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Gestão de Estoques - Peças de Reposição
Gestão de Estoques - Peças de Reposição
U
ma típica empresa fabricante de bens de con- itens consumíveis correspondem às peças que não são
sumo tende a manter entre US$ 5 milhões e técnica e economicamente recuperáveis. Em caso de fa-
US$ 15 milhões imobilizados em peças de lha, a peça antiga é simplesmente descartada. No pri-
reposição, a um custo de oportunidade anual que oscila meiro caso, a possibilidade de recuperação de um item
entre 20% e 40% do valor em estoque7. De modo geral, acarreta implicações na gestão de estoques, uma vez
há um consenso de que os estoques de peças de re- que, em linhas gerais, as quantidades em processo de re-
posição não podem ser gerenciados pelos modelos ou condicionamento devem ser deduzidas das quantidades
métodos tradicionais, já que as condições para sua apli- a serem ressupridas no futuro8.
cação não são satisfeitas. Isso porque o padrão de con- Este artigo baseia-se num estudo de caso13. Nele, são
sumo é esporádico (ou seja, é irregular e pequeno), os apresentadas considerações metodológicas sobre como
tempos de resposta do ressuprimento são longos e os segmentar a gestão de estoques por diferentes peças de
custos de aquisição são elevados1. Mesmo assim, as per- reposição consumíveis em termos de suas características
guntas básicas da gestão de estoques ainda devem ser principais15: consumo médio e coeficiente de variação
respondidas: quais itens devem ser estocados e o quanto do consumo, ou seja, a razão entre seu desvio-padrão e
de cada item deve ser mantido em estoque. sua média. Também são tecidas considerações sobre co-
A gestão das peças de reposição também pode ser en- mo operacionalizar essa segmentação a partir de um
tendida pelo aspecto do serviço ao cliente e não apenas modelo ou política de gestão de estoques atualmente
pelo aspecto financeiro e/ou de logística. Para muitas em curso e sobre como estimar os ganhos potenciais em
empresas que enfrentam um ambiente competitivo termos de aumentos nos níveis de serviço, de redução
mais acirrado, a satisfação dos clientes é crucial3. Um dos estoques e de redução nos erros de previsão. Mais
meio bastante comum de manter os clientes satisfeitos especificamente, é descrita a metodologia operaciona-
é na assistência pós-venda, através do rápido reparo dos lizada através de planilha MS-Excel e do pacote estatís-
tico SPSS para os itens consumíveis de uma empresa fa- tribuição Normal para itens de baixo consumo, também
bricante de equipamentos e implementos agrícolas ins- foi descartada. De acordo com Yeh, a aplicabilidade da
talada no Brasil. Por razões óbvias, informações sen- premissa da distribuição Poisson depende da razão en-
síveis à empresa, ao seu posicionamento na indústria e tre a variância e a média da demanda, que deve se si-
às suas operações serão omitidas ou disfarçadas. tuar entre os limites de 0,9 e 1,1.
Robison (2001) desenvolveu uma técnica para anali-
Revisão da literatura sar os níveis de estoque e prever o nível de serviço ao
cliente, considerando-se simultaneamente 15 mil itens.
A gestão de estoques tem recebido substancial De modo inverso, dado um determinado nível de
atenção dos meios acadêmico e empresarial nos últimos serviço, a técnica desenvolvida permite calcular os ní-
anos. A maior parte da literatura está focada em deter- veis de estoque necessários. Mais especificamente,
minar, estabelecer ou aplicar métodos para ressupri- através de métodos como Análise de Regressão Linear,
mento dos estoques em ambientes de produção e dis- Robison determinou equações que relacionam níveis de
tribuição1. Nesses ambientes, a demanda e o tempo de serviço aos níveis de estoque, com coeficientes de de-
resposta tendem a ser previstos com maior grau de terminação (R2) ao redor de 0,70.
certeza e a grande maioria dos modelos empregados per- Sandvig e Allaire (1998) desenvolveram um mode-
mite a tomada de decisões adequadas sobre quanto lo em planilha MS-Excel para evidenciar como os níveis
manter em estoque de cada item ou produto11. Nesse ar- de estoque respondiam, em termos de nível de serviço,
tigo, a tomada de decisão em gestão de estoques ocorre sob diferentes cenários de demanda. A partir dos da-
num contexto totalmente diferente, ou seja, o ressupri- dos reais de consumo de milhares de peças de reposi-
mento de peças de reposição. Nesse contexto, empresas ção numa empresa norte-americana, os autores deter-
e gerentes enfrentam um problema mais complexo: minaram que níveis de serviço mais baixos resulta-
peças de reposição são caras, a demanda é errática e difí- vam da interação da elevada variabilidade da demanda
cil de prever, tempos de resposta são longos e estocás- com longos tempos de resposta. Ações foram tomadas
ticos e os clientes querem receber as peças de reposi- no sentido de reduzir os níveis de estoque a partir de
ção rapidamente. mudanças na sistemática de colocação dos pedidos por
Dessa forma, a literatura sobre o ressuprimento de parte dos clientes.
peças de reposição tende a ser mais escassa1 e os desen- Botter e Fortuin1 segmentaram 50 mil peças de
volvimentos nos últimos dez anos tendem a apresentar reposição em níveis decrescentes de consumo, tempo de
várias abordagens para o problema, como a determi- resposta, preço e criticidade de cada item, com a subse-
nação do último pedido4, a determinação do intervalo qüente determinação dos valores médios para cada ní-
ótimo de revisão9 e a determinação de políticas de es- vel. Níveis de serviço foram calculados para esses seg-
toque com base na criticidade dos itens2. Mais especifi- mentos com base nesses valores, considerando-se si-
camente, o desenvolvimento da revisão de literatura foi tuações alternativas de ressuprimento a partir de um
direcionado para o mapeamento de abordagens realis- centro de distribuição regional ou de um armazém lo-
tas, previamente testadas em empresas, como as de Yeh cal. Ganhos em termos de redução de níveis de estoque
(1997), Robison (2001), Sandivg e Allaire (1998) e as dos e aumento nos níveis de serviço também foram estima-
próprios Botter e Fortuin (2000); abordagens puramente dos para cada segmento.
teóricas e hipotéticas por natureza foram desconside- A breve descrição dessas quatro abordagens práticas,
radas, sendo privilegiada sua aplicabilidade prática. aplicadas à gestão de peças de reposição, permite inferir
Yeh (1997) adotou a premissa da distribuição Gama alguns aspectos metodológicos sobre como empresas e
da demanda para determinação dos pontos de ressupri- gerentes estão encaminhando a determinação desses
mento numa empresa de médio porte, fabricante de níveis de estoque:
produtos eletrônicos, localizada em Taiwan. Pelo fato de • A aproximação dos dados de consumo pela dis-
mais da metade dos dez mil itens analisados apresentar tribuição Gama para cálculo dos pontos ou níveis de
algum consumo menos de dez vezes por ano, a premis- reposição dos estoques12;
sa da distribuição Normal foi inicialmente descartada. A • A utilização de técnicas de análise estatística multi-
distribuição Poisson, também utilizada bastante na variada para relacionar níveis de estoque a medidas de
prática8/14 e proposta como uma alternativa à dis- nível de serviço como, por exemplo, o Fill Rate6;
• A utilização de dados reais do consumo para testar desvio-padrão é de 422 unidades. O consumo anual por
as políticas de estoques propostas7 em termos de nível item, com base nos últimos 36 meses, vai de um míni-
de serviço; mo de 0,30 a um máximo de 29.756 unidades, deno-
• A segmentação das peças de reposição com base em tando simultaneamente grande amplitude e concen-
diferentes critérios e o cálculo de estimativas sobre ga- tração dos dados para valores inferiores à média. Já a
nhos de nível de serviço e reduções nos níveis de es- média do coeficiente de variação do consumo mensal
toque para cada segmento1. (CV) é de aproximadamente 2,8, e o erro mensal médio
de previsão em valores absolutos (MAD – Mean Absolute
A empresa e a política atual gestão de estoques Deviation) por item é de 4,1. O desvio-padrão do erro de
previsão médio absoluto é de 24 unidades por mês.
A empresa é um dos maiores fabricantes multina- Já de acordo com a Tabela 2, metade dos itens (medi-
cionais de equipamentos e implementos agrícolas insta- ana) apresenta consumo anual menor ou igual a 5,70
lados no Brasil. Para apoiar a assistência técnica e o unidades. Com relação ao coeficiente de variação do
serviço pós-venda de seus equipamentos, a empresa consumo mensal, metade dos itens apresenta valores
mantém 20.833 diferentes tipos de itens centralizados superiores a 2,4. Esses dados refletem as características
em seu armazém de fábrica, totalizando um montante principais envolvidas na gestão de estoques de peças de
de capital empatado em estoque da ordem de 20 mi- reposição apontadas na literatura: consumo pequeno e
lhões de dólares. Existe aproximadamente um mi-
lhão de unidades em estoque, o que perfaz um va- Fill Rate Nível de Estoque
lor unitário médio de 20 dólares. N Válidos 20.824 20.833
Atualmente, a empresa decide repor os estoques Faltas 9 1
com base em previsões de consumo para os próxi- Média 0,8028 52,4009
mos meses. Todas as peças de reposição são pro- Mediana 0,8330 8,0000
duzidas internamente e os ciclos de programação Desvio-padrão 0,12885 237,37580
da produção observam o horizonte de um mês. Em Mínimo 0,03 0,00
linhas gerais, pode-se dizer que o tempo de respos- Máximo 1,00 9.810,00
ta para disponibilização de um pedido de peças de Percentis 25 0,7500 2,0000
reposição tem média de um mês e desvio-padrão 50 0,8330 8,0000
de zero. 75 0,9170 27,0000
De acordo com a Tabela 1, o consumo anual mé-
dio por item (D_YR) é de quase 63 unidades e seu Tabela 3 – Distribuição de freqüências - Fill Rate e nível de estoque
• Passo 1: calcular, para cada item, a média de erro absoluto de previsão, Fill Rate e nível de estoque para os últimos 36 meses
(horizonte de tempo considerado no estudo de caso);
• Passo 2: aproximar o consumo real de cada item pela distribuição Gama;
• Passo 3: determinar os níveis de estoque para diferentes níveis de probabilidade de não faltar produto em estoque (10%, 20%,
30%, até 90%);
• Passo 4: calcular os novos erros absolutos de previsão de consumo, considerando cada nível de estoque uma previsão proba-
bilística. Calcular também os novos indicadores de Fill Rate e nível de estoque médio;
• Passo 5: confrontar os erros calculados no passo anterior com os erros absolutos de previsão gerados pelo modelo atualmen-
te adotado (passo1);
• Passo 6: identificar os modelos de menor erro absoluto para cada um dos itens;
• Passo 7: segmentar a base de dados e executar os passos seguintes para os itens nos quais as previsões probabilísticas geraram
menor erro de previsão;
• Passo 8: conduzir análise de regressão logística multinomial para segmentar os modelos (previsões probabilísticas) em função
do consumo médio anual e do coeficiente de variação do consumo mensal. A segmentação decorre da quantificação dos valo-
res mais prováveis dessas duas variáveis para um determinado modelo;
• Passo 9: calcular, para cada item, a variação no MAD, Fill Rate e nível de estoque a partir da diferença nos resultados gerados
nos passos 1 e 4;
• Passo 10: conduzir Análise de Regressão Linear Múltipla para cada variável dependente do Passo 9 em função do consumo
médio anual e do coeficiente de variação do consumo mensal. Essas análises permitem prever os ganhos decorrentes da mu-
dança de modelo e devem ser utilizadas em conjunto com os resultados do Passo 8.
De acordo com a Tabela 3, existem em média 52,4 nida por dois parâmetros12, sendo o primeiro a razão en-
unidades para cada item em estoque. 25% dos itens pos- tre o consumo médio e o coeficiente de variação do
suem mais de 27 unidades, com estoque máximo de consumo e, o segundo, o próprio coeficiente de va-
9.810 unidades. Outros 25% dos itens possuem menos riação do consumo.
de duas unidades, com estoque mínimo de zero. Esses Para cada item, esses níveis de reposição foram
dados, quando confrontados aos da Tabela 1, indicam primeiramente determinados para diferentes níveis de
uma cobertura agregada de quase dez meses de con- probabilidade de não faltar produto em estoque (dora-
sumo em estoque. vante denominados de modelos 10%, 20%, 30%, 40%,
No presente momento, a empresa está reestrutu- 50%, 60%, 70%, 75%, 80%, 85%, 90%, 95% e 99%) e se-
rando a gestão de estoques de peças de reposição. Seu cundariamente utilizados como previsões probabilísti-
objetivo principal é a determinação de previsões de cas de consumo. Essas previsões foram confrontadas
consumo mais precisas para cada item, como meio pa- com os dados reais de cada item para os últimos 36
ra simultaneamente reduzir os níveis de estoque e meses, sendo calculados, item a item, novos valores
equilibrar os níveis médios de Fill Rate para os dife- para o erro médio absoluto de previsão (MAD), o Fill
rentes itens. Rate e o nível de estoque.
Através de técnicas de análise multivariada, foi possí-
Metodologia utilizada vel relacionar o consumo anual e o coeficiente de va-
riação do consumo mensal de cada item às variações
Com base na revisão da literatura, a metodologia em- no MAD, Fill Rate e nível de estoque, decorrentes da
pregada para a redefinição da gestão de estoques de comparação entre o modelo atualmente adotado pela
peças de reposição consistiu das etapas descritas a empresa e os modelos propostos. Também foi possível
seguir. Inicialmente foram determinados os níveis de relacionar, para cada item, o modelo de previsão de
reposição dos estoques com base na distribuição Ga- consumo de menor erro ao consumo anual e ao coefi-
ma do consumo mensal. A distribuição Gama é defi- ciente de variação do consumo mensal.
4
Finalmente, com relação ao meio gerencial, a me- HILL, R.M.; OMAR, M.; SMITH, D.K. Stock replenishment
todologia descrita pode ser facilmente implementada e policies for a stochastic exponentially-declining demand
operacionalizada em planilha MS-Excel e no software process. European Journal of Operational Research, v. 116, pp.
estatístico SPSS, necessário especificamente para a exe- 374-388, 1999.
5
cução do Passo 8. A partir do consumo anual médio e KIM, J.S.; SHIN, K.C.; YU, H.K. Optimal algorithm to de-
do coeficiente de variação do consumo mensal de um termine the spare inventory level for a repairable-item inven-
determinado item, essa metodologia permite responder tory system. Computers Operations Research, v. 23, n. 3, pp.
às seguintes questões: (1) “qual modelo possui maior 289-297, 1996.
6
probabilidade de apresentar menor erro de previsão?” e ROBISON, J.A. Inventory profile analysis: an aggregation
(2) “quais as variações esperadas em termos do erro mé- technique for improving customer service while reducing in-
dio absoluto de previsão, do Fill Rate e do nível de es- ventory. Production and Inventory Management Journal, v. 42, n.
toque ao se adotar esse modelo?”. 2, pp. 8-13, 2001.
7
SANDVIG, J.C.; ALLAIRE, J.J. Vitalizing a service parts in-
Conclusões ventory. Production and Inventory Management Journal, v. 39, n.
1, pp. 67-71, 1998.
8
Neste artigo, é relatado um estudo de caso desen- SHERBROOKE, C.C. Metric: a multi-echelon technique for
volvido num fabricante brasileiro de equipamentos e recoverable item control. Operations Research, v. 16, pp. 122-
implementos agrícolas, no qual recentes abordagens 141, 1968.
9
para gestão de peças de reposição são utilizadas em con- SHIBUYA, T.; DOHI, T.; OSAKI, S. Optimal continuous re-
junto. A capacidade preditiva e explicativa das análises view policies for spare part provisioning with random lead
multivariadas desenvolvidas permitiu a proposição de times. International Journal of Production Economics, v. 55, n. 3,
uma nova metodologia para determinar modelos de pp. 257-271, 1998.
10
gestão de estoques mais precisos e quantificar variações SILVER, E.; PETERSON, R. Decision systems for inventory
nos erros de previsão, nos níveis de serviço e nos níveis management and production planning. New York: Wiley, p
de estoque. Dentre outros elementos, a metodologia ba- 722, 1985.
11
seia-se na premissa da distribuição Gama do consumo SILVER, E.; PYKE, D.; PETERSON, R. Inventory manage-
de peças de reposição e na segmentação dos modelos ment and production planning and scheduling. New York: Wi-
por suas características principais: consumo médio e co- ley, p 754, 1998.
12
eficiente de variação do consumo. YEH, Q.J. A practical implementation of gamma distribu-
Estudos futuros deveriam considerar nas análises tion to the reordering decision of an inventory control pro-
multivariadas a interação do consumo anual médio blem. Production and Inventory Management Journal, v. 38, n. 1,
com o coeficiente de variação do consumo mensal. pp. 51-57, 1997.
13
O efeito conjunto dessas duas variáveis pode aumentar YIN, R.K. Case study research: design and methods. Thou-
a capacidade preditiva e explicativa das análises con- sand Oaks: Sage, 1994.
14
duzidas, haja vista que itens com consumos mais eleva- WANKE, P. Gestão de estoques na cadeia de suprimentos.
dos tendem a apresentar coeficientes de variação mais São Paulo: Editora Atlas, 2003. 176 p.
15
reduzidos e vice-versa. WILLIAMS, T.M. Stock control with sporadic and slow-
moving demand. Journal of the Operations Research Society, v.
Referências Bibliográficas 35, n. 10, pp. 939-948, 1984.
1
BOTTER, R.; FORTUIN, L. Stocking strategy for service
parts: a case study. International Journal of Operations & Pro-
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2
DEKKER, R; KLEIJN, M.J.; DE ROOIJ, P.J. A spare parts sto- Peter Fernandes Wanke
cking policy based on equipment criticality. International Journal D.Sc., é pesquisador do Centro de
Estudos em Logística – CEL – do Coppead/UFRJ
of Production Economics, v. 56/57, n. 1-3, pp. 69-77, 1998. Fone: (21) 2598-9812
3
FIGUEIREDO, K.F.; FLEURY, P.F.; WANKE, P. Logística e peter@coppead.ufrj.br
gerenciamento da cadeia de suprimentos. São Paulo: Editora
Atlas, p.483, 2003.