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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES-CH
CURSO DE PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO I: INFÂNCIA
PROFESSOR: CARLOS DIOGO MENDONÇA

RESENHA DO EPISÓDIO “LIVRE PARA APRENDER” PRESENTE NA SÉRIE “O


COMEÇO DA VIDA”

Discentes:
Ester Moreira de Sales
Juliana Alves Saboia
João Pedro Della Guardia
Larici da Silva Alves
Marília Matos Lima
Marina Cristina Lopes Costa

FORTALEZA – CEARÁ
2021
RESENHA
LIVRE para aprender (Temporada 1, episódio 3). O Começo da Vida [Série]. Direção: Estela
Renner. Brasil: Maria Farinha Filmes, 2016. 1 vídeo (42 min). Disponível em:
https://www.netflix.com. Acessado em 3 maio 2021.

Resenhado por Ester Moreira, João Pedro Della Guardia, Juliana Alves, Larici Alves,
Marília Matos, Marina Lopes

O documentário brasileiro “O Começo da Vida”, dirigido por Estela Renner, trata-se


de uma série preocupada em refletir sobre a importância da infância para a formação do
sujeito. A construção dessa análise é feita a partir do depoimento de diferentes profissionais
que se dedicam à investigação das múltiplas questões que permeiam o processo de
desenvolvimento infantil. Ademais, o documentário preocupa-se em aliar as falas desses
profissionais a experiências de pais em diferentes lugares do mundo e em situações sociais e
econômicas distintas.
A ideia de apresentar diferentes perspectivas e vivências acerca da infância, mostra-se
essencial para a construção de debates que refletem sobre questões relacionadas a temáticas
pautadas na importância dos vínculos familiares, nas interferências do ambiente e no contexto
social e na promoção de atividades que estimulem o descobrimento do ambiente pela criança.
O desenvolvimento dessas e de outras temáticas referentes à infância são distribuídas
no decorrer de seis episódios, onde cada um desenvolverá uma temática específica. Nesse
sentido, o primeiro episódio preocupa-se em apresentar a importância do papel das interações
humanas para ajudar a criança a alcançar seu verdadeiro potencial. Enquanto a segunda parte
aponta os desafios da parentalidade, desconstruindo visões idealizadas dessa função. Já o
terceiro episódio, apresenta os aspectos que permeiam o processo de aprendizagem na
infância, de modo a ressaltar suas fases. Na sequência, a quarta parte apresenta situações de
crianças que, devido à condição econômica, são impedidas de se desenvolverem em um
ambiente seguro e saudável. O quinto episódio, por sua vez, descentraliza da figura materna a
responsabilidade pela formação da criança. Por fim, a sexta parte retrata a jornada percorrida
pela criança para a construção de sua identidade.
Tendo-se apresentado os tópicos centrais do documentário, a presente resenha terá
como finalidade formular uma análise crítica sobre os conteúdos e as reflexões desenvolvidas
no terceiro episódio, onde serão discutidos como se desenvolvem aspectos relacionados à
linguagem, à cognição e à imaginação. Nesse aspecto, o episódio em questão inicia apontando
a importância de existirem estímulos para a aprendizagem dentro do ambiente familiar,
apontando a essencialidade da atuação dos pais na promoção de condições favoráveis para a
aprendizagem, conduzindo-os a desenvolverem habilidades ainda não descobertas. A partir
dessa questão, o documentário ressalta que a formação ocorrida no ambiente escolar só
ocorrerá de forma eficiente, caso exista esse incentivo primeiro ocorrido com a mediação da
estrutura familiar.
Acerca das particularidades da aprendizagem nessa fase, afirma-se que as crianças
apresentam a maior capacidade de armazenar informações, mostrando, a partir de pesquisas,
que a aprendizagem na infância pode ocorrer a partir da observação de situações, sem que
necessariamente a criança precise ser protagonista da situação. No decorrer do documentário,
especialistas apontam, ainda, a importância de atividades como a brincadeira, uma vez que é a
partir dessa que o indivíduo estimula aspectos relacionados ao imaginário, além de também
permitir um o desenvolvimento de conseguir desenvolver, por meio desta, um conhecimento
sensorial dos ambientes e de reunir noções primeiras de sua cultura.
A partir dessas discussões… entender…. aspectos… psicológicos… IDK

A partir da apresentação inicial do conteúdo presente no documentário, pode-se passar


para uma análise crítica do terceiro episódio. Nesse aspecto Em seu início, a terceira parte do
documentário o episódiojá apresenta em seu início um importante debate, o qual busca atentar
para a importância das experiências tidas nos primeiros anos de vida para o aprendizado. Essa
discussão, construída a partir de depoimentos de especialistas de diversas áreas, busca tem
como objetivo enfatizar colocar em foco a necessidade de desmistificar a crença comum de
que o aprendizado da criança é importante apenas a partir da escola ou pré-escola. Este
objetiva, a partir de depoimentos de especialistas de diversas áreas, demonstrar que as
primeiras experiências de aprendizado já são reconhecidas sendo as mais importantes. Acerca
da ideia defendida na parte inical do episódio destaca-se o comentário da Para atingir tal
objetivo, logo nos primeiros minutos, Dr. Adarsh Sharma, especialista em cuidado da
primeira infância e educação, esclarece que a parte mais importante do desenvolvimento
cerebral é entre o nascimento e os três anos de idade e, nesse período, é de fundamental que a
criança receba estímulos dos pais.
Doravante essa explicação, o documentário passa a centralizar sua abordagem na
análise dos especialista acerca do papel dos pais, os especialistas salientando m a importância
dos e pais estimularem condições propícias para a aprendizagem nos primeiros anos do
desenvolvimento infantil estimulantes nessa fase do desenvolvimento: De maneira que a
participação dos responsáveis pela criança pais em um ambiente seguro e saudável é
fundamental para que a criança desenvolva uma série de habilidades, as quais facilitarão o
processo de ensino quando esta entrar na escola. Em contrapartida, fatores como, a ausência
de estímulos, a falta de interação com os pais e a ausência de condições materiais de domicílio
adequadas um ambiente precário se configuram como obstáculos nesses três primeiros anos
de vida.
É nessa fluidez entre o que facilita e o que pode ser empecilho para o processo de
aprendizagem que pode-sese pode observar a influência da psicologia do desenvolvimento no
episódio. Ao ressaltar a importância da interação dos pais, o episódio segue uma visão
interacionista do desenvolvimento, relacionando o meio social às emoções e à cognição da
criança. É a partir dessa perspectiva interacionista que o episódio traz, já nos primeiros 10
minutos, a seguinte afirmação de Patricia K. Kuhl — co-diretora do Instituto de
Aprendizagem e Ciências do Cérebro da Universidade de Washington — acerca da
importância da emoção para o desenvolvimento: “A emoção e a cognição estão
profundamente ligados”.
Após essa afirmaçãolegação, o episódio busca elucidar a relação entre as emoções e a
cognição da criança, por meio de experimentos. Para comprovar essa relação, o episódio
utiliza como recurso O primeiro exemplo exibido pelo episódio foi um experimento realizado
pela Universidade de Washington, rotulado de “escuta emocional”, no qual é examinado
como uma criança de 18 meses aprende com emoções dirigidas a terceiros. Nesse teste, o
bebê observou um adulto pressionar um botão que ativava uma campainha. Como resposta,
um outro adulto expressou raiva, reprovando a ação, como se fosse uma atitude proibida
naquela cultura. Após o desentendimento entre os dois adultos, o bebê teve acesso ao
bastonete, mas, ao contrário de experimentos anteriores no qual a criança repetia apertava a
campainha, o bebeê olhou para o alto raivoso, depois para baixo e não pressionou o botão. Foi
concluído, portanto, que as ações da criança foram influenciadas por sua memória dos afetos
presentes naquela situação, ou seja, o comportamento subsequente depende da orientação do
adulto em relação a eles. É por esse motivo que o experimento foi chamado de “escuta
emocional”.
Sob o ponto de vista da psicologia, as noções de emoção apresentadas no episódio até
então possuem uma intrínseca relação com a teoria psicogenética de Henri Wallon. Esse
teórico entende o aspecto afetivo como central na organização da vida psíquica na primeira
infância, pois as emoções antecedem a gênese da cognição. Em outras palavrasIsto é, são as
emoções que permitem a compreensão de diversos aspectos do mundo, sejam eles sociais ou
físicos, permitindo assim a construção de conhecimento e, consequentemente, o
desenvolvimento intelectual da criança. É nesse sentido que Patricia Kuhl afirma que a
emoção e a cognição estão profundamente ligados.
Após esclarecer a importância das emoções, o episódio passa a destacar a interação
social, na qual as emoções são compartilhadas. Para isso, novamente o roteiro recorre a
experiências, a fim de esclarecer o papel da interação social na primeira infância. Nessa parte,
o telespectador é direcionado a outra pesquisa realizada pela Universidade de Washington.
Com o objetivo de analisar a capacidade de bebês de 9 meses de idade de distinguir sons e
adquirir padrões de linguagem para formar palavras de uma língua estrangeira, os
pesquisadores expuseram bebês em fase de aprendizado da língua inglesa a outras línguas.
Enquanto um grupo foi exposto a interação social com adultos estrangeiros por doze sessões
de 25 minutos, o outro teve acesso aos mesmos sons, mas emitidos por uma televisão. Ao
finalizar as sessões, a equipe percebeu que o grupo da interação social havia desenvolvido
capacidades idênticas às das crianças estrangeiras que ouviam aquela língua há 10 meses. Em
contrapartida, o outro grupo, mesmo após as 12 sessões, não conseguia distinguir os sons.
Patricia Kuhl, após a exibição dos resultados do experimento, entra em cena
novamente e sintetiza, para o público, a conclusão dos pesquisadores sobre a relação entre
meio social e desenvolvimento infantil:

É como se o cérebro social ativasse as capacidades ou desativasse, dependendo do


contexto social. [...] Apenas[...] Apenas a interação social ao vivo pode prover aos
bebês e seus cérebros o tipo de informação adequada no momento correto do
desenvolvimento. (O COMEÇO…, 2016, episódio 3).

A síntese de Patricia evidencia a influência de Lev Vygotsky na compreensão


psicológica do desenvolvimento da criança. Para esse teórico, o processo de desenvolvimento
é socialmente constituído, isto é, ocorre através da interação com o meio social e cultural.
Esse processo ocorre desde os primeiros meses de vida, pois a criança está em constante
interação com os adultos, que a ajudam a sobreviver. Além disso, esses adultos — o grupo
social — incorporam as crianças à sua cultura, interpretando suas ações de acordo com os
significados compartilhados no seu meio. Ao longo do desenvolvimento, à medida que o
indivíduo se relaciona com outras pessoas, o sujeito se transforma, de acordo com as
necessidades dessa relação e se modificando por meio dessa interação, que influencia seu
comportamento e o desenvolvimento de seu pensamento durante toda sua vida.
É nesse contexto que a experiência da aquisição da linguagem de bebês segue os
princípios de Vygotsky. Conforme sua teoria psicológica, só é possível compreender as
peculiaridades de cada criança ao reconhecer que o pensamento, isto é, a cognição, depende
do afeto. Resumidamente, sem o afeto com o outro, um indivíduo não consegue desenvolver
suas funções mentais de forma plena, independente da sua maturação biológica. Isso ficou
nítido ao comprovarem que os bebês expostos apenas a televisão, mesmo possuindo as
mesmas estruturas neurológicas do grupo exposto à interação social, não conseguiram
desenvolver suas capacidades cognitivas tão bem quanto os participantes expostos a situações
sociais.
Após a apresentação dos debates científicos que versam sobre a relação da
aprendizagem com o meio social e afetivo — apontados na presente resenha a partir da fala da
co-diretora do Instituto de Aprendizagem e Ciências do Cérebro da Universidade de
Washington —, o episódio busca colocar em foco o papel da brincadeira, não só pela
frequência de uso que as crianças fazem do brincar, mas principalmente pela influência que
essa atividade exerce no desenvolvimento. Ao longo dessa nova discussão são apresentados
especialistas de diversas áreas, objetivando demonstrar, com isso, que a brincadeira é uma
ferramenta facilitadora no processo de aprendizagem. Dentre esses, destacou-se Lino de
Macedo, professor de psicologia, o qual resume, de forma exemplar, a importância do brincar:

"As crianças desenvolvem brincando, jogando. O jogo é a forma delas de


viverem o mundo, de entrar em contato com o mundo, delas compreenderem o
mundo. Ele possibilita e é o próprio processo de desenvolvimento” (O

COMEÇO…, 2016, episódio 3).

A partir disso,Com isso em mente, faz-se imprescindível retomar a perspectiva de


Vygotsky, a qual defende que na brincadeira “a criança se comporta além do comportamento
habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse
maior do que ela é na realidade” (VYGOTSKY, 1987, p.117). Para o autor, a brincadeira cria
uma zona de desenvolvimento proximal, permitindo que as ações da criança ultrapassem o
desenvolvimento já alcançado e a impulsione a descobrir novas compreensões e formas de
agir no mundo. Assim, o brincar proporciona muitos ganhos, pois através dele a criança pode
criar e transformar a realidade, conhecer os próprios limites, lidar com regras, expressar ideias
e sentimentos e criar seu próprio mundo, imitando sua vivência com os adultos.
Levando-se em consideraçãoDoravante tais reflexões, mostra-se pertinente pontar,
ainda, a preocupação do roteiro em o episódio apresentar condições fundamentais para o
desenvolviento de práticas pedagógicas, estando essas relacionadas a aspectos, como a
aspectos didáticos e pedagógicos importantes, considerando a curiosidade, o meio social e a
criatividade da criança como papéis centrais nesse processo. Nesse momento, destaca-se o
pensamento de a Vea Vecchi, atelierista ganhadora do Prêmio Lego, a qual explica que a
melhor forma de ensinar uma criança é deixá-la agir no mundo, observando, testando e
usando a criatividade para entender como o mundo funciona. Além disso, ela outorga à
indagação um lugar central no processo de aprendizagem: é fazendo perguntas e criando
hipóteses que a criança aprende.
Nas falas da ganhadora do prêmio Lego é evidente a influência de Jean Piaget na
forma como a aprendizagem infantil é abordada. Para esse teórico, educar é, em suas palavras,
provocar a atividade, estimular a procura do conhecimento. É necessário educar dessa forma,
pois a criança adquire conhecimentos ao realizar novas descobertas sozinha, através de
processos que ele chamou de "assimilação" e "acomodação".
De forma sucinta, assimilar é compreender algo novo com base em um conhecimento
prévio. Por exemplo, quando uma criança vê uma boneca pela primeira vez, ela pode achar
que se trata de uma pessoa, pois a aparência é muito semelhante com a sua ideia mental de um
ser humano. No entanto, ao tocar no objeto, a criança perceberá diferenças na textura da pele,
a ausência de respiração e indiferença ao contato físico. Em poucas observações, a criança
aprende, através de suas observações, que não se trata de uma pessoa, mas de um objeto
desconhecido. Por fim, para conseguir adquirir o novo conhecimento, a organização mental da
criança se modifica, ou seja, ocorre o processo de acomodação. Em síntese, a criança
conseguiu aprender o que é uma boneca, a partir da modificação do seu conhecimento prévio
acerca da aparência de um ser humano.
Portanto, utilizar o método indicado por Vea Vecchi é colocar em prática o processo
de ensino idealizado por Piaget: expor a criança a um ambiente propício a descobertas, a
partir de suas observações e experiências sensoriais. Nesse processo, todos os elementos
abordados anteriormente (interação social, estímulo, papel dos pais e o brinquedo) se
complementam, facilitando a aprendizagem. Como exemplo disso, Vecchi explica que se uma
criança pergunta porque as folhas caem no outono, o ideal seria estimular sua curiosidade,
perguntar qual sua hipótese e, se possível, fornecer uma brincadeira que a ajude encontrar a
resposta. A criança deve ser protagonista na aquisição de conhecimento. É através da
formação dessa imagem que o título do episódio elucida-se: a criança deve ser livre para
aprender.
Contudo, o final do episódio direciona a atenção do telespectador para a seguinte
questão: será que todas as crianças possuem acesso a esses elementos facilitadores? Toda
criança tem acesso a interação que foi proposta? Para incutir essa reflexão, o documentário
recorre a Lilly Oyare, professora fundadora do Centro Little Rock, instituição de educação
inclusiva em Kibera. No início, o centro era voltado para um novo currículo escolar que
incluísse crianças que não tiveram acesso à escola nos primeiros anos de vida. No entanto, ao
descobrir que um aluno estava há dois dias sem se alimentar, Lilly percebeu que os desafios
enfrentados iam além do conteúdo: era necessário não apenas ter um ambiente escolar
adequado, mas uma sociedade igualitária. O relato de Lilly é marcante: evidencia a falha da
sociedade em garantir um ambiente seguro e saudável para que todas as crianças se
desenvolvam.
Em seu encerramento, o episódio cria um paralelo que intensifica a divergência
presente nas diversas realidades sociais apresentadas. Por um lado, crianças de famílias com
boas condições financeiras preenchem seu tempo com atividades que estão de acordo com
ideais sociais, pois suas famílias são capazes de lhes fornecer um contexto de qualidade para o
desenvolvimento. De outro, crianças de famílias mais pobres estão expostas a múltiplos
riscos, que criam um cenário de vulnerabilidade para seu desenvolvimento integral. Muitas
delas tendo que, por exemplo, ir em busca de sustento, sendo obrigadas a assumir papéis de
adultos e sendo privadas de viver a infância. Com isso, percebe-se que a desigualdade social
acaba gerando diferentes ambientes de aprendizagem, criando desvantagens para aquelas
crianças que crescem cercadas por uma quantidade menor de estímulos e oportunidades de
desenvolvimento. Leah Ambwaya, ativista dos direitos das crianças e CEO da Fundação
Terry Children, é clara:

A pobreza nega às crianças muitos de seus direitos. Muitas crianças não vão à
escola. [...] Se pesquisar sobre a vida delas, você verá que as famílias não têm
dinheiro para pôr comida na mesa para os filhos. Os pais vão se perguntar: "eu
coloco comida na mesa pra essa criança ou compro uniforme escolar?” (O
COMEÇO…, 2016, episódio 3).

Por mais que Leah Ambwaya não cite dados estatísticos, seu posicionamento é um
reflexo da realidade: o mal causado pela pobreza pode ser indireto, pelo impacto causado no
estado emocional dos pais e na parentalidade, bem como no ambiente doméstico criado por
eles (PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 39).
De fato, as múltiplas realidades exibidas em “Livre para Aprender” evidenciam que o
efeito do nível socioeconômico no processo de desenvolvimento é poderoso — não
isoladamente, mas devido à sua influência sobre a atmosfera familiar. Por exemplo, enquanto
em meados do episódio é discutido o uso de tablets durante o almoço, nesse final é abordado a
realidade de crianças que iam para a escola sem se alimentar há dois dias. É inegável que as
crianças pobres estão mais propensas do que as outras crianças a apresentar problemas
emocionais ou comportamentais, e seu potencial cognitivo e o desempenho na escola são mais
prejudicados (Evans, 2004 apud PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 39).
O episódio acerta em não permanecer apenas em dados e teorias, ele vai além: o
telespectador vê rostos e escuta relatos pessoais de como a educação pode ser prejudicada
pelo nível socioeconômico, não apenas estatísticas. “Livre para Aprender” pode ter começado
ressaltando a importância de pais estimulantes e de um ambiente seguro, mostrando uma
realidade ideal, mas não se prende a isso. Na verdade, a mensagem que fica, ao fim do
episódio, é clara: é necessário conseguir fornecer a todas as crianças um ambiente próprio e
seguro para seu desenvolvimento.

1.1 INTERFACES ENTRE “LIVRE PARA APRENDER” E O QUARTO EPISÓDIO

[Caso a gente use isso de 1.1 Interfaces] Tendo em vista a análise crítica formulada
até esse ponto sobre os conteúdos e as discussões desenvolvidas no episódio “Livre para
Aprender”, evidencia-se a necessidade de estender esse exame para a relação da parte
resenhada com outras partes da série documental. Nesse ponto, justifica-se a necessidade de
se avaliar a partir da relação com outros episódios devido à estruturação do roteiro, a qual
permite que os episódios “conversem entre si”, isto é, que cada episódio traga, no desenvolver
de sua temática central, informações que se complementem a discussão elaborada em outra
parte. Técnica que se apresenta essencial para trazer ao espectador o entendimento de que as
problemáticas abordadas não ocorrem de forma isolada.
Com base nisso, inicia-se a observação a partir da relação estabelecida com o O quarto
episódio da série, intitulado “Infância Negada”, o qual expande as breves discussões
construídas no episódio 3 acerca das questões referentes à interfaces entre pobreza,
salientando o impacto que esse fator traz para o e desenvolvimento infantil. Nesse sentido,
eEnquanto “Livre Para Aprender” dedica apenas os minutos finais para abordar os efeitos do
nível socioeconômico, "Infância Negada” traz à luz, por 40 minutos, o que a sociedade deixa
à sombra: a realidade de crianças em situação de vulnerabilidade social. Sendo assim, o
quarto episódio é fruto do solo que foi preparado no anterior.
[Caso seja apenas continuação do texto] Seguindo os debates acerca das interfaces
entre pobreza e desenvolvimento infantil apresentados nos minutos finais “Livre para
Aprender”, o quarto episódio da série, intitulado de “Infância Negada”, traz à luz o que a
sociedade deixa à sombra: a realidade de crianças em situação de vulnerabilidade socialNo
desenvolvimento da temática do quarto episódio . Ao longo do episódio, são apresentados
prtratados temas como estresse tóxico, a desnutrição, a necessidade de investir no cuidado da
primeira infância e a importância de ajudar o adulto responsável pela criança, pois somente
assim a sociedade conseguirá assegurar um ambiente favorável para o desenvolvimento.
Em seu início, o episódio apresenta os desafios enfrentados pelas crianças devido ao
seu nível socioeconômico, através de relatos acerca das responsabilidades delegadas àa elas,
tais como trabalhar, limpar a casa e cuidar do irmão mais novo. Após a exibição desses
cotidianos, a narrativa busca explicar, logo nos seus 10 primeiros minutos, de que forma as
negligências sociais podem afetar o desenvolvimento de uma criança. Pia Rebello Britto,
diretora da UNICEF, esclarece da seguinte forma:

A negligência é o oposto de proporcionar à criança um ambiente favorável ao


desenvolvimento. [...] Por exemplo, quando as necessidades básicas da criança não
são atendidas, como alimentação, nutrição e saúde. [...] A negligência ocorre quando
as crianças ficam sozinhas, ninguém fala com elas ou as ouve. Elas não se sentem
amadas. Existem muitas formas de negligência e todas são muito nocivas às crianças
porque o ambiente as ajuda a se tornar o que são (O COMEÇO…, 2016, episódio 4).

A partir das afirmações de Pia Britto, “Infância Negada” discute as principais


consequências dessa negligência, sendo o estresse infantil em famílias de baixo nível
socioeconômico o primeiro efeito abordado. Nesse momento, pesquisadores salientam a
importância dos pais atenderem as necessidades das crianças, pois quando estas não são
atendidas, a produção de hormônios de estresse aumenta e a criança passa a conviver em um
período chamado de estresse tóxico. Essa situação afeta o indivíduo na medida em que —
como esclarece a especialista em saúde comunitária, Anna Maria Chiesa — “a criança vai
ficando apática, irritadiça, ela perde peso, ela perde sinapses cerebrais. [...] Todo aquele
contato entre as diferentes áreas do córtex cerebral vai ser prejudicado em uma criança que
vive num contexto como esse” (O COMEÇO…, 2016, ep. 4).
Em seguida a discussões neurológicas e sociais acerca do estresse infantil, o episódio
chama atenção para o papel da sociedade em relação ao apoio aos adultos responsáveis pelas
crianças, através de relatos de pais acerca não apenas dificuldades sociais e comidas
vivenciadas por eles, como também ao ambiente em que foram expostos em suas respectivas
infâncias. Com isso, o documentário objetiva evidenciar um ciclo de repetição: todos os pais
entrevistados não tiveram um ambiente favorável para o seu desenvolvimento. A partir disso,
o episódio convida o telespectador a refletir sobre a falha da sociedade em prover a ajuda
necessária para esses pais, vítimas da precariedade de políticas públicas.
Aproveitando a atmosfera construída ao longo do episódio acerca do papel da
sociedade em relação aos pais, em seu encerramento “Infância Negada” busca elucidar a
importância do cuidado na primeira infância. Para isso, o documentário utiliza-se de
produções científicas, como uma pesquisa realizada na Jamaica, na qual os pesquisadores
ajudaram famílias de baixo nível socioeconômico a fornecer alimentos nutritivos e estímulos
cognitivos, sociais e emocionais para as crianças, encorajando a interação entre pais e filhos.
Anos depois, eis o resultado: a maioria dos participantes permaneceram na escola e,
posteriormente, obtiveram uma situação financeira. Com base nisso, Pia Britto retorna ao
episódio e o encerra incutindo a seguinte reflexão acerca dos benefícios para a sociedade ao
fornecer condições favoráveis ao desenvolvimento infantil:
O desenvolvimento infantil é uma das estratégias mais economicamente estáveis
para combater a pobreza. [..] Quando investimos na criança em seus primeiros anos
de vida, construímos seu capital humano, permitimos que ela entre na escola, tenha
êxito, avance para a educação secundária e se torne uma cidadã produtiva (O
COMEÇO…, 2016, ep. 4)

Como um dos objetivos desta resenha é relacionar o documentários a psicologia do


desenvolvimento, mostra-se mister recorrer a teoria histórico-cultural de Lev Vygotsky para
compreender e discutir as reflexões sobre os empecilhos no desenvolvimento de crianças
inseridas em locais de extrema vulnerabilidade, expostas no documentário.
Por considerar a cultura como primordial no processo de desenvolvimento, Vygotsky
relaciona de maneira aprofundada o ambiente e o desenvolvimento humano, esclarecendo que
criança e o meio externo se influenciam mutuamente, numa relação de interação entre o
indivíduo, sociedade e cultura. Essa dimensão sociocultural do desenvolvimento humano não
se refere apenas ao lugar em que a criança vive, mas a toda estrutura fornecida ao indivíduo,
todas suas vivências com significados. Sendo assim, se quem alimenta a criança é a mãe ou
outro adulto, se existem ou não escolas ou outras instituições nas quais as crianças são
submetidas a conteúdos culturais considerados importantes, são apenas exemplos da
multiplicidade de fatores que definem qual é o mundo em que o indivíduo vai se desenvolver
(OLIVEIRA, 2011, p. 25).
Com base nisso e as noções do papel da emoção abordadas nas reflexões do episódio
"Livre Para Aprender", é possível afirmar o desenvolvimento, para Vygotsky, como um
processo formado pela relação sociocultural, possibilitando a conclusão de que crianças que
presenciam e sofrem com fatores de vulnerabilidade e falta de afeto, tendem a ter um
desenvolvimento afetado de forma negativa. É por essa razão que, durante o episódio, os
especialistas fazem um apelo a transformação do ambiente em um local positivo
emocionalmente.
Apesar de Vygotsky explicar bem essa situação, a questão da criança com o meio
também pode ser analisada à luz da teoria bioecológica do psicólogo Urie Bronfenbrenner.
Esse teórico defende que o desenvolvimento é influenciado tanto pelos indivíduos quanto pelo
contexto que envolve o ambiente, o qual é definido como um conjunto de sistemas que se
relacionam entre si, divididos em microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema.
A busca por compreender a relação entre estresse e dinâmica familiar, por exemplo, pode ser
entendida como uma explicação de um microssistema, que refere-se aos grupos que mais
imediata e diretamente impactam o desenvolvimento da criança.
Por mais que as relações do microssistema sejam o destaque em “Infância Negada”, os
outros sistemas também são observados e faz-se necessário entendê los, pois "ao observar
esses sistemas que afetam os indivíduos na família e além dela, essa abordagem bioecológica
ajuda a ver a variedade de influências sobre o desenvolvimento" (PAPALIA; FELDMAN,
2013, p. 39).
O mesossistema é a inter-relação de vários microssistemas. Por exemplo, péssimas
relações no trabalho dos pais poderão afetar as interações com o filho de um modo negativo
no final do dia, como é o caso visto no início do episódio, no qual uma mãe, devido ao seu
trabalho, não tem tempo para interagir com seus filhos.
Já o exossistema, por sua vez, consiste em elementos que afetam o desenvolvimento,
mas que possuem contato indireto. Um dos exemplos de exossistema vistos no documentário
é como o sistema de ensino de uma comunidade pode afetar as oportunidades de trabalho,
relacionando o nível de escolaridade dos pais a seus respectivos trabalhos e condição
socioeconômica.
Por fim, tem-se as relações do macrossistema, que permeiam todo o episódio. Este
ambiente refere-se a padrões culturais abrangentes, como os sistemas econômicos e políticos
(PAPALIA; FELDMAN, 2013, p. 39). Durante todas as temáticas abordadas, esses padrões
foram apontados como influenciadores da criança em desenvolvimento, na medida em que,
devido a ausência de políticas públicas, nem todos indivíduos têm acesso à escola e uma boa
alimentação.
(CASO A GENTE FAÇA “INTERFACES”) É, principalmente, devido a essa
análise macrosssistemática que entende-se o quarto episódio como fruto das discussões do
terceiro. “Livre Para Aprender”, ao abordar a questão social, se prende às leis governamentais
que regulam os direitos das crianças e projetos sociais que visam garantir esses direitos. Isto é,
o episódio ressalta apenas relações do macrossistema. Já o quarto episódio disseca todos os
fatores e relações que levam a negligência, isto é, levam a criança ter uma Infância Negada. É
nesse sentido que a interface entre esses dois episódios elucida-se.

1.2 INTERFACES ENTRE “LIVRE PARA APRENDER” E O EPISÓDIO 5

Com base nas discussões construídas no episódio 3 que apontam uma interferência do
social no processo de aprendizagem, mostra-se pertinente desenvolver uma relação com o
episódio 5 do documentário, denominado “Criando Junto”. A pertinência dessa relação
justifica-se no fato de que o quinto episódio busca afirmar que a formação da criança não
pode ser entendida como uma responsabilidade única da esfera particular, mas também como
uma obrigação social. Esse debate é construído a partir de uma crítica formulada à ideia
massificada de que os bebês são criados somente pelas mães, trazendo esse pensamento ainda
na parte inicial com o pensamento da psicanalista Vera Iaconelli, a qual afirmaria que não é
possível cuidar de um bebê sem o apoio em rede (O COMEÇO..., 2016). A pesquisadora
estende, ainda, a problemática à alegação de que essa situação ocasiona em um “problema
social” (O COMEÇO..., 2016) que seria responsável pelo isolamento das mães do meio
social.
Acerca do papel da maternidade é essencial trazer o livro “Psicologia na Gravidez”
(2013), de Maria Tereza Maldonado, o qual utiliza-se das análises históricas do
desenvolvimento infantil feitas por Felipe Ariés, para afirmar que a noção de amor materno
surge como uma ideia contemporânea. Tendo em vista que no século XVIII predominava-se
uma conduta de indiferença materna, devido às, principalmente, altas taxas de mortalidade
infantil e na infância (MALDONADO, 2013).
Dessa forma, a discussão sobre a necessidade de promover o desenvolvimento da
criança juntamente com a esfera social e a urgência de se rever os papéis simbólicos
atribuídos nesse meio é trazida no episódio 3 no momento em que se afirma a necessidade de
se promover a interação da criança com vários indivíduos, não se restringindo somente a uma
figura — muitas vezes representada pela mãe — ou em um objeto — contemporaneamente
representado pelas tecnologias.

1.3 INTERFACES ENTRE “LIVRE PARA APRENDER” E O EPISÓDIO 6


REFERÊNCIAS

ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1981.

CASTRO, L. A politização (necessária) do campo da infância e da adolescência. Revista


Psicologia Política, v. 7, n. 14, 2007.

GONZÁLEZ, Fernando L. Rey. El lugar de las emociones en la constitución social de lo


psíquico: el aporte de Vigotski. Educação & Sociedade, v. 21, n. 71, p. 132-148, abril. 2000.

HILLESHEIM, Betina; GUARESCHI, Neuza Maria de Fátima. De que infância nos fala a
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92, 2007.

PAPALIA, Diane E.; FELDMAN, Ruth Duskin (Colab.). Desenvolvimento Humano. 12a ed.
Porto Alegre: AMGH Editora, 2013.

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