexidade social era sufici- rio) -; de uma cart~(respostas dadas às consultas de governadores funcionários
ente para justificar o custo da conquista e tornar possível a "missão civilizadora" sobre assunto específico) - o~ de man~ata - (instruções dadas aos governadores
de província) -, tinha força de lei.
de Roma. Os germanos não tinham cidades, viviam em aldeias, eram seminômades
e, ao sentirem-se ameaçados, fugiam para as florestas, transformando os confron- De acordo com o mencionado no início deste capítulo, a jurisprudência ad-
tos em desgastantes combates de guerrilhas. quiriu grande importância e ao seu lado os juristas profissionais, elevados ao
Ademais, a idéia de fim da conquista é frágil porque a linha administrativa de primeiro escalão da administração central, tiveram grande influência junto com
fronteira nunca inibiu os romanos de avançar por onde tivessem reais interesses, os imperadores na elaboração do direito e interpretação da lei.

como foi o caso, por exemplo, da anexação da Britânia, da Judéia, da Lícia, da A centralização do direito foi acompanhada de uma codificação. O imperador
Trácia, da Dácia, da Arábia e da região da Germânia de alto índice de produção Adriano, que possuía grande sentido de universalidade, mandou que o jurisconsulto
de alimentos e de possibilidade de existência de trocas comerciais (vide Quadro 2 Sálvio Juliano, em 130, recolhesse e codificasse os editos anteriores dos pretores.
- Cronologia do Território Conquistado). Formou-se o Édito Perpétuo, cuja utilização prática é evidente, fixando definiti-
Os sucessores de Augusto consolidaram o sistema administrativo, buscando vamente as regras do direito concernente à função da justiça. No futuro, somente
ampliar a centralização imperial. o imperador podia modificá-lo ou completá-Ia.

O corpo de funcionários imperiais, tidos como colaboradores diretos do prín- Tais procedimentos foram imprescindíveis para a unificação do mundo roma-
cipe, foi ampliado em número e em poder. no, e a influência do direito romano codificado se faz sentir até hoje.

Originários da casa do imperador, estes funcionários não tinham competência Em 18, Augusto foi investido pelo Senado da atribuição de velar pelos costu-
definida. O imperador Cláudio as definiu criando uma burocracia imperial para mes e pela lei (cura morum et legum), quer dizer o poder decensor. Isto lhe
cuidar da correspondência, arquivos, das investigações judiciais cujas causas possibilitou fazer uma s~gunda revisão no álbum senatorial, controlar os ingres-
deveriam ser analisadas pelo imperador e nos serviços financeiros. Nestas fun- sos nas ordens eqüestres e senatorial e emitir a nota censoria, ou seja, expulsar,
ções Cláudio empregou seus libertos, apesar da reprovação dos senadores. banir aqueles julgados transgressores da ordem e da moral romanas. Em virtude
do ~oder tribunício, podia vetar qualquer resolução do Senado e, depois de 23
a.c., recebeu o direito de reunir o Senado e a primazia na apresentação dos pro-

34 o SISTEMA POLÍTICO DO PRINCIPADO


REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO 35
jetos de lei. Assim, o ~<?m2 órgão político da República passou a desempenhar Um Novo Tempo
o.p~pel d~ sócio inferior do Príncipe, apesar de Augusto dar ênfase à sua impor-
tância para o Estado, tratá-I o com grande deferência e ter conservado e respeita-
"Agora que todas as raças do oeste e do sul estavam subjugadas e
do sua dignidade. O imperador ascendia à posição de supra leges (WIRSZUBISK,
também as raças do norte, aqueles pelo menos entre o Reno e o Danúbio
Ch. 1968:130ss). e do leste entre o Cirus e o Eufrates, as outras nações também, que não
Depois da ditadura de César e do triunvirato, o Senado já havia perdido seus estavam sob o governo do Império, reconheciam a grandeza de Roma e
poderes principais. ô.ugusto procurou dissimulau!l!!!Pºl~Dáa política dQ...S.e®- reconheciam o seu povo como os conquistadores do mundo. Para os Seitas
do, conferindo-lhe novas atividades. Expandiu a atividade legislativa do Senado, e os Sarmatas foram enviados embaixadores procurando a amizade, as-
revestindo as consultas ao Senado de maior importância e abrangência, desde o sim como para os Chineses e Indianos, que viviam abaixo do sol... Aos
momento em que as Ass~mbléias praticamente não foram mais reunidas para partos também (...), os quais devolveram os estandartes que tinham obti-
legislar. do pela derrota de Crassus. Então por toda a parte do mundo habitado
O Senado se tornou um corpo de funcionários civis. Já não era mais sobe~o, estava a paz e uma trégua ininterrupta firmemente estabelecidas. Final-
era um órgão que anunciava ou confirmava as decisões do Príncipe. mente, no ano 700 (ano 29 a.Ci] da fundação de Roma, César Augusto
As ~gisttªt!lras, embora respeitada sua forma tradicional, foram convertidas aventurou-se afechar as duas portas do Templo de Jano, as quais somen-
e~ estágios qualificadores na hiera~quia administrativa. te haviam sido fechadas antes em duas ocasiões: no reino de Numa e
depois da primeira derrota de Cartago. (...) Depois, se dedicando a asse-
~---
Teoricamente, o princípio de soberania do Senado e do povo foi respeitado. A
confirmação de seus poderes pelo Senado e pelo povo não significava nenhuma
gurar a tranqüilidade através de leis precisas e severas, finalizou uma
época propensa a todos os tipos de vícios e conduzida pela luxúria. Por
forma de limitação ou controle de poder. Apenas os revestia de caráter legal e
todos estes grandes acontecimentos foi chamado de imperador Perpétuo
legítimo, afastando a aparência monárquica.
e Pai da Pátria. " (Floro, L.II,34).
Em suma, utilizando-se do consulado como base legal de sua autoridade, des-
de 31 a.C. até 27 a.c., tendo acrescentado a esta magistratura em 27 a.c. o Não encontraremos em nenhum princípio jurídico ou institucional os funda-
proconsulado, consolidando sua posição no Estado em 23 a.c., em virtude da mentos da síntese de poderes nas mãos de Otávio Augusto. Temos que entender
11'-- - -

obtenção do comando militar superior e do exercício do poder trib~o, e em 12 as circunstâncias históricas surgidas com a criação do Império Romano, penetrar
a.c., após assumir o pontificado máximo, Augusto conseguiu exercer sobre to- numa moral, numa sociologia e numa religiosidade para explicarmos a forma
dos os institutos políticos do Estado uma soberania ilimitada. original que a monarquia adquiriu em Roma. No entanto, a passagem acima de
Indubitavelmente, Tácito tem razão em afirmar que Augusto, gradualmente, Floro, escritor do século Il, denota que se estruturou ao redor do princeps uma
_absorve.!Lasíunç~s do Senado, dos magistrados e das leis (Anais 1,2). ~ova identificação temporal, na medida em que toda a sua atuação política como
triúnviro e após a batalha de Ácio, em 31 a.c., contemplou as inquietações que
Portanto, numa dinâmica de novidades com permanência, criou-se um apare-
afligiam a sociedade romana e gigiam a restauraçãoda res publica e da grande-
lho de Estado que, além de valorizar o documento escrito, substituiu o contato
za de Roma ante as ameaças de orientalização encarnadas em Marco Antônio e
físico entre os cidadãos e entre estes e as instâncias de poder. Ademais, represen-
Cleópatra, conforme já mencionamos. À nova identidade política do princeps
tou o momento de criação de uma política sistemática de exploração e organiza-
como tutor de todo processo decisório civil e militar se aliou a idéia de início de
ção das regiões conquistadas, pondo fim ao amadorismo existente durante o go-
uma nova era, durante a qual Roma, pela vontade divina e providencial, havia
verno republicano.
sUperado um momento de caos dominado pelas guerras civis e estava destinada a
organizar e controlar o mundo conhecido.
Não houve uma clara demarcação entre a era Republicana e a era Imperial. A
admiração pelos heróis, pelas realizações e a sobrevivência dos ideais republica-

36 o SISTEMA POLíTICO DO PRINCIPADO REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO 37


nos na mentalidade dos romanos impediam que se tivesse a noção de vinculação numa só pessoa dos dois títulos significava uma predestinação e o
descontinuidade, fazendo com que toda a tradição republicana romana, já expos- reconhecimento de uma natureza sobre-humana, divina, que se afirmava ao lon-
ta por Políbio8, a qual justificava as guerras e a expansão territorial por intermé- go da vida, desde que mantivesse afastada a tirania e fizesse rei~ar a ordem e a
dio das concepções de victrix causa, bellum justum, laus imperii, imperium sine az dentro do Império e nas fronteiras. Desta forma, ao morrer o Imperador pelas
fine e da missão de Roma como protetora e difusora do mundo civilizado, fosse ~onras da apoteose, tinha a sua divinização reconhecida e era incluído dentre as
recolhida no Res Gestae Divi Augusti e colocada sob a égide da nova ordem, divindades da religião oficial.
criada e garantida por Augusto. Logo, a história republicana foi unida ao Princi- A ideologia imperial reflete as idéias grega e oriental sobre o soberano benfei-
pado, uma vez que o republicanismo havia se esgotado como força política e tor universal, possuidor das virtudes estóicas (valor, piedade, justiça e clemência)
institucional. Neste contexto de "restauração" da Res publica, se tornou muito que encontramos articuladas à pessoa de {\.ugust~ Ao possuí-Ia, Otávio Augusto
importante o empreendimento de ~a política' de revitalização dos ri!lt_~ de não poderia ser confundido com um tirano. Assim, elevava-se legitimamente aci-
cultos tradicionais, recon!trução de templos e preenchimento dos sacerdócios ma de seus iguais. Nada mais coerente, portanto, do que considerá-Io o Pai da
que estavam vazios. Tal política de restauração religiosa era um imperativo mo-
Pátria.
ral, necessário perante os próprios objetivos políticos de Augusto e também im-
Logo, podemos inferir que Otávio se apoiou numa visão realista da vida cole-
plicou na tendência de reformulação dos costumes de acordo com os valores
tiva, afirmando forte conservadorismo político ao lançar mão das relações
morais tradicionais."
sociopolíticas calcadas no antigo modelo de comportamento entre pai e filho.
Portanto, era preciso suportar a dominação do melhor para o_bem de todos. Uma evidência disto foi o revigoramento que Augusto dedicou ao SillQ.J!.o deus
Estabeleceu-se, assim, estreito laço ~tre a paz e o poder je_ u.!!lS~ §.á.!?i2, Lares; elevando-o no nível da família imperial. O significado deste culto domés-
racional, virtuoso e providencial, conforme Augusto é representado na Eneida, tico às divindades benfeitoras era solicitar a proteção da casa, dos membros da
de Virgílio. Também será significativo para ressaltar o caráter providencial de família e do Gênio do pater.
Otávio a apropriação do título de imperator, o qual se tornou automático para os
A reinterpretação desta prática fez surgir o mais importante aspecto da mu-
seus sucessores. Esse título estava associado ao caráte~agrado que envolvia a
dança religiosa no Alto Império, o qual talvez tenha sido o desenvolvimento do
concepção tradicional de imperium. Trata-se de uma força transcendente, simul-
ritual que focalizava diretamente o imperador, especialmente depois de sua mor-
taneamente, criativa e reg~ladora, capazde agir sobre o real e d! o submeter a sua
te. Trata-se dü..cc..Q.I!Q
imperial, Preces e oferendas eram feitas ao nUJ!lefll do Impe-
vontade. Poder inerente a Júpiter que o transmite ao magistrado escolhido pelo
rador, quer dizer, às suas virtudes, genialidade e prosperidade. Assim, um único
povo romano. Pela tradição, no campo de batalha os soldados vitoriosos aclama-
homem unifica e integra a sociedade romana, unindo cada família particular à
vam o chefe, conferindo-lhe o título de imperator. Conclui-se que tal título era
grande família romana cujo r-ríncipe_era oJ.>aiqa Pátria. Isto consagrou a impor-
fundamental para a ideologia da vitória, pois somente a vitória numa batalha
tância das relações de tipo patrono/cliente no sistema social romano, fazendo
permitia esta aclamação, a qual ainda deveria ser confirmada pelo Senado. A r- -
com que o relacionamento entre aquele que estivesse investido da magistratura
vitória era vista como uma inspiração vinda diretamente dos deuses e em primei-
imperial e os cidadãos fosse mais personalista do que no sistema institucional
-
ro lugar, Júpiter. Assim, através do título de imperator, também utilizad2-P.or
Júpiter, um mortal era identificado como imortal (GRIMAL, P. 1993:9). A
republicano.
Concordamos com o historiador R. Syme (1960:386) no sentido de que a
posição do imperador foi baseada em laços patronais com seus adeptos, pois sob
8 Da obra de Políbio, destacamos as seguintes passagens L.l,3; L.l,6; L.1.63; L.3.3; ~ugusto a competição política foi esterilizada e regulada através de um amplo
L.6.58;L.15.1O. SIstema de patronato, encabeçado pelo Impe rato r.
9 Refiro-me às famosas Leis Julias que tiveram como impor uma ordem moral às classes supe- O relacionamento entre patrono e cliente foi uma constante nas relações sociais
riores. Nos anos 18 a.C. e 9 d.C. foram aprovadas leis que restabeleciam a dignidade do casa- do período republicano e se fundamentava na manutenção da auctoritas dos
mento entre senadores e eqüestres, desencorajavam o celibato, encorajava as famílias numero- patronos.
sas e reprimia o adultério e o libertino.

38 o SISTEMA PoLíTICO DO PRINCIPADO REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO 39


A.E.!!..ctoritas do prínciQ.eera sustentada pelas mesmas noções que regulavam
da vida social, do prazet, dos templos, da riqueza, da cultura e do poder. De
as relações entre patrono e cliente. De início era entendida como um processo, ou acordo com Estrabão (Cosmographia 2.5.8.), o orbis terrarum imperium tinha
seja, o desempenho de uma .e.erpétualiderança militar, uma ação contínua como o duas partes: território organizado e submetido à lei civil romana e as externae
maior benfeitor da Res publica, não somente pela demonstração das suas virtudes gentes, as quais não ocupavam terras anexadas, mas reconheciam a superiorida-
(prudência, justiça, sabedoria, clemência, pietas, gravitas), pelas suas ações e de romana. Esta concepção ecumênica e de um imperium sine fine está represen-
realizações imeritis), como também por ser o mais rico. O benefício gerado pelo
tada no mapa global do mundo conhecido de Agripa (NICOLET,CL.1990:95) e
ijnperador criava um débito (officium), o qual deveria ser rryara,!o pela gratidão
na autobiografia escrita por Otávio Augusto.
(gratia). A relação de troca entre o imperador e seus súditos podia dificilmente
A centralização do território se manifesta pela posição de Roma como o nú-
ser em termos iguais, e~ecorrência da disparidade de recursos e poderes. Como
cleo sagrado de poder simbolizado pela presença do Miliário de ouro" e rodeada
Sêneca aponta os imperadores,
por suas províncias, as quais eram divididas de acordo com os territórios das
"são colocados pela Fortuna numa posição na qual são capazes de civitates. A delimitação do território é marcada pela existência do limes terrestre
oferecer muitos favores, mas receberam muito poucos e inadequados pre- e físico. O limes terrestre considerado como um arquétipo de fronteira linear e
sentes em troca" (De beneficiis 5.4.2). militarizada pode ser dividido em quatro tipos: limes fechado da Bretanha, com o
muro de Adriano; Germânia - rota estratégica fortificada; limes aberto e
Por meritum a superioridade do Imperator é inquestionável. Os súditos de-
descontínuo da Síria; limes africano que era uma linha de penetração e de troca
vem, portanto, demonstrar sua gratia pela lealdade e pelo reconhecimento de sua
com os povos nômades, fortificado somente nas regiões subsaarianas para a pro-
posição inferior.
teção da Nurnídia e do Egito. À oeste, o Oceano Atlântico formava a fronteira
Desta forma, Augustus (adjetivo com amplo campo semântico: nobre, venerá- física do Império, sobre a qual se projetava todo o simbolismo do medo associa-
vel, sagrado, podendo ser associado a augere, aumentar, engrandecer) do ao universo da água ilimitada (MENDES, N. 2004:262).
(ZANKER,P.1987: 127) é o auctor perpetuo, o fiador da paz, da estabilidade, da
Logo, a expressão Imperium Romanum "traduz não só o espaço no interior
segurança e da ordem. Todos estes atributos fazem do Princeps um modelo ideal
do qual Roma exercia o seu poder, como este mesmo poder" (GRIMAL, P. 1993:9).
de justiça e moralidade, o possibilitou encarnar a maiestas de Roma que na Re-
pública pertencia ao povo romano, tornando-se o supremo patrono do Senado, do Neste contexto espacial, o processo de Romanização' pode ser en\endido
povo romano e de todo o genus humanum. como um projeto cultural veiculado pela produção intelectual e pela "linguagem
das imagens" (ZANKER, P. 1987) produzidas num momento histórico específi-
co e que constituíam uma "suturação" (HALL, S. 2000) entre a nova identifica-
A Nova Identificação Espacial
ção política e temporal e a necessidade de (re) construção da identidade imperial.
Ou melhor, um projeto que permitia a participação, sendo implementado através
Esta nova identidade política e temporal envolvia uma identificação espacial,
de vários mecanismos, os quais transcendiam às forças de coerção e implicavam
diante da necessidade política de afirmar que o Império havia submetido o mun-
cooptação, cooperação e identificação (WOOLF, G. 2001 :311-323) entre a
do e de organizar o território do Imperium, objetivando uma exploração sistemá-
alteridade das regiões e a identidade imperial romana.
tica, de acordo com os valores identitários da sociedade romana e de sua concep-
ção de mundo (vide Mapa 1).
IOc
Nas províncias Ocidentais, a prioridade era consolidar a conquista e subordi- onstruído em 20 a.c. e continha inscrições com as indicações da distância entre a capital e
nar os povos, introduzindo-os na "ética civilizatória". Conforme afirma C. R. as principais cidades.
IIN
Whittaker, parafraseando G. Woolf, a principal diferença era que, no mundo gre- a época de Augusto aquilo que podemos chamar de padrão cultural romano já era repleto
go, Roma pretendia restaurar a disciplina, e no Ocidente, criar a ordem (1997: 144). de diferenças provocadas pela interação entre os romanos e os "outros". Neste sentido, deve-
mos descentralizar de Roma o termo Romanização e entendê-lo como um processo de mudan-
Os romanos concebiam o seu Império composto por dois espaços fundamen- ça socioeconômica multifacetada em termos de seu significado e mecanismos, implicando
tais: a Urbs e o orbis terrarum. A Urbs, Roma, era o centro do mundo, a cidade diferentes formas de ajustamento cultural entre os romanos e os povos dominados .

••••1 40 O SISTEMA POLÍTICO DO PRINCIPADO R"I>""'~EÉRRl(IQ.l..cl:Rr.JQJ.MM.!lAU'NOJ.O~ _ 41


Neste sentido, podemos citar como exemplos os discursos de Virgílio, Estrabão, não através da posição social, classe, riqueza ou gênero, mas pela virtude de
Tito Lívio, Horácio e os discursos não-verbais veiculados, por exemplo, pela pertencimento a um povo particular" (2001:314).
estátua de Otávio Augusto, conhecida como Thoracata'? e o monumento conhe-
cido como Ara Pacis Augustae", A Questão Sucessória e a Transformação do Principado
Como resultado de um relacionamento complexo entre a intencionalidade do
governo imperial, a persuasão e a transformação das culturas locais, estes discur- A essência da ideologia do Principado era uma complexa ambigüidade da
sos veicularam pela extensão do mundo romano os sistemas de representação posição de Augusto como homem e deus (ELSNER,J.1995: 160). Esta
IIIII
que davam sentido ao projeto imperial romano, através de uma série de mecanis- ambivalência, conforme vimos, foi criada precisamente para resolver o problema

1,,1
i mos, interpretados por nós como estratégias de Romanização, os quais modela-
vam de várias formas a vida pública e privada, por meio de um conjunto
de estruturar o Principado num contexto republicano e minimizar o seu aspecto
político e militar, através de justificativas sagradas. Constituiu-se na essência das
multifacetado de dispoS'rtivos capazes de transmitir e impor a adoção do ideal de tensões e conflitos políticos do Principado, principalmente após o imperador Cláu-
ser romano, tais como: produção intelectual, formas de culto, práticas sociais, dio, quando a Libertas se tornou um conceito político usado para condenar a
educação, remodelação dos ambientes físicos, organização administrativa, insti- tirania dos imperadores considerados ruins pelo Senado e para dar suporte ao
tuições, surgimento de novos grupos sociais, construção dos marcos espaciais ideal de monarquia moderada nos moldes de Augusto. Esta questão foi intensifi-
urbanos e rurais, rede viária, organização militar. cada a partir de Nero, quando a divindade do imperador começa a ser debatida.

Neste contexto, o processo de Romanização se confundiu com a própria prá- No bojo desta problemática estava a ficção político-jurídica da natureza do
tica imperialista, e, talvez, a principal estratégia tenha sido a manutenção e cria- poder imperial, algo que se agravava nos momentos de sucessão dos imperadores.
ção dos distintos tipos de civitas. As civitates tiveram a função estruturante de Como assegurar a permanência do Principado após a morte de Augusto?
possibilitar a centralização político-administrativa para o gerenciamento do ex- A introdução de qualquer sistema sucessório que tivesse como dispositivo a
cedente produtivo, para a cooptação das elites nativas e para a divulgação da prática da hereditariedade seria certamente desaprovada pela opinião pública e
cidadania romana. A organização municipal viabilizou a integração, desenvol- incompatível com a idéia de restauração republicana. Nada impedia, entretanto,
vendo um sentimento de pertença, expressado pelo conceito de cidadania, algo que Augusto emitisse um voto, apontasse um candidato que tivesse condições de
que foi socialmente institucionalizado e moralmente construído, apesar das di- substituí-Io. Isto foi feito através da adoção e da associação parcial do escolhido
versidades regionais, sociais e culturais. ao poder imperial. A adoção não significava a introdução da monarquia hereditá-
Tornar-se cidadão romano era um aprendizado, demarcado por expectativas ria, pois era tradicionalmente conhecida pelas famílias romanas e não transfor-
de comportamentos singulares. Foi através da cidadania que os romanos construí- mava imediatamente o adotado em sucessor. A co-regência dava ao escolhido
ram a sua identificação étnica como um processo de comunicação cultural de um grande força perante a opinião pública, conferindo-lhe honras e dando-lhe a pos-
status jurídico e legal que careceu de um conceito baseado num centro étnico sibilidade de mostrar seus méritos.
comum. Foi caracterizada por uma identidade incompleta, expressada pela políti- O critério de adoção foi utilizado por Augusto na escolha de Tibério, filho de
ca da cidade, na qual o sentido de domínio se associava à vontade de integrar sua esposa Lívia, porque Agripa e seus netos Lúcio César e Caio César faleceram.
(GIARDINA, A. 1994:1ss). Assim, conforme afirma G. Woolf, "o imperialismo Tibério recebeu o comando militar superior e os poderes tribuno, pois era
romano pode ser interpretado como uma dominação étnica, um domínio exercido necessário demonstrar sua importância para o bem do Estado, transformando-o
IIIII!I
no segundo homem da comunidade. Assim, em 19 de agosto de 14, quando Augusto
12 Vide Mendes, N. M. e Ventura, G. da Silva. As representações do poder imperial em Roma morreu, Tibério já estava investido da essência do poder imperial. Bastava, ape-
entre o Principado e o Dominato. Dimensões. Revista de História da UFES, v. 16, 2004. nas, a confirmação do Senado e do povo para consagrar a observância das práti-
13 Mendes, N. M. As Relações Políticas entre o Princeps e o Populus Romanum através do cas republicanas. Todavia, Augusto não teve condições para estabelecer uma re-
"transcrito público" Hélade 2 (1) , 2001 :39-49 (www.heladeweb.com/volume2/numeroll nor-
gra estável para a sucessão imperial.
ma - musco - mendes. Htm).

43
42 o SISTEMA POLÍTICO DO PRINCIPADO
REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO

II1
Logo o relacionamento entre Tibério e o Senado se rompeu diante da atmosfe- Como delegar a Flávio Vespasiano'" a síntese dos poderes do príncipe do Se-
ra de intrigas e ameaça de conspiração, provocando, em 37, a sua morte. nado, pois ele não era nenhum patrício e nem romano? Os sucessores de Augusto
Aclamado pelo exército, Calígula viu confirmada sua designação pelo Se- ozaram de uma espécie de legitimidade oriunda do reflexo póstumo da sua auto-
nado e pelo povo. Tornou-se impossível o bom relacionamento com o Senado ;idade, pois, por adoção ou por nascimento, pertenciam a sua família.
diante de sua tendência tirânica e desmedida, querendo governar como um Vespasiano tinha ao seu lado apenas a vitória militar. A monarquia já era uma
monarca oriental, exaltando a ideologia helenística e buscando sua realidade, mas era preciso reafirmar a autoridade do princeps e evitar qualquer
autodeificação. Em 15 de janeiro de 41, os oficiais da guarda pretoriana o as- ação do Senado que pudesse obstruir as suas intenções e de seus adeptos. Isto
sassinaram. Com sua morte desaparecia a família dos Júlios. Porém, restava um parece ter sido o motivo da aprovação pelo Senado de um decreto que foi confir-
tio de Calígula, Cláudio, que os pretorianos se apressaram em aclamar, e o mado pelo povo, investindo todos os poderes vinculados ao comando superior
Senado investiu-lhe os poderes de príncipe. Ficava, assim, constituída a dinas- militar e aos poderes tribunícios, já exercidos por Augusto, Tibério e Cláudio, a
•••
tia Júlio Claudia. Vespasiano, não fazendo menção aos imperadores "autoritários" Calígula e Nero
e nem aos usurpadores de 68 e 69. A esta forma de acumulação de funções e
Após a desordem do reino de Calígula, o novo imperador quis restaurar o
poderes chamamos Lei de Império de Vespasiano, que lhe dava o direito e o
Estado através do desenvolvimento de uma política centralizadora, cujo con-
poder de fazer o que fosse necessário para servir aos interesses do Estado e à
junto atingia profundamente o Senado, na medida em que fortalecia a atuação
dos libertos imperiais na administração central, conforme já afirmamos, e ins- dignidade de todas as coisas divinas e humanas, públicas e privadas.
crevia entre as famílias patrícias, famílias plebéias. Esta promoção tinha o Foi uma tentativa de definir a auctoritas e fornecer uma substância legal para
valor de uma distinção honorífica, porém para o imperador representou uma a posição do príncipe. A antiga prática segundo a qual a posição do imperador era
forma de ação sobre a nobreza senatorial. Este mesmo objetivo pode ser in- baseada num consenso legal, na posse da auctoritas e no costume foi alterada.
terpretado em relação à ampla concessão da cidadania romana às cidades do Não havia mais um compromisso entre as instituições republicanas e a acu-
Ocidente, principalmente das províncias da Bética e da Narbonense, e a ins- mulação de poderes na pessoa do Imperador. Houve um reconhecimento formal
crição dos mais ricos na ordem eqüestre. Externamente, a principal atuação do direito constitucional do governante do Estado. Evoluiu-se para uma monar-
de Cláudio foi a conquista da Britânia, como uma forma de complementar a quia constitucional que traz os germes da monarquia absoluta (ADCOCK,
conquista da Gália. FE.1959:31).
No ano de 54 foi envenenado por sua quarta esposa, Agripina, sendo sucedi- Outra etapa importante neste processo de afirmação da autoridade imperial de
do por Nero. Vespasiano foi a inscrição da sua família dentre as famílias patrícias. Desta for-
Os pretorianos aclamaram Nero e o Senado ratificou. Depois de cinco anos de ma, a partir de Vespasiano o protocolo de nomeação dos imperadores passou a
um bom governo, sob a influência dos seus tutores, dentre os quais o grande ser Imp( erator) como prenome, que significava o poder proconsular ilimitado;
filósofo Sêneca, Nero transformou-se num tirano. Concebeu o poder imperial Caesar como gentilício, em reconhecimento da importância deste para a funda-
como uma monarquia à moda faraônica do tipo da monarquia lágida, encarando ção do regime Aug(ustus) como cognome utilizado antes do nome pessoal
o soberano como a encarnação do deus Sol. (ALBERTINI, E.1970: 110).
Em 68, Nero suicidou-se ao ser abandonado pelos exércitos, pela guarda Flávio Vespasiano dedicou-se a uma restauração política nos moldes de
pretoriana e por ter sido declarado pelo Senado como inimigo público. Não havia Augusto, porém adaptada ao seu tempo social valorizar Roma e a Itália
mais nenhum representante da família Júlio Claudia em condições de receber a enfraqueci das pela tirania orientalizante de Nero.
magistratura imperial.
Iniciou-se a primeira crise sucessória do Império Romano no ano de 68, tam-
bém denominado oAno dos Quatro Imperadores: Galba, ato, Vitélio e Vespasiano, 14 Era um "hemo novus" proveniente de uma rica família da região da Sabina que percorreu
único a sobreviver sem rival. etapa por etapa a carreira das honras e se destacou nas campanhas militares na Judéia.

44 45
o SISTEMA POLfTICO DO PRINCIPADO REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO
Um dos traços característicos do regime flaviano e da restauração política em- Assim, podemos entender por que Tácito afirma que:
preendida foi a tentativa de estabelecimento da hereditariedade do Principado.
"Nerva soube conciliar duas coisas que até o momento pareciam in-
Conforme podemos notar pelo que já foi exposto, a sucessão no Principado
conciliáveis: principado e a liberdade. " (Agrícola 2,2)
sempre adotou um caráter dinástico, utilizando-se da adoção e da co-regência
como artifícios. A crise de 68/69 demonstrou o perigo da instabilidade entre a No entanto, no cerne do pensamento político estóico está a questão de como
autoridade civil e a força militar frente à fragilidade das práticas sucessórias. diferenciar um monarca de um tirano. De acordo com Sêneca, a distinção não
Vespasiano, buscando a estabilidade, designou seus filhos como seus sucessores, está baseada na legitimidade do poder ou nas limitações, mas na forma como o
colocando-os ao seu lado como colaboradores principais. tirano ou o monarca usavam o poder (De Clem. 1,11,4).
Procurou, também, consolidar de todas as formas sua autoridade, demons- Neste sentido, a clemência do imperador moderava a sua conduta e passou a ser a
trando-se despótico e apre~ntando uma tendência à sacralização, pois a casa única garantia dos súditos, pois era fruto da razão e da sabedoria e a antítese da cólera. 15

imperial transformou-se em domus divina. Estas idéias se adequaram às transformações sofridas pelo Principado no sé-
Vespasiano foi sucedido pelo seu filho Tito, em 79, que conservou a linha culo II e possibilitaram a formulação teórica para um poder cada vez mais abso-
política de seu pai, morrendo após dois anos de reinado. Foi sucedido pelo irmão luto do príncipe. Neste processo também interagiu a transformação da elite cêntrica,
Domiciano com quem renasceram tendências do despotismo que o fez rebaixar a a qual já não apresentava forte ligação com a tradição republicana.
autoridade do Senado, intitulando-se dominus et deus. Portanto, Domiciano en- Desde a dinastia dos Flávios, diante da prática de elevação do estatuto políti-
frentou uma forte oposição senatorial, sendo assassinado numa conspiração, em co-jurídico das civitates para a condição de município latino, verificava-se uma
96. Todos os seus atos foram anulados pelo Senado e, por conseguinte, extin- mudança na formação da elite cêntrica pela presença de homens novos, proveni-
guiu-se a dinastia dos Flávios. entes dos municípios, das colônias e das províncias. Basta citarmos as famílias de
Sabemos que neste momento a sociedade romana já havia se conscientizado origem espanhola dos imperadores Trajano e Adriano. A presença dos Orientais
de que o governo tinha que ser monárquico. tornou-se mais numerosa com Tito e Domiciano. No conjunto, a porcentagem de

A própria Libertas era considerada como uma independência de opinião e não senadores de origem provincial cresce sensivelmente: entre 68 e 96 a presença de
um republicanismo (Tac.Ann.XIV,12). Tácito é ciente do universalismo de Roma senadores italianos cai de 83% para 76%, enquanto a dos provinciais passa de
16,8% para 23%, dentre os quais 75% eram Ocidentais e 15% Orientais (PETIT,
e da necessidade do Principado para manter a paz e a ordem (Diálogo dos Ora-
dores. 38,7; Hist. 1,1,16; 11,38). Todas as suas críticas são dirigidas para os sena- P. 1974:138). Algo que se modifica, pois no final do século Il, 58% dos membros
do Senado eram Orientais (PATTERSON, J. 1992:161). Tal tendência foi ampli-
dores que buscavam uma relação direta e pessoal com o imperador, esperando
ada pela criação do direito latino mais amplo (latium majus) por Adriano, segun-
dele proteção e favores, agiam servilmente, enquanto outros poderiam preservar
do o qual nas cidades de direito latino os decuriões recebiam a cidadania romana
a Libertas, atuando com independência, sem bajulação e fortalecendo o Senado
como instância institucional (JOLY, F. 2003: 123). plena transmissível a toda a sua família.

Com o assassinato de Domiciano, em 96, Nerva foi eleito imperador na idade Trajano encarnou o ideal senatorial do príncipe "primus inter pares", por ter

de 64 anos. Iniciou-se no período dos Antoninos, considerado pela tradição ro- empreendido uma política interna de deferência ao Senado; uma política de as-

mana como o momento do apogeu do Império Romano. sistência pública à Itália, que foi interpretada como uma forma de restaurar a sua
Superioridade, através da instituição dos alimenta" e pela retomada da ação guer-
Nerva significava a transição para um novo conceito de princeps e para a
sucessão. O princeps deveria ser a pessoa mais qualificada e adequada para exer-
15 vid
! e Cardoso, Zélia de A. Política e Poder nas obras de Sêneca, In: PHOINIX. Rio de
cer esta tarefa e deveria ser indicado pelo imperador ainda reinante. Passou a ser
Janeiro: Mauad, 2003, 360-379.
considerado como o primeiro servidor da comunidade de acordo com a justifica- 16E '
mprestimo de dinheiro pelo imperador a baixos juros aos proprietários territoriais da Itália,
tiva filosófica da monarquia helenística e com os princípios do estoicismo. C~jos lucros, em vez de serem devolvidos ao imperador, seriam destinados à educação e à
dIVersao
- das crianças pobres.

46 o SISTEMA POLlTICO DO PRINCIPADO REPENSANDO O IMPÉRIO ROMANO


47
reira e conquistadora dos príncipes, demonstrando que o Império Romano ainda CICERO. De Legibus, The Loeb Classical Library. Harvard University Press, 1990.
era capaz de se impor pelo sucesso militar. Na época de Trajano o Império Roma- vol. XVI.
no atingiu a sua maior extensão territorial (vide Mapa 2). CICERO. De Res Publica. The Loeb Classical Library. Harvard University Press,
II!IIIIII Isto fica consagrado quando em 114, numa cerimônia do Senado, Trajano 1990. vol. XVI.
recebeu pela preeminência do conjunto de suas virtudes o direito de usar o super- FLORUS. Epitome of Roman History. Harvard: Harvard University Press, 1984.
lativo Optimus para adjetivar o título de Princeps.
RES GESTAE DI VI AUGUSTI. São Paulo: Nobel, 1957.
Optimus Princeps passou a significar "o Perfeito" (Plínio, Paneg.2,7). Do
PLlNIO, o jovem. Panegírico em honor a Trajano. In: Biografos y Panegiristas Lati-
ponto de vista da "Libertas a perfeição do imperador era única garantia de que o
nos, Madrid: Aguilar, 1969
seu poder ilimitado não se tornaria um poder opressivo" (WIRSZUBSKI, Ch.
PLUTARCO. Vidas Paralelas - Pompeu. Biografos Gregos, Madrid: Aguilar, 1973.
1968:154). Tal noção era.uma alternativa ao ideal republicano, quando a garantia
da Libertas estava na superioridade absoluta da lei e da soberania do povo romano. TACITUS. The histories. Books I-III. Harvard: Harvard University Press, 1992.

A teoria da eleição e adoção do melhor homem para a tarefa de dirigir o Esta- TACITUS. The Annals. Books I-III. Harvard University Press, The Loeb Classical
do funcionou para a sucessão de Adriano, Antonino Pio e Marco Aurélio. No en- Library 1992.
tanto, Marco Aurélio tinha um filho, Cômodo, que foi o escolhido para sucedê-lo. TACITUS. The Annals. Books IV-VI,XI-XIV Harvard University Press, The Loeb
Impossível saber se Marco Aurélio foi movido pelo amor paternal, pelo dese- Classical Library, 1986.
jo de restabelecer o princípio de hereditariedade ou se realmente considerava TÁCITO. Agrícola. Tradução de Agostinho da Silva, Coleção Horizonte-Clássicos,
Cômodo o "melhor dentre os melhores". O fato é que Cômodo foi o exemplo do Portugal, 1974.
que aconteceria com a nova teorização da transmissão do poder imperial, se o TÁCITO. Diálogo dos Oradores. tradução de Agostinho da Silva, Coleção Horizon-
escolhido não fosse realmente o melhor. te-Clássicos, Portugal, 1974.
Cômodo rompeu com o ideal do príncipe perfeito. Seu assassinato em 192 The Geography of Strabo. London: The Loeb Classical Library, 1988.
selou o fim da dinastia dos Antoninos e do Principado. Um soldado africano,
SÊNECA. Tratado sobre a Clemência. Tradução de Ingeborg Braren, Petrópolis: Vo-
Sétimo Severo, foi aclamado imperador, inaugurando uma autocracia baseada na
zes, 1990.
II força militar e anunciando a transição para o período chamado de Dominato.
SUETÔNIO. El Divino Augusto. In: Biografos y Panegiristas Latinos, Madrid: Aguilar,
Consagrava-se, assim, a vitória da tendência política absolutista de tipo Oriental
1'11'
1969.
que durante todo o Principado chocou-se com a tendência política Ocidental,
considerada mais moderada.
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