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BANTUIZANDO O PANO DA COSTA

Tomando como base um trabalho interessantíssimo e muito bem elaborado que circula pela
internet de Lúcia Gaspar Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco o pano da costa Também
conhecido como alaká, pano-de-alaká ou pano-de-cuia é de origem africana e compõe a
indumentária da roupa de baiana. Seu uso está intimamente ligado ao âmbito das religiões afro-
brasileiras e obedece às cores simbólicas dos orixás. Sua denominação faz referência à costa
africana, mais precisamente a ocidental, local de origem dos muitos produtos trazidos para o
Brasil, especialmente para o recôncavo baiano.
De formato retangular - o tamanho padrão é de dois metros de comprimento por 60 centímetros de
largura, é composto de faixas, tecidas em tear horizontal, depois, costuradas manualmente,
formando padrões, em geral geométricos e bicolores, que seguem as texturas dos fios de algodão
combinados com os de seda, caroá e outros materiais.
Seguindo esses padrões formais, o pano-da-costa - usado sobre um ombro, pendendo uma das
pontas sobre o peito e a outra sobre as costas - adquire sua identidade de produto que integra a
roupa tradicional de baiana e suas variações sociais e religiosas. Listrado, liso, estampado ou
bordado em richelieu ou renda, é por meio dele que a mulher demonstra sua posição hierárquica na
organização sócio-religiosa dos terreiros.
Porém em algum momento ela cita que: "Sendo este presença e distintivo do posicionamento
FEMININO nas comunidades religiosas AFRO-BRASILEIRA, o pano-da-costa, não é apenas um
complemento da indumentária da MULHER; é a marca do sentido religioso nas ações da MULHER
como iniciada ou dirigente dos terreiros', e continuando ela afirma: "O pano-da-costa é de uso
exclusivo da MULHER nos cultos afro-brasileiro, porque uma das principais funções do mesmo é
proteger os orgão reprodutores das mulheres, das Yamis, já que as energias emanadas das
mesmas prejudicam muito todo o aparelho reprodutor da mulher.
Ora! Os cultos afro-brasileiros e em especial o candomblé é formado por três grandes grupos
étnicos que é Angola (de origem bantu) ketus (de origem yorubana) e Djedje (de origem fonbe).
Não quero com isso desmistificar uma regra popular entre os adeptos, de que homem não coloca
pano na cintura no ombro ou na cabeça porém analisando por estudos históricos científicos em
especial as obras de Luiz Roberto de Barros Mott, antropólogo, historiador e pesquisador, e um dos
mais conhecidos ativistas brasileiros chegamos a conclusão que em terras bantu, muito antes de
chegada do branco, já existia o culto aos ancestros. Também era conhecida a palavra "mbanda"
(umbanda) significando "a arte de curar" ou "o culto pelo qual o sacerdote curava".
Os sacerdotes da "mbanda" eram conhecidos como "kimbanda" (ki-mbanda = comunicador com o
Além ).
Ao visitar o reino de Ndongo (atual Angola) o Padre Baltasar Barreiro, da Companhia de Jesus,
informava a seus superiores que "na libata do soba Songa, achei aqui um grande feiticeiro que
andava em trajos de mulher, e por mulher era tido sendo homem: a coisa mais feia e medonha que
em minha vida vi. Todos haviam medo e ninguém lhe ousava falar, porque era tido por deus da água
e da saúde. Mandei-o buscar e trouxeram-no atado. Quando vi, fiquei atônito e todos pasmaram de
ver cousa tão disforme. Vinha vestido como sacerdote da Lei Velha, com uma caraminhola feita de
seus próprios cabelos, com tantos e tão compridos michembos (sic) que parecia mesmo o diabo.
Em chegando, lhe perguntei se era homem ou mulher, mas não quis responder a propósito.
Mandei-lhe logo cortar os cabelos que faziam vulto de um velo de lã, e tirar os panos com que
estava vestido, até o deixar em trajes de homem. É já tão velho que tem a barba toda branca o qual
trazia raspada." Embora esse cronista jesuíta não informe o nome nativo como era identificado
essa categoria de feiticeiro-invertido sexual, tudo leva a crer que se tratava de um QUIMBANDA.

O segundo relato é do capitão Antônio de Oliveira Cadornega em sua antológica "História geral
das guerras angolanas (1681)". Por ter vivido quarenta anos na África Portuguesa, seu
testemunho tem boa credibilidade, além de ser menos moralista que seu conterrâneo capuchinho.
"Há entre o gentio de Angola muita sodomia, tendo uns com os outros suas imundícies e sujidades,
vestindo como mulheres. Eles chamam pelo nome da terra: quimbandas, os quais, no distrito ou
terras onde os há, têm comunicação uns com os outros. E alguns deles são finos feiticeiros para
terem tudo mau e todo o mais gentio os respeita e os não ofendem em coisa alguma. Andam
sempre de barba raspada, que parecem capões, vestindo como mulheres" (MOTT, 2006, p. 17).
Outra referência interessante encontrada nos processos do Santo Ofício é a que envolve o
sapateiro Francisco, natural do Congo. Seu acusante, o lisboeta Matias Moreira, cristão-velho,
disse que, "em Angola e Congo, nas quais terras ele denunciante andou muito tempo e tem muita
experiência delas, é costume entre os negros gentios trazerem um PANO CINGIDO com as
pontas por diante, os negros somitigos, que no pecado nefando servem de mulheres pacientes,
aos quais pacientes chamam, na língua de Angola e Congo, 'jimbandaa', que quer dizer somitigos
pacientes". Ouvindo dizer que o dito Francisco era sodomita, certa feita "viu ele denunciante ao
dito negro trazer um PANO CINGIDO assim como na sua terra em Congo trazem os somitigos
pacientes, e logo o repreendeu disso e o dito Francisco lhe respondeu que ele não usava de tal e o
repreendeu também porque não trazia o vestido de homem que lhe dava o seu senhor, dizendo-
lhe que em ele não querer trazer o vestido de homem, mostrava ser somitigo, pois também trazia o
dito PANO do dito modo e contudo lhe negou que não usava de tal. E depois o tornou ainda duas ou
tres vezes a ver e tornou a repreender e já agora anda vestido em vestido de homem"
(Denunciações da Bahia, 1925: 406-7 nesta cidade com o dito pano cingido).
Este Francisco Congo foi considerado entre os ativistas homossexuais o primeiro travesti do
Brasil, pois, além de ter fama entre os inquisitores de ser somitigo, mesmo repreendido continuou
por certo tempo a usar traje típico de "jimbandaa" (ou "quimbanda", como grafou o Capitão
Cardonega em 1681, em documento citado à página 173). O pobre sapateiro congolês incorria,
pelo seu proceder, em dois graves pecados punidos pelo Direito Canônico: crime de sodomia e
crime de "fingir ser de diferente estado e condição".
Não seria descabido conjeturarmos que as numerosas denúncias contra os kimbandas nos idos
de 1600 e as prisões, tenham sido efetuadas graças à instigação clerical nos púlpitos e pressão
popular, secularmente acostumada à caça às bruxas, Então por costume europeu, como homem
não usa pano na cintura, no ombro ou cabeça e ser um costume feminino (na europa) foi fácil
taxar os quimbandas de sodomitas, homossexuais etc. por usar pano na cabeça, ombro e cintura.
Por trás da repulsa à possibilidade de um herói (Kimbanda) negro usar roupagens e indumentárias
próprias, se esconde o mais ignóbil preconceito racista, que pretende, com adulteração de
informações, atribuir a homossexualidade à trajes rituais de um sacerdote da África bantu antes da
chegada do homem branco.
Nos últimos anos deu-se inicio a um processo de resgate de cultura bantu, ou seja, após estudos e
comprovação de que a nação Angola deve cultuar o que é oriundo de Angola/Congo e não Nigéria
ou Benin, pois não cultuamos YAMINS ou correlatos e nossos interditos serem sobre a
menstruação pois homem é homem e mulher é mulher, os sacerdotes começaram a
desnagotização, ou seja, filtrar o que não era cultura bantu e se aprofundar nesta. Assim sendo,
muitos terreiros estão passando por mudanças e isso resulta na importância urgente de estudos
mais aprofundados para trazer fundamentos que foram perdidos nos navios negreiros ou por
imposição de uma classe que se achava superior, na certeza que até que prove o contrário, não
existe interdito que proíba o angoleiro de usar seus panos, seja na cabeça, no ombro ou na cintura.

Referêncis:
Bahia : inquisição & sociedade - Salvador : EDUFBA, 2010. - Luiz Mott
História geral das guerras angolanas (1681) - Antônio de Oliveira Cadornega
Istorica Descrizione de' tre Regni Congo, Matamba et Angola. Ed. Fortunato Alamandini.
Bolonha: 1687; Milão, 1690. - Cavazzi, Giovanni Antonio

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