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1924
DANÇA DE TERREIRO DE CANDOMBLÉ
CORPO ANCESTRAL EM MOVIMENTO:
RESUMO: Este artigo visa discorrer sobre aspectos que circundam os princípios da
transmissão do conhecimento na aprendizagem da dança de terreiro de candomblé.
Busco levantar questões que apontem possíveis pilares pelos quais estão fundados
os ensinamentos da dança de terreiro. Percebendo que existe uma forma de ensinar
e aprender a dançar, próprias do Terreiro, discorro aqui, sobre que forma é essa,
motivado pela indagação: Como se aprende a dança de terreiro? Analiso aqui tal
indagação a partir de observações dentro do terreiro e através dos relatos de
membros do Projeto em Africanidade na Dança Educação PADE/UFRJ, trazendo
para o diálogo autores que tocam em aspectos importantes para refletir sobre esta
ação de transmissão de conhecimentos nas Comunidades de Terreiro de
Candomblé, visto que os saberes movimentados dentro das Casas de Candomblé
evidenciam sua complexidade técnica, nos apontando uma relevante contribuição na
construção da dança no Brasil.
ABSTRACT: This article aims to discuss aspects that surround the principles of the
transmission of knowledge in the learning of candomblé terreiro dance. I search
questions that indicate to possible pillars on which the teachings of the terreiro dance
are founded. Realizing that there is a way to teach and learn to dance, coming from
the terreiro, I will then discuss what forms these. Motivated by question: How to learn
the terreiro dance? I analyze this question from observations inside to Terreiro and
through reports through reports from members of the Project in Africanity in dance
education PADE/UFRJ, bringing to the dialogue authors who report important
aspects to reflect on the transmission of knowledge in Terreiro Communities.
Because, knowledge moved within the House of Candomblé evidences its technical
complexity, pointing us a relevant contribution in the construction of the dance in
Brazil.
1
Ylê Ayiê Ojú Odé Igbô – Casa na Terra sobre o Olhar do Caçador Igbô 1925
2
Yalorixá – Popularmente conhecido como “Mãe de Santo”
Uma professora dos cursos de Danças do Departamento de Arte Corporal –
UFRJ, ao ver uma Festa no mesmo Terreiro, diz com olhar de encantamento: Essa
festa é um verdadeiro espetáculo de dança!
Padê ou Ipadê é um ritual afro-religioso onde o orixá Exu leva aos outros
orixás a mensagem de que todas as oferendas necessárias foram
realizadas, e que o encontro entre os membros do terreiro e os orixás pode
acontecer. (LIMA, 2005, p.140).
O PADE, busca encontro dialogal apoiado nas leis de ação afirmativa, Lei:
10.639/03, atual 11.654/08, que torna obrigatório o ensino da História africana, afro-
brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, assim
como na lei Estadual: 5506/09 - ALERJ, que declara o Candomblé como
patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro. Lei afirma que as Comunidades de
Terreiro de Candomblé são espaços de memória, cultura, história e de
ancestralidade africana. Por essa razão, as Comunidades de Terreiro e seus
membros tornam-se espaço de afirmação de identidade, e de transmissão de
conhecimento da memória ancestral negra, na construção e preservação de saberes
civilizatório que se mantiveram, mesmo sob toda opressão religiosa, política e social
ao longo de sua trajetória. É nesse ambiente de tensão externa e do cotidiano
interno de ritual, religiosidade e salvaguarda de saberes, que se estruturam e
atualizam as tradições. Assim as comunidades de terreiro se mantêm vivas
salvaguardando os princípios que preparam e despertam os corpos/sujeitos para a
dança ancestral atualizada.
Embora Fanon enfatize que só o preto pode receber essa mensagem, cabe
ressaltar que hoje o candomblé é formado por diferentes grupos étnicos, aos quais
preservam e despertam em seus corpos a ancestralidade resguardada na dança do
terreiro, como afirmam Lima e Alves:
“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece o que nos toca. Não
o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam
muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-
ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça.
Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de
experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas
coisas, mas a experiência é cada vez mais rara”. (BONDÍA, ano, p.21).
Assim não é só a experiência diante dos olhos como informação, mas a que
acontece, o que nos toca. E nesse sentindo, falo de acontecer no corpo, corpo
integrado, corpo de resistência, corpo poético que permite o acontecer. Nessa
perspectiva, ao longo dos últimos dez anos do PADE/UFRJ, experienciamos
acontecimentos no corpo e no diálogo entre os princípios da dança de terreiro e os
princípios da Dança de Helenita Sá Earp, que para além de informação, nos dá
indicativos de que a linguagem da dança do terreiro apresenta outro olhar para o
corpo, ampliando a pesquisa em dança. 1928
Pontuo ainda, que nesse diálogo não pretendo dar notoriedade ou
consagração à dança de terreiro a partir dos princípios de Helenita, não se tratando
de um trabalho comparativo onde um saber se sobreponha a outro, pois acredito
que a dança do terreiro, tem méritos por si mesmo, não necessitando de
reconhecimento de teorias ou técnicas externas as suas próprias episteme. Pois
segundo Rocha 2000 diz:
“... a imagem que temos é [...] justamente aquela que vemos no barracão
(terreiro). Os Orixás vestidos, dançando com seus gestos característicos.
Diz-se que os filhos, pouco a pouco, assumem as muitas características de
seu Orixá. Com isso, ao falar de um Orixá, automaticamente associamos
suas características à personalidade de seus filhos e muitas vezes também
á sua própria história de vida. Por tanto, falar dos Orixás é falar de nós
mesmos. (ROCHA, 2000, p.56).
Entendendo que a dança pode ser uma expressão espontânea, onde o corpo
cede às emoções, estímulos externos ou internos, produzindo sua dança própria, ou
1929
seja, a partir de uma relação individual de percepção ou reflexão sobre o corpo ou
ainda outras materialidades ou imaterialidades. Gualter (2000) aponta que:
Helenita criou uma proposta de ensino e criação, que consiste numa dança
calçada nos princípios que regem a ação corporal, a partir dos parâmetros
de movimento, espaço, forma, dinâmica e tempo. O corpo, como um
referencial permanente, está constantemente envolvido em descobertas,
das quais a técnica e a criatividade jamais se desvinculam. (GUALTER,
2000, p.30)
Um despertar no terreiro
O que vou fazer em seguida é sugerir certo significado para estas duas
palavras em distintos contextos, e depois vocês me dirão como isto lhes
soa. O que vou fazer é, simplesmente, explorar algumas palavras e tratar de
compartilhá-las. E isto a partir da convicção de que as palavras produzem
sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes
mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das
palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as
palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento
porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não
pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas na partir
de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou
“argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é
sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. E isto, o
sentido ou o sem-sentido, é algo que tem a ver com as palavras. E,
portanto, também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos
diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo em diante dos
outros e diante do mundo em que vivemos. E o modo como agimos em
relação a tudo isso. (BONDÍA, 2002, p. 19).
3
Itans - histórias fundacionais Yorubá 1933
4
Egbé - Terreiro
Como diz um Itan: “Então Exu surpreendendo a todas elas, disse: O quarto
búzio, enterrarei, como lembrança de nossos ancestrais”. O que está na penumbra
dessa narrativa é o próprio valor do testemunho, a maneira de enunciar o texto, e de
como quer produzir efeito na memória individual e coletiva partilhada entre narrador
e palavra. No corpo, produz efeito de um corpo vivo que tem escrito em si, todas
essas experiências sentidas, vividas. Um corpo embebido de oralidade.
Considerações finais
Referências
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas / Frantz Fanon: tradução Renato
da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
LIMA, Ari, ALVES, Nana Luanda M.: Relações raciais, racismo e identidade negra
no candomblé baiano de Alagoinhas. Vol.10 Número 20 jul. / dez.2015 p. 594.
i
Mestrando em Dança pelo Programa de Pós-Graduação em Dança - PPGDan- UFRJ, Graduado em
Licenciatura em Educação Física – Unisuam. Professor de Folclore Brasileiro na Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Coordenador do Projeto em Africanidade na Dança Educação
PADE/UFRJ, integrante da Companhia Folclórica do Rio - UFRJ, desde 1989. Atuando no combate
ao racismo e a Intolerância Religiosa.
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