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Resumo:
A avaliação externa, entre outras características, é marcada pelo desafio de ser
legitimada pelos profissionais a ela concernidos, usualmente docentes das escolas, para
diminuir conflitos e aumentar seu potencial de melhorar os processos de ensino e de
aprendizagem. Neste trabalho, é relatada uma experiência que busca o envolvimento de
professores numa avaliação externa e em larga escala da aprendizagem de modo a
responder à seguinte questão: como atenuar o conflito existente entre professores e as
avaliações externas e apontar para o uso de seus resultados?
Esse envolvimento se dá tanto na participação de professores na construção da avaliação
externa, quanto na formação em avaliação educacional que poderá ainda aperfeiçoar a
avaliação conduzida pelos professores em suas escolas, mediante o que denominamos
diálogos entre avaliações internas e externas.
A experiência, em curso, ocorre em Moçambique, envolvendo o Ministério da Saúde
(Misau) e professores do Curso Técnico de Saúde Materno-Infantil (SMI) de 15
Institutos de Formação (IdF), com destaque para a construção e validação da Matriz de
Referência, na qual são fixados os objetos de avaliação para os quais são elaborados os
itens dos instrumentos de avaliação e cujos resultados, após sua aplicação, devem se
referir ao currículo do curso e serem apropriados pelos professores.
Como orientação metodológica, essa matriz foi organizadas em competências que
abarcam os conteúdos mais importantes a serem dominados pelos alunos ao final do
curso e discussões entre os professores de todo o país para defini-los evidenciaram
divergências e exigiram negociações sobre prioridades para sua conclusão.
O envolvimento docente, particularmente na constituição da matriz, representa um rico
processo formativo que contribui para que a avaliação externa se aproxime do processo
pedagógico e incida na formação docente, colaborando para a apropriação dos
resultados pelos IdF, favorecendo seu uso pedagógico e possibilitando a autonomia das
equipes técnicas.
Financiamento:
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
Introdução
No âmbito da avaliação educacional, a avaliação da aprendizagem pode ser considerada
a modalidade mais difundida, pois, praticamente, se confunde com a difusão da
escolarização no século XX, sendo, via de regra, considerada como sinônimo da
avaliação conduzida pelos professores nas salas de aula, também denominada em
muitos trabalhos como avaliação interna.
Há que se demarcar, também, que o levantamento de dados sobre a aprendizagem,
mesmo quando isso se configura em medição de proficiências, não significa
necessariamente avaliar (CASTILHO ARREDONDO; CABRERIZO DIAGO 2009,
LAFOURCADE, 1969, LUCKESI 2005, NEVO, 2006, entre outros), pois para que a
avaliação de fato ocorra será necessário que haja um juízo de valor sobre esses dados,
usualmente, nos meio escolar, apoiando a tomada de decisão do professor ou da equipe
escolar.
Esses elementos ganham maior densidade quando se pensa no desenvolvimento de uma
política de avaliação que se propõe organizar essa avaliação da aprendizagem de modo
externo e em larga escala. Como definiu Madaus (1988, p. 86), uma avaliação é
considerada externa quando, em última instância, é conduzida por alguma autoridade
que se encontra fora da escola, ainda que mantendo alguma vinculação com esta. Assim,
uma avaliação externa, entre outras características, marca-se pelo desafio de ser
legitimada pelos profissionais que se encontram atuando na escola. Se isso não nos leva,
mecânica e automaticamente, a qualquer apreciação de suas qualidades, contudo, coloca
o problema de sua legitimação, sobretudo quanto ao reconhecimento de seus resultados,
como um aspecto político desse tipo de avaliação.
Conforme aponta Alavarse (2013, p. 147) o processo avaliativo – interno ou externo –
deve, entre outros aspectos, levar em conta os usuários dos resultados da avaliação, pois
serão, ao fim, quem poderá utilizar esses resultados para que determinadas ações sejam
desencadeadas no processo pedagógico ao qual a avaliação esteja vinculada,
notadamente, quando a preocupação esteja voltada para a melhoria desse processo, mais
ainda quando se traduz na ampliação das aprendizagens dos alunos concernidos a esse
processo.
Nevo (1995), mesmo reconhecendo que muitas das avaliações externas estão inseridas
em políticas educacionais que ignoram em suas formulações as necessidades das
escolas, trabalha com a necessidade e a possibilidade de diálogo entre as avaliações
externas e as avaliações internas – estas conduzidas pelos professores ou pelos
profissionais da educação –, pois cada uma das avaliações possui potencialidades e
limitações, ressaltando, entretanto, que esse diálogo deve ser baseado na escola,
indicando com isso que o ponto de partida e de chegada dos processos avaliativos deve
ser a escola e suas necessidades, o que, por seu turno, deve ser mais do que as
aprendizagens, embora essas sejam um dos aspectos mais relevantes de um projeto
educativo. Para Nevo (1995), no entanto, as políticas educacionais precisariam
favorecer e criar condições para esse diálogo. Estudos apontam que, nesses modelos, no
qual as provas são elaboradas por especialistas e empresas terceirizadas, o impacto dos
resultados pode ser considerado mínimo, por várias razões: os relatórios, elaborados
para administradores, técnicos e, em geral, para os responsáveis pela definição e
implementação de políticas educacionais, não costumam chegar às mãos dos
professores para fins de análise, discussão e estabelecimento de linhas de ação. São
demasiadamente técnicos, empregando uma linguagem muitas vezes desconhecida
pelos docentes e que poderiam/deveriam ser evitados. Destaquemos, também, que há
certa resistência, por parte de professores e alunos, aos resultados de avaliações
externas, traduzindo, assim, certa dose de incredulidade em relação aos resultados. Tudo
isso faz com que importantes avaliações tenham o seu impacto, quando ocorre, bastante
restrito, ou até mesmo inexistente, em relação ao sistema e a suas unidades.
Adicionalmente, um ponto de tensão é a validade das matrizes de avaliação, sendo
necessária uma reflexão sobre as avaliações ora operacionalizadas nos vários níveis do
sistema educacional, especialmente avaliações em larga escala, abrangendo a
diversidade geográfica e multicultural. Tendo em vista este pequeno panorama e
preocupados com necessidade de se estabelecer diálogos mais fortes e permanentes
entre os professores e as avaliações externas em geral a questão seria: para além das
possibilidades de formação a partir do uso dos resultados, existe alguma possibilidade
de diminuir o conflito existente entre os professores e as avaliações externas em larga
escala? Ou seja, particularmente em relação aos conteúdos abordados nas avaliações
externas, teria alguma possibilidade de ser mais concatenado e reconhecido com o que
os professores realizam em sala de aula? E ainda, como isso poderia se desenvolver?
Neste trabalho apresentamos um relato de experiência, em curso, de construção de uma
avaliação externa em Moçambique, envolvendo o Ministério da Saúde (Misau) e um de
seus cursos técnicos, o Curso Técnico de Saúde Materno-Infantil (SMI), no qual a
equipe do Misau responsável pela avaliação está se articulando com um grupo de
professores desse curso para a organização de uma avaliação externa, constituindo um
modelo praticamente inexistente em outros países, qualquer que seja o foco da
avaliação.
Desenvolvimento
O processo de construção e validação da Matriz de Referência compreendeu um
conjunto de oficinas, sendo que a primeira foi realizada com 6 (seis) professores do
curso de Enfermagem em Saúde Materno-Infantil (ESMI) ocorreu no período de 12 a 16
de junho de 2017 em Maputo (capital), onde foi realizada formação de introdução a
avaliação educacional e os professores selecionaram os principais conteúdos que devem
ser avaliados nos alunos ao término do curso, tendo como referência o currículo oficial.
As discussões entre os professores, por muitas vezes não foram passíveis, pelo
contrário, com várias discussões em que uns ‘defendiam’ determinados conteúdos que
outros não concordavam e aí se instaurava a política de convencimento do que seria
prioridade, considerando a realidade e necessidade do país, para os estudantes serem
avaliados.
Destacamos que havia um limite de conteúdos para ser contemplado no curso, tendo em
vista a quantidade de itens que podem ser inseridos numa avaliação externa, claro,
considerando por um lado a exposição dos itens e por outro o ‘efeito cansaço’ dos
estudantes.
Após o levantamento dos conteúdos, os professores agruparam os mesmos de acordo
com sua natureza, formando as competências, e elaboraram a descrição de cada
agrupamento. Os agrupamentos elaborados foram apresentados em assembleia para os
participantes da formação no último dia de trabalho para contribuições e discussões
coletivas, ocorrendo a validação da proposta pelo do grupo.
Nos Exames Nacionais dos Cursos Técnicos de Moçambique (todos os cursos) a Matriz
de Referência para avaliação das aprendizagens foi formulada com base na Taxonomia
de Bloom revisada (ANDERSON; KRATHWOHL, 2001), que possibilita a articulação
dos tipos de conhecimento com os grupos de operações mentais, distribuindo os
objetivos em diferentes níveis de aprendizagem. Ela organiza a elaboração de itens,
delimitando as competências, os tipos de conhecimentos e operações mentais que serão
aplicados aos conteúdos considerados relevantes ao curso.
Num segundo momento, nos meses de julho e agosto de 2017, a lista de competências
propostas e seus respectivos conteúdos foram submetidos à consulta aos professores das
IdF que não participaram do grupo de trabalho em Maputo, como forma de validação.
Feito em todas as IdF do país e em algumas com a presença de um perito, houve então
um processo rico e muitas vezes desconsiderado: o processo de validação pelos
professores. Então, a partir de uma reunião com todos os professores que lecionavam no
curso de Enfermagem Saúde Materno Infantil, foram apresentados a lista de conteúdos
selecionados no primeiro momento.
Nesse instante, com aproximadamente 10 professores, havia uma nova discussão das
necessidades de quais seriam os conteúdos prioritários. O que se destacou neste segundo
momento foram dois aspectos: o primeiro relacionado a oportunidade dos professores
de refletirem sobre o curso e o papel de cada disciplina na formação de cada técnico(a) e
o segundo de compreenderem melhor o papel da avaliação externa em selecionar os
conteúdos mais relevantes. Ademais, uma das situações que mais se destacaram foram
quando os professores, depois de algum tempo em discussão, concluíram que,
considerando o problema crônico de AIDS e, particularmente no caso deste curso,
muitos habitantes que, por preceitos culturais, não externalizavam a gravidez, o que
dificultava o acompanhamento necessário para o sucesso da natalidade. Então, neste
sentido, todos os conteúdos que, de algum modo, envolviam estes âmbitos não
poderiam ser rejeitados.
Este processo se mostrou exitoso uma vez que 95% dos conteúdos selecionados foram
mantidos e não houveram propostas de modificação para a organização das
competências. Desta forma a matriz do curso Técnico de Enfermagem em Saúde
Materno-Infantil ficou organizada em 5 competências com seus conteúdos de base,
sendo elas:
Considerações