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CURSO NOVA HUMANIDADE Huberto Rohden

Aula 29
Festa da Felicidade
29/11/1977

Hoje recebemos muitas mensagens lá da TV Globo do Rio. Viriam aqui hoje para fazer uma
primeira filmagem daqui. Mas, não deu tempo, no último momento. Então, vai ser para o reinício
das aulas em março. Eles querem fazer um enorme vídeo-tape sobre tudo isto. Um grande vídeo-
tape que será solto em todo o Brasil com vossa presença. Porque eles vão filmar primeiro as aulas
aqui e depois vão filmar lá no sítio e depois eu tenho que dar a entrevista. Isto devia ser hoje, mas,
no último momento suspenderam porque não deu tempo. É bom assim, porque hoje estava muito
atrapalhado mesmo. Muito apertado. Então, vamos aguardar o início de março para o ano que vem,
a TV Globo do Rio que abrange todo o Brasil, para fazer uma grande filmagem aqui sobre as nossas
atividades da Alvorada, aqui e no sítio. Isto vamos esperar.
Agora, meus amigos, nós vamos iniciar a nossa última aula.
Eu falei hoje na televisão, e disse mais ou menos o seguinte: o nosso Natal ultimamente, não
é mais Natal, todo mundo sabe. É festa comercial, festa social, turismo e um pouco de estética. Mas,
isto é natural, porque a nossa mentalidade não comporta mais um Natal religioso... A nossa
mentalidade! Porque na idade média a gente fazia o Natal na igreja com missa do galo, confissão e
comunhão e tudo isto. E os outros faziam festa religiosa, que não tinha estas coisas, mas, isto já
acabou. O nosso Natal é apenas tolerado. Não é mais entusiasmo espiritual como outrora. Por que
não?
Porque vocês sabem que na idade média havia outra base para o Natal. O pessoal da
Europa... O pessoal cristão lá da Europa era muito infantil -espiritualmente infantil. Não podia
deixar de ser. E acreditava firmemente em todos os contos bonitos. Pois, para eles o Natal era o
seguinte:
Era uma vez um dragão muito feroz e muito infernal que chamava Diabo... Esse dragão
tomou conta da humanidade e massacrou toda a humanidade durante muitos séculos e milênios.
Depois veio um príncipe encantado, poderoso, prendeu o dragão, ligou e nos libertou da prisão do
dragão.
Isto era a base para o Natal da idade média. Porque todo mundo estava convencido que o
Diabo nos tinha escravizado e o Cristo nos veio libertar. Mas, o Diabo é uma coisa de fora de nós,
lá. E o Cristo também é uma coisa de fora. Projetava tudo para fora. E por isso cabia muito bem na
mentalidade meio infantil daquele pessoal.
Hoje em dia nós acreditamos em Satanás e no Cristo, mas, dentro de nós mesmos. Satanás
não é uma coisa fora de nós. É o nosso ego revoltado contra o espírito. Esse é o nosso Satanás. E o
próprio Cristo disse a Pedro que era Satanás. Porque uma vez ele falou em nome do ego; Vá de
retro Satanás... Disse a Pedro. Já naquele tempo Jesus sabia que Satanás também está dentro de
nós. Não é uma entidade lá fora. Pode ser que também existe lá fora. Mas, o que nos prejudica não é
aquele de fora.
Então, nós já sabemos hoje em dia... (na idade média não se sabia nada disto). Satanás é uma
coisa de fora. E agora nós já sabemos que também pode estar dentro de nós. Pedro segundo o
Evangelho, era Satanás, por algum tempo. Depois deixou de ser. Judas também é chamado Diabo.
Não sabemos se deixou de ser. O Cristo também naquele tempo era só o Cristo de fora. Mas, que o
Cristo estivesse dentro de nós, isto ninguém podia imaginar naquele tempo. Hoje nós falamos
abertamente do Deus imanente e do Cristo interno. Até as teologias aceitaram isto. Até nas igrejas

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se fala abertamente. É novidade! A coisa melhorou muito depois do Concílio do Vaticano, número
dois.
Antes quase não se falava do Deus imanente. Era só um Deus transcendente lá do outro lado
das nuvens. Agora, todo mundo, até dentro da teologia já aceita isto. E o Cristo dentro de nós...,
meu Deus! O Cristo está lá d’outro lado do Mediterrâneo, não aqui.
Quer dizer, nós temos uma ideia completamente diferente da nossa antiga escravidão e da
nossa libertação que naquele tempo vinha toda de fora. O Diabo vinha de fora e o Cristo vinha de
fora. Por isto eles celebravam o Natal de outro modo. Nós nos convencemos pouco a pouco de que
as coisas são verdadeiras, mas, não daquele modo como o povo da idade média entendia.
Agora, nós queremos celebrar um outro Natal. Fazer nascer o nosso Cristo de dentro. Nós
somos os autores deste nascimento do Cristo de dentro. Não vem de fora de nós. Se nós
conseguirmos isto algum dia, podemos celebrar um verdadeiro Natal, o nascimento do Cristo dentro
de nós.
Como é que isto começou? Nos últimos 50 anos nós pegamos estas ideias do Deus imanente
e do Cristo interno. Por quê? Porque veio uma onda de orientalismo lá da Índia e avassalou quase
todo o ocidente - primeiro europeu e depois americano. E todo mundo agora fala em
autoconhecimento, autorrealização. Isto são coisas novas. Outrora, ninguém falava nisto. Não havia
um livro sobre isto. Autoconhecimento - eu me devo conhecer a mim mesmo. Eu me devo realizar.
Agora, em vez de salvação nós usamos a palavra autorrealização. Não se trata de eu me salvar
depois da morte. Trata de eu me realizar em plena vida terrestre e para todo o sempre.
Quer dizer, a nossa perspectiva mudou muito. Outrora, salvação era uma coisa póstuma.
Escape para dentro do céu quem puder! O principal era escapar para dentro do céu depois da morte.
Seja a vida como for, no último momento se arrependa e depois, escape para dentro do céu. Isto era
a ideia da salvação. Salve-se quem puder! Nós temos uma ideia muito diferente. Não é uma coisa
póstuma a salvação! A salvação é aqui e agora para todo o sempre. A palavra realização existencial
ou autorrealização é muito mais adaptada à nossa mentalidade do que daquele tempo.
E como é que nós começamos isto depois de 2000 anos? Isto estava tudo no Evangelho, mas
nós não sabíamos. Lia-se o Evangelho, mas não se entendia. No Evangelho está tudo isto, do Deus
imanente. Está tudo isto no Cristo interno. Não há nenhuma novidade. “Eu e o pai somos um. O pai
está em mim, o Pai também está em vós”. Está tudo no Evangelho, há 2000 anos. E como é que nós
não descobrimos? Não tínhamos chave. O Evangelho é uma porta fechada. E quem que nos abriu a
porta? Teve que vir um pessoal lá do oriente longínquo para nos trazer a chave para a fechadura que
fechava o Evangelho.
Vieram lá os Yogues e disseram: “Vocês não tratam de autoconhecimento e de
autorrealização, vamos fazer meditação sincera”. Porque meditação? Outrora, o homem do mundo
não fazia. Eram os Yoguis do Himalaia e eram freiras e frades do convento - mas, o homem da
indústria e do comércio, da ciência e da Universidade não fazia meditação. Bobagem! Hoje, há
milhares de pessoas em todos continentes que fazem cada manhã, meia hora de verdadeira
meditação. Pelo menos tentam fazer. Já é muita coisa, a boa vontade que tem. Alguns conseguem
também.
Então, nós abrimos os olhos para uma coisa que sempre tínhamos nas mãos, mas, que não
tínhamos compreendido. Então, os Yoguis do oriente nos trouxeram a chave para nós
compreendermos o próprio Evangelho que não era deles, que era nosso. O Evangelho também é
oriental, mas, é do oriente médio. Mas, espalhou-se principalmente pelo ocidente. Então, eles nos
disseram: “olhem, isto está tudo no Evangelho, então nós vamos... mas é verdade! Eles não
introduziram nada do oriente, tudo que eles disseram já estava no Evangelho, agora nós
descobrimos também que nós já possuímos o tesouro oculto, uma luz debaixo do velador, uma
pérola no fundo do mar”.
E então, a nossa mentalidade mudou muito; tratamos seriamente de realização e realização
existencial é impossível sem autoconhecimento. Outrora nós pensávamos que nós nos conhecíamos,

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mesmos porque conhecíamos um pouco de fisiologia, um pouco de psicologia, e pensávamos que
isto era nós. Isto, corpo e mente, éramos nós. Depois chegamos a saber que o principal ainda falta.
O nosso Eu central era ainda um tesouro oculto. E agora começamos seriamente a descobrir.
Tempos atrás um grande filosofo alemão, Hermann Keyserling foi para o oriente. Fez
viagem ao redor do globo. Teve um tempo no Japão zen-budista. E foi convidado por uma
Universidade do Japão para fazer uma conferência. E ele aceitou. E antes de fazer a conferência o
diretor lá disse: “Escute Dr, não fale sobre zen-budismo”. E Keyserling perguntou: “mas, porque
não falar sobre zen-budismo, aqui no Japão zen-budista?...” “Não”, disse o diretor, “porque todo
mundo vai adormecer”. “Como assim?” “Porque isto é coisa doméstica, todos estão fartos de
ouvir falar sobre zen-budismo”. Então, disse Keyserling: “Sobre o que vou falar?” “Fale sobre o
Cristo, porque isto é coisa exótica. Aqui no Japão não há 1% de cristãos (não há 1% de cristãos no
Japão), e se o Sr. falar sobre o cristianismo vai despertar uma atenção geral”. E Keyserling fez
isto. Foi um sucesso! Foi um silêncio sepulcral durante uma hora na Universidade de Tóquio.
Porque ele falou no cristianismo para os japoneses zen-budistas.
A mesma coisa aconteceu conosco. Nós, há 2000 anos falamos no Evangelho. Mas, era coisa
doméstica, coisa ouvida todos os domingos - lida e relida. Isto não interessa! Vamos ouvir coisas
exóticas! Então sim que é interessante! Então vieram os Swâmis e os Yoguis lá do oriente, fizeram
coisas exóticas. Até em sânscrito falaram. Falaram em coisas e traduziram em nossa língua:
autorrealização e autoconhecimento. Nós abrimos os olhos como os japoneses, naquele tempo e
dizemos: “mas, é verdade, é novidade, aqui ninguém sabia nada disto”. Assim foi necessário! Eles
nos darem a chave do tesouro que nós tínhamos nas mãos, mas, não sabíamos o que era.
Então, infelizmente, lá do oriente nos veio uma enorme confusão. Uma confusão tão
grande... têm alguns livros que falam disto. Aqui fala: chakras, kundalini, Yoga, Kriya Yoga, e
assim por diante. Então o último Kriya Yogi que é um russo, Boris Sacarov diz: “Eu verifiquei que
aqui no ocidente há pelo menos duas dúzias de tipos de Yoga”. Cada um inventa um outro nome,
Kriya Yoga, Tantra Yoga, Yoga tântrica, kundalini... E diz o Sacarov: “Há uma verdadeira
epidemia yoguística, agora em toda Europa e na América. Cada um inventa um outro tipo e diz que
‘ isto é a salvação! Se você praticar minha espécie de yoga você será autorrealizado’. Vem um
outro e diz: ‘não, não é a sua, é essa mais moderna ainda”.
Então, diz o autor deste livro aqui, agora estão proliferando sistemas de Yoga como
cogumelos em monturo. E nós estamos desorientados, não sabemos mais o que fazer. Quer dizer,
nós confundimos os sistemas de Yoga com autorrealização. Só existe uma autorrealização e um
único autoconhecimento, porque isto é baseado sobre a nossa natureza humana que é eternamente a
mesma. Não há duas naturezas humanas. Essencialmente toda a natureza humana é feita de dois
polos: o nosso ego externo, e o nosso Eu interno. Isto é autoconhecimento e autorrealização.
E agora, nós em nosso curso não tratamos de sistemas de Yoga. Deixamos isto para todos
que quiserem. É muito bom para a saúde, mas, autorrealização é coisa muito mais séria e é uma
coisa rigorosamente uniforme no mundo inteiro. Se nós conseguíssemos uma verdadeira
autorrealização e, sobretudo um autoconhecimento, nós saberíamos o seguinte: que nós não fomos
derrotados nunca por algum satanás lá fora. E nós também não fomos salvos por nenhum Cristo lá
fora. Se o nosso Satanás não está dentro, nós não estamos escravizados, porque ele não nos pode
escravizar pelo lado de fora. E se o nosso Cristo não desperta de dentro, nós não estamos libertos da
escravidão de Satanás. Isto nós estamos compreendendo pouco a pouco.
A nossa prisão e a nossa libertação não vêm de fora. A nossa perdição e a nossa redenção
são coisas de dentro da nossa natureza. O movimento de toda cultura é de fora para dentro. Outrora,
tudo era fora de nós - tudo nas circunstâncias. Hoje está tudo na substância. É dentro de nós que
existem estes dois poderes. Existe o poder negativo que se chama o nosso ego. E existe o poder
positivo que se chama o nosso Eu. O negativo é o nosso Satanás, o nosso Diabo. E o positivo é o
nosso Cristo, o nosso redentor. Estamos chegando à grande descoberta que não há aloperdição, nem

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alorredenção. Alo - quer dizer em grego, o outro. Nenhum outro me perdeu e nenhum outro me vai
salvar. Não existe aloperdição. Não existe alorredenção. Só existe autoperdição e autorredenção.
Chegamos finalmente a descobrir um pouco da natureza humana. Que nós somos
responsáveis por tudo isto. Pode ser que haja poderes externos, mas estes poderes externos não
atuam sobre nós, se encontrarem ponto de apoio em nós. Nenhum Satanás me pode fazer pecador
por mais que ele queira. E nenhum Cristo me pode fazer justo e santo por mais que ele queira.
Jesus não tentou com Judas Iscariotes que ele já era chamado Diabo? Não tentou redimi-lo,
cristificá-lo, salvá-lo? Não conseguiu nada, porque dentro de Judas não encontrou ressonância, não
encontrou apoio. Quer dizer, nenhum Cristo externo nos pode redimir, ainda que seja o próprio
Cristo - Cristo em carne e osso. Não pode. O livre arbítrio é uma fortaleza inexpugnável pelo lado
de fora. O livre arbítrio não pode ser conquistado pelo lado de fora. O livre arbítrio só pode ser
conquistado pelo lado de dentro. Se eu não entregar as chaves, nenhum inimigo pode entrar na
minha fortaleza do livre arbítrio. Mas, se eu lhe entregar as chaves, ele entra.
Quer dizer, em última análise, nenhum poder externo, seja negativo como Satanás, seja
positivo como o Cristo, nos pode perder e nos pode redimir. Ninguém me pode salvar, exceto eu
mesmo. Ninguém me pode perder, exceto eu mesmo. Até este ponto nós chegamos pouco a pouco,
com nosso autoconhecimento.
Agora nós talvez tenhamos as portas abertas para celebrar um verdadeiro Natal. Não mais
um Natal comercial, um Natal social, um Natal turístico. Bem, isto sempre pode ser uma
manifestação externa. Mas, se nós conseguíssemos a libertação da nossa própria autoescravização,
se conseguíssemos autolibertação depois da egoescravização, nós teríamos todo o motivo para
celebrar o nascimento do Cristo. Não talvez do Jesus humano em Belém, mas do Cristo cósmico
dentro de nós mesmos.
Por isso nós estamos em vésperas de uma nova humanidade. Porque a humanidade está
abrindo os olhos - não toda, mas em grande parte - para esta grande verdade: Eu me perco a mim
mesmo e eu me salvo a mim mesmo. Ninguém me perde, ninguém me salva. Perder é do ego e
salvar é do meu Eu. Se o meu Eu for mais poderoso que o meu ego, é claro que o meu ego se deve
render ao meu Eu. Isto já é salvação. Mas se o meu ego for mais poderoso que o meu Eu, é claro
que vai derrotar o meu Eu.
Não diz a Bhagavad Gita? “O ego é o pior inimigo do Eu”. Está na Bhagavad Gita: O ego
humano é o pior inimigo do Eu, mas, acrescenta: felizmente o Eu divino é o melhor amigo do ego
humano. Se ambos fossem inimigos não havia esperança para um tratado de paz. Mas, se apenas um
é inimigo com o ego, mas o outro não é inimigo. O outro nunca é inimigo do ego, então, pode partir
um tratado de paz da parte do Eu. Porque se o Eu é amigo do ego, é claro que o Eu pode conseguir
um tratado de paz para o ego, suposto que o ego aceite. Se o ego se integra voluntariamente no Eu
superior, está feito o tratado de paz. Porque tratado de paz não é substituir o ego pelo Eu. Tratado de
paz é integrar o ego humano no Eu divino. Isto é tratado de paz.
Nós nunca ficaremos sem o nosso ego. Faz parte da natureza humana. A única coisa que
temos que fazer é conseguir a integração, não a abolição, não a morte, mas a integração voluntária
do nosso ego humano dentro do nosso Eu divino. Então, está feito o tratado de paz. Isto é Natal. Isto
é a vinda do Cristo. A segunda vinda do Cristo que muita gente fala, não é provavelmente uma
vinda externa nos ares. Isto é símbolo. Provavelmente a segunda vinda do Cristo é o nascimento do
Cristo conscientemente dentro de cada um de nós e uma vivência de acordo com esta consciência.
Isto é a vinda do Cristo. Quando este mundo será transformado no reino de Deus haverá um novo
céu e uma nova terra. O reino do céu será proclamado sobre a face da terra, diz o Apocalipse. Isto
só pode acontecer assim.
Este reinado não vem de fora. Não é no 3o milênio que isto vai acontecer. Alguns escrevem
livros que no 3o milênio tudo vai mudar de repente - com uma varinha mágica, um toque de mágica.
Não é verdade! Só vai mudar se muitos indivíduos mudarem. A humanidade não existe. A
humanidade é uma abstração. Só existem indivíduos concretos. E se muitos indivíduos concretos

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conseguirem este Natal de dentro, este nascimento do seu Cristo interno mais poderoso que o seu
ego, então, já temos o início da terceira humanidade, da nova humanidade do reino de Deus sobre a
face da terra.
Quer dizer, não devemos admirar que o Natal não seja mais celebrado religiosamente como
outrora, porque nós já abandonamos estas ideias de salvação de fora. Quase todos abandonaram,
embora não o digam. Continuam na velha rotina como se acreditassem, mas muitos já não
acreditam seriamente nisto. Abandonamos a tradição medieval e ainda não descobrimos outra coisa
melhor. Estamos num parênteses entre a idade média e a nova humanidade. Estamos numa
penumbra ainda. Deixamos as ideias antigas que algum Diabo externo e algum Cristo externo nos
pudesse redimir. Isto, nós já desconfiamos um pouco, mas ainda não temos certeza do resto. Quer
dizer, ainda não descobrimos o Cristo interno. Já abandonamos em grande parte o Cristo externo,
mas, ainda não descobrimos o Cristo interno. Mas, se descobrirmos, então, virá a nova humanidade.
Meus amigos! Estamos em vésperas de Natal agora, então, não basta abandonar as praxes
antigas do Natal; as praxes antigas e medievais, e substituí-las por festas comerciais, festas sociais,
dar muitos presentes, etc... Isto não é substituição. Isto é apenas uma periferia. Se nós
conseguíssemos nascer para uma nova visão de dentro, depois de termos abandonado a visão de
fora... Nós já abandonamos a visão de fora, (em grande parte), mas, ainda não conseguimos a visão
de dentro.

2a parte

É interessante! Outrora, toda força vinha de fora. Força, outrora era músculo de animal. Um
cavalo é que era força. Um búfalo era força, um boi era força. O elefante era força. Um camelo era
força. Isto, antigamente! Força muscular! Depois também veio força da água, força do vento. E no
século passado descobrimos que esquentando água dá muita força. Pode mover uma locomotiva
com água esquentada. Dissemos: “mas, que grande força nós podemos produzir, ou pelos músculos,
ou pelo vento, ou pela água - pelo vapor? Isto era força. Era coisa de fora. Depois veio a
eletricidade que já era uma força meio de dentro. Não se sabia bem donde vinha a eletricidade no
século passado. Mas, não é bem de dentro”.
Agora, só no século XX nós descobrimos uma força que não é de fora. Uma força mui de
dentro. Uma força atômica. Uma força nuclear. Uma força do núcleo mais pequenino da natureza,
que chamam de núcleo, o Próton, a parte positiva do átomo que eles chamam núcleo. E tiramos uma
força tremenda dum núcleo invisível. Nunca ninguém viu um núcleo atômico. Nem sequer um
átomo se pode ver. Com nenhum microscópio do mundo se pode ver um átomo. Muito menos o
núcleo do átomo. E é a fonte da maior energia que a humanidade conhece até hoje. Muito maior que
força de camelo, de elefante, de boi, de búfalo, de vento, de vapor e até de eletricidade. Isto
aconteceu lá fora, na ciência.
E a mesma coisa está acontecendo na metafísica. Perfeito paralelo da física é a metafísica
hoje em dia! A física sabe de tudo isto, que a força não vem de fora. A força vem do invisível. A
força vem do núcleo atômico. A maior força vem duma coisa que nunca ninguém viu. E agora na
metafísica, também estamos descobrindo a mesma coisa. Outrora, a força da perdição vinha lá do
diabo de fora. E a força da salvação vinha dum Cristo que também era de fora. Agora estamos
descobrindo que uma força muito maior que essa de fora é uma força que vem de dentro, do nosso
Eu invisível. Essa força já existe, mas não funciona. Por que não funciona? Porque nós não temos
consciência desta força. Não basta a presença duma força. É preciso que tenhamos consciência
desta presença.
Quando adicionamos a consciência da presença à própria presença, ela começa a funcionar.
A maior necessidade no momento atual é conscientizar uma força gigantesca que já existe, hoje e
agora, e sempre existiu dentro de cada um de nós. Mas, nós só vemos forças de fora - forças

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musculares - forças físicas. Forças isto, força aquilo. E, não descobrimos ainda a força metafísica
dentro de nós mesmos. Agora é chegada a Alvorada da Nova humanidade. Abrir os olhos, isto é, a
consciência para uma força que sempre existiu em nós, mas, que só agora começa a ser consciente
em alguns. Não em muitos ainda.
Mas, deve haver uma vanguarda consciente para puxar os vagões inconscientes atrás de si.
Precisa uma locomotiva, porque 100 vagões no mesmo trilho não andam por si mesmo. 100 vagões
no trilho não andam. Nenhum vagão anda sozinho. 100 também não andam sozinhos. Não adianta
multiplicar os vagões vazios. É preciso que haja uma locomotiva à frente. E cada um de nós tem
que ser uma locomotiva com força própria. O vagão é empurrado ou puxado, mas não tem força
própria. A locomotiva tem força própria. Se cada um de nós não for uma locomotiva, o resto da
humanidade fica parado nos trilhos. Mas, se há uma locomotiva, pode puxar uma centena de
vagões, desde que tenha bastante força.
Quer dizer, a tarefa de cada um de nós é ser uma locomotiva, não só para si mesmo, mas
para muitos outros. De fato, nós não podemos fazer nada com os outros se os outros não querem.
Mas, se um realizou e externou, e aplicou a sua força interna, vocês pensam que outros não ficam
desejosos de fazer o mesmo? Nós não podemos obrigar os outros a fazer. Mas, eles dizem: então é
possível mesmo a gente ser um Buda, a gente ser um Gandhi, a gente ser como o Cristo? Não ter
mais ódios, não ter raivas, não praticar nenhum mal com os outros. Se fulano pode porque eu não
posso? Isto já é locomotiva. Não podemos obrigar ninguém, mas os outros se obrigam a si mesmo
quando veem alguém que já realizou a força. Então eles dizem: eu também sou capaz de realizar a
mesma força.
Quer dizer, estamos em vésperas de um novo Natal, de um nascimento do Cristo em nós.
Isto seria o verdadeiro Natal. Meus amigos!
Vamos terminar com isto hoje, desejo feliz ano novo e Natal feliz a todos vocês e espero
encontrá-los aqui. Os que puderem vir na noite de Natal em que vamos realizar uma profunda
descida para dentro das profundezas do nosso Eu... Fazer um encontro consigo mesmo...
A coisa mais difícil hoje em dia é fazer o encontro consigo mesmo. Nós nos encontramos
com todos os amigos. Marcamos na esquina tal, um café tal e lá estamos. Encontro com os outros.
Marcamos um encontro conosco e não nos encontramos. Estamos ausentes. Está presente o nosso
ego. O nosso Eu não apareceu. Apareceu, está lá, mas está encoberto completamente. É uma luz
debaixo do velador. É um tesouro oculto e é uma pérola nas profundezas do mar. E não há um
encontro. Então, o principal agora é fazer um encontro consigo mesmo. Isto não é um conselho
religioso. Isto é um imperativo vital. Porque para alguém ser feliz, realmente feliz, mesmo no meio
do sofrimento é preciso que ele tenha um encontro consigo mesmo. Não adianta procurar felicidade
sem ter um encontro consigo mesmo.
As circunstâncias nos podem fazer gozar e nos podem fazer sofrer. As circunstâncias da
natureza e da humanidade nos fazem sempre gozar e nos fazem sofrer. Nem uma circunstância me
pode fazer feliz, nem infeliz. Eu sou o único que me posso fazer feliz e que me posso fazer infeliz.
E a tal ponto que eu posso ser feliz até no meio do sofrimento e também posso ser infeliz no meio
do gozo. Que coisa estranha! Porque gozo e sofrimento vêm do nosso ego que é uma circunstância
também.
Felicidade e infelicidade nunca vêm de fora, sempre vêm da nossa substância divina, do
nosso verdadeiro Eu. Quando o nosso Eu está sintonizado com o infinito, então, nós somos felizes.,
mesmo no meio do sofrimento. Quando o nosso Eu está em desarmonia com o infinito, então,
somos infelizes. No meio de todos os gozos não somos felizes. Gozar não é ser feliz e sofrer não é
ser infeliz. Gozar e sofrer são coisas periféricas, que atingem apenas o nosso ego humano, mas, não
podem atingir o nosso Eu divino. A nossa circunstância nos faz sofrer ou gozar. A nossa substância
nos faz feliz ou infeliz. E o Natal devia ser a festa da felicidade. Mas não o Natal de fora. Isto é um
divertimento, é claro, mas, se eu provocasse um Natal de dentro na perfeita harmonia da minha

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consciência humana com a consciência cósmica infinita, então, então eu celebraria uma grande festa
de Natal. Qualquer dia eu poderia celebrar isto.
Estão vendo? Isto que estou dizendo agora é uma perspectiva da Nova humanidade. Porque
felizes todos querem ser. Ninguém quer ser infeliz. Mas, muitos confundem felicidade com gozo e
confundem infelicidade com sofrimento. Mas, nós podemos ser felizes e também infelizes fora ou
dentro de todas as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis. Porque as circunstâncias não nos
atingem por dentro. Só nos atingem por fora. Quer dizer, o nosso verdadeiro Natal, a festa da
felicidade permanente para nós está nas mãos de cada um de nós.
Meus amigos, vamos terminar com isto a nossa aula de hoje, e se alguém quer fazer
pergunta, pergunte para hoje porque é a última ocasião. Querem fazer alguma pergunta aí sobre
isto? Diga:
-O senhor menciona a Kriya Yoga, Yogananda fazia Kriya Yoga...
-Bem, ele indica numa nota o que é Kriya ioga - mas também diz que não se pode explicar.
Kriya Yoga não é uma doutrina. Boris Sacarov explica muito bem (mas, não está em português, está
em alemão). Não é uma doutrina. Não é uma técnica e todo o mundo pensa desde que leram
Yogananda, que Kriya Yoga seja uma doutrina muito secreta, muito misteriosa, transmitida através
dum toque mágico do guru para os seus discípulos ou através duma palavra. Não é verdade. Kriya
Yoga não é uma doutrina. Não está em nenhum livro. Kriya Yoga não é uma técnica, que ninguém
pode ensinar a ninguém. O que é Kriya Yoga? Uma experiência. Uma experiência profunda do
nosso Eu central.
Quando alguém fez esta experiência (eu sei disto, porque estive lá três anos com os Yoguis,
no Ashram de Golden Lotus Temple, estive três anos lá)... Quando alguém já fez esta experiência,
por sua própria conta e risco, não através do Guru... Quando alguém já teve esta experiência do seu
encontro consigo mesmo - então o Guru pode confirmar esta experiência. Isto é o que eles fazem. O
Yogananda também pensa isto quando ele diz que deu a Kriya Yoga a fulano de tal. Gandhi voltou
do sul da África quando ele esteve 20 anos sofrendo horrivelmente e fazendo meditação contínua.
Mahatma Gandhi! Ele estava iniciado em Kriya Yoga. Isto é Kriya Yoga!
A experiência da nossa realidade divina e a vivência de acordo com a nossa experiência, isto
é Kriya Yoga. Não é nenhuma outra coisa. Agora, o Guru percebendo pelas nossas próprias auras
(porque os Gurus têm de perceber as nossas vibrações, as nossas auras)... Quando o Guru percebe
que fulano está iniciado em Kriya Yoga ele pode confirmar esta iniciação até por meio de um ritual.
É o que todos fazem.
O ritual não precisa, mas, é uma solenidade bonita. Quando se faz uma iniciação em Kriya
Yoga por meio dum ritual é com flores, e frutas, e luzes e música. Muito misterioso!... Sempre só
com indivíduos. Os Yoguis verdadeiros não fazem iniciação em Kriya Yoga em turma. Fazem só
iniciação de pessoa a pessoa. Porque eles sabem que a aura de cada pessoa é diferente. Eles não
podem fazer uma iniciação coletiva. Isto é absolutamente impossível. Pode-se fazer uma iniciação
individual. Mas a iniciação não é a coisa principal.
A iniciação do Guru é uma confirmação de uma realidade espiritual que já existe. Se ela não
existe, o Guru não pode mentir e dizer, “eu te dou a Kriya Yoga”, porque ele não pode dar. Mas, se
ela já existe, então, ele sabe pelas vibrações e pela aura do outro, ele está iniciado em Kriya Yoga
porque ele se autoiniciou. A iniciação não existe fora da autoiniciação. A confirmação pode vir de
outro, mas a iniciação verdadeira vem sempre da própria pessoa.
Ninguém me pode salvar exceto eu mesmo. Ninguém me pode redimir, exceto eu mesmo.
Ninguém me pode fazer um santo, exceto eu mesmo. É claro que não pode! A Kriya Yoga seria um
contrabando no reino de Deus. Se um Guru me pudesse autoiniciar quando eu não estou em
condições de ser iniciado... Ele não pode, seria uma mentira! Seria uma transgressão das regras
eternas, iniciar alguém que não esteja em condições de ser iniciado. Isto nenhum Guru verdadeiro
faz.

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Ele não pode renegar a sua dignidade de Guru iniciando alguém que não está em condições
de ser iniciado. Mas, se ele percebe pelas auras e pelas vibrações, não precisa nem perguntar. Eles
têm um sexto sentido, os verdadeiros Gurus, e sabem, na presença de qualquer pessoa, se está em
condições ou não, de ser declarado iniciado. Isto é o que eles fazem. Mas, não pensem que seja uma
doutrina a parte, que seja uma técnica especial. Um toque com varinha mágica. E agora você está no
céu. Isto não é verdade! Não pode, isto é contrabando no reino dos céus. Não há contrabando no
céu. Só aqui na terra há contrabando.
-Uma pessoa pode continuar sozinha, sem um Guru?
-Pode. O Guru não é necessário durante a vida inteira. O Guru é necessário para os
principiantes. Guru é alguém que já tem experiência própria. Se não tem experiência própria não é
Guru. E depois possa colocar uma seta na encruzilhada e dizer ao outro: Olhe, nesta direção você
vai alcançar, a sua autoiniciação. Vá nesta direção - e até pode ajudar a ir nesta direção. Mas,
finalmente, o iniciando deve tornar-se independente. A maior vitória do Guru é quando ele se torna
supérfluo. Que coisa maravilhosa, não é? A maior vitória dum mestre é quando ele não é mais
preciso para o seu aluno. Ele guiou tão bem o seu discípulo, o seu aluno, que o aluno agora também
se fez mestre. E agora? Sendo que o discípulo já se fez mestre por experiência própria, para que
ainda precisa mestre, se ele já é mestre, também?
Quem tem experiência própria é mestre. E isto cada um pode ser. Então, o Guru se torna
supérfluo para o resto da vida. A maior vitória de um Guru é tornar-se supérfluo. Ele conduziu tão
bem o seu discípulo que o discípulo já não precisa mais dele. Os pais devem conduzir os filhos no
princípio da vida, não é? Mas, se o filho tivesse que ser conduzido 30 anos pela mãe, pelo pai, 40
anos, 50 anos, que pais são esses? Péssimos! Porque eles não deram a independência pessoal a eles.
Eles têm que dar ao filho a possibilidade deles se tornarem independentes e guiar-se por si mesmos.
Os pais são gloriosos e vitoriosos quando têm filhos que não precisam mais deles, porque
conduziram tão bem, que eles se tornaram autônomos. E podem guiar-se por si mesmos. Primeiro
foram aloconduzidos pelos pais. Agora são autoconduzidos por si mesmos.
É a mesma história do Guru. Não é preciso um Guru pela vida inteira. Isto é sinal que
alguém nunca saiu do ABC. Se alguém precisa do Guru a vida inteira não saiu do ABC. Está na
escola primária ainda, soletrando. Mas, alguém fica eternamente na escola primária? Não precisa,
ele pode tornar-se independente, pouco a pouco. É claro que pode.
-Mais alguma coisa? Diga!
-O Sr falou nas forças externas, na força muscular, na força do vento, na força da
eletricidade. E depois falou nas forças internas, da energia atômica. O que o Sr poderia nos falar da
força interna do pensamento que pode ser tão grande a ponto de mover montanhas. E não é força
atômica!
-Pensamento já é muito mais interno que corpo, mas, ainda não é o último. Ainda é
penúltimo, o pensamento... Porque o pensamento ainda é uma força do ego. Não confundam! O
pensamento é ainda uma força do nosso ego humano. Se nós fôssemos além do pensamento e
entrássemos na intuição espiritual, em vez do pensamento analítico... O pensamento analítico é a
última fronteira do ego, mas, não é do Eu ainda. Se nós nos deixássemos invadir pela alma do
universo, a invasão cósmica; pela alma do universo abríssemos todos os canais, e disséssemos:
“Alma do Universo, invade-me, toma conta de mim, guia-me por seus caminhos”, então, estaríamos
no máximo da força. Mas, isto já não é pensamento. O pensamento sempre entope os canais. Mas,
a intuição espiritual abre todos os canais. E onde há um abrimento de todos os canais é
absolutamente certo que haverá uma invasão cósmica da Alma do Universo. Isto então, é
experiência própria. Isto sim, que é força máxima que eu comparei com a força nuclear.
E cada um devia conseguir isto, deixar-se invadir pela Alma do Universo que é Deus, que é
consciência cósmica. Mas, isto não é possível, enquanto ele entope os canais por qualquer coisa do
seu ego. Pensar ainda não é abrir todos os canais. Agora, não pensar nada, não querer nada, mas
ficar completamente consciente (espiritualmente consciente senão ele cai em transe), e dizer: “Eu

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me deixo invadir, eu sou um canal aberto para a plenitude da fonte”. Então, a plenitude da fonte
infalivelmente vai plenificar a vacuidade dos canais. É matemática simples, onde há uma vacuidade
acontece uma plenitude. Se o ego se esvazia de si mesmo, o cosmos o encherá na sua plenitude. Isto
é certo!
Cada um devia fazer isto. Isto chama a verdadeira meditação. A meditação não é outra coisa
senão o egoesvaziamento na esperança de uma cosmoplenitude. Nada mais! E esta plenitude
cósmica acontece. Isto então é certeza absoluta sobre si mesmo. Isto é encontro consigo mesmo.
Tem certeza de si mesmo. Que sou Eu? Já tem uma resposta. Tem certeza de Deus e tem certeza da
própria Alma do Universo.

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