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PARECER Nº150/2011/CETRAN/SC

Assunto: Infração de trânsito baseada na informação prestada por empregado de empresa


terceirizada.
Conselheiro Relator: José Vilmar Zimmermann

EMENTA: Consulta conhecida e respondida tendo em vista a repercussão


abrangente do tema no sistema nacional de trânsito no Estado de Santa
Catarina. Não é ilegal o ato do agente da autoridade de trânsito de registro da
infração por desrespeito ao estacionamento regulamentado valendo-se de
informações passadas pela pessoa incumbida de monitorar o sistema, seja ela
servidora pública ou empregada de empresa contratada para tanto. Não está
errado deixar de lavar o auto de infração pelo ilícito do art. 181, XVII, do
CTB no momento em que o veículo se encontra estacionado, se o próprio
regulamento do sistema conferir ao usuário um prazo determinado para
regularizar a situação após o uso da vaga. Entendimento embasado na
Jurisprudência do egrégio STJ.

I. Introdução:

Denísio Dolásio Baixo solicita manifestação deste Conselho a respeito da


validade da aplicação de multa de trânsito decorrente de auto de infração, lavrado por agente
que não presenciou a transgressão, com base em “aviso de irregularidade” emitido pelas
monitoras do estacionamento rotativo de Itajaí. Afirma, o consulente, que a sistemática
adotada na cidade de Itajaí não encontra amparo no ordenamento jurídico vigente, pois, da
forma como está sendo realizada a fiscalização do estacionamento rotativo, o Município
estaria delegando a particulares o exercício do poder de polícia administrativa.

II. Analise técnica:

Percebe-se que o consulente almeja que o CETRAN/SC emita juízo de valor


sobre o procedimento adotado pelo Município de Itajaí no tocante a forma como vem
operando a fiscalização do estacionamento rotativo local.
É cediço que, em resposta a consultas, o CETRAN/SC não pode se manifestar
sobre fato ou caso concreto, sob pena de realizar pré-julgamento de mérito acerca de assunto
que posteriormente deva apreciar e julgar em grau de recurso.

Com efeito, quando certos pontos da consulta se assentam em pressupostos de


fato, que dependam do exame concreto da cada uma das circunstâncias objeto da indagação, o
questionamento não deve ser conhecido porque compete a este Colegiado responder às
indagações formuladas em tese, relativas à aplicação da legislação e dos procedimentos
normativos de trânsito, com fulcro no art. 14, III, do CTB. Entretanto, entendo que o tema
proposto merece ser examinado, abstraindo-se, logicamente, as especificidades do caso
concreto, levando em consideração a polêmica que envolve a matéria.

Feitas essas ponderações, cumpre lançar um olhar mais aguçado ao arcabouço


jurídico vigente para verificar se contraria o regramento vigente, consoante protesta o
consulente, a aplicação de penalidade pelo cometimento da infração tipificada no art. 181,
XVII, do CTB - estacionar em desacordo com as condições regulamentadas especificamente
pela sinalização -, pautada em auto de infração confeccionado por agente de trânsito que tenha
se baseado em aviso de irregularidade expedido por funcionário da concessionária que presta
o serviço de parqueamento urbano.

Em linhas gerais, contesta-se a validade dos atos realizados conforme a


dinâmica acima narrada valendo-se dos seguintes argumentos: 1) estaria havendo delegação
do poder de polícia à empresa que opera o estacionamento rotativo; e 2) o auto de infração
deve ser lavrado no momento em que ocorre o ilícito e não com base em documentos que
atestam que a irregularidade não foi sanada.

Na Sessão Ordinária nº 031/2006, realizada em 24 de agosto de 2006, este


Conselho provou por unanimidade o Parecer nº 48/2006, relatado pelo Conselheiro Ruben
Leonardo Neerman. No referido ato enunciativo este Colegiado assentou a competência legal
dos municípios para disporem sobre a regulamentação do estacionamento rotativo nos seus
respectivos territórios, e reconheceu a validade dos avisos de irregularidades emitidos pela
monitoras de estacionamento.

Não obstante a ausência de posicionamento divergente na época em que o


citado parecer foi votado, não se pode ignorar a controvérsia que cerca o tema.
Para demonstrar que o assunto está longe de poder ser considerado pacífico,
vale dizer que o Conselho Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul, Cetran/RS, exarou, em
06 de setembro do corrente, o Parecer nº 18/2011, no qual, respondendo consulta sobre
implantação de estacionamento rotativo, asseverou que não existe amparo legal para que a
autuação seja formalizada pelo agente público através de informações fornecidas por terceiros
prestadores de serviço, e que não se pode vincular a aplicação de penalidades aos eventuais
infratores das regras de estacionamento a qualquer forma de regularização.

Examinando o acervo jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio


Grande do Sul, fica evidente a existência de correntes antagônicas versando sobre a matéria
análoga. Em 21/11/2007, nos autos da Apelação Cível nº 70019789361, de Santa Maria, a
Primeira Câmara Cível do TJRS, sob a relatoria do Des. Irineu Mariani, pontuou não haver
óbice à delegação da fiscalização do estacionamento rotativo à instituição privada nem existir
ilegalidade no procedimento derivado do aviso de irregularidade por ela emitido. Já nos autos
do Agravo de Instrumento nº 70012369799, de Porto Alegre, em 07/12/2005 a 21ª Câmara
Cível do TJRS assentou a proibição da empresa operadora dos parquímetros da capital gaúcha
de praticar atos de fiscalização e notificação acerca de eventuais irregularidades na utilização
do estacionamento rotativo, determinando que tais atividades ficassem restritas aos agentes de
fiscalização da EPTC e demais agentes públicos com ela conveniados.

Em Santa Catarina, vários municípios implementaram sistema de


estacionamento rotativo pago nas vias sob sua circunscrição, adotando forma de operação
similar à invectivada pelo consulente, e tiveram sua atuação judicialmente questionada.

Em Chapecó, por exemplo, autuações lavradas por policial militar a partir dos
avisos de irregularidade confeccionados por funcionários da empresa privada responsável
pelo estacionamento rotativo local já foram impugnadas na via judicial.

No acórdão que julgou a Apelação Cível nº 2005.001792-1, a Segunda Câmara


do Tribunal de Justiça catarinense aduziu: “não é razoável que um policial militar registre a
ocorrência de uma infração sem verificar sua efetiva ocorrência, apenas com base na
informação recebida”. Segue alguns fragmentos da ementa do aludido julgado:

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE TRÂNSITO -MULTA (...)


IMPLEMENTAÇÃO DE ESTACIONAMEN-TO ROTATIVO (...)
APLICAÇÃO DA PENALIDADE POR DELEGAÇÃO - ILEGALIDADE -
NULIDADE DAS SANÇÕES IMPOSTAS - APELO DESPROVIDO (...)
Somente podem lavrar auto de infração, que atesta o descumprimento das
regras de trânsito, os agentes da autoridade de trânsito, sejam os policiais
militares ou servidores civis devidamente autorizados, vedada a delegação
desta função. Simili modo, não é possível lavrar-se o auto com base em aviso
de irregularidade apresentado por empresa particular delegada. (TJSC, 2ª
Câmara de Direito Público, Apelação Cível nº 2005.001792-1, de Chapecó,
Rel. Des. Francisco Oliveira Filho, j. 09/08/2005)

Como o Direito não é uma ciência exata, é perfeitamente compreensível haver


divergência na interpretação do arcabouço jurídico e na aplicação da lei, mesmo dentro do
mesmo órgão jurisdicional. É que se verifica, por exemplo, na Apelação Cível nº 2007.00662-
5, quando o mesmo órgão fracionário do TJSC decidiu que é possível a extração de auto de
infração por policial militar com base em aviso de irregularidade lavrado por preposto da
concessionária de serviço público, justificando que “em se tratando de concessionária de
serviço público, pressupõe-se que haja fé-pública no documento lavrado pelo preposto, a fim
de que possa a autoridade policial apreciar e lavrar, ou não, o auto de infração”, salientando
que “quem lavra o auto de infração é a autoridade policial e não o funcionário da
permissionária”, considerando que “o aviso de recebimento apenas fornece elementos fáticos
que permitem à autoridade de trânsito uma apreciação do ocorrido, a possível lavratura do
auto de infração e a imposição de sanções, quando necessário”. Eis os trechos da ementa no
que se refere ao assunto em pauta:

APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE AUTOS DE INFRAÇÃO DE


TRÂNSITO. EXPEDIÇÃO DE AUTOS DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE
MULTAS POR ESTACIONAMENTO DE VEÍCULO EM DESACORDO
COM AS CONDIÇÕES REGULAMENTARES DE SINALIZAÇÃO.
ESTACIONAMENTO ROTATIVO/CONTROLADO ("ZONA NOBRE").
COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA REGULAR O SISTEMA DE
ESTACIONAMENTO ASSEGURADA COM O INGRESSO DO
MUNICÍPIO NO SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO. ART. 24, § 2º,
DO CTB. (...) LAVRATURA DE AVISO DE IRREGULARIDADE POR
PREPOSTO DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.
POSSIBILIDADE. DOCUMENTO QUE PASSARÁ POR AVALIAÇÃO DA
AUTORIDADE POLICIAL PARA POSTERIOR EXTRAÇÃO DE AUTO
DE INFRAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
INFRATOR QUE É DEVIDAMENTE NOTIFICADO ACERCA DA
AUTUAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO DIREITO DE DEFESA ANTES DA
APLICAÇÃO DA SANÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO. Ocorre a ilegalidade quando a emissão de multa se dá
unicamente com base no "aviso de irregularidade" e sem a devida notificação
do infrator que tem seu direito de defesa flagrantemente cerceado. Existindo,
contudo, provas de que o infrator teve o "aviso de irregularidade" afixado no
veículo, posterior lavratura de auto de infração por autoridade policial e envio
de notificação de autuação por correspondência, não há que se falar em
cerceamento de defesa do autor. (TJSC, 2ª Câmara de Direito Público,
Apelação Cível nº 2007.00662-5, de Chapecó, Rel. Des. Substituto Ricardo
Roesler, data: 17/06/2009)

Em Florianópolis, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina – MPESC


- ajuizou Ação Civil Pública contra o Município e o Instituto de Planejamento Urbano de
Florianópolis – Ipuf, objurgando o poder que teriam conferido aos monitores da denominada
Zona Azul para não só para exercerem a manutenção e operação do estacionamento rotativo,
mas também para atuarem como agentes da autoridade de trânsito para elaboração dos atos
preparatórios para o exercício do poder de polícia. Ao apreciar o Agravo de Instrumento nº
2009.048503-0, que o Município interpôs contra a decisão que deferiu, parcialmente, a
liminar postulada, determinando a abstenção do encaminhamento de notificação elaborado
por monitores do estacionamento rotativo à autoridade ou ao agente da autoridade em trânsito,
a Primeira Câmara de Direito Público do TJSC manteve a decisão do juízo singular, argüindo
que o poder de polícia não pode ser “terceirizado”:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - SERVIÇO MUNICIPAL DE TRÂNSITO -


"ZONA AZUL" - PORTARIA DO PRESIDENTE DO INSTITUTO DE
PLANEJAMENTO URBANO DE FLORIANÓPOLIS (IPUF) QUE
DESIGNA "AGENTES COMPETENTES PARA LAVRAR ATOS
PREPARATÓRIOS" POR PESSOAS QUE, POR FORÇA DE LEI, NÃO
DETÉM "PODER DE POLÍCIA" - LIMINAR QUE DETERMINOU A
"ABSTENÇÃO" DO ENCAMINHAMENTO DE NOTIFICAÇÃO
ELABORADA POR ESTES SERVIDORES À AUTORIDADE DE
TRÂNSITO - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO DESPROVIDO.
01. "O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de
infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial
militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no
âmbito de sua competência' (Lei n. 9.503/1997, art. 280, § 4º). A competência
não pode ser delegada a empresa privada (...) (TJSC, 1ª Câmara de Direito
Público, Agravo de Instrumento nº 2009.048503-0, da Capital, Rel. Des.
Newton Trisotto, j. 14/01/2011).

A título de informação, o Juiz da 1ª Vara da Fazenda Publica da comarca da


Capital acolheu o pedido formulado pelo MPESC na Ação Civil Pública nº 023.09.056052-6,
declarando nulo o Decreto Municipal nº 7.261/09, de Florianópolis, que instituiu a
advertência por escrito aos usuários que infringissem as regulamentações de uso do
Estacionamento Rotativo Zona Azul, apontado que a sistemática adotada atenta contra o
Direito na medida em que autorizaria a lavratura de auto de infração de trânsito com base nas
informações prestadas pelos monitores do estacionamento rotativo, sendo que tais
informações não são verificadas no local da infração de trânsito pela autoridade competente.
Há recurso, pendente de julgamento, contra essa decisão, conforme informações obtidas no
sítio eletrônico do TJSC.
O Ministério Público catarinense também intentou ação civil publica contra o
Município de São Bento do Sul e a empresa que operava o estacionamento rotativo naquela
localidade, argumentando ser ilegal o procedimento do agente de trânsito não lavrar o auto de
infração no local da ocorrência, mas sim estribado em aviso de irregularidade confeccionado
por monitor da empresa concessionária do serviço. Nos autos do processo nº 058.09.007393-
0, o juiz daquela comarca deferiu liminar suspendendo os efeitos do Decreto Municipal nº
1.732/2006, especialmente no que se refere à expedição do "aviso de irregularidade"
confeccionado por monitores da empresa privada, e concessão de prazo para a regularização
por meio do pagamento de tarifa. A concessionária recorreu dessa decisão, mas a Primeira
Câmara de Direito Público do TJSC negou provimento ao recurso aduzindo que se a lavratura
do auto de infração de trânsito está baseada em informação não constatada na prática por
autoridade competente para tanto, afigura-se, em tese, viciado o ato administrativo na sua
origem. Adiante, o texto da ementa atinente, no que toca o assunto em voga:

PROCESSUAL CIVIL E LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. LIMINAR. CONCESSÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ARGUMENTAÇÃO RECURSAL QUE NÃO SE PRESTA A INFIRMAR
OS FUNDAMENTOS DO DECISÓRIO HOSTILIZADO.
ESTACIONAMENTO ROTATIVO. AVISO DE IRREGULARIDADE.
ILEGALIDADE PLAUSÍVEL. PRECEDENTES E DOUTRINA. RECURSO
DESPROVIDO. Hipótese em que o Ministério Público afora ação civil
pública, ao fundamento de que o ato normativo municipal que possibilita à
concessionária de serviço público a expedição de aviso de irregularidade, bem
como a regularização da infração, uma vez pago preço público correspondente
a uma ou duas horas, conforme tenha perdurado o tempo de estacionamento,é
manifestamente ilegal. Tese defendida pelo Parquet que encontra amplo
respaldo jurisprudencial, pois "embora inegável a competência dos municípios
para editar normas sobre a organização do trânsito local e instituir sistema de
estacionamento rotativo, a autuação por infração de trânsito exige a
observância das prescrições legais contidas no Código de Trânsito Brasileiro,
especificamente as disposições dos artigos 23, III, e 280, § 2º [...]. Assim, se a
lavratura do auto de infração de trânsito está baseada em informação não
constatada na prática por autoridade competente para tanto, afigura-se, em
tese, viciado o ato administrativo na sua origem" (Pedido de Suspensão de
Liminar n. 2010.006823-0, de Tubarão, rel. Des. Gaspar Rubik). "3. As
atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser
sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii)
consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. 4. No âmbito da limitação do
exercício da propriedade e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem
definidos: o CTB estabelece normas genéricas e abstratas para a obtenção da
Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão da carteira corporifica
a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala
equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade
estabelecida em lei (fiscalização); e também a Administração sanciona aquele
que não guarda observância ao CTB (sanção). 5. Somente o atos relativos ao
consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à
legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público. 6. No
que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria,
inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para
aumentar a arrecadação" (STJ, REsp n. 817.534, rel. Min. Mauro Campbell
Marques). (TJSC, 1ª Câmara de Direito Público, Agravo de Instrumento nº
2009.070981-3, de São Bento do Sul, Rel. Des. Vanderlei Romer, data:
22/04/2010)

Neste caso, o Ministério Público firmou acordo com o Município de São Bento
do Sul, ajuste este homologado por sentença nos autos do Processo nº 058.09.007393-0,
entendendo "ser viável a expedição de auto de infração de trânsito pela prática do disposto
no art. 181, inciso XVII, do Código de Trânsito Brasileiro, na hipótese de estacionamento em
desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização", e que tal
auto de infração seja precedido "pela expedição de 'aviso de irregularidade' emitido por
agentes de trânsito municipais (servidores públicos municipais), de modo a adequar a
conduta do Município de São Bento do Sul aos ditames do artigo 280, §2º, do CTB".

Brusque também teve autuação lavrada por infração às normas do seu


estacionamento chamado “Área Azul”, questionada judicialmente por motivos semelhantes
aos delineados acima. Segundo consta, o Município celebrou convênio com a Câmara de
Dirigentes Lojistas – CDL, delegando encargos, controle e exploração do estacionamento
rotativo local e a impugnação pautava-se justamente no fato da notificação ser realizada por
monitor pertencente à entidade privada, trazendo à discussão a questão da delegação do poder
de polícia. Ao julgar a Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 2009.066292-4, a 1ª
Câmara de Direito Público do TJSC afirmou que o procedimento não seria ilegal, pois a
municipalidade teria transferido ao órgão conveniado apenas o poder fiscalizador, pois a
penalidade em si continuaria sendo aplicada pela autoridade pública competente:

ANULAÇÃO DE AUTOS DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. IMPOSIÇÃO


DE MULTAS POR ESTACIONAMENTO DE VEÍCULO EM
DESACORDO COM AS CONDIÇÕES REGULAMENTARES DE
SINALIZAÇÃO. ESTACIONAMENTO ROTATIVO. ZONA AZUL. (...) 3)
NOTIFICAÇÃO REALIZADA POR MONITOR DE ENTIDADE
PRIVADA. AUTOS DE INFRAÇÃO LAVRADOS POR AUTORIDADE
POLICIAL. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Nos termos do
artigo 280, § 4º, do Código de Trânsito, o agente da autoridade de trânsito
competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário
ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito
com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. O aresto consignou
que toda e qualquer notificação é lavrada por autoridade administrativa. 2.
"Daí não se segue, entretanto, que certos atos materiais que precedem atos
jurídicos de polícia não possam ser praticados por particulares, mediante
delegação, propriamente dita, ou em decorrência de um simples contrato de
prestação. Em ambos os casos (isto é, com ou sem delegação), às vezes, tal
figura aparecerá sob o rótulo de "credenciamento". Adílson Dallari, em
interessantíssimo estudo, recolhe variado exemplário de "credenciamentos". É
o que sucede, por exemplo, na fiscalização do cumprimento de normas de
trânsito mediante equipamentos fotossensores, pertencentes e operados por
empresas privadas contratadas pelo Poder Público, que acusam a velocidade
do veículo ao ultrapassar determinado ponto e lhe captam eletronicamente a
imagem, registrando dia e momento da ocorrência" (Celso Antônio Bandeira
de Mello, in "Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 15ª edição, pág.
726). (STJ, REsp n. 712.312/DF, rel. Min. Carlos Meira, Segunda Turma, j.
18-8-2005) (TJSC, 1ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível em
Mandado de Segurança nº 2009.066292-4, de Brusque, Rel. Desembargador
Substituto Paulo Henrique Moritz da Silva, data 15/03/2011)

Digno de registro a fundamentação legal lançada na ementa acima reproduzida,


que coaduna exatamente com o que restou averbado no Parecer nº 48/2006 deste Cetran,
demonstrando que, apesar das diferentes opiniões sobre o assunto, não se pode dizer que seja
manifestamente ilegal o agente da autoridade de trânsito registrar uma infração por
desrespeito ao estacionamento regulamentado valendo-se, para tanto, de informações que lhe
foram passadas pela pessoa incumbida de monitorar o sistema, seja ela servidora pública ou
empregada de empresa contratada para tanto.

Também não se pode dizer que está errado não lavrar o auto de infração no
momento em que o veículo se encontra estacionado, se o próprio regulamento desse sistema
confere ao usuário um prazo determinado para regularizar a situação após o uso da vaga. O
que se infere, nessa hipótese, é que, de acordo com a regulamentação local, o momento da
verificação da infração pode ser alterado, pois se a legislação municipal (que se presume
constitucional) autoriza a regularização posterior, embora a conduta tenha se iniciado na hora
em que o veículo foi estacionado, o ilícito somente se consuma se o interessado não
regularizar a situação dentro do prazo estabelecido no respectivo regulamento.

O Município de Cascavel, no Estado do Paraná, possui áreas de


estacionamento denominadas de “Zona Azul” onde a dinâmica de monitoramento,
fiscalização e autuação é análoga a que se encontra em discussão. A constitucionalidade da lei
municipal que instituiu o sistema, assim como a validade das autuações lavradas pela
inobservância do regulamento correspondente, foram invectivadas judicialmente e a 15ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, nos autos do Reexame Necessário nº
281.121-6, manifestou-se pela improcedência da argüição. No respectivo acórdão, o TJPR
observou que o Município regulamenta o estacionamento em vias públicas, estipulando valor
e período para a permanência temporária, admitindo, ainda, a regularização direta do usuário,
salientando que os conhecidos sistemas de estacionamentos regulamentados (zona azul, verde,
Estar, etc.) permitem que, antes de configurada qualquer infração de trânsito, o usuário possa
regularizar sua situação junto à Municipalidade, que é competente para a regulamentação do
tema, concluindo que apenas se não aproveitada a oportunidade de regularização estará
consolidada a infração de trânsito. Por guardar correspondência ao tema analisado, peço vênia
para reproduzir o seguinte excerto extraído do referido acórdão:

Como a infração não se verifica no exato momento da fiscalização pelos


agentes municipais (pois que ainda pode ser regularizada), nem se poderia
exigir a imediata presença de policial militar para a autuação. Somente depois
de não verificada a regularização, é que as anotações do fato (até então
irregularidade de âmbito municipal) são encaminhadas ao Estado para a
lavratura de auto de infração de trânsito, nenhuma irregularidade havendo
nesta situação, pois que não se trata de utilização dos agentes municipais para
a autuação de trânsito. Na verdade, tais agentes repassam as informações do
ilícito à autoridade Estadual que, no âmbito de sua competência, lavra o auto
de infração, providenciando, a seguir, a notificação do infrator e demais atos
do procedimento que pode levar à constituição da multa. Assim, a utilização
dos agentes municipais (ou de outras entidades nomeadas para o exercício
desta função) atende aos princípios de direito administrativo, especialmente
quando se observa a necessidade de dar eficiência à fiscalização dos atos
regulamentares do estacionamento e possíveis infrações de trânsito. Além de
não ser a infração configurada de forma imediata, cabe ressaltar que a lei não
exige a presença física e conjunta do infrator e do agente público estadual para
a autuação, havendo apenas a necessidade de se respeitar o contraditório
posterior, cuja eventual ausência não é objeto desta lide. (TJPR, 15ª Câmara
Cível, Reexame Necessário nº 281.121-6, Rel. Des. Carvílio da Silveira Filho,
DJ 7497, 23/11/2007).

Um caso análogo mereceu recentemente a apreciação do egrégio Superior


Tribunal de Justiça, no REsp nº 817.534 - MG (2006/0025288-1) e EDcl no REsp nº 817.534
- MG (2006/0025288-1).

O entendimento firmado no julgamento do STJ é no seguinte sentido, verbis:

[...]

2. No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de


polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da
propriedade e da liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em
debate é a possibilidade de exercício do poder de polícia por particulares (no
caso, aplicação de multas de trânsito por sociedade de economia mista).
3. As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser
sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii)
consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção.
4. No âmbito da limitação do exercício da propriedade e da liberdade no
trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas
genéricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação
(legislação); a emissão da carteira corporifica a vontade o Poder Público
(consentimento); a Administração instala equipamentos eletrônicos para
verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fiscalização); e
também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB
(sanção).
5. Somente o atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis,
pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do
Poder Público.
6. No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares
estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas
para aumentar a arrecadação.

A situação em estudo encaixa-se na moldura jurídica construída pelo STJ. Isto


é, os atos preparatórios ao sancionamento podem ser delegados ao particular, a aplicação da
sanção é indelegável.

Tomei a liberdade de trazer à baila os casos acima dispostos para evidenciar


que, embora haja dissenso quanto à adoção do procedimento em pauta, não pode este
Conselho simplesmente declarar que é ilegal a forma como alguns municípios vêm operando
o seu sistema de estacionamento rotativo. Todas as decisões supra-referendadas, mesmo
seguindo por caminhos opostos, foram muito bem fundamentadas e hoje, enquanto
jurisprudência, alimentam a fonte do Direito e, como tal, não podem ser ignoradas. A decisão
do egrégio Superior Tribunal de Justiça é emblemática, e é a última palavra da justiça acerca
da matéria. A contenda foi erigida ao conspícuo Supremo Tribunal Federal e encontra-se
pendente de julgamento, onde se apreciado o mérito, pacificará definitivamente a matéria.

Entendo, pois, que esta manifestação é oportuna, seja para oferecer aos
municípios que já dispõem desse tipo de serviço uma noção de como os Tribunais vêm
tratando o tema, seja para informar àqueles municípios que ainda não regulamentaram o
assunto sobre os fundamentos favoráveis e desfavoráveis à adoção dessa sistemática.

III. Considerações finais:

Sintetizando:

a) em resposta a consultas, o CETRAN/SC não pode se manifestar sobre fato ou caso


concreto, sob pena de realizar pré-julgamento de mérito acerca de assunto que posteriormente
deva a apreciar e julgar em grau de recurso. No entanto, a consulta deve ser conhecida e
respondida em tese porque repercute de forma geral no sistema estadual de trânsito, onde o
CETRAN exerce o mister de responder a consultas relativas à aplicação da legislação e dos
procedimentos normativos;

b) apesar da polêmica que cerca o tema, entendo que até que a matéria seja pacificada no STF,
devemos adotar o entendimento firmado no STJ no sentido de que “os atos relativos à
fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder
de coerção do Poder Público. No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por
particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para
aumentar a arrecadação”.

c) Especificamente, não é ilegal o ato do agente da autoridade de trânsito de registrar a


infração por desrespeito ao estacionamento regulamentado valendo-se de informações
passadas pela pessoa incumbida de monitorar o sistema, seja ela servidora pública ou
empregada de empresa contratada para tanto;

d) não está errado deixar de lavrar o auto de infração pelo ilícito do art. 181, XVII, do CTB,
no momento em que o veículo se encontra estacionado, se o próprio regulamento do sistema
conferir ao usuário um prazo determinado para regularizar a situação após o uso da vaga.

Contribuiu na elaboração do presente parecer o especialista em trânsito e ex-


conselheiro Rubens Museka Junior.

Florianópolis, 06 de dezembro de 2011.

José Vilmar Zimmermann


Conselheiro Representante da FECTROESC

Aprovado por unanimidade na Sessão Ordinária n.º 049, realizada em 06 de dezembro de 2011.

Luiz Antonio de Souza


Presidente

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