Lemos no Paraíso, VII

Dando-se, há sido Deus mais generoso,

Por que o home? a se erguer se habilitasse,
Do que só perdoando carinhoso.

Outro meio qualquer, que se empregasse

Não bastara à Justiça, se humilhando
De Deus o Filho à carne não baixasse.
Belíssimo, não?
Eu sei que Dante, no canto X coloca Santo Tomás entre os 12 maiores doutores santos -
Tomás de Aquino sou; me está vizinho,
À destra de Colônia o grande Alberto
A quem de aluno e irmão devo o carinho. - , e, novamente, no Paraíso, Canto XI,
expressa a grandeza de São Francisco de Assis, que fez brilhar o ideal cristão com seu
testemunho de pobreza - Em suma, o nome sabe dos amantes: Com pobreza Francisco
se casara -, mas, ressalte-se, em São Francisco vemos a pobreza cristã, não a pobreza
dos hereges, que afirmam a matéria como má. E continua ele sobre São Francisco:
“Nasceu ao mundo um sol tão luminoso”.
Não só por isto, mas pela beleza mesma dos cantos, tal obra merece ser protegida
perpetuamente.
Dante era da Ordem Terceira Franciscana, se é verdade que ele se meteu com os hereges
Espirituais Franciscanos, não tenho certeza.
Enfim, que não pareça que eu odeio o autor. Atenhamo-nos aos fatos e deixemos
maiores julgamentos para Deus. (isto é, coisas que não podem ser deduzidas dos textos
dantescos)
Comumente diz-se que os Guelfos eram defensores do Papado e os Gibelinos inimigos.
Não está errado, porém, dentro dos guelfos tínhamos os brancos e os pretos, os brancos
eram gibelinos encubados kk. Caso de Dante em vários anos da vida. De família Guelfa,
mas, ele mesmo um Guelfo branco. Os Guelfos brancos buscavam a independência
política e eram partidários de uma política de maior autonomia em relação ao pontífice,
recusando sua interferência no governo da cidade e nas decisões de várias naturezas.
(por isso ficaram mordendo as próprias costas com a Bula Unam Sanctam) Os guelfos
negros, por outro lado, que representavam acima de tudo os interesses das famílias mais
ricas de Florença, estavam mais intimamente ligados ao papa e admitiam alguma
influência do Poder Espiritual (mas que não sejam tomados como santinhos em sua
totalidade, porém longe da safadeza Gibelina, que já representava a revolta contra a
submissão do poder temporal, que já representava claramente a tentativa de tomada da
Autoridade Moral pela casta dos mercadores)
Pois bem, Dante era defensor de idéias gibelinas, embora, formalmente, ele fosse
membro do Partido Guelfo, da facção branca, como já disse. O Partido Gibelino era
favorável à supremacia do Estado sobre a Igreja, ou, pelo menos, por que se chama hoje
em dia de laicidade. Eles afirmavam que, ao aceitar a doação de Constantino, a Igreja
Católica se corrompera, perdeu aquela pureza da “pobreza”.
Os gibelinos, como os hereges espirituais franciscanos e também os cátaros defendiam
que a Igreja deveria ser pobre, sem cerimônias rica ou expressões visíveis de riqueza.
Eu tinha um professor que dizia que a ligação dos gibelinos com os cátaros era íntima.
Não lembro o nome do livro em francês. Ademais os gibelinos acreditavam que todo o
mal em se tratando de política vinha da tal da supremacia do Papa sobre o Imperador,
da Igreja sobre o Estado, e que esse mal somente seria sanado, quando viesse um
Imperador que dominasse o Papado, ou que os Papas rejeitassem a doutrina dos dois
gládios ou duas espadas.
Vamos à Divina Comédia.
No Inferno, Canto I
A selva escura - As feras - O espírito de Virgílio
E depois veio uma loba, magra e cobiçosa, cuja visão tornou minha alma tão pesada,
pelo medo que me possuiu, que não vi mais esperança alguma na escalada. A loba
avançava, lentamente, e me fazia descer, me empurrando de volta para aquele lugar
onde a luz do Sol não entra. (a selva escura)
A ti convém seguir outra viagem - respondeu o poeta, ao me ver lacrimejando - pois
essa fera, essa loba, é a mais feroz e insaciável de todas. Ela só partirá quando
finalmente vier o Lebreiro que para ela será a dura morte.
Ele virá para salvar a tua Itália caída. Ele irá caçar essa fera em todas as cidades até
encontrá-la, quando então a matará e a conduzirá de volta ao inferno, de onde a
Inveja, primeiro a trouxe para este mundo.
O Lebreiro (L'veltro) é um lebreiro (ou lebréu) é um cão usado para caçar lebres. O
Lebreiro mencionado por Virgílio representa algum tipo de redentor ou salvador. Para
alguns, representa, no sentido figurado, algum líder que resgataria a Itália da situação
política em que se encontra. Para outros, representa o estabelecimento de um reino
espiritual na terra (a vinda de Cristo que no juízo final levaria a Loba de volta ao
inferno).
A minha interpretação é a de que este que Dante chamava de L'veltro e que faria loba "
de volta ao inferno, de onde a Inveja, primeiro a trouxe para este mundo " , seria o
Líder Temporal insubmisso, ou mesmo um Papa que renegasse a doutrina dos dois
gládios para ser fofinho com o mundo. Era isso que os gibelinos acreditavam e queriam.
Se é esta, com certeza, a intenção de Dante, não vou afirmar, mas, se se lê o Monarquia
(onde Dante em primeiro lugar, condena a doutrina dos dois gládios defendida pela
Santa Igreja Católica e infalivelmente confirmada por Bonifácio VIII ), não tem certeza
quem não quer, rs.
Dante coloca Bonifácio VIII no inferno em sua Divina Comédia, não obstante.
Agora, resta saber quem é essa “Loba” (já digo de antemão que é a Igreja católica, ou o
Papado Ortodoxo, pelo menos)
Façamos um apanhado histórico. No ano de 1300 Dante era mandado pelos governantes
da República Florentina, os Guelfos Brancos, os encubados, como embaixador a San
Giminiano, uma cidade na Toscana, justamente para tentar refazer a Liga "Guelfa" da
Toscana, para se opor ao Papa Bonifácio VIII. Em 12 de Julho de 1300, o Papa ordenou
a seu Legado na Toscana, o Cardeal de Acquasparta, na Umbria, que excomungasse os
governantes florentinos, suspendendo-os de suas funções, e confiscando os seus bens.
Dante só escapou fedendo porque o Cardeal esperou até setembro para executar as
ordens do Papa, quando outros Priores entraram na função. Para combater a influência
gibelina, e a ação dos Guelfos Brancos, Papa Bonifácio VIII apelou à ajuda dos
franceses de Charles de Valois, irmão do Rei da França. Desde 1 de Abril de 1301 até
Setembro desse mesmo ano Dante voltou a fazer parte do Conselho dos Cem, um dos
órgãos da República Florentina. Nesse cargo, ele voltou a se opor à política de
Bonifácio VIII. No segundo semestre de 1301, Charles de Valois foi para a Itália. Em
Outubro desse mesmo ano, Florença enviou a Roma três embaixadores, entre os quais
Dante Alighieri, a fim de combater a política dos Guelfos Negros. O Papa, sob um
pretexto diplomático, mandou dois deles de volta a Florença, retendo Dante, o mais
perigoso de seus adversários, em Roma.
Nesse mesmo tempo Charles de Valois entrou em Florença e mexeu os pauzinhos para
que Corso Donatti, o inimigo de Dante, sobressaísse. Então Corso Donatti se apossou
do governo e começou a perseguir os chefes dos Guelfos brancos, que tiveram de fugir
de Florença.
Em Janeiro de 1302, o novo governo dos Guelfos Negros de Florença condenou Dante,
junto com outros, a pagar 5.000 florins, a permanecer confinado durante dois anos, a
ficar perpetuamente excluído dos ofícios públicos em sua cidade pela acusação de
ganhos ilícitos, por especulação (peculatário), oposição ao Papa e a Charles de Valois, e
como perturbador da paz.
Não tendo se apresentado para cumprir a pena, Dante foi condenado, de novo, em
março de 1303, desta vez a ser queimado, caso fosse capturado. Desde então Dante
viveu no exílio, mantendo sempre a esperança do advento de um Imperador messiânico,
o " Lebreiro ". O Lebreiro seria justamente este cão de caça que expulsaria a loba
romana (o Papado) e assim instauraria, na terra, a justiça e a paz perpétua, o Reino do
Espírito Santo, conforme esperavam os hereges espirituais franciscanos. (Tu lembras da
história da fundação de Roma, onde a Loba alimentou Rômulo e Remo..)
Então, rememorando: a política de Bonifácio VIII foi apoiada pelas tropas francesas de
Charles de Valois, irmão do Rei da França, que tomou Florença, o que causou a queda
do grupo político de Dante, sua condenação ao exílio em que ele vai viver até a morte,
em Ravena, em 1321.
No primeiro canto do Inferno, aparecem para o Dante um leopardo, um leão e uma loba.
Eu havia dado poucos passos, quando, de repente, saltou à minha frente um ágil e
alegre leopardo.
Mas a minha esperança durou pouco e o medo retornou quando vi surgir, diante de
mim, um leão. Ele parecia avançar na minha direção, com a cabeça erguida, tão
faminto e raivoso que até o próprio ar parecia temê-lo. E depois veio uma loba, magra
e cobiçosa, cuja visão tornou minha alma tão pesada, pelo medo que me possuiu, que
não vi mais esperança alguma na escalada. A loba avançava, lentamente, e me fazia
descer, me empurrando de volta para aquele lugar onde a luz do Sol não entra.
Dante vai expor como três feras o ameaçaram em seu caminho para a salvação: um
leopardo, um leão, e uma loba.
Nós podemos ligar Corso Donatti ao Leopardo, Charles ao Leão e o Papa Ortodoxo à
Loba, à Roma.
Eis surge loba, que de magra espanta;
De ambições todas parecia cheia;
Foi causa a muitos de miséria tanta!
(Inferno, I)
tal mi fece la bestia senza pace,
che venendomi incontro, a poco a poco
mi ripigneva là dove 'l sol tace"
A fera assim me fez, que não sossega;
Pouco a pouco me investe até lançar-me
Lá onde o sol se cala e a luz me nega.
Foi a loba, a Igreja, que empurrou Dante para a "selva escura".
Vejamos a resposta de pedido de ajuda contra a loba:
"Or se' tu quel Virgilio e quella fonte
che spandì di parlar sì largo fiume?"
rispuos' io lui com vergognosa fronte.
O delli altri poeti onore e lume,
vagliami 'l lungo studio e 'l grande amore
che m'ha fatto cercar lo tuo volume.
Tu se' lo mio maestro e 'l mio autore;
tu se' solo colui da cu'io tolsi
lo bello stilo che m'ha fatto onore.
Vedi la bestia per cu'io volsi,
aiutami da lei, famoso saggio,
ch' ella mi fa tremar le vene e i polsi".
(Inferno, I, 79-90).

Oh! Virgílio, tu és aquela fonte

Donde em rio caudal brota a eloqüência?”
Falei, curvando vergonhoso a fronte. —
“Ó dos poetas lustre, honra, eminência!
Valham-me o longo estudo, o amor profundo
Com que em teu livro procurei ciência!
“És meu mestre, o modelo sem segundo;
Unicamente és tu que hás-me ensinado;
O belo estilo que honra-me no mundo.
“A fera vês que o passo me há vedado;
Sábio famoso, acude ao perseguido!
Tremo no pulso e veias, transtornado!”
Note-se que Dante não pede auxílio contra o Leopardo nem contra o leão. Só pede ajuda
contra a loba, contra a Roma Eterna, porque era ela que estava por trás do poder do leão
(a França de Charles de Valois), e do poder do Leopardo (Florença dos Guelfos
Negros).
Então. É por isso que os perenialistas, os gnósticos, os esotéricos e toda essa gente
adora Dante. Eles não tem o amor e devoção ao papado que quem tem a fé católica
possui. Eles, antes, odeiam o Vigário de Cristo, especialmente quando este fala como
Vigário de Cristo.
E, observe que eu nem entrei na questão de Dante ser ou não um gnóstico. A mim não
interessa isto no momento. Importa que ele defendeu coisas erradas e nisto deve ser
sempre criticado. Não significa rejeição à obra “Divina Comédia”.
Donde se percebe, mais uma vez, a veracidade do adágio: política é teologia
dessacralizada.