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Marina de Mello eSouza

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Universitárias (Abeu). Adaptada conforme normas da Edusp.
Souza, Marina de Mello e
Além do Visível: Poder, Catolicismo e Comércio no Congo
e em Angola (Séculos xvi e xvit) / Marina de Mello e Souza. -
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2018.
320 pp.: il.; 23 cm.

Inclui mapase imagens.


ISBN 978-85-314-1700-9

1. História da África. 2. Congo. 3. Angola. 1. Título.

CDD 960

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Printed in Brazil 2018

Foifeito o depósito legal


Wbordinação dos sobas

pr todo o século xvr, o Congo foi parceiro comercial dos portu-


jueses, principalmente daqueles estabelecidos em São Tomé.
jpartir de meadosdesse século, o cobre e o marfim até então co-
jados cederam lugar aos escravos, cada vez mais requisita-
os nasilhas do Atlântico e, depois, no Nordeste brasileiro, onde
jengenho produtor de açúcar tornava-se peça importante da eco-
jomia lusitana. Na segunda metade do século xvi, os comercian-
às de São Tomé também frequentavam lugares ao sul do Congo,
as habitadas por povos ambundos (mbundu). No entanto, a
ha de Luanda, contígua à terra dos ambundos,era controlada
pelo mani Congo. Na carta que dom Afonso enviou a dom Ma-
juel 1 em 1514, fazendo várias queixas acerca dos portugueses de
São Tomé e dos sacerdotes que viviam em mbanza Congo, intitu-
a-se rei do Congo e senhor dos ambundos. Mesmoqueisto fosse
igura deretórica, estava fundamentada em algum tipo de subor-
ação que aqueles povos teriam com relação ao mani Congo,

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fosse aindaexistente à época da carta ou já passada, mas consi-
derada ainda em vigor no discurso laudatório.
A região compreendida pelos rios Bengo, ao norte, e Cuanza,
ao sul, chegando até onde o rio Lucala deságua no Cuanza,foi
chamada de Dongo (Ndongo) nas fontes portuguesas. A organi-
zação social desses povos era semelhante à de seus vizinhos do
norte, sendo os gruposde parentesco a unidade básica, na qual a
autoridade dos chefes de linhagem determinava a condução dos
assuntos comunsao grupo, comoa distribuição das terrase a apli-
cação dajustiça. A economia estava fundada na agricultura de
subsistência e na criação de gado miúdo, complementada pela
pesca, pela caça e pelas trocas de alguns produtos. Entre estes,
destacavam-seo sal, que era abundante em uma região ao sul de
Luandae servia também de moeda, e os instrumentosdeferro,
feitos por especialistas muito respeitados que, além de conhecer
os locais onde o minério era coletado, dominavam as técnicasde
sua transformação. A autoridade política era definidaa partir dos
chefes dos grupos que primeiro chegaram àslocalidades em que
viviam e estavaligada aos espíritos territoriais e à ancestralidade.
Insígnias como um sino duplode ferro, braceletes e machadinhas
eram depositárias do poder do chefe, que, ao recebê-las, adqui-
ria os direitos e responsabilidades conferidos pelo conjunto da
comunidade. Além das insígnias de poder, um sistemade titula-
ção identificava os lugares ocupados pelosvários chefes no con-
junto das sociedades. Havia umaarticulação entre diferentes al-
deias e linhagens definida por laços de parentesco traçados a
partir de um mesmoancestral, porligações constituídas por meio
de matrimônios,e relações entre os diferentes títulos, inseridos
numa hierarquia queindicava níveis de poder e proximidade en-
tre os grupos.
O principal chefe de uma aldeia, chamado de “soba” nasfon-
tes portuguesas, governava com o auxílio de um conselho com-
posto pelos cabeças de linhagens, os makota. A natureza do po-
der do soba ligava-se ao sagrado,e ele detinha o privilégio de

B6 Além do Visível
istigar osinfratores - portanto, de exercício da violência - e era
responsável pelo bem-estar do grupo, pela chuvae pela fertili-
ade das lavouras- nas quais era o primeiroa jogar as sementes.
his poderes justificavam que cobrasse tributos de seus subordi-
ados e de qualquer um que desejasse passar pelo território por
le controlado. A reciprocidade era a base das relações, tanto no
do visível, como no invisível. Os ancestrais e espíritos diver-
Os agiam na vida cotidiana, e, para que tivessem sobre ela uma
ição positiva, era necessário que fossem cumpridos adequada-
entre ritos a eles dirigidos. Portanto, além dos chefes, os sacer-
Dtes, especialistas em lidar com as coisas do mundoinvisível, ti-
ham um lugar de destaque na vida social!
No século xvi, quando os portugueses de São Tomé começa-
im a realizar trocas de produtos com as populações ambundas
ue viviam ao sul do Congo, estava em cursoo fortalecimento do
Ítulo de ngola. O então detentor dotítulo aparece nas fontes como
-a-kiluanji (angola-aquiluange) com o complemento desig-
ando a sua linhagem, uma das principais do Dongo, com direito
fornecer o ngola. Este congregava em torno de si chefes porta-
lores detítulos diversos e pertencentesa outras linhagens. O modo
pmo se deu a centralização do poder em torno do título ngola é
gsunto obscuro, pois a informação existente para o período an-
rior à chegada dos portugueses na região resume-se a algunsre-
tos orais coletados por missionários no século xvir, principal-
mente Cavazzi e Gaeta”. Em algunsregistros, o ngola é identificado

Às principais obras aqui utilizadas que tratam de aspectos das sociedades


ambundas à época da chegada dos portugueses nesta região são: Jan Vansina,
How Societies are Born, 2004; Joseph C. Miller, op. cit., 1995; John K. Thorn-
ton e Linda M. Heywood, Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foun-
dation of the Americas; Beatrix Heintze, “O Estado do Ndongo no Século
| xvur”, em Beatrix Heintze, Angola nos Séculos xvi e xvir, 2007; Adriano Par-
reira, Economia e Sociedade em Angola na Época da Rainha Jinga, 1989.
João Antonio Cavazzi de Montecuccolo, Descrição Histórica dos Três Reinos
do Congo, Matamba e Angola, 1965; Antonio da Gaeta e Francesco Maria
Gioia, La Maravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo della Regina

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 87


a um ferreiro que congrega vários grupos em torno desi. Em ou-
tros, é associado a um estrangeiro conquistador que submete à sua
autoridade as populações conquistadas. Ambos são mitos de fun-
dação recorrentes na região. António de Oliveira de Cadornega,
que escreveu umahistória da conquista pelos portugueses do ter-
ritório queseria chamado porestes de Angola, enumera ostítulos
dos dignitários do Dongo que cercavam o ngola e aponta quees-
tes tinham funções específicas. Cadornega afirma que a maioria
| dos “gentios” a ele submetidos eram ambundos, dividindo-se os
| seus “vassalos” em dois grupos: os filhos de murinda, que eram
|| os moradoresdas aldeias, e os filhos de quijico, os aprisionados
nas guerras. Isso nos leva a pensar que o Dongo, mais do que uma
|
delimitação territorial, era constituído por grupos de pessoas sub-
metidas a uma autoridade maior* e que se formoutanto por alian-

Singa, e del suo Regno di Matambanell'Africa Meridionale, 1669. Joseph C.


Miller, Poder Político e Parentesco, 1995, esboça uma explicação sobre 0
processo de estruturação do poder em torno da insígnia ngola, que teria
permitido que essatitulação se desvinculasse da ligação com determina-
do território, dando maior mobilidade aos grupos.
3. Cf António de Oliveira de Cadornega, História Geral das Guerras Angola-
nas, 1972, vol. 1, p. 29. Cadornega chegou a Angola em 1639, aos 16 anos de
idade, com o governador Pedro Cezar de Menezes. Seguiu carreira militar,
tendo recebido a patente de capitão em 1649. Viveu em Massangano por28
anos, onde, em 1660, tornou-se seu Juiz Ordinário e primeiro provedor da
Santa Casa de Misericórdia, por ele fundada. Em 1671, vivia em Luandae era
o vereador mais antigo da Câmara. Em 1681, terminou sua obra detrês vo-
lumes sobre Angola. Morreu em 1690. Beatrix Heintze cita uma passagem
de um jesuíta, Iarric, de 1610, com informações sobre jesuítas que estiveram
em Angola, segundoas quais além dos macotas(gentis homens), murindas
(homenslivres) e quijicos (servose escravos de origem muito antiga entre
eles), são mencionados os mobicas (mubika, os adquiridos pelo direitos de
guerra, por compra ou outra forma), sendo essa categoria também muito
antiga entre eles. Cf. Beatrix Heintze, “O Estado do Ndongo no Século xvir';
em Beatrix Heintze, Angola nos Séculos xvt e xvil, 2007, pp. 203-204.
4. “O Ndongo deve pois ser entendido em termosda influência política da
genealogia ngola-a-kilwanji e não como um espaço territorial circunscri-
to a uma “etnia” Cf. Adriano Parreira, op. cit., 1989, p. 175.

88 Além do Visível
|5 entre algumas chefaturas como pela incorporação de gente
la guerra. Esta, entretanto, não era a principal atividade dos am-
indos, descritos comoagricultores sedentários.
Em meados do século xvi, além do Dongo, sob o governo do
ola, existiam ao sul do Congo outras chefaturas, como Matamba
que utilizavam título de dembo - motivo pelo qual a região
sou conhecida como Dembo (Ndembu). Os laços de amizade e
Wbordinação entre elas era fluido, dependendo de correlações
E forças variáveis no tempo.Poressa época,alguns chefesjá de-
stravam interesse em ter acesso aos produtos europeus e
andavam presentes para o mani Congo com vistas a serem in-
dos nos novoscircuitos de trocas. Em pouco tempo, os pró-
Os comerciantes de São Tomé passariam a agir na costa ao sul
Congo, principalmente na região da ilha de Luanda, onde as
ras do mani Congo faziam fronteira com território controla-
pelo ngola-a-kiluanji - ou seja, o principal chefe do Dongo,
n ascendência sobre os sobas. Ali, os portugueses não foram
ebidos com a mesma boa vontade encontrada entre os gover-
ntes do Congo,e, apesar das trocas serem desejadas, os cami-
8 do território não foram abertos para os estrangeiros, nem
faceita a sua pregação religiosa. A princípio, o contato entre os
rciantes de São Tomé e os ambundos que viviam naregião
lo Cuanza era independente tanto das normas traçadas pela
a portuguesa como daquelas estabelecidas pelo mani Con-
Ds portugueses de São Tomé agiam de forma autônoma com
lação às políticas metropolitanas - o que pode ser confirmado
las queixas que dom Afonso fez em carta enviada a dom João
im 1529. Os chefes ambundos, por sua vez, agiam de formain-
pendente do mani Congo, que perdia o controle sobre o comér-
é mesmo entre alguns de seus tributários.
'Na segunda metade do século xvr, apelos dos chefes ambun-
Epor contato direto com Portugal, transmitidos por parceiros
eses e por embaixadas que pediam missionários e ami-
de, somaram-se à percepção da administração lusitana de que

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 89


era necessário ter maior controle sobre o comércio na foz do rlg
Cuanza. Além disso, as potencialidades de colonização da região
pareceram atraentes a Paulo Dias de Novaes, neto de Bartolomet
Dias, que, em 1560, durante a regência de dona Catarina,foi en-
viado como embaixador de Portugal junto ao ngola-a-kiluanj/l,
que o reteve em sua kabassa (capital) até 1565. A sua libertação
foi negociada pelos comerciantes de São Tomé, sem os quais sua
estadia entre os ambundos do Dongoteria sido ainda mais longa
do que oscinco anos que durou. Francisco de Gouveia, o padre
jesuíta que o acompanhava naquela ocasião, não teve a mesma
sorte e continuou prisioneiro do ngola - ou, então, hóspede tão
querido que proibido de partir -, tendo morrido na mesma oca-
sião em que Paulo Dias de Novaes voltava como donatário para
ocupar as terras a ele atribuídas pelorei lusitano, depois deter
trabalhado intensamente junto à corte em Lisboa para tanto.
Tomando como modelo o sistemade capitanias implantado
na colonização do Brasil, dom Sebastião, em 1571,atribuiu a Pau-
lo Dias de Novaes as obrigações referentes à colonização de An-
gola, em troca de possibilidades de exploração doterritório - que,
no entanto, acabaram se mostrando muito aquém do imaginado,
O fato é que, em 1575, a expedição colonizadora de Paulo Dias de-
sembarcou em Luanda, implantandoali o centro de umacolônia.
Esta foi montada por meio dealguns poucos presídios construí-
dos ao longo do rio Cuanzaentreo final do século xvr e meados
do seguinte, em territórios cujos sobas foram subordinados pela
guerra ou pela adesão a tratados de vassalagem.
A ilha de Luandaera espaço de domínio do mani Congo, que
dali recebia o nzimbo - búzios ou conchas que serviam de moe-
da paratransações, principalmente as feitas nos mercados do lago
Malebo,controlados por povos de Macoco, queparalá levavam
produtos negociadosnas rotas fluviais do interior da bacia do rio
Congo, onde o marfim e o cobre cediam cadavez mais espaço aos

5. Alberto da Costae Silva, A Manilha e o Libambo, 2002,p. 388.

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vos. Estes ficaram conhecidos como “pessoas de nzimbo',
grem negociados com essas conchas. Quanto aos mercados,
1 chamados de mpumbo,e daí veio a designação de “pom-
” para os negociantes de escravos quefrequentavam asfei-
interior do Congo e de Angola. No final do século xvr, por
o da fundação de Luanda por Paulo Dias de Novaes, o mani
o dom Álvaro 1 se encontrava especialmente devedordorei
guês. Isso porquedele havia recebido ajuda militar com o
fetivo de recuperar parte doseuterritório e mbanza Congo,de
de havia sido expulso por invasores que vieram dointerior, cha-
los de “jagas” pelas fontes portuguesas. Foi com autorização
Álvaro1 que Paulo Dias de Novaes desembarcou na ilha
da, pois os portugueses eram seusaliados,e a expedição
graças à qual os jagas foram expulsos ainda estava em ter-
mani Congo*.
'Da ilha, Paulo Dias de Novaes, feito donatário deterras quejá
am seus governantes, passou para o continentee instalou-se
E Ito de um morro que chamou de São Paulo, em referência ao
ftolo que espalhou a palavra de Jesus, como os portugueses
cavam fazer, e cujo nome também era o seu. Conquista ins-
gão do evangelho à “gentilidade” para o “bem das almas des-
imbundainha” são as motivações ressaltadas por António de
veira de Cadornega para a ocupação daquele território”. O do-
lário trouxe colonos, sementes, animais, pedreiros, carpintei-
padres e soldados, e, com esse apoio, fundou a sede da capi-
fla que lhe havia sido atribuída.
Nofinal do século xv1, a missão evangelizadora do Congo era
isiderada um “falhanço” um fracasso. Essa interpretação teria

A invasãojaga teve início provavelmente em 1570.A ajuda portuguesa che-


pu em 1571, sob o comandode Francisco de Gouveia. A retomada do ter-
Fritório demoroucinco anose só em 1577 os portuguesesretiraram comple-
jamente a ajuda militar que prestaram ao Congo.Ver: Alberto da Costa e
“Silva, op. cit., pp. 392-393.
| António de Oliveira de Cadornega,op.cit. 1972, vol. 1, p. 21.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 91


estimulado a adoção de uma postura diferente pelos missioná-
rios logo nos primeiros contatos com os povos ao sul do Congo,
mais especificamente no Dembo e no Dongo*. Baltazar Barreira,
missionário que teve destacada atuação nofinal do século xvi €
início do xvr, adotou umaposição quejá vinha sendo elaborada
por missionários de diversas ordens desde meadosdo século xvi
e que endossavaa posição de Francisco de Gouveia,e, antes des-
te, de Jorge Vaz, superior da primeira missão jesuíta ao Congo:
primeiro, submeter os povos pela força das armas para, depois,
convertê-losº. Quase um século de contato com os congueses ao
longo do qual a aceitação do catolicismo pelos seus chefes não
levou à subordinação política daquele povo e ao controle do seu
território certamente influenciou nessa mudança de postura dos
governantes portugueses. Em Angola, buscaram a ocupação das
terras e a subordinação pelas armas, e não por embaixadas diplo-
máticas, acordose propostas de lusitanização, como foram o Re-
gimento de 1512, enviado por dom Manuel1 de Portugal a dom
Afonso do Congo,e a carta que dom João 11enviou ao mesmo go-
vernante em 1529. Masa resistência de alguns povosda região de
Luanda à presença dos brancos em suas terras também colabo-
rou para o espírito bélico que ali se disseminou, muito diferente
do que havia ocorrido no Congoaolongo do século xvt.
Logo que chegou, Paulo Dias de Novaes recebeu embaixadas
de alguns sobas, assim como enviou emissários incumbidos de
construir relações amistosas'º, Ele conhecia bem os povosda re-

8. Aesse respeito, ver: CarlosJosé Duarte Almeida, “A Primeira Missão da


Companhia de Jesus no Reino do Congo” 2004,p. 888.
9. Sobre a posição de Baltazar Barreira, ver: Luis Felipe de Alencastro, O Tra-
to dos Viventes, 2000, p. 170. O autor desenvolve argumentodiferente do
meu, aceitando a posição das fontes segundo as quais a missionação no
Congo foi um fracasso, assim comoa tentativa de implantação de uma po-
lítica de governoindireto (este último aspecto, com o queeu concordo). Para
a missão jesuíta de 1548-1555, ver: Carlos José Duarte Almeida, op. cit., 2004.
10, “Carta do Padre Garcia Simões para o Provincial” [s.d.], Pp. 139-140.

92 Alémdo Visível
ão e os seus costumes, pois havia vivido na kabassa no ngola
f cerca de 5 anos. Mas a diplomacia dos primeiros anos logo
sformou-se em guerra de conquista,afinal era esse o intuito
sico dos portugueses capitaneados por Paulo Dias de Novaes
apoiados pelos jesuítas, legitimadores das ações bélicas em nome
salvação das almas e do aumento dacristandade.
* À partir dofinal do século xvi foram empreendidas campa-
s militares portuguesas contra povos habitantes da região do
or de Luanda e dos vales dos rios que desaguavam na costa,
incipalmente o Cuanza, o Bengo e o Dande.Elas decorreram
resistência posta pelos gruposlocais e pelos comerciantes se-
ados em São Tomé e Cabo Verde, que queriam manter a suali-
dade de ação, mas responderam principalmente ao interesse
lo comércio de escravos, o único negócio que compensavafi-
Ceiramente os investimentos necessários para a instalação de
ma colônia portuguesa em terras centro-africanas. A esperança
encontrar metais preciosos, especialmente prata, também foi
n forte incentivo à ocupação, persistindo por muito tempo, mes-
[diante das repetidas frustrações. A possibilidade de chegar às
inhadas minas foi argumento recorrentemente usadopara pres-
a Coroa portuguesae, depois, a espanhola, a continuar in-
tindo na conquista”.
Já em 1579, começaram as hostilidades entre portugueses e
ibundos: os primeiros avançando continente adentro seguin-
O curso dos rios; os últimos,talvez instigados pelos comercian-

| Vale transcrever um trecho de documentoqueexpressa o que se pensava


e em quese queria acreditar: “Com todasestas dificuldades de caminho
passou este ano o Campo dos Portugueses por Cambambe ondeestão as
“minas; e os mineiros que consigo levaram acharam que eram tão ricas, e
" nas fundições depois experimentaram, que excedem a todas as do Peru;
masé pouca a gente de guerra necessária para tão grande empresa e para
* conquistar um reino que tem mais de dois mil sobas, ou régulos, não fa-
lando em muitos outros reinos que daqui se vão estendendoaté o impé-
rio do Monomotapa, abundantíssimo de prata e ouro”. Cf. “Estado Religio-
so e Político de Angola”, 1588, p. 377.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 93


tes, talvez apenassentindo-se desrespeitados em seusdireitos so-
bre as terras e caminhos, tentavam barrar os brancos, matando
sua gente e apropriando-se de seus bens. Mas foram os portugue-
ses que introduziram o terror na região, ao decapitar os chefes
que capturavam, queimar aldeias e quem nelas estivesse, carre-
gar todosos víveres que encontravam pelo caminhoe reduzir os
sobreviventes à escravidão. Os jesuítas estavam ao lado dos con-
quistadores em suas guerras, sendo seusrelatos as fontes mais
precisas e minuciosas sobre o que então aconteceu. A carta de
Baltazar Afonso para o padre Miguel de Sousa” apresenta umasi-
tuação paradigmática do que passou a ocorrer a partir de então
na região, inclusive ao dizer que ele mesmo estava doente,fraco,
atacado pelas febres. Segundo seu relato, a expedição, composta
de trezentos portugueses e seus duzentos escravos, encontrava-
-se desprovida de mantimentos e com os caminhosfechados pe-
los sobas (“fidalgos”) contraeles levantados. Depois de quatro ou
cinco assaltos em que “fizeram grande destruição queimandoe
assolando tudo”, conseguiram mantimentos com fartura para to-
dos. Conta como um pai se deixou matar lutando para garantir a
fuga de seu filho, e de outro que não abandonou a mulhere o fi-
lho na cabana em chamas,tendo todos morrido queimados.A des-
truição no rastro dos portugueses levou “tanto espanto aos nos-
sos inimigos que todo o Angola havia medo de nós”. A expedição
seguiu com cerca de 1 200 homens, quase todos negros, engros-
sada da gente que arrebanhou pela força das armas, em direção
ao rio Cuanza, onde o “fato” foi embarcado em duasgaleotas, um
caravelãoe dois batéis, enquanto os homens seguiram margeando
orio, “aonde havia muitos mantimentos pelos campose tudolar-
gavam quando nos viam”, Aquelaaltura, ocorreu o avassalamen-
to do primeiro soba da região, prática que se tornaria corriquei-

12. “Carta de Baltazar Afonso para o Padre Miguel de Sousa” 1581.


13. Idem, p. 199.
14. Idem, p. 200.

94 Além do Visível
'Nas terras deste foi instalada a primeira fortaleza portuguesa,
ada de Muxima, mesmo nome do sobadoqueali havia:

Fomoster com um fidalgo chamado MuchimaQuitamgonge[...].


foi o primeiro que veio a dar obediência ao Governador e que que-
per vassalo del Rei de Portugal, trazendo muitos mantimentos, ca-
e bois, pedindo-lhe desse ajuda contra um seu inimigo queele
gs0a com todos os seus vassalos ajudaria ao governador contra
esmo rei de Angola, e assim o fez, que não tivemos outro”.

/Ali ficaram estacionados porquinze dias, retidos pela chuva e


adoença quesobreeles se abateu. Ao partir, foram avisados de
“grande fidalgo havia preparado uma grande guerra” e que
“convocado muita gente para lhes “impedir o passo de sua
ra"*, No enfrentamento, os nativos fugiram com ostiros de es-
igarda. O exército português passou pela aldeia abandonada,
m muito casario em torno de umalarga estrada, e não tocou nos
tes mantimentos e animais de criação, pois “o Governa-
dou que ninguém setirasse do seu lugar”, e se alojaram
Às adiante, ao longo do mesmorio. Durante a noite, os inimigos
jaram que os comeriam todos no outro dia. Mudando de tática,
ja seguinte, o governador, que ficou no acampamento com o
D) gente miúda e sua guarda,repartiu capitanias com 150 sol-
los, que foram àslibatas dos “fidalgos”e fizeram a

[...] maior destruição, que nunca portugueses fizeram e além de


farem muitos, deram súbito na banza de um fidalgoe lhe tomaram
Ito e tantas peças de escravos e escravas, e começaram a pôr fogo
as, e banzase saquear,e foi tão grande o despojo, que entrou
e arraial, que puderam carregar duas naus da Índia".

Idem, ibidem.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 95


Ali, o exército se abasteceu de panelas para cozinhar, pedras
para fazer farinha, mel, azeite, esteiras, capados, galinhas e mui-
to sal, pois aquelas terras estavam perto das minas desal. Ao des-
crever a reação ao ataque, o texto da carta indica o modelo das re-
lações que vigoraria a partir de então: “foi tão grande o espanto
que pôs esta destruição que logo nos começarama vir fidalgos
cometer pazes. Nesta terra pusemos um fidalgo de nossa mão, ao
qual tornou toda a gente a obedecer, e é agora muito nosso amigo”,
Ficaram oito meses num porto perto dali, onde muitos mor-
reram de doença, e outros, nas guerras, e do qual avistariam as ser-
ras de prata. Lutaram muitas batalhas na região, inclusive contra
sobas que se diziam aliados e que, posteriormente, se voltaram
contra eles. Acuados pelos sobas, o mani Congo enviou homens
para ajudá-los, mas estes não chegaram, pois foram derrotados no
caminho.O jesuíta diz que estavam três dias de caminhada das
serras de prata. Em nota, António Brásio insere trechos da carta
presentes em outra versão, na qual aparece, mesmo que apenas
nofinal, o tema da religião e uma explicação de sua ausência ao
longo do texto. Baltasar Afonso diz que, conquistado o reino de
Angola, “serão todos sujeitos, e os feiticeiros velhos tirados dater-
ra, e os meninos se criarão com a doutrina católica, e serão bons
cristãos, que sem isto nunca o serão”, Diz ainda quea carta é
toda de guerras porque caminhavam entre inimigos, mas que nun-
ca faltou ajuda espiritual no arraial, onde foi construída umaigre-
ja de palha e celebradas missas,feitas confissões e ritos católicos
como os pertinentes à celebração da semana santa. Num adendo
final, inserido depois de datada a carta, conta que,na ilha de Luan-
da, batizou 137 pessoas e 80 meninos. Parece com isso querer lem-
brar que, apesar de parecer acima de tudo um conquistador, o
que o levava a agir assim era o espírito missionário.

18. Idem, ibidem.


19. Idem, p.205.

96 Além do Visível
| Essa carta, além de explicitar um padrão de conquista quevi-
ainda por cerca de um século, indica a postura então ado-
pelos jesuítas, segundo a qual a submissão pelas armas era
idição indispensável para a conversão ao catolicismo. Em do-
mento de 1588, lemos:

Com o aumento da conquista das terras deste reino, se foi também


endendo a das almas, e se abriu mais larga porta aos que desejavam
o batismo, mas não se lhes concedeu tão liberalmente, por-
E convém que o reino todo se sujeite para mais seguramente de raiz
esta gentilidade, e arrancar a idolatria, e abusões que nela
& reprimir a soberbae audácia de seus sacerdotes, de que este gen-
juida dependesua vida, sua fazenda, suas sementeiras, e saúde...”

(O debate acerca da legitimidade douso daviolência na con-


jão de povos gentios envolvia missionários atuantes na África,
imérica e no Oriente. Entretanto, enquanto, nas áreas de con-
à, O recurso à violência predominava, uma vez que a ocupa-
idos territórios levava a guerras para subordinação das popu-
bes locais, nas áreas onde a presença europeia era limitada
poderes locais eram recomendadas estratégias mais bran-
ide adaptação devido à fragilidade da presença dos estrangei-
8 queriam transformar as tradições autóctones, tinham que
tar com aliadoslocais”.
No final do século xv1, o Dongo era o principal poder políti-
a região, congregando grande número de sobas e abarcando
rritório considerável para os padrõesali vigentes. Mas, além
3, havia muitas chefaturas ambundas, compostas por povos
ultores organizados em torno de linhagens e que seguiam al-
as tradições semelhantes, comoos cultos aos antepassados, as

Estado religioso e político de Angola”, op. cit., p. 375.


fer a esse respeito Adriano Prosperi, “O Missionário”, 1995.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 97


alianças políticas fundadas em matrimôniose o uso de títulos que
definiam hierarquias sociais e políticas. As expedições militares
contra as aldeias rendiam escravos que, negociados em Luanda,
pagavam o investimento e o trabalho empregados na ocupação do
que ia se delineando como Angola. Mas, sem a aliança com osja-
gas - povos guerreiros nômades que, naquela época, aterroriza-
vam os ambundosda região do rio Cuanza-, e também com alguns
destes, os portugueses teriam tido dificuldades bem maiores para
se instalar em alguns pontos do interior e dominar muitos dos che»
fes locais, denominados, na documentação, “sobas” e “macotas”
Os gruposjagas diferiam dos ambundos em vários aspectos,
Eles eram nômades, formados para a guerra, viviam do saque às
aldeias e não se identificavam por meio de linhagens específicas,
Sua identidade de grupo era definida pelo Kkilombo a que perten-»
ciam, sendo este um acampamento fortificado,e haviaritos de
passagem que faziam do menino circuncizado um membro da
classe dos adultos. A reprodução dos gruposse davaa partir da
captura e incorporação de mulheres e crianças das aldeias saque»
adas. Em decorrência disto, os kilombo eram compostos por uma
variedade de povos, inclusive ambundos capturados na infância
ou adultos insatisfeitos com sua situação anterior que se incor-
poravam voluntariamente. Esses bandos de guerreiros se dirigl-
ram para a costa provavelmente atraídos pelo comércio que pas»
sou a ser feito ali. Nos primeiros tempos da conquista portuguesa,
os exércitos jagas, formados por homenstreinados em técnicas
de guerra desde os ritos da puberdade, portadores de poderes más
gicos que lhes davam invencibilidade na guerra, o que era por tos
dos reconhecido e os fazia muito temidos, foram ativos no cons
trole dos sobas e do ngola”. Foi a submissão de sobas derrotados

22. Para a história dos jagas, chamados de imbangalas em parte da historio»


grafia, ver: Joseph C. Miller, op. cit. 1995. Diz ele: “Os imbangalas deram
aos exércitos portugueses os seus primeiros sucessos consistentes contra
os Mbunduna década após 1610. Os guerreiros do kilombo tornaram pos»
sível o aumentodo tráfico de escravos que converteu a colônia de Angola

98 Além do Visível
Ivassalados e o apoio de alguns grupos jagas aos portugueses
E permitiu que estes instituíssem o que chamavam de “guerra
| Tratava-se de exércitos formados com a arregimentação de
uposlocais e uma minoria de soldados, capitães e arcabuzei-
E portugueses ou luso-africanos, contando às vezes com alguns
ucos cavalos e canhões, e que lutavam contra os sobas quere-
à conquista.
pram diversos os caminhospelos quais os sobas ambundos
-se vassalos do rei de Portugal, representado nas ceri-
às pelo governador de Angola ou pelos capitães-mores dos
Ídios construídos pelos portugueses. O caminho mais radical
ja derrota na guerra e a aceitação da subordinação como única
irmativa à sobrevivência do grupo. No extremooposto, estavam
t efes que procuravam os portugueses, preferindo a submissão
à derrota frente a outros sobas, contra os quais pediam aju-
hilitar e proteção. No meio-termo, encontravam-se os que se
n ameaçados pelos exércitos comandados pelos portugueses
por sealiar a eles antes de ter suas cabeças cortadas e
E aldeias, saqueadas e queimadas. Certamente, a ameaça do
ue, dos assassinatos e da escravização influía nessas opções.
g sobas renderam-se aos portugueses antes de experimen-
)8 horrores da guerra; outros, após tentativas frustradas de re-
lr; e outros ainda apresentaram umaresistência relativamen-
fics , mantendo por mais ou menos tempo sua total autonomia.
do vencidos, era imposta aos sobas a vassalagem ao rei
gal, por meio de tratados escritos e cerimônias elabora-
e misturavam ritos medievais portugueses e tradiçõeslo-
jo chamado “undamento”=. Os sobas vassalos tinham garan-
|autoridade em suasterras e sobre seu povo, e contavam com

de periferia do Kongo numaárea do maiorinteresse econômicoe político


à os Portugueses”. Cf. idem, p. 219.
Beatrix Heintze, “Luso-African Feudalism in Angola?” 1980; “O Contrato
de Vassalagem Afro-português em Angola no Século xv1l”, em Beatrix
Heintze, Angola nos Séculos xvr e xvi, 2007.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 99


o apoio dos portugueses nas contendas com seusvizinhose ini-
migos. Eram obrigados a pagar um tributo anual aos representan-
tes da Coroa portuguesa, na forma de escravos e mantimentos, as-
sim comointegrar a guerra preta quando convocados.
Osritos de avassalamento, ou undamento, envolviam cerimô-
nias que misturavam elementos locais e portugueses. Os sobas
eram batizados e recebiam nome e sobrenomecristãos, geralmen-
te nomesde reis portugueses e sobrenomes dos quelhes serviam
de padrinhos. A partir de então, deveriam permitir que os missio-
nários agissem livremente em suas terras, queimando o que cha-
mavam de ídolos e as casas de culto tradicionais, batizando crian-
ças e adultos, rezando missase atribuindo extrema-unções. No
undamento, os chefes recebiam a mpemba, ou argila branca, usa-
da nosritos locais de entronização, que era esfregada no peito, no
ombro e nos braços, mas também capa e espada à moda das in-
vestiduras lusitanas. Cada chefe que sucedesse o anterior por oca-
sião de sua morte deveria passar pelos mesmosritos, que confir-
mavam a sua submissão; no caso contrário, seria considerado
rebelde. Por ocasião do undamento, os chefes presenteavam os
representantes do rei de Portugal e outros portugueses que assis-
tissem às cerimônias com víveres e escravos, o que deveria ser re-
petido a cada ano, na forma de pagamento de tributos. Ao térmi-
no dos ritos, um documento escrito, no qual estavam especificadas
as obrigações de cada uma das partes, era assinado pelas pessoas
importantes presentes. Além do tributo anual, o vassalo deveria
ser amigo dos amigos dos portugueses e inimigo dos seus inimi-
gos, assim como fornecer homens para lutar ao seu lado quando
solicitado. Em troca, recebia proteção contra aqueles que amea-
çassem seuterritório e sua soberania sobre ele. Caso não cumpris-
se algumadas regras do contrato de vassalagem,seria alvo de uma
expedição punitiva. Como essas expedições eram uma boa forma
dos portugueses obterem escravos,justificados pela noção de guer-
ra justa, elas se multiplicavam, sendo qualquer deslize do vassalo
apontado como motivo para ser atacado.

100 Além do Visível


Esse sistema de subordinação das chefias locais e as alianças
im grupos de jagas permitiram a conquista portuguesa da Áfri-
entro-Ocidental, batizada de Angola, por meio da guerra pre-
+ Por todo o primeiro século da presença portuguesa na região,
Icederam-se batalhas entre a guerra preta e sobas que não se
ibmetiam à autoridade dos conquistadores brancos. Quando o
pvernador, com o apoio da Câmara de Luanda,decidia fazer guer-
i,Convocava seus aliados: chefes jagas e sobas avassalados, que
iveriam fornecer víveres, carregadores e soldados com suas ar-
Eram os nativos que conheciam os caminhose as possibili-
is de travessia dos rios, que abasteciam as tropas de alimen-
e que dominavam as táticas de guerra daqueles a combater,
tando os capitães portugueses quanto à melhor forma de
f entá-los. O capitão-geral da guerra preta era o tendala, título
glnário da região, incorporado na organizaçãoforjada pelos
Iquistadores brancos, e cuja importância era reconhecida pe-
administradores lusitanos, que a eles atribuíam privilégios.
juns chegaram até mesmoa receber o hábito da Ordem de Cris-
uma distinção reservada a nobres que se destacavam no ser-
O da Coroa e que estavam livres do defeito de sangue, o que
a o caso dos negros. Na guerra preta, o cargo abaixo do ten-
a era o do kilamba, tendo alguns também recebido a mercê
Éportugueses. Os kimbares eram forros treinados militarmen-
que serviam nos presídios”.
"O processo de formação de Angolafoi iniciado por Paulo Dias
Novaes, que avançouterritório adentro na qualidade de dona-
O. Dessa empreitada, resultou a instalação dos presídios de
tima (1599) e Massangano(1583), em área batizada de Vila da
ria, onde foi também construída umaigreja de Nossa Senho-
do Rosário. Fernão Dias morreu em 1589, em Massangano, em
lo a guerras de conquista contra os sobas, vitimado pelasfe-

ana Bracks Fonseca, Njinga Mbandi e as Guerras de Resistência em


gola, 2015, p. 79.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 101


bres que ceifavam a vida da maioria dos brancos, sem imunida-
de para as doenças, combatidas principalmente com sangrias, O
que provavelmente acelerava a chegada da indesejada das gen-
tes. Após a sua morte, Angola deixou de ser uma donataria e pas-
sou a ter governadores. Os governadores, que tinham mandatos
de dois anos, impuseram-se com violência e defenderam com di-
ficuldade os territórios conquistados*. Em 1604, foi fundado q
presídio de Cambambe, onde os conquistadores achavam quees»
tariam as almejadas minas de prata, dando sequência à ocupa-
ção territorial, bastante difícil devido à distância de Portugal e a
escassez de recursos humanos e materiais.
O governador que fez a maior investida contra os sobas, depois
dos primeiros anos de conquista, foi Luis Mendes de Vasconce-
los. Ele chegou a Luanda em 1617, acompanhado de um sobrinho
e um filho, João Mendes de Vasconcelos. Este último era também
seu tenente-general e comandou várias guerras, inclusive contra
Matamba, que, logo depois, recuperou sua independência. A des-
peito das conquistas que fizeram para a Coroa portuguesa, Luis
Mendese seu filho saíram de Luanda presose hostilizados - no
entender de Cadornega, porinveja, e, segundo Matias Delgado,
comentador de Cadornega, por desmedida ambiçãoe “extorsões
feitas ao rei", Independentemente dos motivos que levaram à
sua deportação para Lisboa, tendo passado primeiro pelo Brasil,
lá chegando o ex-governador conseguiu se isentar dos crimes à
ele atribuídos, certamente pesando mais as vitórias que empreen-

25. As primeiras décadas da conquista visavam principalmente Cambambe,


onde estariam serras riquíssimas em prata, o que se revelou umailusão,
Arespeito dessa fase, António de Oliveira de Cadornega escreve que os an-
tigos conquistadores, com os quais conviveu, diziam que “fora tanta a ma-
tança em aquele vasto gentio que mandara o nosso Conquistador a Por-
tugal dois barris de seis almuzes de narizes e orelhas do gentio que se
havia morto naquelas batalhas”. Cf. António de Oliveira de Cadornega,
op.cit. vol.1, p. 44.
26. António de Oliveira de Cadornega, op.cit., vol. 1, p. 98.

102 Além do Visível


4 sobre o gentio. Em seu governo,o presídio de Hangofoi trans-
ido para Ambaca (Mbaka).
* Quandoos portuguesesse instalaram em Ambaca,o chefe do
ngo era Ngola Mbandi, que com eles mantinha relação amis-
sa, deixando-os comerciar e transitar por seusterritórios, mas
im subordinar-se à condição devassalo do rei de Portugal.A ins-
lação de um presídio em Ambaca, a poucasléguas de sua ka-
À sa, de onde exercia sua autoridade sobre os sobasa ele subor-
jados, desagradou-o especialmente. Era hábito entre os chefes
s mandar embaixadas por ocasião da chegada de novos go-
adores, e Ngola Mbandi enviou a João Correia de Sousa, que
u o governo em 1621, uma embaixada chefiada por uma
à sua, Njinga Mbandi. Por meio dela, apresentou sua amiza-

iidades de sua kabassa e a devolução de sobas e quijicos seus


rdinados, que lhe haviam sido subtraídos por Luis Mendes
asconcelos. Essa embaixada foi tratada por muitos que escre-
sobre a história de Angola, sempre com destaque para a
impressão que Njinga causou”. A irmã do chefe do Dongo
ecebida com a pompa devida aos chefes de Estado, com re-
ia da tropa, tiros de canhão, procissões, missas, fachadas alca-
as e audiências ritualizadas com o governador. Njinga, por
E vez, também deve ter se impressionado com essa recepção e
im a capital dos brancos conquistadores e suas construções de
ira e barcos de dimensões nuncaantesvistas atracados no por-
Mas, se foi este o caso, ela não se deixou dobrar diante dos sen-
entos que Luandae seus habitantes possam terlhe provoca-

Os principais autores que registraram os episódios dessa embaixada são:


* Fernão de Sousa, governador de 1624 a 1630, que escreveu longas cartas e
ações sobre seu governo em Luandae sobre os imediatamente anterio-
es; António de Oliveira de Cadornega, que chegou a Luanda em 1639; e
Os missionários capuchinhos Antonio da Gaeta e João Antonio Cavazzi de
Montecuccolo, que chegaram a Luanda em 1654 e conviveram com Njin-
ga nos anosfinais da vida dela.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 103


do, mantendo a altivez e frisando a independência do poder que
representava.
Alojada com seu séquito na casa de um dos grandes comer-
ciantes e conquistadores de Angola, entrou para a história como
a mulher que não se submeteu à autoridade do governador. Este,
na sala de audiência, havia lhe reservado uma almofada no chão,
enquanto ele mesmo sentara-se numa cadeira. A um sinal de Njin-
ga, umajovem que a acompanhava, descrita nas fontes como sua
escrava, pôs-se de quatro e serviu-lhe de cadeira enquanto durou
o encontro, de forma que ela pudesse permanecer no mesmoní-
vel que o governador português. Como a moça não se movera en-
quanto Njinga e seu séquito se retiravam,ao ser disto avisada, esta
teria respondido que não era seu costume sentar-se duas vezes
na mesmacadeira, deixando-a de presente para o governador,
Também impressionou a audiência a firmeza com que defendeu
a posição do ngola, assombrando os que a ouviam discorrer com
tanta eloquência e propriedade, “que parecia coisa sobrenatural”,
uma vez que, no entenderdeles, vivia cercada de bárbarose feras.
Quando João Correia de Sousa disse que o ngola deveria reconhe-
cer-se como vassalo do rei de Portugal e pagar um tributo anual,
replicou vivamente que “semelhante encargo só poderia impor-
-se a quem tivesse sido conquistado, e nunca a um Príncipe Sobe-
rano que procurava a amizade de outro seu igual”. Ao fim da em-
baixada, acertaram um tratado de paz segundo o qual o presídio
de Ambacaseria retirado de onde estava, o ngola devolveria os
escravos dos portugueses que viviam em seuterritório, havendo
ainda “uma recíproca assistência contra os inimigos de ambas as
coroas"2, Nessa ocasião, quando, segundo Cavazzi, ela teria 40 anos

28. Nota de Matia Delgado em António de Oliveira de Cadornega, op.cit.p. 158.


Nesse trecho, Delgado baseia-se no texto do Catálogo dos Governadores,
do qual discorda em algumas partes, conformediz ao final da extensa nota
que abre para falar dessa embaixada, mencionada apenas de passagem
por Cadornega.

104 Além do Visível


imo de Njinga. Cavazzi, Manuscritos Araldi, século xvrl. Fonte: Njinga,
ne D'Angola: La relation d'Antonio Cavazzi de Montecuccolo (1687), 2010.

dade,foi batizada na Sé de Luanda, com o governador como


drinho, tendo recebido o nome de Ana de Sousa - provavel-
nte tomado porela e por seu povo como um importantetítu-
que vinha somar-se aos que já possuía. Cavazzi lembra que
embaixada permitiu que também acrescentasse mais um tí-
D nativo ao seu nome: o de ngambele, ou embaixadora?.
"A importância dada a essa embaixadae ao batismo de Njinga
[11622 nos relatos acerca da história de Angola do século xvrI re-
ça algo que a relação entre Portugal e o Congo e o avassalamen-
dos sobasjá indicavam: a aceitação do catolicismo era condição
ental para o estabelecimento de relações pacíficas entre os
livos e os brancos conquistadores e comerciantes. Njinga tam-

joão Antonio Cavazzi de Montecuccolo, op. cit., 1965, vol. 2, p. 66. O único
* autor que dá uma data para o nascimento de Njinga é Cavazzi, que diz ter
ela nascido em 1582. Como Arlindo Correa, acredito que devia ser mais
"moça. Ver, do autor: Arlindo Correa, A Rainha Jinga, 2008.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 105


bém deveter percebido quea aceitação dareligião quelheera ofe-
recida junto com os gestos de negociação estava relacionada com
o fim das escaramuças militares e ataquesàs aldeias do Dongo.Para
ela, provavelmente revelou-se nesse momentoa relação entreo ba-
tismoe a paz com os portuguesese sua guerra preta.
O mesmofoi certamente percebido pelos chefes ambundos
e jagas, que se aproximavam e se afastavam do catolicismo na
mesma medida que buscavam a paz ou faziam a guerra contra 08
invasores de suas terras. Mas, naquele momento,foi a guerra que
vigorou. Os termos do acordo de paz não foram cumpridos por
nenhumadas partes, os portugueses continuaram com seu pres
sídio em Ambaca,os escravos que fugiam para os domínios do
ngola lá permaneceram e Njinga não levoua sério seu novo nome
e sua condição de católica, mantendo-se fiel às crenças e tradl-
ções de seus ancestrais.
Em 1624, Ngola Mbandi morreu, segundo diversas fontes, em
decorrência da ingestão de veneno. O episódio entrou para a his»
tória comose Njingafosse a responsável pelo envenenamento do
ngola, vingando-se assim do assassinato de um filho seu, ainda
criança, quando Ngola Mbandi ascendeu ao poder do Dongo. Não
é certo que o tio tenha mandado matar o sobrinho, mas é uma his
pótese verossímil, pois, nas sociedades centro-africanas, a relação
entretio e sobrinho,filho de uma irmã, é a mais comum na trans»
missão dostítulos. Como Nijinga era irmã de Ngola Mbandi,ele
poderia estar assim garantindo que seu poder não seria ameaça»
do. Outra hipótese é que os conquistadores portugueses, bons cos
nhecedores das sociedades locais, tenham construído essa versão,
cientes de que faria sentido em relação às regras políticas locais,
Fernão de Sousa, difusor da versão segundo a qual Njinga se»
ria a autora do assassinato, no entanto, não mencionaa particls
pação desta na primeira vez em queeletrata do episódio. Em uma
longa carta escrita por ele em 1624, informa que “El Rey d'Angola
he falecido de hus pôs que tomou de paixão por não lhe comprir
o governador João Correa di Souza a promessa que lhetinha fel»

106 Alémdo Visível


Ide mudaro presídio de Embaca pêra Luynha”:º. Nesserelato,
O há qualquer menção à participação de Njinga no episódio,
ão que será divulgada posteriormente.Pelo contrário, Fernão
| Sousa diz a seguir que “deixou nomeada no Reyno Dona Anna
pSousa sua irmã que esta baptisada, masella se não nomea Ray-
ha senão senhora d'Angola” Diz ainda que tem umacarta sua na
ela diz que, uma vez mudadoo presídio, permitirá quese fa-
feiras em Quiçala

É [...] ondese costumavaóõfazer, e que mandaraosseus que venhaô


, E que tragaô peças porter assy assentado co os seus macotas,
são os do conselho, e que semeara as terras, e pedirá padres da
a pêra baptizare os que quizere fazer christaôs,e o seu ten-
|Que he a pessoa principal se quer logo baptizar, e pede ao Bispo
di levantar igreijas”.

O governadordiz ser de opinião que o presídio deveria ser


fado de Ambaca para Luinha, por estar o reino muito pobre
im falta de gente, e que, quando fosse possível, voltassem a si-
lo onde quisessem. Com isso, defende que não se perdesse a
asião “que Dona Anna offerece do Christianismo,e abrir
os e principiar as feiras” e que isso seria muito bom
fazenda do rei e para o abastecimento de escravos, dos
8 havia grandefalta. É evidente no texto que tanto Njinga

a de Fernão de Sousa ao Governo” 1624,p. 85.


em, ibidem. Fernão de Souza relata o mesmo episódio em “História das
Relações entre a Angola Portuguesa e o Ndongo1617-1624) [s.d.], que se es-
a ser do outono de 1624. Ele diz que o então governador de Angola, o
spo Simão Mascarenhas - que ocupou o cargo porcerca de cinco meses,
a chegada de Fernão de Sousa -, não cumprira o acordo do tratadofeito
om João Correia de Sousa porocasião da embaixada chefiada por Njinga.
z ainda que o Ngola Mbandi“de paixão morreo e dizem que de peço-
queelle mesmo tomou de desesperado” ficando em seu lugar Njinga,
2 já era cristã e avisou ao Bispo de sua morte, pedindo cumprimento
autos a que o Bispo nam deu cumprimento logo”

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 107


comoo governador português percebiam claramentea relação
existente entre a introdução do cristianismoe o fortalecimento
do comércio, mesmo que para um e outro fossem diferentes as
suas explicaçõese significados. Também é explicitamente dito
que o interesse maior é o comércio de “peças”e quetodasas ações
dos portugueses deveriam visar à facilitação e ao incremento des-
ta atividade.
A seguir, o governadordiz esperar orientação dorei sobre
como proceder com relação aos quijicos, que, segundo Nijinga,te-
riam sido capturados em guerra injusta contra ela. Na opinião do
governador, se “D. Anna di Sousa em seu nome,e de todos os sue»
cessores d'aquelle Reynose avassalar a Vossa Magestade”, mes»
mo com um pequenotributo, os quijicos deveriam ser devolvidos,
porque o rendimento quese tiraria dasfeiras seria maior. O go-
vernador defende que a “conquista” entre em paz e a tirania so-
bre os sobasseja relaxada,e diz que “já puderater ocasião de guer-
ra, se a cobiça me espertara, mas não trago diante dos olhos mais
que o serviço de Deos, e di Vossa Magestade”*,
Em história que escreveu em 1625, Fernão de Sousa, apesar
de já detectar o obstáculo que Njinga representava para o contro-
le dos sobas avassaladose o livre comércio de escravos,ainda diz
que o ngola tomou veneno porse ver “esbulhado” de seu reino €
pelo desgosto provocado pelo não cumprimento dos termos do
acordo de paz. Diz que deixou o que possuía com sua irmã, e seu
filho com o jaga Caza, com quem estaria mais seguro contra as
pretensões dos portugueses. Estes teriam errado ao não trazer O
suposto herdeiro para perto de si, pois, se fizessem dele rei do
Dongo, garantiriam o controle da região. No entanto, segundo Fer»
não de Sousa,tal possibilidade tornou-se inviável, pois, para se
manter no poder, “contra todo o direito”, Njinga teria mandado
matar o sobrinho. O governador tem uma percepção clara dasl»

32. “Carta de Fernão de Sousa ao Governo” 1624,p. 86.

108 Além do Visível


ão, pois diz que o ngola via os portugueses como uma ameaça-
que era sinalizado pelo fato de aquele ter entregueo filho ao
jaga Caza -, caso contrário, poderia ser utilizado como meio para
pntrolar o Dongo*.
Mesmodeixando registrado que o poder havia sido usurpa-
do por Njinga, o que foi possível porque o ngola deixara à irmã as
gnias que o representavam, continuou a negociar com ela, cer-
mente sabendo que os sobas do Dongo aceitavam-na como ngo-
Sua intenção maiorera ativar as feiras, e foi com essa deman-
ja que lhe enviou emissários e os missionários pedidos, para que
la devolvesse os escravos fugidos dos portugueses e deixasse o
ércio fluir. Os padres Jerônimo Vogado e Francisco Pacônio
am para Ambaca, mas não chegaram até Njinga, que vol-
U atrás em sua palavra e não devolveu os escravosreivindica-
js pelos portugueses. A postura de Njinga justifica a mudança
jatitude de Fernão de Sousa, que, em relato seguinte, datado de
31, diz ter sido ela quem envenenara o Ngola Mbandi por não
der desviá-lo da paz e da amizade com o governadorJoão Cor-
a de Sousa, além deser assassina do filho que deveria sucedê-
E do qual comeu o coração antes de jogar o corpo no rio Cuan-
ara assim “se fazer temida e senhora obedecida dos sobas”
relato, diz quejá havia usado todos os meios para persua-
la a se reduzir, comportar-se comocristã e devolveros escra-
idos portugueses, levados “com promessas de terras” assim
jO fazia com os sobas avassalados,incitados a se levantar dian-
a perspectiva de liberdade. Afirma, então, ter chamado os
es de Luanda, que concordaram que a guerra contra ela se-
usta e, dessa forma, não estaria contrariando o regimento re-
ido de dom Felipe, que recomendava a paz com os sobas*”,.
adro descrito mostra o aumento do poder de Njinga, que

*História das Relações entre a Angola Portuguesa e o Ndongo1617-Setem-


ro de 1625; [s.d.], p. 199.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 109


dava abrigo aos que fugiam dos portugueses, tanto os escravos
comoos sobas avassalados, e devia, portanto, ser combatida, pois
os portugueses enfraqueciam-se conformeela se fortalecia. Dian-
te do exposto,foi reconhecido quea guerraerajusta e decidido
que o sobaAiri Kiluanji seria eleito rei do Dongo, “porser o mais
chegado parente do Rey de Angola, e o mais leal e confidente vas-
salo de Vossa Magestade”.
Nas cartas e histórias que Fernão de Sousa escreveu sobre o
início do seu governo, aponta com insistência para a pobreza da
conquista, devido à inoperância dasfeiras e à paralisação do co-
mércio de escravos, por conta dos obstáculos representados pe-
los sobas que não aceitavam a presença dos portuguesese de seus
emissários em terras suas. Afirma que, seguindoa orientação que
lhefoi dada pelo regimento que recebera ao ser nomeado gover-
nador, buscou construir relações pacíficas com os sobas, inclusi-
ve com Njinga, vista como a chefe do Dongo após a morte de Ngo-
la Mbandi. Entretanto, à medida que tomou pé nasituação, sua
posição mudou.Se,a princípio, via Njinga comolegítima herdei-
ra do título de ngola - ou rainha, como preferiam chamá-la os por-
tugueses -, ao ter de lidar com resistência dela ao avassalamen-
to, passou a desqualificá-la e a acusá-la de ter envenenando o
irmão e matado o sobrinho com requintes de crueldade.
A versão de Cavazzi, disseminada desde a publicação de sua
obra em 1687 (enquanto os documentos de Fernão de Sousa só
recentemente vieram à público), endossa a posiçãofinal do go-
vernador. Cavazzi conta que, com a morte de Ngola Mbandi, Njin-
ga tornou-se tutora de seu sobrinho, que havia sido entregue ao
jaga Caza, para que o protegesse e criasse. Em seus relatos, não
fica claro porque um chefe ambundoteria entregue aquele que
indicou como sucessor a um chefe jaga. Lendo Fernão de Sousa,
que recrimina o governadoranterior por não ter conseguido aco-
lher o provável sucessor de Ngola Mbandi para criá-lo como um

35. Idem, p. 202.

110 Além do Visível


posto dos portugueses, percebemos que, âquela altura, dian-
je da conquista portuguesa, os ambundosestavam buscandoalian-
Ga com os jagas. Estes, povos eminentemente guerreiros e recen-
es na região, poderiam ajudar os ambundos na manutençãode
a autonomia. Ainda conforme Cavazzi, Njinga conseguiu apro-
ar-se do jaga Caza, com quem teria se casado, matando seu
gobrinho afogado norio e, dessa forma, assumindointegralmen-
te a chefia do Dongo. O casamento de Njinga com o jaga Caza,
rovavelmente um título político que não implicava necessaria-
mente em uma união matrimonial, deve ter se dado um pouco
lepois, quando ela mesma, acuada pela guerra preta, refugiou-
e ao sul do rio Cuanza e ali teceu alianças com gruposjagas. O cer-
é que, em todaa África Centro-Ocidental, os momentosde su-
ssão geralmente eram conturbados, com disputas entre as
lferentes linhagens aptas a deteros títulose insígnias de chefia.
* O Dongo era formado por um conjunto de chefaturas aliadas,
êndo os sobas e os makota oseleitores do ngola. Nessas ocasiões,
ia disputas acirradas entre diferentes facções, vencendo os
je tinham superioridade militar, apesarde a legitimação do po-
Brser dada em última instância pelas tradições ligadas à suces-
D. Enquanto Njinga se aproximou de alguns gruposjagas, bus-
indo fortalecer e legitimar seu poder de ngola do Dongo, os
eses apoiaram outros candidatos ao cargo: primeiro,Airi
luanje (1624-1626), que talvez sequer tenha sido entronizado
ter morrido logo, depois, Ngola Airi (1626-1664). O apoio mi-
r dos portugueses foi decisivo para garantir a posição desses
fes, que foram semprerivais de Njinga. Sob o governo deles, o
ngo tornou-se um estadotributário da colônia de Angola e vas-
lo de Portugal. Masas tensõesentre os sobas do Dongo acerca
uem seria o legítimo governante ficam evidentes nas muitas
agens, especialmente de Cadornega,nas quais é dito que mui-
o eles entendiam que Njinga e suas irmãs, Funji e Mocambo,
Ve ser as sucessoras de Ngola Mbandi, e não a linhagem
Kiluanje.

Angola: Uma Conquista dos Portugueses 111


Também Fernão de Sou

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