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Cenário atual:

Os alimentos à base de vegetais, também denominados como plant-based,


representaram, em 2019, um mercado que alcançou US$ 42.258,97 milhões,
conforme dados do Market Study Report LLC. Estima-se que esse mercado deva
chegar a US$ 17,9 bilhões até 2025.

O relatório do banco de investimentos Crédit Suisse aponta que a indústria plant-


based será 100 vezes maior em 2050. Isso porque, de acordo com o documento,
uma dieta baseada em vegetais não apenas teria uma intensidade de emissão [de
gases de efeito estufa] cerca de 90% menor do que a dieta média atual, mas também
teria o potencial de reduzir o número de mortes prematuras entre adultos em cerca
de 11 milhões.

Além do aspecto ambiental, deve ser levado em conta a necessidade de se garantir


acesso a alimentos para uma população que segue crescendo mundialmente.
Conforme previsões da ONU, a população mundial deve atingir 9,8 bilhões em 2050
e um dos maiores desafios é garantir acesso a alimentos adequados, sustentáveis e
nutritivos a tantas pessoas. A ONU projetou que a produção de alimentos teria de
ser aumentada em 70% para alimentar a população mundial até 2050, e as proteínas
alternativas passam a ser uma opção considerável. Em 2050, que 265 milhões de
toneladas extras de proteína serão necessárias para atender às demandas da
população mundial. Encontrar novas fontes de proteína é, portanto, essencial.

Outro fator relevante que explica o crescimento deste mercado é o fato de que o
perfil do novo consumidor, que está interessado nas inovações e nas opções do
mercado para produtos análogos aos produtos de origem animal, especialmente o
público que tem aderido ao vegetarianismo, veganismo ou flexitarismo, além de
consumidores que, em razão de alergias alimentares, buscam opções análogas que
não levem leite, ovo e/ou soja como estratégia para diversificação de sua dieta.
Surge, assim, espaço para alcançar consumidores de diferentes perfis, até mesmo
os curiosos.

Mas além do produto final, isto é, do alimento que chega à prateleira, é preciso pensar
no mercado B2B, na indústria de ingredientes que precisa acompanhar essa inovação
e fornecer insumos cada vez mais diversificados e focados nesse mercado.

Os recursos agrícolas e a biodiversidade única colocam o Brasil em destaque para


conquistar uma fatia maior desse mercado que cresce cada vez mais globalmente.
Trata-se de um segmento que deve receber cada vez mais atenção do Governo,
incluindo os órgãos reguladores, de investidores e que pode, inclusive, receber
incentivos por meio de políticas públicas voltadas ao incremento da produção de
opções de alimentos baseados em vegetais em razão de acordos que visem à redução
da chamada “pegada ambiental”.

Embora o cenário seja indubitavelmente favorável, para que haja o avanço desejado
e investimento necessário por parte da indústria, é preciso um cenário regulatório
consistente e previsível, que traga segurança jurídica.

Marco regulatório

Em razão da existência de mais de um ente com competência para regular o setor


de alimentos, existe aparente sobreposição de normas, que acabam por criar um
cenário de alguma incerteza jurídica, o que é especialmente desafiador quando se
está diante do interesse em desenvolver produtos que são relativamente novos no
mercado.

Cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) regulamentar as


fontes de proteínas (arroz, girassol, etc.), e razoavelmente, o produto final, pelo
DIPOV, mas o subproduto (proteína) é regulamentado pela Anvisa para uso como
ingrediente alimentar em produtos acabados, assim como seus aditivos.

Apesar de existirem regulamentações paralelas que possam abarcar o tema, como a


RDC 268/05, que traz o regulamento técnico para produtos proteicos de origem
vegetal, e de forma indireta, a Resolução nº 16/99, que aprova o Regulamento
Técnico de Procedimentos para registro de Alimentos e ou Novos Ingredientes, o
tema não está regulatoriamente definido, uma vez que aquela RDC trata
especificamente das matérias-primas, e não do produto final.

De acordo com o que se extrai do documento de “Modernização do marco regulatório,


fluxos e procedimentos para novos ingredientes”, as proteínas de origem vegetal
obtidas da produção primária não serão consideradas novos alimentos, podendo ser
abarcadas pela RDC 268/05, desde que atendam ao padrão Codex Alimentarius e
que tenham histórico de consumo seguro em, pelo menos, outro país e, neste caso,
a demonstração de que as condições propostas para seu uso no Brasil sejam
semelhantes.

A proposta seria que as diferentes fontes de obtenção dos alimentos não sejam
tratadas como categorias específicas de novos alimentos, pois esta abordagem
poderia aumentar desnecessariamente o número de produtos classificados como
novos, pois a fonte, por si só, não seria determinante dos riscos do produto.

No caso de ampliação das condições de uso de novos alimentos já aprovados no


Brasil, a orientação da Anvisa no documento acima mencionado vai no sentido de
que “a simplificação estaria relacionada à documentação e etapas da avaliação do
risco, uma vez que os dados e as etapas de identificação e caracterização do perigo
já foram concluídas na avaliação anterior, sendo necessário apenas refinar a
avaliação de exposição e caracterização do risco, a fim de alcançar uma conclusão
sobre a segurança das alterações propostas”.

Já para os casos em que essas proteínas não atendam ao padrão Codex, há se se


considerar a inclusão clara do uso dessas fontes alternativas de proteínas dentro no
novo conceito em avaliação pela GGALI, com apontamentos /sugestões a seguir:

“Alimentos, nutrientes e ingredientes obtidos de vegetais, animais, minerais,


microrganismos, fungos, algas ou de forma sintética, sem histórico de consumo
seguro no Brasil como alimento, incluindo, ou não limitado aos produtos que: a)
sejam obtidos de fontes alimentares sem histórico de consumo seguro no Brasil; com
exceção das proteínas, independente da sua origem, desde que atendam ao padrão
codex para proteínas de origem vegetal b) possuam estrutura molecular nova ou
intencionalmente modificada; c) consistam em culturas de células ou cultura de
tecidos ou que tenham sido produzidas a partir dessas culturas; d) tenham sido
submetidos a processo de produção não aplicado na produção de alimentos;
incluindo o cultivo in vitro de proteínas e) tenham alterações na sua composição ou
estrutura que afetem o seu valor nutricional, metabolismo, ou teor de contaminantes;
f) sejam constituídos por nanomateriais artificiais; g) sejam constituintes de
suplementos alimentares não previstos na IN 28/18; h) sejam compostos de
nutrientes e de outras substancias para fórmulas enterais, não previstos na RDC
22/15; i) sejam compostos de nutrientes para alimentos destinados a lactantes e
crianças de primeira infância não previstos na RDC 42/11; j) ingredientes fontes de
nutrientes e substancias bioativas para uso em alimentos convencionais; k) sejam
constituintes autorizados apenas para uso em suplementos alimentares, caso
venham a ser usados em outros alimentos.

Este tema está em revisão, tendo havido abertura de processo em 14/05/2019 (TAP
nº 18/19), presente no item 3.7 da Agenda Regulatória 2021/2023 – “Modernização
do marco regulatório, fluxos e procedimentos para novos ingredientes”, o qual
demanda acompanhamento atento por parte dos agentes interessados no assunto.

Isto porque, embora a revisão em curso não esgote as questões afetas à produção e
comercialização de alimentos à base de plantas, tema ao qual se dedica o item a
seguir, a modernização do marco regulatório, fluxos e procedimentos para novos
ingredientes tem estreita relação com o assunto em tela.

Problema regulatório:

Os desafios regulatórios do novo segmento de produtos plant-based vão muito além


do tema dos novos alimentos e ingredientes em razão das fontes alternativas de
proteínas, uma vez que este segmento abarca, além das fontes alternativas.
ingredientes muito novos, como microalgas ou insetos, processos de fermentação
diversos dos já conhecidos, e até mesmo, a carne cultivada.

Também existe dúvida a respeito da lista positiva de aditivos e coadjuvantes de


tecnologia em base vegetal que poderiam ser empregados no processo de produção
desta categoria de alimento, especialmente para o produto final já que, contamos
com a norma Codex GENERAL STANDARD FOR VEGETABLE PROTEIN PRODUCTS
(VPP) - CXS 174-1989, que poderia ser a referência para esse uso nas matérias-
primas, as proteínas vegetais, uma vez que indica que as seguintes funções de
aditivos poderiam ser utilizadas nesses ingredientes:

4.1 Coadjuvantes de tecnologia

Durante o processo de fabricação VPP as seguintes classes de coadjuvantes podem


ser utilizadas:
Os coadjuvantes de tecnologia utilizados nesses produtos padronizados devem ser
consistentes com o Guia de substancias autorizadas como coadjuvantes de tecnologia
(CXG 75-2010).

– Reguladores de acidez

– Antiespumantes

– Agentes de firmeza

– Preparações enzimáticas

– Solventes de extração

– Agente anti-poeira

– Melhoradores de farinha

– Espessantes

Ainda que a norma Codex indique que essas são funções de coadjuvantes de
tecnologia e que aditivos alimentares não seriam aprovados, verifica-se que as
funções em negrito são relativas a aditivos alimentares, segundo a Portaria
540/1997.

E para os produtos? Poderíamos nos basear no PIQ de produtos análogos de origem


animal? Abaixo, apresentamos um racional dos aditivos atualmente utilizados pela
indústria de produtos à base de plantas e seu análogo animal.

(COMENTÁRIO: Isso fica pendente das informações a serem encaminhadas pelos


associados. A ideia é fazer um paralelo, e decidir se essa seria uma saída, ou se
ficaria muito distante.)

Ou ainda, uma vez que não existem regulamentações específicas para produtos de
origem vegetal, a premissa é encontrar, nas legislações vigentes, produtos similares
que possuam normas de referência para aditivos, sempre tendo em mente a
necessidade tecnológica do aditivo em questão. Por exemplo: Para um hambúrguer
vegetal, uma possibilidade de produto “similar” poderia ser uma panqueca, que teria
consistência parecida e é preparada da mesma forma (cocção em frigideira quente).
Outro item a ser avaliado caso a caso quando da escolha da legislação de referência
para uso de aditivos em produtos plant based seria a composição do produto em
questão. No exemplo dado, se o hambúrguer vegetal possuir como ingredientes
principais as farinhas de vegetais, seria outro ponto a favor do uso da legislação de
referência para aditivos em panquecas nesse caso.
Ainda que superados os desafios acima, falta clareza sobre a possibilidade de os
produtos análogos trazerem denominações baseadas em termos que são de uso
consagrado aos produtos de origem animal – tema que tem gerado bastante debate,
inclusive no âmbito do Poder Legislativo, onde tramitam o PL 10556/18 e o PL
5344/2020, que visam impedir o uso da denominação leite (e de seus derivados) em
produtos que não tenham origem na "secreção mamária das fêmeas mamíferas",
assim como o PL 2876/19 e o PL 5499/2020, que buscam impedir o uso de termos
típicos de produtos cárneos, como hambúrguer e almôndega, a pretexto de evitar a
alegada – e nunca comprovada – confusão por parte dos consumidores, na
contramão do que o mercado consumidor tem demandado, como compravam os
números indicados anteriormente.

Há, também, projeto de lei que visa penalizar estabelecimentos comerciais que
usarem produtos análogos e/ou substitutos de produtos lácteos, sem a devida
informação ao consumidor (PL 5042/2020) e um que objetiva vedar a venda de
produtos análogos próximos dos tradicionais, em prejuízo ao desejo dos
consumidores dos análogos e criando custo injustificado aos mercados (PL
5283/2020).

Em outro, sem que tenha havido o devido debate e verificação da melhor maneira de
informar ao consumidor e em clara invasão da competência técnica da Anvisa, indica
que produtos assemelhados a lácteos deverão trazer a expressão “assemelhado” ou
“sabor que imita” queijo, requeijão, iogurte ou leite, conforme o caso. (PL 515/2021).

Para além da existência dos projetos de lei mencionados, o Mapa abriu uma Tomada
Pública de Subsídio por meio da Portaria SDA Nº 327, DE 02 DE JUNHO DE 2021, a
Tomada Pública de Subsídios - SDA/MAPA n° 005/2021, na qual a questões que
sinalizam a existência de interpretação de que os produtos baseados em plantas
representariam “concorrência desleal” em face dos produtos de origem animal, além
de mencionar a questão atinente à denominação, registro, dentre outras questões de
extrema relevância, mas talvez não do modo e lócus mais adequado.

Em razão do quadro exposto, a indústria não tem clareza sobre os requisitos técnicos
e sanitários admitidos pelos órgãos reguladores, havendo risco de falha no mercado,
caso eventual desfecho no Legislativo ou em decorrência da TPS acima mencionada,
resulte na vedação do uso de denominações consagradas e reconhecidas pelos
consumidores, sob equivocada justificativa de que os produtos análogos
representariam concorrência desleal.
É sabido que o uso das denominações conhecidas pelos consumidores para os
produtos análogos é medido que, além de facilitar a sua identificação em meio a uma
diversidade de opções, cria um ambiente favorável do ponto de vista social a quem
opta pelas opções plant-based (veganos, vegetarianos ou flexitarianos) ou precisa
consumir produtos que não contenham insumos de origem animal (em especial,
alérgicos a leite e/ou ovo).

Vale registrar que o uso de denominações consagradas de produtos de origem animal


em produtos em base vegetal tem sido debatido em vários países, sendo possível
perceber que, de um lado, há forte resistência por parte dos produtores de produtos
lácteos e cárneos, e, de outro, uma expectativa grande por parte dos consumidores
deste segmento. Como exemplos, temos a aprovação, em outubro de 2020, do uso
de denominações típicas de cárneos em produtos vegetais pelo Parlamento Europeu,
e as orientações sobre o uso de denominações em análogos aos produtos cárneos
apresentadas pela Canadian Food Inspection Agency.

O fato é que a falta de clareza quanto à competência para regular esse assunto
resulta em falha institucional, o que demanda uma definição urgente do órgão
competente e do marco normativo aplicável, sob pena de um ambiente desfavorável
à inovação (a depender de como o assunto for encaminhado, poderá, inclusive, haver
falha regulatória, caso o caminho adotado seja impeditivo da inovação) e, como
consequência, um cenário que vai na contramão da tendência de mercado e da
demanda ambiental.

Do quadro exposto, verifica-se ser necessário haver maior clareza e objetividade ao


conceito legal de alimentos em base vegetal (plant-based), com a definição dos
procedimentos para regularização, assim como para avaliação e gerenciamento do
risco, os quais devem ser coerentes, transparentes e proporcionais aos riscos dos
diferentes tipos de proteínas alternativas, assim como há a necessidade de definição
sobre os critérios para que o uso das expressões consagradas permita a fácil
identificação dos produtos análogos por parte dos consumidores interessados, sem
deixar de resguardar o direito de outros consumidores compreenderem que se trata
de produto que mimetiza o produto de origem animal, por meio do estabelecimento
prévio de critérios por parte da autoridade competente, de modo que não sejam
induzidos a erro ou engano.

Países que não regulamentam o assunto ou que vedam o uso de tais denominações
enfrentam situações de bastante assimetria informacional, que vão desde liminares
em favor do uso das denominações por parte de uma dada empresa, que não alcança
outras do mesmo segmento, a produtos denominados como “creme” ou “pasta”,
dispostos ao lado de iogurtes e queijos, e “bebida a base de”, que ficam expostos ao
lado das embalagens de leite, o que significa dizer que a vedação, a pretexto de
auxiliar o consumidor, cria um desafio ainda maior, seja para aquele que deseja a
versão análoga, seja para aquele que preferiria a versão tradicional, que não tem a
seu favor uma maneira que lhe permita diferenciar os produtos nas gôndolas.

Em não havendo esse regramento definido, tem-se um cenário de menos estímulo


ao investimento na inovação, atores de menor porte desbravando o mercado,
expostos ao risco de sofrerem ações de fiscalização e imposição de penalidade pelo
uso de ingredientes menos habituais ou pelo uso de denominações típicas dos
produtos de origem animal.

É por essa razão que se propõe a abertura de processo regulatório e correspondente


Avaliação de Impacto Regulatório, de modo que se possa criar um ambiente mais
favorável à inovação e ao atendimento da demanda pela produção de mais opções
de alimentos em base vegetal, algo que é do interesse dos consumidores e
importante do ponto de vista ambiental.

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