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Desenvolvimento de Cerâmica com Alta Pressão de Entrada de Ar

Fernando A. M. Marinho
Professor da EPUSP-fmarinho@usp.br

Nathalia de Castro Zambuzi


Bolsista de Iniciação Científica da EPSUP, nathalia.zambuzi@poli.usp.br

Tácio M. P. de Campos
Professor da PUC/RJ, tacio@civ.puc-rio.br

RESUMO: Investigações geotécnicas envolvendo solos não saturados estão cada vez mais comuns.
O crescente desenvolvimento de tecnologias que objetivam determinar o comportamento dos solos
não saturados, principalmente no que se refere à sua interação com a água, faz necessário o uso de
equipamentos que exigem uma interface com a água presente nos vazios do solo. Para isto é usada
uma interface que é, em geral, um material cerâmico com características especiais. Esta interface é
também conhecida como material de alta pressão de entrada de ar (HAE - High Air Entry). Quando
saturadas com água estas cerâmicas têm a capacidade de restringir a passagem do ar enquanto
permitem a passagem da água até que a pressão do ar aplicada atinja um certo valor, chamada de
“valor de entrada de ar”. As cerâmicas HAE são, em geral, importadas e o seu custo não é baixo.
Com o objetivo de produzir cerâmicas HAE foram desenvolvidos métodos e equipamentos para a
produção e teste das cerâmicas.

PALAVRAS-CHAVE: Pedra porosa, Solos não saturados, Entrada de ar.

1 INTRODUÇÃO emprego de cerâmicas de alta entrada de ar.


Os elementos porosos cerâmicos fazem parte
O crescente desenvolvimento de tecnologias na da maioria dos sistemas de monitoração e
geotecnia vem requerendo cada vez mais amostragem de água usada em solos. A
análises detalhadas do comportamento dos cerâmica funciona como uma interface entre o
solos, principalmente no que se refere à sua instrumento e a água do solo. Como
interação com a água, principal agente físico- conseqüência do gradiente de pressão existente
químico ao qual o solo encontra-se submetido. entre o solo e o instrumento a água flui tanto do
Tendo em vista a grande quantidade de obras solo para o instrumento como do instrumento
executadas em solo não saturado, os estudos para o solo. O gradiente de pressão pode ser
para a determinação de parâmetros dos solos devido a uma pressão aplicada, como ocorre na
nesta condição aumentaram significativamente. placa de pressão (técnica da translação de eixos.
Muitas das técnicas utilizadas para a e.g.Fredlund & Rahardjo,1993 ou Lu & Likus,
determinação de parâmetros dos materiais não 2004), ou ainda devido à pressão na água do
saturados fazem uso de um material que serve solo. O uso das chamadas cerâmicas de alta
de interface entre a água do solo e a água do entrada de ar nesses estudos é de extrema
sistema (equipamento) que interage com o solo. importância, pois estes materiais possuem uma
Esta interface é muitas vezes formada por uma característica singular a qual possibilita um
cerâmica chamada de cerâmica de alta entrada vasto leque de aplicações.
de ar. O uso de tensiômetros e técnicas como Quando saturadas com água estas cerâmicas
translação de eixos são as mais comuns no têm a capacidade de restringir a passagem do ar,
enquanto permitem a passagem da água até que materiais das cerâmicas já comercializadas,
a pressão do ar aplicado atinja certo valor, foram feitos ensaios para determinação da
chamado de “valor de entrada de ar”. As composição química das mesmas. Além dos
cerâmicas possuem diferentes valores nominais estudos químicos foram realizados ensaios de
de pressão. Dentre os materiais com elevada porosimetria por intrusão de mercúrio. Foram
pressão de entrada de ar a cerâmica é o mais estudadas as cerâmicas com entrada de ar
utilizado por apresentar vantagens como ser nominal de 1bar, 3 bar e 5 bar. Constatou-se
hidrofílica e não possuir risco de oxidação. que todas as cerâmicas são compostas
(Soil Moisture, 1994) essencialmente por alumina e sílica. Na Figura
As principais características de uma 1 estão apresentadas as quantidades dos
cerâmica porosa são: o tamanho, a orientação e componentes principais
a distribuição dos seus poros, pois estes afetam
diretamente o valor de entrada de ar e a 100
90 Entrada de ar
condutividade hidráulica da cerâmica. A grande 5bar
80
maioria das cerâmicas de alta entrada de ar é 70
3bar
1bar-tubo
produzida nos Estados Unidos pela Soil 60 1bar
Moisture Equipment Corp. Tendo em vista o 50

%
40
desenvolvimento da técnica de produção e a 30
demanda, o preço das cerâmicas é elevado. 20
Na maioria dos casos a utilização dos 10
0
materiais cerâmicos porosos de alta entrada de Si Al Ca
ar (acima de 1bar) exige que o material seja
100
produzido em forma de placas e não de Entrada de ar
90
cápsulas. As placas por sua vez devem ter 80
5bar
3bar
características geométricas rigorosas. O projeto 70 1bar-tubo
que originou este trabalho possibilitou o 60 1bar
50
%

desenvolvimento de tecnologia nacional para a 40


execução de cerâmica de alto valor de entrada 30
de ar com fins geotécnicos. Este 20
10
desenvolvimento permite não somente a
0
produção nacional da cerâmica como abre SiO2 Al2O3 CaO
espaço para desenvolvimentos de outros
materiais para fins similares. Dentre os Figura 1. Detalhamento da composição química das
primeiros estudos feitos com o objetivo de se cerâmicas.
obter materiais porosos para ensaios em solos
destacam-se os realizados por Santos e Pacheco 3 CARACTERIZAÇÃO DO MATERIAL
Silva (1954), realizados no IPT, além de USADO
estudos realizados na Escola de Engenharia de
São Carlos, estes últimos sem publicações O material utilizado para a confecção das
específicas. cerâmicas foi o caulim denominado C 325. Os
O objetivo desta pesquisa foi determinar e ensaios de peneiramento e sedimentação
especificar os materiais e métodos adequados permitiram a obtenção da curva granulométrica
para a produção e controle de qualidade de do material conforme apresentado na Figura 2.
placas cerâmicas de alta pressão de entrada de O limite de liquidez do material é 47% e seu
ar. índice de plasticidade 22%.

2 COMPOSIÇÃO QUÍMICA DAS


CERÂMICAS COMERCIALIZADAS

Com o objetivo de avaliar as características dos


neste caso a laminação não foi mais observada.
#200 #100 #50#40 #30 #16 #10 #4
100
C-325

O procedimento de homogeneização do
Porcentagem Passada 80
material está dividido em duas etapas: a
60
primeira consiste em um processo de
“destorroagem” dos grãos, que é feito com o
40 auxílio de um almofariz, conforme ilustra a
Figura 4a, a segunda etapa é o peneiramento do
20
material “destorroado” na peneira nº 40, como
mostra a Figura 4b. Na Figura 4c tem-se o
material preparado para a fase de moldagem.
0
0.001 0.01 0.1 1 10 100

argila silte areia fina a. grossa pedregulho

Figura 2. Curva granulométrica do cabulem utilizado. (a)


4 PREPARAÇÃO DO MATERIAL

Analisando-se algumas das cerâmicas


comercialmente disponíveis observou-se a
presença de cavidades internas, em forma de
laminação predominantemente na parte central
da cerâmica.

(b)

(a) (b)

(c)
Figura 3 - Efeito do procedimento de preparação das
amostras (a) cerâmica sem falha (b) cerâmica com falha.

Nos estudos realizados para a presente pesquisa


foi possível identificar uma das possíveis causas
para este efeito. Nas primeiras cerâmicas
moldadas ocorreu a formação de laminações na
pedra conforme ilustrado na Figura 3b (lado
direito). A laminação só é perceptível nas
amostras rompidas. Esta laminação pode ter Figura 4 – Preparação do material. (a) “Destorroagem”
ocorrido devido a não homogeneidade do dos grãos, (b) Peneiramento do material, (c) Material
material a ser comprimido. Na Figura 3a (lado homogeneizado.
esquerdo) tem-se a cerâmica moldada
utilizando-se o procedimento descrito a seguir,
5 PROCEDIMENTO DE MOLDAGEM determinada em função da porosidade final
desejada. Coloca-se então o pistão e leva-se o
Para se obter uma forma perfeita para a conjunto para a prensa conforme ilustra a Figura
cerâmica, foi necessária a produção de moldes 5c.
com elevada precisão. Os moldes foram
confeccionados em aço inoxidável, com o 6 PRENSAGEM DO MATERIAL
pistão retificado. Na Figura 5 é apresentado o
molde utilizado. Foram feitos estudos preliminares onde foi
definida a pressão necessária para se atingir a
porosidade desejada e a temperatura de queima
(a) que fornecesse um material com resistência
adequada. A porosidade almejada foi de 31%,
que corresponde à cerâmica de 5 bar
(informação obtida no catálogo da empresa Soil
Moisture). Verificou-se que a pressão
necessária para se atingir a porosidade desejada
seria da ordem de 40 MPa.
Para avaliar o comportamento do material
durante a prensagem o ensaio foi monitorado de
forma a se verificar o deslocamento em diversos
níveis. Observou-se que nas situações de carga
constante (patamares horizontais) não havia
(b) deslocamento com o tempo, em nenhum dos
níveis de carga. Com o objetivo de reduzir o
tempo de moldagem e levando-se em conta que
não havia deslocamento com o tempo, a
trajetória de moldagem adotada foi a indicada
na Figura 6. Não foi verificado se outras
trajetórias fornecem o mesmo resultado.
35

Manter por 10 min em 30tf


30

25 Liberar sem descarregar

(c)
in
/m

20
Carga (tf)

2tf

15

10

in Descarregar
f/m
5 1t

0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

tempo (min)

Figura 6 - Trajetória de carregamento durante a


moldagem.

7 PROCEDIMENTO DE
DESMOLDAGEM
Figura 5 – Procedimento de moldagem. (a) Colocação do
material preparado no molde, (b) Pistão posicionado (c) Para retirar a amostra moldada de dentro do
molde na prensa de compressão.
molde, deve-se, primeiramente, separar sua
parte inferior (Figura 7a) e retorná-lo à prensa
O material obtido do peneiramento (Figura 4c) é
com o lado que contém a amostra virado para
colocado no molde com uma massa
cima, como mostra a Figura 7b. É necessário 8 PROCEDIMENTO DE SECAGEM E
colocar um “calço” entre o molde e o pistão da QUEIMA
prensa, de modo que este não se encoste às
bordas da amostra durante a desmoldagem, a Após o processo de desmoldagem, é necessário
qual é feita ligando-se a prensa até que a mostra que a amostra seja seca ao ar por cerca de 24
saia completamente do molde, como ilustra a horas e, em seguida, levada à estufa a 105°C,
Figura 7c. onde deve permanecer por mais 24 horas. Após
a secagem na estufa a amostra é levada para a
mufla a uma temperatura de queima de 800°C
por aproximadamente 4 horas. Esta temperatura
foi definida através de ensaios que relacionaram
a carga de rompimento da amostra com sua
temperatura de queima, os quais apontaram uma
resistência satisfatória para a temperatura de
800°C.

9 DETERMINAÇÃO DO VALOR DE
ENTRADA DE AR
(a) Foram utilizados dois procedimentos para
avaliar a entrada de ar das cerâmicas
produzidas: Um por meio de equipamento
especialmente concebido para este fim o qual é
descrito a seguir, e o outro método utilizando-se
da curva de retenção de água.
O equipamento utilizado foi fabricado em
alumínio e serviu para verificar a pressão de
borbulhamento (pressão de entrada de ar). Na
Figura 8 é apresentado um desenho esquemático
do equipamento. Trata-se de uma câmara de ar
acoplada a um disco perfurado que serve de
(b) apoio à cerâmica que fica colada na parte
inferior. Acima do disco perfurado tem-se uma
câmera com água que permanece sob pressão
atmosférica. Entre a câmera de ar e o disco
perfurado há um anel onde a cerâmica é fixada
para ser ensaiada. O equipamento possui três
válvulas: uma na parte inferior da câmara de ar
por onde entra ar e outras duas na parte superior
por onde é colocada a água que irá encher a
câmera superior. As eventuais bolhas que
surgirem após a aplicação de uma pressão de ar
superior àquela equivalente a entrada de ar
(c) poderão ser observadas através da câmera
superior que possui paredes de acrílico.
Figura 7 – Procedimento de desmoldagem. (a) Retirada do Os testes realizados neste equipamento
fundo do molde, (b) Molde posicionado na prensa, (c)
indicaram uma pressão de entrada de ar de
Amostra totalmente fora do molde.
aproximadamente 450kPa.
1. O caulim deve ser preparado com um teor de
umidade de 5%.
água 2. O material deve ser homogeneizado no
Disco
perfurado Acrílico almofariz e passado na peneira 40 antes de sua
colocação no molde.
3. Calcula-se a quantidade de material
necessária para se atingir a porosidade desejada.
4. A trajetória de prensagem deve possibilitar
Ar Pedra porosa que a espessura desejada seja atingida em no
mínimo 20min. Sendo o descarregamento feito
lentamente.
5. Após a desmoldagem a peça deve secar ao ar
por 24 horas e em seguida ser colocada em
estufa 105° C.
Figura 8 – Esquema do equipamento para verificação da 6. Após a secagem prévia deve-se colocar a
pressão de entrada de ar.
peça na mufla para queima a 800o C, por 4
horas.
10 CURVA DE RETENÇÃO DE ÁGUA
7. Não se deve retirar a cerâmica antes da mufla
DA CERÂMICA PRODUZIDA
esfriar completamente.
A curva de retenção da cerâmica produzida,
Salienta-se que novos estudos devem ser feitos
mostrada na Figura 9, foi obtida através de dois
incluindo variações na curva granulométrica do
métodos: placa de pressão e papel filtro. Na
material utilizado.
Figura 9 são também apresentados os pontos
As diferenças encontradas nos dois métodos
experimentais obtidos com a cerâmica
de determinação da entrada de ar podem ser
comercialmente disponível. Observa-se que a
devidas a variações entre as duas cerâmicas
entrada de ar obtida com a curva de retenção
testadas. Estudos de controle de qualidade
ficou em torno de 500kPa.
deverão ser executados para garantir um valor
100
nominal mínimo para a entrada de ar.
SM - 5Bar
USP - 5Bar
AGRADECIMENTOS
90

Os autores agradecem ao CNPq pela ajuda dada


S (%)

80 por meio de bolsa PIBIC, bolsa de pesquisador


e PRONEX. Os autores também são gratos a
70 Universidade Estadual do Norte Fluminense
que gentilmente realizou as análises
mineralógicas.
60
1 10 100 1000

REFERÊNCIAS
Figura 9 – Pontos experimentais da curva de retenção da
cerâmica comercial e da produzida na USP.
Fredlund, D. G. & Rahardjo, H. (1993). Soil Mechanics
for Unsaturated Soils. Wiley-Interscience.
11 CONCLUSÕES Lu, N. Likos, W. J. (2004). Unsaturated Soil Mechanics.
Wiley & Sons.
Como conclusão é apresentado o procedimento Santos, T.D.S., Pacheco Silva, F. (1954). Correlação entre
Pressões de Moldagem, Índices de Vazios e
desenvolvido no presente projeto de pesquisa
Coeficientes de Permeabilidade em Discos de Bronze.
para a produção de placa cerâmica de entrada de Boletim da ABM, IPT, São Paulo Boletim no 522 ,V.
ar nominal de 4bar. 10, no 36, p. 231-240.
Soil Moisture. (1994). Porous ceramic manual.

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