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GEÓRGICAS
ENEIDA
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VIRGILIO
BUCÓLICAS
GEÓRGICAS
ENEIDA
TRADUÇí\0 DO LATIM
Agostinho da Silva
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Autor: Virgílio
Capa: ARD-Cor
proibida a reprodução total ou parcial desta obra por quaisquer meios, incluindo a fotocópia
MELIBEU
Títiro, à sombra de copada faia,
tentas ária silvestre em frauta amena,
nós a pátria deixamos, os mimosos
campos da pátria, e tu, bem descansado,
o nome ao bosque ensinas de Amarílis.
TíT IRO
Um deus, ó Melibeu, este vagar,
ele deus para mim sempre será,
me trouxe e a seu altar eu sacrifico
de meu rebanho um anho com seu sangue.
É ele que me deixa, como vês,
dar pasto às vitelinhas, cantar eu
o que quiser em instrumento rude.
MELIBEU
Não te invejo, me espanto, pois que tudo
pelo campo é desordem. De que modo!
Eu próprio, já doente, a estas cabras
empurro para a frente e à que tu vês
como custa puxá-la, pois que gémeos
pariu por uma moita e aos dois coitados
os teve de deixar em pedregulhos,
ó perdida esperança do rebanho!
Quanta vez, à desgraça, ma predisse
fogo do céu em raio num carvalho ;
mas jamais o lembrei, estúpida mente!
E que deus será esse, dize, Títiro.
10 VIRGÍLIO
TíTIRO
Fui tolo em julgar eu, ó Melibeu,
que era Roma cidade igual à nossa,
a esta a que levamos nós, pastores,
de nosso gado as delicadas crias.
Sabia que à cadela o cachorrinho,
o cabritinho à cabra se assemelham,
e o grande ao que é pequeno comparava.
Roma, porém, se eleva sobre as outras
como o cipreste sobre humilde arbusto.
MELIBEU
Donde ve10 a vontade de ver Roma?
TíTIRO
Da liberdade que, tardia embora,
a mim inerte veio, quando já
eu via branca a barba ao barbear-me,
e veio, sim, ao fim de longo tempo,
já eu com Amarílis, Galateia
me tendo já deixado, pois, com ela,
nem liberdade nem pecúlio havia,
por muito que daqui saíssem vítimas,
por muito gordo queijo que à cidade
eu levasse, voltando sempre dela
sem dinheiro na mão a minha casa.
MELIBEU
Ó Amarílis, bem saber queria
porque tanto rezavas tu aos deuses
e na árvore deixavas toda a fruta.
Títiro estava longe ! Teus pinheiros,
os pinheiros, as fontes, os pomares,
tudo por ti chamava e tu não vinhas .
TíTIRO
Que havia de fazer? Da servidão
não podia soltar-me ou encontrar
fora daqui uns deuses tão amigos.
Foi então, Melibeu, que vi o jovem
para quem meu altar lança seu fumo
doze dias por ano os anos todos.
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BUCÓLICAS 11
MELIBEU
Velho de sorte és tu, pois que teus campos
contigo ficarão, por muita pedra
que haja na terra e j unco enlameado
a teus prados limite com paul.
Nenhum estranho pasto a fêmeas grávidas
porá em tentação, contágio algum
de rebanhos dos outros vem ao teu.
Velho de sorte, aqui, entre ribeiros
que tu conheces e sagradas fontes,
as sombras, a frescura encontrarás .
Na sebe que separa do vizinho
sempre as abelhas de Hibla passarão
nas flores do salgueiro e seu sussurro,
tão manso e leve, a descansado sono
te vai persuadir, e de alta rocha
lançará podador seu canto à brisa,
sem que, entretanto, as pombas do teu mtmo
deixem seu arrulhar e sem que a rola
cesse o gemer do cimo dos ulmeiros.
TíTIRO
Como também, ligeiros, os veados
iriam a pastar em pleno céu
•e largaria o mar o peixe à vista
por todo o litoral, com o Persa
bebendo água de Á rar, com o Germano
bebendo a do rio Tigre, todos eles
a trocar por alheia a pátria própria,
em vagabundo exílio, antes que o rosto
dele sumir pudesse deste peito.
MELIBEU
Eu, porém, daqui vou aos secos Afros,
outros à Cítia ou às barrentas águas
da torrente Oaxes ou ainda
aos longínquos Bretões que um mundo inteiro
separa de nós todos. E será
12 VIRGÍLIO
TíTIRO
Aqui, ao menos, poderias tu
com1go repousar em folhas secas .
Tenho fruta madura, umas castanhas
que são uma delícia, queijo fresco
em boa quantidade. E já, ao longe,
cobertos deitam fumo, enquanto as sombras
descem, a mais e mais, dos altos montes .
BUCÓLICA SEGUNDA
MENALCAS
Dize, Dametas, de quem é o gado ?
Será de Melibeu ?
DAMETAS
De Égon. Há pouco
ele mesmo mo veio aqui trazer.
MENALCAS
Infelizes ovelhas, pobre gado.
Enquanto ele a Neera ama inquieto
receoso de que ela me persiga,
descuidado pastor, cada hora as munge
duas vezes seguidas, todas suga,
aos anhos rouba o leite que era deles.
DAMETAS
Cuidado com censuras quanto a gente :
bem sabemos que tu, num lugarzinho,
com os bodes olhando de través,
enfim, bem escondido ... Mas as Ninfas,
com a sua indulgência, bem se riram.
MENALCAS
Acho que foi no dia em que me viram
o pomar destruir a seu Nícon,
às videiras chegar com ruim foice.
DAMETAS
Talvez antes aqui quando nas faias
arcos e frechas tu quebraste a Dáfnis,
quando, perverso, tu tiveste inveja
BUCÓLICAS 17
MENALCAS
Que podemos fazer, sim, nós os donos
quando audácia tamanha há nos ladrões?
Não te vi eu a ti, que és do pior,
armar cilada às cabras de Dámon
e por detrás das árvores sumir
quando eu gritei : « Para onde é que ele vai?
Títiro, olha o rebanho. Vem salvá-lo. >>
DAMETAS
Foi a mim que, vencido ele no canto,
me não quis dar o bode que era meu,
que minha frauta merecido tinha.
MENALCAS
No canto vencedor? Tu mesmo ou ele?
Quando tiveste tu alguma frauta,
sim, cálamos por cera bem unidos?
Nunca soubeste nada, já te ouvi
tocar pelas veredas ruins árias
em instrumento mais ruim ainda.
DAMETAS
Queres então que vamos nós os dois
saber qual é melhor nisso de canto?
Pois aposto eu esta novilha aqui.
Não a recuses, já que duas vezes
a podemos mungir e duas crias
se sustentam, e bem, de suas tetas.
E tu, rapaz, o que é que tu apostas?
MENALCAS
De meu rebanho não posso eu dar nada,
que tenho em casa pai, dura madrasta.
Todos os dias contam o rebanho
e um ou outro o faz aos cabritinhos .
Mas ponho aqui, Dametas, o que tu próprio
verás como melhor, taças de faia,
já que persistes em tentar loucuras.
18 VIRGÍLIO
DAMETAS
Também de Alcimedonte tenho duas,
com as asas cercadas de um acanto,
flexível acanto, com, no meio,
um Orfeu que às florestas vai levando .
Nunca a s levei à boca para estreia.
Se esperas a novilha, que tens tu
de elogiar as taças que possuis?
MENALCAS
Hoje já me não foges, onde queiras
irei, mas bom será que haj a quem ouça;
eis aí vem Palémon. E, depois disto,
já não te meterás com mais ninguém .
DAMETAS
Vamos lá, se tu ousas. Cá por mim
não há demora alguma. E tu, Palémon,
meu vizinho, o que tens é de prestar
toda a tua atenção, que isto é a sério .
PALÉMON
Cantai, sentados nesta doce relva.
Aqui estão brotando campos, árvores,
os bosques de folhagem recobertos,
no mais formoso tempo que há no ano .
Começa tu, Dametas ; irá depois
Menalcas, os dois alternarão seu canto
que o canto alterno adoram as Camenas .
DAMETAS
Haja de início Júpiter, que tudo
de Júpiter, ó Musas, vai tão cheio.
Ele cultiva a terra, ele me cuida do canto.
BUCÓLICAS 19
MENALCAS
A mim Febo me adora, sempre ofertas
de Febo estão comigo ; são os louros,
são j acintos dum rosa delicado.
DAMETAS
Me atira uma maçã a Galateia,
menina meio tonta e logo foge
para o salgueiro, que eu, porém, a veJ a.
MENALCAS
Pois a mtm se oferece o meu amor
e por isso já é Amimas, ele,
sabido de meus cães mais do que Délia.
DAMETAS
Prontos estão presentes para a Vénus
a quem adoro ; e sei onde ela está,
lá no lugar dessas aéreas pombas.
MENALCAS
Para o meu jovem, de árvore dos bosques,
enviei, todas de ouro, dez maçãs,
amanhã outras tantas mandarei.
DAMETAS
Quantas vezes a minha Galateia
�e fq.lou e dizendo o que me disse.
O vento, o leva aos deuses que nos ouvem.
MENALCAS
Que vale, Amimas, que me não desprezes
se enquanto tu persegues javalis
fico eu sozinho aqui, de guarda às redes ?
DAMETAS
Manda-me, Iolas, Fílis; faço hoje anos
e vem tu próprio quando em sacrifício
imolar eu novilha pelas messes.
MENALCAS
Mais que todas é Fílis a que eu amo,
Como chorou quando eu me fui embora
e repetia: <<Adeus, adeus, Iolas .»
20 VIRGÍLIO
DAMETAS
Aos estábulos é funesto o lobo,
à seara madura o é a chuva,
a mim, porém, a ira de Amarílis .
MENALCAS
E como agrada chuva à sementeira
ou como arbusto a bode desmamado,
salgueiro a prenhe ovelha, a mim Amintas.
DAMETAS
Gosta bem Polião de nosso canto,
ainda que só rústico ele seja.
Criai, Musas, vitela a quem nos leia.
MENALCAS
O próprio Polião faz verso novo.
Apascentai tourinho que marrada
já dê e com a pata pó levante.
DAMETAS
Venha quem de ti gosta, Polião
aos lugares que a ti também agradam,
lá onde corre o mel e cresce amomo.
MENALCAS
Quem Bávio não odeia que a teus versos
dê preferência, Mévio, e que ele mesmo
dome raposa ao jugo e munja bodes .
DAMETAS
Vós que colheis flores e morangueiro
procurais pelo chão, cuidado, moço,
que entre as ervas se oculta fria serpe.
MENALCAS
Não avanceis de mais, mansas ovelhas,
não é segura a margem, nela molha
pela seca seus pêlos o carneiro.
D AMETAS
Títiro, afasta do ribeiro as cabras,
pois, quando for o tempo, à própria fonte
as irei eu levar e dar-lhes banho.
BUCÓLICAS 21
MENALCAS
O gado recolhei pois o calor
pode cortar o leite e nossas mãos
para nada lhes vão espremer a teta.
D AMETAS
Que magro está meu touro, embora sej a
tão abundante esta lentilha brava.
D estrói amor o gado e seu pastor.
MENALCAS
Mas não tem culpa Amor, é mau-olhado
que os põe, como este aqui, só pele e osso,
pelo feitiço que sobre eles lança.
DAMETAS
Outro Apolo serás se me disseres
em que lugar do mundo o céu terá
nada mais que o tamanho de três côvados.
MENALCAS
E para ti terás Fílis sozinha
se me disseres em que terra nasce
flor com nome de rei nela marcado.
PALÉMON
Não me cabe julgar tão grande assunto
como vós levantais, e dum ou doutro
pode ser a novilha, quer vá aquele
pelo desgosto amargo que dar pode.
E fechai vós as valas, meus amigos,
que j á bastante bebeu hoje o prado.
BUCÓLICA QUARTA
MENALCAS
Já que estamos aqui, ó Mopso, juntos,
e somos excelentes nós os dois,
tu em soprar os cálamos tão leves,
em dizer versos eu, por que motivo
não nos sentamos nós neste lugar,
entre estas aveleiras e os ulmeiros ?
MoPso
És mais velho do que eu e te obedeço,
quer sob incertas sombras, agitadas
pelas moventes brisas, quer, então,
em abrigada gruta, revestida
toda por cachos de videira brava.
MENALCAS
Nestas nossas montanhas só Amintas
seria teu rival.
MoPso
E, na verdade,
até Febo podia ele vencer.
MENALCAS
Principia tu, Mopso, ou o fogo
de Fílis tu dirás ou os louvores
de nosso Á lcon ou a censura a Codro.
Começa, vá, do gado cuida Títiro.
26 VIRGÍLIO
MoPso
Irei aos versos que gravei outrora
no tronco duma faia, os alternando
com uns toques de música e Amintas
arranja tu que venha ao desafio.
MENALCAS
Da mesma forma que um salgueiro mole
é subalterno a pálida oliveira,
da mesma forma que a valeriana
à rubra rosa é mais que inferior,
assim a ti Amintas, ao que penso .
Mas, rapaz, não importa, à gruta vimos.
MoPso
Lamentavam as Ninfas a cruenta
morte de Dáfnis de que testemunhas
nos são as aveleiras com os rios
quando a mãe, abraçada ao pobre corpo,
cruéis chamava aos deuses mais aos astros.
Olha, Dáfnis, ninguém naqueles dias
levou bois a pastar aos frescos rios
nem bebeu animal água corrente
ou comeu erva das que dão no prado.
Dizem os feros montes, dizem bosques
que púnicos leões a tua morte
choraram eles : Dáfnis o primeiro
que a carros atrelou leão arménio
e tíasos de Baco instituiu
e de folhas cobriu hastes tão brandas.
Assim como tanto honra vide as árvores,
ou os cachos à vinha, o boi ao gado
ou a colheita aos campos abundantes,
assim os teus tu honras. Mas depois
que os fados te levaram, Palas mesmo
e até Apolo, os campos abandonam
e já dos sulcos a que nós lançamos
a melhor cevada o que apenas cresce
é pobre aveia ou infecundo joio.
À doce violeta ou ao narciso,
ao purpúreo narciso, o que sucede
é cardo só, espinho, paliúro.
BUCÓLICAS 27
MENALCAS
Ó divino poeta, teus poemas
são como um sono bom que homem cansado
dorme em macia relva ou como as águas
que ele bebe, sedento, em rio corrente.
A teu mestre és igual em som de frauta
e na voz em que cantas ; outro Dáfnis
em ti o temos nós. E nós também
no que podemos a um céu de estrelas
cantando elevaremos o teu Dáfnis
e seu amor teremos como o tens.
MoPso
Poderia ter eu prémio maior?
Merecedor de ser cantado foi
o próprio jovem e já o Estímicon
há muito tempo seu cantar nos deu.
MENALCAS
O limiar de Olimpo, radioso,
pela primeira vez o vê teu Dáfnis,
a seus pés tendo as nuvens, as estrelas.
É por isso que o gosto da alegria
tomo Pã, pastores, donzelas dríades.
Não pensam lobos em armar ciladas
ao gado ou rede o cervo vai prender:
benévolo ama Dáfnis paz inteira.
O próprio intonso monte aos astros lança
seus gritos de alegria, as rochas mesmo,
pomares mesmo seu cantar entoam:
<<É ele um deus, Menalcas, é ele um deus . >>
Aos teus dá tu o bem, o ser feliz.
Eis quatro altares, dois para ti são,
para ti, Dáfnis, para Febo dois,
28 VIRGÍLIO
MoPso
Que presente hei-de dar por esse canto ?
Me encantou mais do que perto o Austro
com seu assobiar ou, pela costa,
as vagas embatendo, ou o correr
do rio pelos vales pedregosos.
MENALCAS
Sou eu que te darei a frauta frágil,
a que a mim me ensinou «Ardia Córidon
pelo formoso Aleixo» como ainda
«Que dono tem o gado ? Melibeu ?>>
MOPSO
Toma então cajado que j amais
Antígenes pegou, tanto o pedindo
e tanto merecendo ser amado.
Como é belo, Menalcas, com os nós
tão iguais entre si, e com o bronze.
BUCÓLICA SEXTA
MELIBEU
«Debaixo dum carvalho ramalhante
se sentara já Dáfnis quando Tírsis
e Córidon num só os dois rebanhos
ajuntaram ao pé, sendo de ovelhas
o que trazia Tírsis, o de Córidon
de cabras bem pejadas de seu leite ;
cada pastor em sua idade aberta,
ambos da Arcádia e pares em seus cantos
e prontos ambos a resposta em forma.
Enquanto, aqui, defendo o tenro mirto
do frio que faz, se me extravia o bode.
Dáfnis avisto que me diz : "Regressa.
Teu bode e teus cabritos, tudo a salvo ;
e, se podes parar algum bocado,
vem descansar à sombra, que as vitelas
pelo prado virão para beber.
O Míncio de caniço veste as margens ;
nesta árvore sagrada tanto enxame
bem que sussurra : 'Vem' . " Foi o que fiz.
Não tinha j unto a mim Alcipe e Fílis
que tinham ido os dois fechar em casa
cabritos desmamados. Já então
começara a disputa em verso alterno
de Córidon e Tírsis. Pus de lado
tudo o que era mais sério e me entretive
com o jogo dos dois, visto que as Musas
lhes impunham poético diálogo.
Córidon foi primeiro, depois Tírsis.
34 VIRGÍLIO
CóRIDON
Vós, ó Ninfas da fonte Liberteia,
Ninfas queridas, me dareis agora
de Codro os estros próximos a Febo
ou então, se não somos nós iguais,
irei eu pendurar neste pinheiro
minha sonora frauta.
TíRSIS
Ó árcades pastores, ornai de heras
o poeta que surge e que esse Codro
se rebente de inveja. E se louvor
dele vier como se fora ultraje,
vós a fronte de bacar me cingi
para não vir ferir um vate a ser
sua danada língua.
CóRIDON
O jovem Mícon, Délia, a ti te manda
a cabeça de hirsuto j avali
mais os ramosos chifres dum veado.
E se isto der no certo, terás tu
tua figura inteira em liso mármore
e de pé ficarás, tu, bem calçada
de purpúreo coturno.
TíRSIS
Uma j arra de leite, com uns doces,
é somente o que podes esperar,
Príapo, ano após ano, pois és guarda
duma terra de pobres . Por enquanto,
és tu marmóreo, mas um dia podes,
se o rebanho crescer por suas crias,
ser todo de ouro.
CóRIDON
A mim mais doce que tomilho de Hibla,
a mim mais alvo que o mais alvo cisne,
a mim mais bela que hera desmaiada,
é que virás, ó filha de Néria,
querida Galateia, se em verdade
algum cuidado tens pelo teu Córidon,
BUCÓLICAS 35
TíRSIS
Mais amargo que as ervas da Sardenha,
mais feio que azevinho, desprezível
mais que alga abandonada, é que eu desejo
que tu me vejas, se não é que o dia
se me alonga hoje mais que um ano inteiro.
Já que pastastes, ide, meus boizinhos,
ide a vossos abrigos, se é que tendes
uns restos de vergonha.
CóRIDON
Musgosas fontes, vós, e tu, ó relva
mais repousante que o melhor dos sonos,
e tu, ó verde arbusto que proteges,
que a vós protege com a breve sombra,
defendei o meu gado do calor
pois que chega o Verão, tórrido tempo,
e já nas vinhas, nas tão tenras vinhas,
incham rebentos.
TíRSIS
Porque tenho lareira com as achas
que uma resina suam, como há sempre
um fogo tão constante que as ombreiras
me ficam todas negras de fuligem,
aqui tanto me importa o frio Bóreas
como ao lobo o rebanho ser tão grande,
como às águas de rio torrencial
restringem margens.
CóRIDON
De pé está o castanheiro hirsuto,
de pé também junípero, no chão
a fruta que se solta de seus ramos
nestas árvores nossas. Tudo riso.
Se, porém, destes montes se afastasse
Aleixo, o belo, até os fartos rios
secariam de pena.
36 VIRGÍLIO
TíRSIS
Secos os campos, e, por falta de ar,
morrem as vinhas. Líbero recusou
sombra de vinha aos montes em redor,
mas, se Fílis vier, o bosque todo
verde será de novo e farto Júpiter
em chuva descerá.
CóRIDON
De choupo gosta Alcides, quanto gosta,
de vinho laco, o mesmo, e é o mino
de Vénus preferido ; a Febo o louro,
de Fílis as nogueiras. Se ela as ama,
já nem o mirto nem de Febo o louro
delas triunfarão.
TíRSIS
O freixo é pelos bosques o mais belo,
nos j ardins o pinheiro, o choupo em no .
Mas, se mais vezes me viesses ver,
ó Lícidas formoso, já no bosque
todo o freixo como em jardim pinheiro
te cediam lugar. >>
MELIBEU
Eis o que lembro, e que o vencido Tírsis
em vão lutou, ficando desde então
para nós todos Córidon o Córidon.
BUCÓLICA OITAVA
LÍCIDAS
Para onde vais, ó Mécio ? Como segues
a estrada em que estamos, à cidade ?
MÉRIS
Vivos ficámos para que estrangeiro
me viesse dizer o que me disse,
ó Lícidas, já dono do campinho
que nosso foi, sem que eu tivesse nunca
tivesse medo de que isto acontecesse.
«Agora é tudo meu e vá embora
quem dantes trabalhava por aqui.»
Estou vencido e triste porque a sorte
tudo vira ao contrário ; as próprias cabras
eu tenho que lhe dar, mas oxalá
que lhe leve desgraça o que recebe.
LÍCIDAS
Pois é o que eu ouvi ; lá desde o cimo
em que as colinas vão descendo aos poucos
até que cheguem ao ribeiro, às faias,
agora com as copas maltratadas.
Tudo era, por seus versos, de Menalcas.
MÉRIS
Foi o que te disseram, e corria.
Sim, o que valem, Lícidas, os versos
ante as armas de Marte ? Tanto quanto
as pombas da Caónia se vem águia.
Na verdade, se dentro da azinheira
não houvesse uma gralha que avisou
BUCÓLICAS 43
LÍCIDAS
Como pode chegar-se a tanto crime ?
Quase até nos tiraram o consolo
de escutarmos Menalcas no seu canto .
E quem teria celebrado as Ninfas
e quem teria recoberto o chão
de tanta flor rasteira, até às fontes
levando a verde sombra ou estes versos
que ainda há pouco, sem saberes, li
quando foste a Amarílis, a querida ?
<<Títiro, até que e u volte, não demoro,
leva-me ao pasto as cabras e depois
lhes darás de beber, sempre evitando
lugar em que haj a bode de marrar. >>
MÉRIS
Ou estes outros que, por acabar,
cantava Varo : «Se nos sobrar Mântua,
Mântua vizinha de Cremona, a pobre,
teu nome, Varo, lançarão os cisnes
com seu sonoro canto até aos céus . >>
LÍCIDAS
Anda, va1 começando com o canto
e possam teus enxames evitar
os teixos lá de Cirne e tuas vacas
pastar cítiso os úberes enchendo.
De mim vate as Piérides fizeram,
também sei de poemas, e poeta
me chamam os pastores ; não o creio.
Até agora nada do que faço
é bem digno de Vário nem de Cina.
Entre canoros cisnes pato sou.
MÉRIS
Cá estou eu e caladinho penso
para lembrar poema conhecido :
«Vem aqui, Galateia, de que serve
44 VIRGÍLIO
LÍCIDAS
E aquilo que eu ouvi cantares tu,
sozinho tu, na sossegada noite ?
Música a sei, mas não lembro as palavras .
«Por que motivo, Dáfnis, o nascer
dos astros olhas tu ? Já a cesárea
estrela apareceu, aquela que,
de Dione provindo, à pradaria
dá a funda alegria das colheitas
e traz a cor aos cachos sumarentos
nas colinas banhadas pelo sol.
Pereira enxerta, Dáfnis, que teus netos
alegremente vão olhar um dia.
MÉRIS
Tudo vai com o tempo, até memória.
Quando eu era mais moço o dia inteiro
até ao pôr do Sol ia cantando.
Agora me esqueceram esses versos
e vai a própria voz faltando a Méris.
Méris foi apanhado pelos lobos,
mas Menalcas dirá o que tu pedes .
LÍCIDAS
O meu gosto demoras com desculpas .
Por tua causa, no silêncio, o mar
aquietou as ondas, calma veio
aos sussurrantes ventos. Daqui vemos,
que a meio caminho estamos, o sepulcro
de Bianor. Aqui cantemos, Méris,
enquanto camponês rareia folha.
Deixa aí os cabritos. Dará tempo
que à cidade cheguemos . Mas, se há medo
de vir ao nosso encontro vento ou chuva,
BUCÓLICAS 45
MÉRIS
Deixa lá isso, ao que é urgente vamos
e melhor cantaremos se Menalcas
vier de volta a hora de nos vermos.
BUCÓLICA DÉCIMA
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ENEIDA 493