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D. A.

LEMOYNE
Copyright © 2021
D. A. LEMOYNE

dalemoynewriter@gmail.com
Copyright © 2021 por D. A. Lemoyne

Título Original: Como Domar Um Mulherengo


Primeira Edição 2021

Carolina do Norte - EUA

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação

pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma


ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros
métodos eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por

escrito da autora, exceto no caso de breves citações incluídas em


revisões críticas e alguns outros usos não-comerciais permitidos pela
lei de direitos autorais.

Nome do Autor: D. A. Lemoyne


Capa: TV Design
Revisão: Dani Smith Books
ISBN: 978-65-00-26630-6
Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares,

negócios, eventos e incidentes são ou produtos da imaginação da


autora ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com

pessoas reais, vivas ou mortas ou eventos reais é mera coincidência.


Sumário
Copyright © 2021
NOTA DA AUTORA :
MARTINA
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
MARTINA
RAUL
GAEL OVIEDO
ARCHER JENKINS
PAPO COM A AUTORA
Obras da autora
SOBRE A AUTORA
Atenção: pode conter gatilhos.

Aviso: Como Domar um Mulherengo, livro 3 da série Irmãos

Oviedo, é um volume único. Por ser com casais diferentes, cada livro
da saga pode ser lido separadamente, mas é provável que o
posterior contenha spoilers dos anteriores.

Martina, a filha caçula do tradicional clã hispano-americano

Caldwell-Oviedo, sabe desde sempre que carregar um sobrenome

como o dela, exige responsabilidade.

A família é a sua base e ao terminar um noivado com um

príncipe de verdade, vê tudo o que mais ama na vida — seus


parentes e sua carreira — correrem o risco de serem expostos por

alguém nos bastidores que não aceita perder.

Com a ameaça de ter seu nome envolvido em um escândalo,

a garota alegre e de sangue quente decide aceitar a ajuda do

homem a quem deveria se manter distante para resguardar o próprio


coração: Raul Guzmán, o jogador de futebol americano bilionário e

melhor amigo de seu irmão, Rafe.

O que começa como um acordo, no entanto, rapidamente se

transforma em paixão.

Mas Raul também tem um mistério envolvendo sua vida.

Um tão grande que talvez os impeça de ficar juntos para

sempre.
A todos aqueles que amam os Irmãos Oviedo e estavam esperando
pelo livro da nossa caçula.

Carolina do Norte, julho de 2021.


NOTA DA AUTORA:

Como Domar um Mulherengo é o terceiro livro da série Irmãos

Oviedo e contará a história de Martina Oviedo, uma jovem


sonhadora, herdeira de um sobrenome tradicional e Raul Guzmán,

um jogador de futebol americano bilionário.


Quando o destino reúne o mulherengo e a caçula Oviedo,
enredando-os em uma trama, a atração entre os dois, que sempre
se manteve pronta para vir à tona, cresce de maneira explosiva.

Eu me diverti, ri e chorei escrevendo essa história de amor.


Espero que curtam também.
Apesar de ser uma série, cada livro será protagonizado por um

casal diferente e pode ser lido independentemente dos outros. Ainda


assim, o livro posterior provavelmente conterá spoilers dos

anteriores.

Eu amei escrever a história desse casal e espero que apreciem


também.

Um beijo carinhoso e boa leitura.

D.A. Lemoyne
MARTINA

Boston - Massachusetts

Aos onze anos

Loucura real.
Eu li essa frase outro dia, em um livro que peguei escondido na

biblioteca dos meus pais aqui em casa.

É, eu tenho uma lista de livros proibidos porque não são para

minha idade — onze anos.

Não entendi muito bem o que aquela expressão significava na

ocasião, mas acho que deve ser algo bem próximo do que vejo hoje,
quando o motorista da minha família estaciona em frente à casa dos

meus pais.
Há pelo menos meia dúzia de veículos parados na entrada
principal.

Não me entendam mal, nosso lar normalmente é movimentado.

Somos cinco filhos Oviedo[1]: além de mim, Guillermo, Joaquín, Gael

e Rafe. Apesar de nenhum deles morar mais aqui, nos reunimos nos

almoços de domingo.

A única que vive dentro de nossa mansão de dez quartos com

meus pais, sou eu, a caçula. Aquela que leva bronca de todo mundo
e que ainda por cima, é a única mulher do grupo, já que mamãe não

conta, porque ela é a chefona.

O que menos fica no meu pé é Rafe, acho que por ser o segundo

mais novo, mesmo que a diferença de idade entre nós lhe dê o status

de adulto e a mim, de pré-adolescente.

Uma sensação estranha aperta meu peito quando observo os


carros, então, ao invés de sair logo do automóvel, continuo

segurando apertado o livro sobre dinossauros que ganhei do meu

irmão Joaquín[2].

— Simon, você sabia que o frango é um parente distante do

Tiranossauro Rex? — Pergunto ao motorista, que já trabalha para a

minha família desde que meu irmão mais velho[3] nasceu.

— É mesmo, bebê? Você descobriu isso nesse livro aí?


Eu o adoro. Simon é sério com todo mundo, mas comigo ele

brinca e sorri.
— Oh, sim. Está tudo aqui, mas terei que pesquisar mais a fundo

na internet.
Ele ri, balançando a cabeça.
— Apesar de que consigo ver uma semelhança entre eles — falo.

Eu amo essa palavra: semelhança. Aprendi na semana passada e


agora uso sempre que posso. Tento conhecer pelo menos uma nova

por dia. Fico decorando o dicionário.


Quando contei isso à Rafe, ele riu. Meus irmãos não entendem

como eu amo as palavras. Todas elas, algumas mais do que outras.


— Semelhança, é? E qual seria? — Pergunta.
— Ambos andam engraçado.

Ele gargalha e eu rio junto.


— Acho melhor descermos, senhorita Martina.

— Você não pode me chamar de bebê e também de senhorita


Martina, Simon. Somos amigos. Amigos não usam títulos antes do

nome para falarem uns com os outros.


Afasto a franja de cima dos meus olhos.
Eu gostaria de deixar o cabelo crescer inteiro porque daria menos

trabalho, mas minha mãe sempre fala que acha a franja bonitinha e
para ser sincera, eu não me importo muito com minha aparência.

Além da minha família, eu só me interesso por livros.


— Por que você acha que tem tantos carros parados aqui hoje?

— Talvez sua mãe esteja organizando mais uma festa.


Pode ser. Mamãe adora fazer festas para seus amigos — o que

me garante vários apertões na bochecha.


Nossa, como ela cresceu! — Ouço sempre.
Parece piada. Eu sou baixinha para a minha idade. A pediatra já

disse que não vou crescer muito porque puxei à família de mamãe na
altura.

— Foi muito bom fazer essa viagem com você, Simon. Até a
próxima, companheiro!
Ele ri de novo. Sempre brincamos assim. Tenho uma imaginação

muito fértil e na minha cabeça, eu posso qualquer coisa. Até


transformar um passeio do colégio à minha casa em uma aventura.

Abro a porta de casa e imediatamente sei que há algo de errado.


Nossos empregados estão correndo de um lado para o outro, todo

mundo parecendo falar ao mesmo tempo.


Deixo a mochila no chão e começo a procurar por mamãe, o
coração quase saindo pela boca.
Assim que entro na biblioteca, sinto minhas pernas começarem a
tremer. Meu pai está deitado em um sofá, parecendo sentir dor,
enquanto minha mãe chora, de pé ao seu lado.

Há um homem de roupa branca o examinando e eu sei que é um


médico porque ele tem aquela coisa esquisita que eu aprendi o nome

somente há pouco tempo — estetoscópio — pendurado no pescoço.


— Mãe?
Ela não parece me ouvir, mas antes que eu possa chamar seu

nome outra vez, alguém me abraça por trás.


— Vamos sair daqui, Martina — Guillermo, meu irmão, diz.

Agora sei que é sério. Ele nunca vem à nossa casa durante a
semana.

— O que está acontecendo? — Pergunto, já sentindo meus olhos


se encherem de lágrimas.
— Papai está doente e precisa ir para o hospital.

Como se fosse combinado, ouço o som de uma ambulância.


— Eu quero falar com ele.

— Agora não, amor. Precisamos deixar os médicos fazerem seu


trabalho.
Eu permito que ele me leve, mesmo que meu coração me mande

ficar.
E naquele dia, a menina sonhadora que eu era experimentava pela
primeira vez o que é sentir medo.
Capítulo 1

MARTINA

Boston – Massachusetts

Dois anos depois

— O que quer fazer hoje? — Gael, meu irmão galã de


Hollywood, pergunta.

— É você o azarado da vez?

— Não entendi.

Reviro os olhos, vou até onde ele está e o abraço.

— Eu sei o que estão fazendo. Você não é tão bom ator


assim.
— Eu sou o melhor — ele diz e eu sorrio.

— Sim, você é. Sou sua maior fã, não se preocupe. Mas


também o conheço, assim como ao resto da família.

— Você é esperta demais para o seu próprio bem, mas aqui

está a coisa: não vim para Boston forçado. Quero passar o sábado
com a minha irmãzinha.

— E deixar para trás todas aquelas mulheres lindas que


aparecem ao seu lado nas revistas?
— Você não tem idade para ler esse tipo de revista.

— Estou com treze já, daqui a pouco serei uma adulta.


— De jeito nenhum. Temos uma longa estrada pela frente.

Deus, meus irmãos são muito ciumentos.

— Eu fico bem sozinha, Gael. Sei que se fosse para o almoço

de domingo, você teria pegado o voo somente amanhã de manhã.

Foi mamãe quem pediu que viesse ficar comigo?

— Não exatamente. Nós sugerimos que ela e o papai fossem

viajar. Ele precisa aproveitar mais a vida depois do susto que tomou.

Meu pai teve um acidente vascular cerebral há alguns anos e

nossa vida mudou muito depois disso. A minha principalmente. Eu


nunca havia pensado na possibilidade de um dos dois morrer, então,

ver papai em um hospital foi muito assustador. Mesmo que ele tenha
se recuperado rápido, agora todos os filhos — e acho que eu, em
especial — sentimos medo.

Meu pai sempre trabalhou muito e eu ouvi o médico dizer que

ele não poderia continuar assim. Isso fez com que meus irmãos o

obrigassem a diminuir o ritmo. Guillermo assumiu a responsabilidade

pela rede de hotéis da família e os outros rapazes organizam viagens

para que os dois possam curtir um pouco a vida — o que faz com
que os quatro Oviedo acreditem que precisam tomar conta de mim.

— Eu poderia ficar com Lori. Sabe que não vou fazer nada de

errado. Sou uma adolescente modelo.

— É mesmo, mas mamãe disse que sua professora está


preocupada por você não ter amigos.

— Tenho vocês da família.

— Você entendeu.

— Eu prefiro livros. Adoro ler.

— Mas precisa interagir também.

— Eu adoro essa palavra.

Ele sorri e me beija a testa.

— Eu te amo, pequena. Nunca pense que ficar com você é um


sacrifício.

— Jura?
— Claro que sim, Martina. Agora, vá trocar de roupa e

enquanto isso pense em um programa para o fim de semana.

— Pode envolver comida porcaria?


Seu sorriso fica enorme.

— Sempre.

Uma semana depois


— Eu sou o quê? — O gigante loiro, Raul Guzmán, pergunta,

me olhando como se eu fosse doida.

— Meu desafio de amizade.

Sopro a franja do meu rosto, fazendo um juramento que vou


deixá-la crescer até o pé. Não há nada mais irritante do que cabelo

caindo no olho.

— Não sirvo para o papel.

— Serve sim. Você é tecnicamente um estranho e a pessoa

mais difícil de fazer amizade que eu conheço. É o maior desafio que


eu poderia escolher.

— E quanto às minhas escolhas?

— Não quer ser meu amigo? — Pergunto, com a mesma cara


triste que faz meus irmãos cederem aos meus pedidos.

— Não é questão de querer ou não querer. Eu xingo palavrão,


praguejo. Não sirvo para ser amigo de uma criança.

Não vou dizer que não sou mais criança porque brigar com
meu futuro amigo é burrice.

— Esse é um problema. Você não pode xingar perto de mim.


Eu sou uma dama.
Ele ri.
Eu gosto de Raul, mesmo que ele sempre só diga: Oi,
Martina. Tchau, Martina, quando vem na minha casa, geralmente
com um dos meus irmãos.

— E então, vai perder a oportunidade? — Insisto.


— Nós já somos amigos.

— Não. Somos conhecidos. Eu preciso que você me ame

para mostrar para minha professora que posso conversar com


pessoas fora da família e fazer com que elas gostem de mim.

Ele sacode a cabeça.

— Sou velho para ser seu amigo.

— Isso eu não posso negar, mas não tenho outra opção. Os

adultos que vêm à nossa casa, fora os meus irmãos, são ainda mais
velhos do que você.

— Por conta desse seu plano que estou aqui hoje? Tramou
isso? Disse à minha mãe para me convidar para o almoço?

— Sim. Precisava falar com você e não tem vindo sempre,


como antigamente.

Suspira, tamborilando os dedos na própria perna.


— Pode erguer sua mão?

Ele me olha desconfiado.

— Isso é parte do desafio?


— Não. Só curiosidade.

Ele faz e coloco a minha palma perto da dele, para medir.


Certo, eu sou pequena para a minha idade, mas o homem deveria
ser estudado.

— Misericórdia, parece uma raquete.

— Me criticar não é uma boa maneira de começar uma


amizade.

— Não foi crítica, mas a verdade. Agora voltando ao que

interessa: vai me deixar tentar conquistar sua amizade ou não?

— Tudo bem, se eu disser que sim, no que esse desafio


consistiria?

— Bom, temos que nos falar ao menos uma vez por semana.
Pode ser pessoalmente ou no telefone. Mas principalmente, você

não pode fechar seu coração para mim.

Ele fica quieto por um tempo, mas finalmente oferece a mão


em cumprimento.

— Um teste de um mês, mas vou ser sincero se você não

conseguir ganhar minha amizade. Nunca fui conhecido pela


diplomacia. Não espere que eu facilite sua vida.
Capítulo 2
RAUL

Boston – Massachusetts

Meses depois

Ela tem que ser a garotinha mais encantadora do mundo.

Quero dizer, eu sei que agora já é uma adolescente, mas tão

pequena e delicada, que ainda parece uma menininha.

Martina Oviedo.
A caçula da minha segunda família e irmã do meu amigo, Rafe.

Sorrio, enquanto a observo examinando o livro que acabei de lhe

dar de presente.
Com vinte e três anos, a última coisa que pensei foi ter como
amiga esse projeto de gente.

Nada pessoal, mas com tanto para fazer e mulheres por todos os

lados, para que perder tempo com uma adolescente de treze anos

cujo maior entretenimento é ficar com os olhos enterrados em livros?

Balanço a cabeça.

Como se eu pudesse ter alguma escolha.


Por motivos que desconheço, a menina me elegeu como seu

desafio de amizade — um projeto que a escola dela fez para

socializar os alunos mais introspectivos — e não sossegou enquanto

não lhe dei atenção. E você sabe o quê? Há muito não conversava

com alguém tão interessante.

Ela não é tímida. Longe disso. Apenas parece escolher a dedo as

pessoas as quais doará seu tempo. Isso chamou a atenção dos


professores, que acharam por bem intervir em seu comportamento.

Particularmente, penso que estão equivocados. Ela não tem

problema em se relacionar ou fazer amizades. Ser seletiva não é um

defeito.

Martina é toda argumentos brilhantes e juro por Deus que posso

passar horas com ela sem me sentir entediado — o que é raro em


se tratando de mim.
— Eu estava pesquisando esse livro em uma livraria online no

outro dia. Parece que você adivinhou, Raul.


Minha mente fica presa no que ela acabou de dizer: pesquisas na

internet.
Não sei se ela tem redes sociais porque eu mesmo não entro nas
minhas, mas acho perigoso uma menina tão inocente ficar exposta.

Martina pode ter quase quatorze anos, mas é imatura para sua idade
e às vezes me esqueço de que já não é mais uma criança.

Há muitos predadores online. Homens e mulheres também.


Ninguém faz ideia da quantidade de propostas absurdas que eu

recebia no colegial, quando ainda jogava no futebol americano


amador. Desde aquela época, meu pai contratou um assessor para
gerenciar minhas redes e é assim até hoje.

A verdade é que apesar da imagem que vendo através das


marcas das quais sou garoto-propaganda, não gosto muito de

internet. Algumas pessoas acham que podem nos dizer qualquer


coisa por estarem protegidas através de uma tela de computador.

Perdem o respeito, esquecendo que as celebridades a quem estão


ofendendo têm pai, mãe, família e amigos que lerão aquilo.
Sou esquentado e quando xinguei um cantor relativamente famoso

que fez um post e me marcou, sugerindo um trio[4] comigo e a esposa


dele, o assunto ficou entre os mais comentados nas redes sociais

por semanas.
Assim, por conta da minha cabeça quente, o time no qual jogo

profissionalmente como quarterback[5] desde que saí da faculdade

resolveu colocar como cláusula obrigatória para que eu me


mantivesse longe de postagens em redes sociais — o que foi uma

excelente decisão da parte deles. Quando algo me deixa puto, eu ajo


primeiro e penso depois.
— Sua mãe tem sua senha da internet? — Pergunto, mesmo

correndo o risco dela me achar um idiota.


Acredito que dona Isabel esteja atenta, além de Joaquín, que é

paranoico por segurança, mas com o AVC[6] que Stewart[7] sofreu há

cerca de três anos, toda a dinâmica da família mudou. Por mais


unidos e amorosos que sejam, percebi que a menina acaba ficando
um pouco esquecida.

Não é difícil para os pais assumirem que seus filhos estão bem,
principalmente porque Martina parece viver em um mundo só dela.

É uma garota feliz e bem cuidada, com parentes incríveis, mas


talvez precise aprender a dizer o que quer e sente em voz alta.

Tenho tentado ensiná-la a fazer isso, afinal, amizade é uma via de


mão dupla, mas não estarei ao seu lado para sempre.
Nos próximos anos, minha vida virará uma loucura.
Fui contratado por um time na outra costa dos Estados Unidos.
Minha atual equipe, baseada em Nova Iorque, acaba de ganhar o

Super Bowl[8] após dez anos de jejum, o que fez com que meu passe

fosse muito valorizado.


Recebi uma proposta irrecusável e mesmo que eu não precise de

dinheiro porque minha família é uma das mais ricas de


Massachusetts, quero me distanciar de tudo. Ainda não me recuperei
da morte do meu pai e fingir ser feliz é cansativo.

Além disso, o contrato que me ofereceram tem uma quantidade


de zeros obscena. E há tantos pedidos para que eu represente

marcas que meu agente precisa escolher com cuidado.


O lado bom de tudo isso, é que juntarei mais alguns milhões de

dólares à herança que meu pai me deixou.


O ruim? Minha amizade com Martina ficará em suspenso. A
possibilidade de que eu possa voltar a Boston com frequência é nula

e minha mãe provavelmente terá que ir me encontrar em Seattle


quando quiser me ver.
Quatro anos depois

Após muito tempo longe de casa, finalmente estou de volta.

Fechei um contrato para cinco temporadas no New England

Giants[9], o time de Boston, mas somente quando desci do avião, foi


que percebi como senti falta da minha terra.

Passei os últimos anos morando em hotéis, revezando entre os

jogos, contratos de patrocínio que me fizeram viajar pelo mundo


afora e dar atenção para minha mãe.

Ah, e claro, muitas mulheres.


Tantas que não consigo mais associar nomes a rostos. Lembro de

situações e quando o sexo é muito acima da média, dos seus

corpos.
Com tudo isso, me desvinculei da vida a que estava acostumado e

dos amigos e, principalmente, eu me afastei da minha segunda

família — os Oviedo.

O único com o qual mantenho contato é Rafe, mas ele próprio


também não para muito em casa por conta dos compromissos com

sua profissão — o golfe.

Olhando para trás, vejo que fugi dos Oviedo mesmo antes que
minhas responsabilidades com o meu time roubassem todo o tempo

livre. A verdade é que desde a morte do meu pai, há seis anos, era

doloroso presenciar o calor humano em minha família postiça. Ao


contrário deles, só sobramos eu e minha mãe.

E por falar nela, assim que soube que eu estava me mudando em

definitivo para Boston, mandou uma mensagem dizendo que os

Oviedo estão oferecendo uma recepção hoje à noite para


comemorar o meu retorno.
Apesar de não ser muito afeiçoado a reuniões sociais em geral —

boates não contam porque ninguém precisa falar — estou ansioso

para revê-los. Os Oviedo sempre estiveram tão presentes em minha


vida como meus próprios parentes.

Além disso, vou encontrar minha princesa. Mal posso esperar

para ver seu rostinho quando lhe der todos os livros que comprei

para ela ao longo dos anos. A cada lugar que eu ia, entrava em uma
livraria e comprava um livro para Martina. Acho que era uma maneira

de me manter conectado com meu verdadeiro lar, família e amigos.

Deus, nunca imaginei que poderia sentir tanto a falta da menina.


Ainda me lembro de nossa despedida, quando me abraçou com

os olhos cheios de lágrimas e me pediu que não fosse. Não sou um

cara de ceder a nocautes emocionais, mas sua tristeza me deixou de

joelhos. Quando disse que voltaria, seu aperto aumentou e me fez


prometer que não me esqueceria dela.

Mas quebrei essa promessa, claro.

Não era nada contra Martina em particular, mas eu precisava


alinhar minha mente.

Ninguém desconfiava do quanto eu estava perdido quando fui

embora. A maneira como meu pai morreu é algo que eu nunca

conseguirei superar.
E também o motivo. Um segredo que somente eu sei e que me

assombra desde então.


Assim, achei mais fácil para mim e os que me cercavam, manter

distância.

Sempre que falava com Rafe ou outro dos irmãos, no entanto,


eles me deixavam a par de sua evolução social e na escola. Martina

era, aos treze anos, a garota mais inteligente que eu conhecia e com

a quantidade de livros, que eu tenho certeza, já deve ter lido agora, o

céu é o limite.
É estranho como eu a coloquei, junto com o meu passado, em um

quarto o qual eu não visitava. Mas desde que cheguei em Boston,

estou louco para reencontrá-la.


Será que continua introspectiva? Provavelmente.

Sorrio quando lembro que ela me comunicou que eu era seu

desafio de amizade do verão.

Minha professora acha que eu não gosto muito de gente, Raul.


Ela está enganada, claro. Tenho quatro irmãos, então não gostar de

seres humanos não é uma opção. De qualquer modo, você acaba

de ser eleito meu amigo, tá? Preciso provar a mim mesma que
posso ser simpática com pessoas de fora da família.

E eu rompi aquela amizade recém-formada.


Pode parecer idiota, mas também não quis enviar os livros que

comprei. Guardei-os para entregar pessoalmente. Funcionou na

minha cabeça como uma espécie de comprometimento de que um

dia iria voltar para casa.


E agora, conto os minutos enquanto dirijo para a recepção que

fizeram para mim.

Martina sempre foi uma abraçadora e eu, um cara


emocionalmente fechado, me via esmagado por seus carinhos.

Será que se lembra de mim? Adolescentes podem ser volúveis

em seus sentimentos. Ela é uma amizade que eu gostaria de

recuperar.
Estaciono em frente à casa dos Oviedo, em dúvida sobre ir pedir

ajuda para pegarem os livros de uma vez ou esperar para falar com

ela primeiro. Se bem a conheço, seria capaz de me derrubar com


livros e tudo o mais. Seus cumprimentos nunca foram discretos.

Ela estava certa quando disse do engano da professora: podia ser

introspectiva, mas era muito amorosa com os mais próximos.

Na verdade, nós somos opostos. Enquanto eu, para uso externo


— o que significa, lidar com estranhos — sou o rei da festa, quando

se trata de sentimentos verdadeiros tenho dificuldade de me

expressar.
Saio do carro, decidido a não levar os livros comigo. Quero que

ela me dê atenção — sim, sou um babaca egoísta — e saber todas


as novidades antes e somente então, mostrar os presentes.

Toco a campainha e pela altura das vozes lá dentro, sei que todos

já chegaram.

Lori, a governanta que trabalha para os Oviedo desde que surgiu


o primeiro sinal de vida na Terra, vem me receber.

— Raul, que alegria tê-lo de volta! — Diz, mas as palavras

calorosas são acompanhadas de um tom formal.

Juro por Deus que ela poderia ser uma dama da era vitoriana.

— Sentiu minha falta, doce? — Brinco, sabendo que forçar


intimidade vai tirá-la do sério.

— Você, seu menino... — Espero com um sorriso a explosão que

virá a seguir. Ela é tão previsível! Quando éramos crianças, eu e os

garotos Oviedo apostávamos quem a deixaria louca primeiro. — Eu


deveria puxar suas orelhas como fazia quando pequeno, mas para a

sua sorte, estou com muita saudade — diz, me surpreendendo.

Poucas pessoas conseguem me desconcertar, mas a confissão


inesperada de alguém tão contido quanto Lori me faz pensar, pela

primeira vez, em como fui egoísta. Totalmente focado em conseguir


ordenar meu próprios fantasmas, deixei um vácuo entre presente e
passado.

Uma onda de ansiedade me alcança quando imagino o quanto

essa atitude pode ter modificado a amizade com minha garotinha.


Dando voz ao pensamento, pergunto.

— Martina?

Lori me lança um olhar curioso.


— Deve descer a qualquer momento.

Tento controlar as emoções. Claro que eles ainda me amam. São

minha família. Isso nunca mudará. Não importa que não tenhamos o

mesmo sangue.
Sem poder esperar mais, caminho ao encontro dos meus amigos

e quando entro, silêncio seguido de gritos explodem no ar.

Sejam bem-vindos a uma família espanhola, onde nenhuma


emoção é disfarçada e o amor e o ódio, intensos.

Apenas Joaquín permanece contido. Ele é como um ponto fora da


curva no clã Oviedo: analítico e frio. Até Stewart é mais caloroso.
— Oi, família. — Seguro a onda de amor que me atravessa ao ver

todos reunidos, ao mesmo tempo em que perguntas e abraços


surgem de todos os lados.
Eu sou um meio-termo entre Joaquín e nossos loucos parentes
espanhóis no que toca a demonstrações de afeto — talvez mais para
o lado do Joaquín.

Mas enquanto guardo meus sentimentos profundos a sete-chaves,


minhas emoções são um capítulo à parte. Tenho temperamento forte
e posso ser um bastardo arrogante quando provocado.

Depois de demorados abraços e um esforço fodido da minha


parte para não expor o quanto mexe comigo revê-los, minha visão
periférica pega um movimento vindo da escada e os olhos seguem

ansiosos o caminho.
Martina?
De jeito nenhum!

Não há maneira de que aquela garota — com corpo de mulher já,


usando um vestido preto colado ao corpo — e que me olha com um
sorriso capaz de iluminar uma fodida cidade, seja minha garotinha.

Sinto como se tivesse levado um soco na boca do estômago e sei


que não consigo disfarçar o desgosto no meu rosto.

E como posso ter certeza disso?


Porque o sorriso de Martina morreu tão depressa quanto surgiu. E
então duas coisas loucas aconteceram dentro de mim.
Primeiro eu queria exigir que pusesse o sorriso de volta. Quando
fui embora, ela os me entregava sem medida. Eu era o único que a
fazia sair da concha em que mergulhou depois que Stewart sofreu o

AVC.
Palavras de Isabel: Raul, Martina volta a ser minha filhinha feliz

quando você chega.


A segunda? Não sinto orgulho dos meus pensamentos, mas não
tenho certeza se quero proximidade com essa pessoa que

aparentemente se apossou do status de filha da minha segunda


família. Essa não é mais a Martina que deixei quando parti e eu
quero a menina com quem eu costumava conviver.

Sim, sou uma merda de uma massa confusa.


Passado o impacto inicial, aguardo seu próximo movimento.
Isabel, sua mãe, vai ao seu encontro, pegando-a pela mão e

praticamente a arrastando até onde estou — o que só serve para


piorar meu estado de espírito.
Então ela agora precisa ser forçada a vir até mim, quando antes

corria para os meus braços assim que me via?


Sei que provavelmente sua hesitação é porque não enviei qualquer

sinal de que ela deveria se aproximar.


Estou dividido. Quero quebrar o mal-estar que se instalou entre
nós. Descobrir se dentro da garota ainda se esconde minha menina

inteligente, mas não sou conhecido por saber consertar as coisas.


Sou aquele que as fode — figurativamente falando.
— Martina, amor, agora você pode parar de perguntar a cada

segundo quando Raul chegará — Isabel diz sorrindo, mas sem


qualquer tato. — Ele finalmente está aqui.

Tenho a sensação de que sua mãe intui o desconforto de ambos e


tenta amenizar o clima com brincadeiras, mas o efeito é devastador
na adolescente. Martina agora tem o pescoço e o rosto tomados de

um tom de vermelho escuro, enquanto me dá uma rápida olhada,


somente para tornar a desviar os olhos.
— Oi, Raul — diz corajosa, enquanto permaneço calado como um

maldito covarde.
A voz é de uma garota crescida, em nada lembrando minha doce
princesinha entusiasmada de alguns anos e sinto meu intestino

contorcer pela perda de todo esse tempo ao seu lado.


Se eu não tivesse sido um fodido egocêntrico, teria acompanhado
seu crescimento e então, vê-la hoje não me chocaria tanto.

— Martina.
Sim, uma única palavra é tudo do que sou capaz.
De repente, não quero mais estar aqui, ao mesmo tempo em que

penso o que diabos vou fazer com todos os livros no meu porta-
malas. Quando parti, eles eram sua paixão. Agora ela só deve
querer saber de sair como as garotas de sua idade.

Ela pede licença e se afasta para ficar ao lado de Rafe.


Alívio e lamento estão misturados em iguais partes em mim.
Gostaria de lhe dizer que nada mudou e que nossa amizade

permanecerá, mas a verdade é que a garota que circula a sala a


poucos passos de distância é uma estranha.
Capítulo 3

MARTINA

Boston – Massachusetts

Um ano depois

Eu preferia ser torturada a ter que reencontrá-lo.

Minha mãe acaba de soltar, tal qual uma bomba jogada de um

avião em uma cidade adormecida, que almoçaremos todos juntos


após minha consulta hoje.

Raul, aquele que um dia considerei um amigo, mas que agora

quando me encontra, mal cumprimenta.

Ele é como o sexto filho — mamãe diz.


Sei. Um filho apartado, só se for, já que é raro frequentar nossa
casa atualmente. Mesmo em festas, ele não comparece, quando no

passado, ia com sua família a todos os almoços de domingo.

Claro, houve os anos em que esteve fora de Boston, mas aí era

por uma impossibilidade física. Agora, no entanto, mesmo quando o

time dele está na cidade, não vai almoçar conosco.

Raul é o melhor amigo do meu irmão Rafe e para meu azar,


também filho da minha pediatra.

Sim, você leu certo pe-di-a-tra.

Boa sorte em explicar para minha mãe que acabei de fazer

dezoito anos e sou tecnicamente uma adulta. Assim, hoje, quando

meu joelho voltou a doer por causa dos meus treinos de ginástica

olímpica, mamãe teve a brilhante ideia de me trazer para ser

consultada com a tia Aurora, ao invés de com um ortopedista de


verdade e especializado em adultos — o que eu quase já sou.

A cereja do bolo? Ela e tia Aurora combinaram de nos reunirmos

como nos velhos tempos para um almoço após a consulta e

convidaram Raul para ir junto.

O gigante jogador de futebol americano se tornou, sem medo de

errar, a última pessoa que desejo ver no mundo e tenho certeza de


que é mútuo.
Estamos no elevador e sinto as pernas bambas de tanto

nervosismo mesmo que ainda falte cerca de uma hora para irmos ao
restaurante e, consequentemente, encontrá-lo.

Não gosto de situações forçadas e é isso o que acontece a cada


vez que estamos juntos.
Ele incorpora o educado distante e nós pouco conversamos.

Não suporto frieza. Quero poder abraçá-lo como quando éramos


amigos.

Mentirosa — uma voz traidora sussurra. — Você não o vê como


antes e sabe muito bem disso.

Não considero que essa mudança seja minha culpa, no entanto. O


que posso fazer se o homem é lindo de morrer?
Com quase dois metros, um corpo que faria um escultor chorar de

inveja, loiro, olhos azuis e um sorriso de ressuscitar os mortos.


Qual garota com hormônios ativos não se sentiria atraída?

Mas ainda assim, prefiro não o encontrar. Nesse caso, a fantasia


é melhor do que a realidade.

Deus, por que ouvi meu irmão quando ele disse que eu deveria
praticar esportes? Foi uma reação em cadeia: se eu nunca tivesse
entrado para o time de ginástica olímpica, não machucaria o joelho,

não precisaria estar aqui hoje e não reencontraria Raul.


É, minha cabeça é doida assim mesmo.

O que posso dizer? Tenho muita imaginação.


E por falar em imaginação, eu daria um braço para poder voltar

para casa e trabalhar em meu novo livro.


Novo é modo de me expressar. Todos são novos, já que nunca

publiquei um. Fico adiando e dizendo: no próximo mês, mas a


verdade, é que não parto para a ação.
Agora, realmente será no próximo mês, já que fiz dezoito anos e

vou poder abrir minha própria conta no Kindle Direct Publishing da


Amazon. Dei uma estudada rápida e não é tão difícil me tornar uma

autora independente.
A única coisa é que nunca poderei mostrar o rosto e também terei
que usar um pseudônimo porque algumas cenas dos livros que eu

escrevo deixariam meus pais e irmãos de cabelos brancos.


Mas se eles não souberem, não terão do que se envergonhar,

certo?

Já tenho até o pseudônimo que usarei: M Cabot Olson[10].


Sério, quando pensei nesse nome, eu me senti um gênio. M, de

Martina, C de Caldwell e Olson, por causa do O de Oviedo.


É como brincar de me esconder, jogando com minhas iniciais.
O painel do elevador mostra que faltam apenas dois andares para
chegarmos e sinto a ansiedade tomar conta de mim.
Antes de sair de casa, deveria ter dito à minha mãe que um

milagre aconteceu e que meu joelho ficou curado.


Deus, eu quero matar Rafe. Se eu tivesse ficado nos bastidores,

como sempre, não teria me machucado. Esporte não é a minha


coisa.
O que é quase uma piada — de mal gosto — geneticamente

falando. O quanto injusta a natureza pode ser?


Todos os meus quatro irmãos praticam alguma modalidade, sendo

que um deles, Rafe, é simplesmente considerado, mesmo sendo tão


jovem, o maior jogador de golfe da história e Gael, o do meio, que é

ator, está sempre procurando alguma atividade onde possa arriscar


a vida, já que adora esportes radicais — para desespero dos meus
pais.

Joaquín jogava basquete na universidade e depois de adulto,


montou uma academia gigante naquela cidade que ele chama de

casa, e, até mesmo Guillermo, que parece nunca ter tempo livre para
nada, é praticante de jiu-jitsu desde que praticamente aprendeu a
andar.
Quase morro de susto com o sinal indicando a parada do elevador
e quando não me movo, mamãe segura meu braço, me direcionando
para o consultório.

A porta se abre e meu coração dispara quando ao invés da


secretária, aparece Raul.

Fico encarando-o meio hipnotizada. Ele tem esse efeito sobre


mim. Já não sou introspectiva como no passado. Na verdade, eu às
vezes falo até mais do que deveria, mas na presença dele prefiro

fazer a silenciosa.

É, eu também tenho meu orgulho.


Não gosta de mim? Ótimo! A amizade dele também não me faz

falta.

Até porque, quem quer ser amiga de um cara que já beijou todas

as solteiras dos Estados Unidos?


As manchetes das revistas de celebridades que o digam.

“Novo affair do Quarterback.”

“Atacante do New England Giants flagrado em restaurante com


Miss Mundo.”

“Raul Guzmán fecha boate para festa privada.”

Não, obrigada. Eu tenho uma reputação a zelar. Ser amiga de um


galinha não é um dos meus objetivos de vida.
Não que seja da minha conta quem ele beija ou deixa de beijar,

mas se fôssemos amigos ainda, eu lhe daria uns bons conselhos,


tipo: limite o número de bocas para uma por semana ou poderá

pegar sapinho.

Tem um garoto da minha escola que pegou. Ele fez uma aposta e
em uma única festa ficou com vinte e cinco garotas — ou bocas, dá

no mesmo, porque duvido que ele se lembre do nome de alguma.

O fato é que depois disso ninguém mais quis beijá-lo e as piadas

foram infinitas, como por exemplo: quem beijasse o príncipe viraria


sapo.

Obviamente, meus pensamentos desencontrados são fruto do

nervosismo.
— Isabel, Martina — Raul fala e somente então percebo que

estava divagando.

Um segundo depois, já estou irritada e tenho vontade de bater em


seu rosto bonito, porque sua voz quando disse Martina perdeu o

calor de quando ele falou Isabel.

Deus, onze e meia da manhã é cedo demais para qualquer um ser

rejeitado!
— Que prazer ter as minhas meninas aqui! — Diz e percebo que

hoje ele resolveu ser o filho para mamãe e o irmão legalzão para
mim, apesar de eu ter certeza de que é um teatrinho. Duvido que ele

sinta prazer em me rever.

— Isabel, linda como sempre. — Continua.


— Raul, querido! Tão galanteador!

— E você, garotinha, o que houve com esse joelho?

E aí vamos nós. Com uma pergunta ele me fez sentir novamente

como um bebê.
Finalmente me obrigo a levantar o olhar, mas foco em sua boca,

evitando os olhos a todo custo.

Maior erro da vida.


Seus lábios cheios e totalmente beijáveis me causam um suspiro

involuntário.

É, eu disse que ele é um galinha, mas isso não diminui um

milímetro de sua beleza.


— Precisamos nos mover, Martina — mamãe fala, quando vê que

eu continuo em silêncio. — Aurora está nos esperando.

Raul começa a andar conosco, mas eu entro na frente dele,


barrando-o.

— Você não pode assistir enquanto eu me consulto — digo, sem

pensar e minha mãe ri.

— Filha, ele não vai entrar na sala de exames.


— Apesar de que tenho certeza de que poderia descobrir a lesão

dela em cinco minutos. Depois de tantos anos me machucando, sou


quase um especialista.

Olho para ele com o que espero que seja um olhar rosnado.

Em silêncio, aviso: só em seus sonhos você entrará naquela sala.


Para meu alívio, tia Aurora aparece e melhora o clima. A mãe de

Raul é uma das pessoas mais doces que eu conheço.

— Martina, minha flor, o que você andou aprontando com esse

joelho?
— Nada, tia Aurora, acho que nem precisava ter vindo —

respondo, doida para acabar logo com aquilo.

— Quer ajuda, mãe? — Raul pergunta, tenho certeza de que para


me irritar.

— Não seja bobo. Não vamos demorar. Se quiser, pode ir para o

restaurante e o encontraremos dentro de pouco tempo.


Capítulo 4

MARTINA

Meia hora depois, a consulta está finalizada e enquanto minha


mãe fica conversando com tia Aurora sobre os exames que ela
pediu, vou ao banheiro na antessala.

— Como foi lá dentro?


Estou com a mão na maçaneta, quando a voz áspera quase me
dá um ataque cardíaco.

— Hein? — Com a tensão, não consigo organizar meu cérebro o

suficiente para entender uma simples pergunta.


Ouço sua risada e me volto para encará-lo.

O riso não alcança os olhos.

— Seu joelho, Martina.


Ele me encara de uma maneira diferente do que na última vez em

que nos vimos sem querer em uma festa, há cerca de três meses.
Na ocasião, eu estava conversando com o filho de um senador e

Raul parecia mal-humorado.

— Sua mãe não sabe ainda, mas acha que não é nada grave.
Pediu exames.

Ele acena com a cabeça como se fosse dizer algo mais, no

entanto, mantém o silêncio.


Me contorço no lugar, morrendo de vontade de fugir, mas essa

seria como a antiga Martina agiria. Faço terapia há quase um ano e

já superei isso.
— Posso ver?

Repito as palavras para mim mesma em silêncio, incerta sobre ter


ouvido direito.

Como uma idiota, olho para meu joelho.

Estou de saia, o que o deixa à mostra.

Ele quer ver meu joelho?

E agora? O que eu respondo? Quero dizer, talvez esteja de fato

interessado porque como ele mesmo disse, já sofreu diversas


lesões, assim como meu irmão Rafe.

— Sente-se no sofá. Vou dar uma olhada.


Obedeço como uma sonâmbula e se alguém me perguntasse, não
saberia dizer porque estou atendendo seu pedido.

Ele se agacha à minha frente e apesar de não o estar encarando,

sinto sua presença de uma forma quase tridimensional, como se Raul

estivesse em toda parte à minha volta.

E o que é mais louco? A sensação é boa.

Ao contrário de mim, eu sei que ele está olhando meu rosto e não
o joelho.

Sempre foi assim. Mesmo quando eu passei a ignorá-lo depois

que voltou a morar em Boston, podia sentir seus olhos em mim.

— O que você está fazendo? — Pergunto.

Na verdade, até agora não fez nada a não ser ficar ajoelhado

como um príncipe encantado — o que nós dois sabemos que ele não

é.
— Vou ver seu joelho.

— Sua mãe já viu e você não é médico.

Eu não sei o que me deu, mas de repente, essa situação toda é

demais para mim.

Há quatro anos éramos amigos. Então me convenci, quando voltou

para Boston, de que ele não queria mais proximidade e agora, do


nada, se preocupa comigo?
Finjo calma, mas estou trêmula, um frio se espalhando pela minha

barriga.
— Não seja teimosa.

A possibilidade do seu toque não me assusta. Só não estou


entendendo a situação.
— Isabel me disse que você sentiu dor após o último treino.

— Como pode saber disso?


— Nós nos falamos ontem.

— Você fala ao telefone com a minha mãe?


— Toda semana.

Não consigo entender a razão, mas me sinto traída. Então ele fala
com a minha mãe, mas não comigo?
Isso me diz que não me procura porque não quer.

— Você nunca mais quis saber de mim e então, de repente, hoje


resolveu lembrar que eu existo? Conferir o meu bem-estar? —

Acuso, nem um pouco preocupada em resguardar meu orgulho.


— Não seja birrenta. Responda minha pergunta: a dor começou

depois de um treino?
Bufo, segurando a vontade de mandá-lo cuidar da própria vida.
Era o que eu deveria fazer. O problema é que estou gostando de tê-

lo tão perto.
— Sim, doeu depois do último treino. Mas já está assim há

meses. Só não contei antes para não preocupar minha mãe.


De algum modo, eu tento ser invisível.

Não me falta amor de jeito nenhum. Não são meus pais, o


problema está em mim. Depois que papai se recuperou do AVC, eu

sinto como se eles merecessem todo tempo do mundo juntos e


procuro não atrapalhar.
— Isso foi irresponsável de sua parte. Por que não veio aqui

antes?
É normal sentir minha pele esquentar por causa desse tom meio

bruto dele? Será que machuquei a cabeça além do joelho?


— Ainda estou esperando uma resposta, Martina.
Dou de ombros.

Seu olhar prende o meu e fico surpresa o quanto me atinge


encará-lo, então, baixo a vista, me concentrando em minhas mãos.

— Suba um pouquinho a saia. — Pede.


Juro por tudo quanto é mais sagrado que tento manter minha

imaginação sob controle.


Me forço a lembrar quem ele é — alguém que me ignorou no
último ano e um galinha — mas falho miseravelmente, porque apesar
de ser um pegador serial de mulheres, Raul também faz meu
coração bater muito rápido.
E o pior: ele é o herói das minhas fantasias.

Dá para acreditar em algo assim? Eu e Raul somos os


protagonistas dos meus livros em minha imaginação. De todos eles.

Sinto o rosto arder de vergonha, mas mantenho a expressão


neutra — ao menos, é o que o meu ego crê.
Não sei quando ocorreu essa mudança sobre me sentir atraída

por ele. Já pensei nisso diversas vezes e acho que talvez tenha sido
desde que ele se mudou para Seattle e passei a acompanhar seus

jogos. Ele se transformou de um amigo a uma fantasia como


possível namorado em minha cabeça e coração. Mesmo contra a

vontade, me sinto queimar todas as vezes em que estamos em um


mesmo ambiente.
Dou um pulo quando seus dedos encostam em minha pele, ainda

que o toque seja leve.


A pulsação acelera, enquanto um tremor me percorre.

— Calma, eu não vou machucar você — promete.


É impressão minha ou sua voz sai rouca?
— Eu sei que você nunca me machucaria.
A outra mão suspende meu queixo para que o encare e meu
coração dispara alucinadamente.
— Sabe?

Fico sem jeito e respondo o que estou pensando sem usar um


filtro.

— Sim, meus irmãos matariam você se o fizesse.


Pode não ser algo bonito de ser dito, mas é a verdade. Qualquer
um dos quatro mataria quem me machucasse — corpo ou coração.

Assim que as palavras escapam, ele levanta, se afastando mais

rápido do que consigo piscar.


— Ninguém precisa protegê-la de mim. — Diz, parecendo

ofendido. — Já dei algum motivo para que sentisse medo de estar

comigo?

— Primeiro, eu nunca estou com você. E segundo, eu me


expressei mal. Nunca tive medo de você e nunca terei. — Tento

consertar, porque realmente não foi aquilo que eu quis dizer.

— Tem razão, Martina. Já foi examinada. Não há nada que eu


possa fazer.

— Então por que quis me reexaminar? — Desafio, chateada para

caramba.
Como assim ele se aproxima e só quando estava começando a

ficar incrível, volta ao modo Raul gelado outra vez?


Tento disfarçar o quanto a transição súbita de comportamento

mexe comigo.

— Se tem sentido dor com frequência, talvez deva dar um tempo


da ginástica olímpica — diz, como se estivesse falando com uma

estranha e quebrando qualquer elo de intimidade que estivesse se

formando.

— Não dou a mínima para ginástica. Isso foi ideia de Rafe —


confesso. — Continuo preferindo os livros.

— E as festas — diz com o rosto fechado.

— O quê?
— Eu disse a você. Falo com sua mãe toda semana. Sei que sai

nas sextas com suas amigas.

Demoro alguns segundos para ordenar meus neurônios, mas eles


rapidamente entram em funcionamento.

— Espera, você está me acusando de ser festeira? Justo você,

Raul Guzmán?

Se ele soubesse o quanto acho chato essas saídas. Mas eu


morro antes de lhe dar esse gostinho.

— O que tem eu? — O cínico disfarça.


— Pelo amor de Deus, você já beijou todas as mulheres solteiras

em um raio de quinhentos quilômetros — exagero e o bastardo ri.

— Não todas, mas eu chego lá.


— Isso é nojento.

— Beijar? — Pergunta, o sorriso aumentando, mas rapidamente

seu semblante muda. — O que sabe sobre isso?

Seus olhos se estreitam, como se estivesse zangado.


— Não é da sua conta. Já tenho quatro irmãos para cuidarem de

mim.

— Quantos você já beijou, Martina?


Eu me levanto e decido manter distância. Não há nada nesse

mundo que me fará confessar que sou virgem até de beijos.

— Vários. Muitos — minto.

Ele dá um passo para perto de mim.


— Não está falando sério — diz.

Parece tão chocado que sinto vontade de gargalhar.

— Por que não? Sou bonita o bastante. Acredite, tenho mais


convites para sair do que tempo de vida.

Jesus, alguém me para.

Sou como um trem descarrilhado, mentindo como uma doida para

provocá-lo. E tudo isso porque estou adorando ver a indiferença que


ele demonstra por mim ruir.

Cheguei à conclusão de que prefiro sua raiva, mesmo que não


seja uma de ciúme, mas a de um irmão mais velho que protege sua

garotinha.

Estamos bem perto agora, olho no olho e acho que nossos genes
espanhóis atingiram o pleno funcionamento, porque posso sentir a

zanga dele vibrando em ondas.

Antes que qualquer um de nós consiga falar outra vez, no entanto,

a porta do consultório se abre e nossas mães saem.


— Bebê, fiquei tão feliz quando Aurora confirmou que não é nada

sério — mamãe diz.

E então, eu caio na real e penso no ridículo da cena.


Dane-se o que ele pensa. Ele não é meu nada.

— Mãe, gostaria de ver um livro na livraria do primeiro andar,

posso? Ou já estamos indo para o restaurante?

— Aurora ainda precisa dar uns telefonemas antes de sairmos.


Raul vai com você?

— Não. Ele deve ter outras coisas para resolver também.

Ela me olha de um jeito esquisito e somente depois de um tempo,


concorda.

— Tudo bem amor, vá ver seu livro.


Posso sentir os olhos dele em mim, mas ignoro.

Como um prisioneiro ansiando por liberdade, sigo reto para a

porta.
Capítulo 5

RAUL

No mesmo dia

Depois que fico sozinho na antessala do consultório, ainda levo um

tempo tentando entender o que diabos eu estava pensando quando a


pressionei sobre suas saídas à noite.

Não, vamos voltar um pouco esse filme.

Para início de conversa, eu nem deveria estar aqui hoje.


Quando minha mãe disse que almoçaria com as Oviedo,

praticamente me ofereci para participar — e isso em uma semana

infernal, em que tenho milhares de coisas para fazer.


Mesmo que estejamos fora de temporada, meus treinos são

intensos. Somado, tenho os compromissos com as marcas que


represento e também uma reunião chata para caralho com a diretoria

da empresa que herdei do meu pai.

Então, não é como se eu estivesse com disponibilidade para


almoços no meio da semana.

Eu nem me lembro a última vez em que fui a um restaurante

socialmente para almoçar.


Agora, vamos à segunda parte.

Nós temos nos evitado mutuamente.

Pensei muito sobre a noite em que a reencontrei há um ano e


cheguei à conclusão de que o que mais me chocou não foi apenas a

mudança que ocorreu nela — de menina para quase mulher — mas


porque essa nova Martina me atrai. E eu não gostei de ter sentido

isso.

Não pode acontecer nada entre nós e não apenas por causa da

diferença de idade, mas porque eu não tenho algo a oferecer no que

diz respeito a sentimentos.

Martina merece mais. Ela merece um futuro e eu só vivo o hoje.


Não faço promessas que sei que não poderei cumprir.

Assim, é mais seguro manter distância.


Ela não demorou muito a espelhar meu comportamento, apesar
de que não acredito que seja pelos mesmos motivos que eu.

Na verdade, tenho certeza de que me acha um idiota.

A noite em que fui à festa na casa dos Oviedo, foi a única vez em

que ela pareceu deixar a guarda baixa. Depois daquilo, passou a

fazer de conta que eu não existia.

Melhor assim.
Nas raras vezes em que a encontro, ela está mais adulta e a

lembrança da garota que eu tinha como minha única amizade

feminina, desapareceu há muito tempo.

É pequena, mas com curvas nos lugares certos, o corpo forma

uma ampulheta perfeita.

O rosto é em formato de coração e a pele dourada, macia. Os

olhos variam entre o verde e o azul, sempre inquietos. A boca cheia


e…

Chega.

Inferno, eu definitivamente não deveria ter vindo.

Não quero pensar em Martina como uma mulher. É muito

inadequado ficar analisando-a como faria com alguém a quem eu

levaria para a cama.


Sentir essas coisas por ela simplesmente não parece certo, porra!

Não importa que já seja maior de idade há uma semana, como a


mãe me contou na última vez em que nos falamos.

Eu deveria deixar para lá. Enterrar a atração física, mas ao invés


disso, eu a vigio à distância.
Rafe me disse quando saímos no mês passado, que ele e os

irmãos estão ficando loucos, tendo que afastar os caras. E no


entanto, Martina parece completamente alheia ao impacto que

desperta no sexo masculino.


Eu a vi em uma festa conversando com o cretino do filho de um

político e enquanto o garoto estava babando em cima dela, ela sorria


e conversava, indiferente à atenção oferecida pelo aspirante a
Romeu.

Ela tem um magnetismo irresistível para mim e hoje, quase fodi


tudo.

Em minha defesa, juro que quando pedi para ver seu joelho, foi
por preocupação real. Lesões são tão comuns em minha vida

quanto escovar os dentes. Só desejei conferir se ela estava bem.


Não contava, no entanto, com a reação dela. E nem com a minha.
Ela disse que eu não poderia machucá-la? Martina não faz a

menor ideia do que aconteceria se nos envolvêssemos.


E então, depois, como se a merda já não estivesse enorme, ainda

cobrei a respeito de suas saídas à noite.


Mesmo contrariado, sorrio quando lembro de como ela me

enfrentou.
Eu gosto dessa nuance esquentada. Talvez se ela tivesse se

mantido introspectiva, eu acabasse deixando para lá, mas não há


uma só vez em que nos encontremos em que ela não empine o nariz
e me encare de igual para igual.

Observo os ponteiros do relógio em meu pulso, me perguntando


se deveria esquecer do almoço e seguir meu caminho, mas sei que

não farei isso.


Só vou olhar — prometo.
E quem sabe, conseguir fazer com que ela me odeie um pouco

menos.
Restaurante Ocean Prime

Uma hora depois

Ela ainda está brava. Mesmo evitando o contato visual, cada vez

que acontece, seus olhos soltam faíscas.


Age como a dama que é: comendo pequenas porções, dando
goles sutis no suco, mas eu a conheço bem demais para não
perceber que ferve sob a superfície.

Responde às perguntas das nossas mães, mas como se eu não


estivesse à sua frente.

Não estou acostumado ao desprezo feminino em qualquer faixa


etária, então me pego ainda mais fascinado com o show de
indiferença.

— Então Raul, esperamos você no country clube, no próximo

sábado, para a celebração.


— Desculpe-me… celebração? — Pergunto, sem fazer a menor

ideia do que Isabel está falando, ao mesmo tempo em que escuto

um gemido.

Olho para Martina e ela está com o rosto meio arroxeado, o que
imediatamente desperta meu interesse no assunto.

— Alguém está a milhas de distância — minha mãe diz.

— Sinto muito, querida — volto-me para Isabel, tentando


consertar a grosseria. — O que vamos celebrar?

— Os dezoito anos de Martina. Eu disse a você na semana

passada que ela já fez aniversário. Sábado será seu baile de

debutante[11].
— Raul, eu não acredito que você não telefonou para Martina para

lhe desejar feliz aniversário!


Não respondo, pelo simples fato de que qualquer coisa que eu

diga vai parecer idiota.

A verdade? Achei que ela bateria o telefone na minha cara.


Oi, Martina, tudo bem? Nós mal nos cumprimentamos, mas

estou ligando para desejar feliz aniversário porque isso é o que os

bilionários fazem: fingem ser amigos.

Não, esse definitivamente não sou eu.


Volto-me para as duas mulheres mais velhas e percebo que elas

me observavam enquanto eu estava concentrado em Martina.

Dou um gole na água, para disfarçar meu desconforto. Sinto-me


como se tivesse sido colocado sob um microscópio.

Martina agora mexe no celular, parecendo distraída.

Dezoito anos.
Foi por causa disso que eu, inconscientemente quis vê-la hoje?

Por saber que já é maior de idade?

Claro que não.

Para mim não faz diferença. Ela continua tão proibida quanto
sempre.

Melhor dar uma desculpa e não comparecer.


Isabel continua falando algo sobre a filha viajar no dia seguinte à

festa e, distraído, assumo que deve ir para a Disney, Nova Iorque ou

qualquer dos lugares que as adolescentes anseiam.


— E então, meu filho? Você ainda não respondeu à pergunta de

Isabel.

— Posso confirmar no meio da semana? Não tenho certeza, mas

me parece que há uma reunião do time agendada — minto


desavergonhadamente.

— Raul, nós somos uma só família. Não pode deixar o trabalho de

lado por um dia? — Minha mãe reclama.


Olho a futura debutante que me encara em desafio, parecendo ter

certeza de que não irei, o que me faz decidir.

— Acabo de lembrar que a reunião é amanhã. Estarei livre no

sábado. Não perderia a apresentação de Martina à sociedade por


nada nesse mundo.

— Que apresentação? Todo mundo já me conhece — ela

resmunga.
— Mas não como adulta, minha filha. Apesar de que eles só terão

a chance de um vislumbre seu — Isabel diz, de maneira enigmática.

— Ela não parece muito animada — mamãe fala, rindo.


— Acredite, não está. Mas é uma tradição em nossa família e por

nada nesse mundo, deixaremos a data passar em branco.


Capítulo 6

RAUL

Na noite da festa

As luzes do country clube me dizem que a festa já deve estar

rolando há algum tempo.

Confirmo a hora no relógio do painel do carro e vejo que fiquei a


um passo de quebrar as regras sociais, chegando atrasado além do

aceitável, mas a verdade é que, até trinta minutos atrás, eu estava


lutando uma batalha sobre vir ou não.
Tive uma semana para colocar minha mente no lugar e cheguei à

única conclusão possível: o problema está em mim e não nela.


Martina não tem culpa da atração que eu sinto. Sou um homem, não

uma criança e posso manter tudo sob controle.

Voltar a ser seu amigo.


Sim, porque sei que é isso o que eu quero. Preciso de alguém que

me puxe para a realidade e ela é a única capaz de me dizer o que

pensa sem levar em conta o jogador famoso.


Meus parceiros homens não se importam o suficiente para olhar o

que existe além da capa e com a minha mãe, eu finjo: ser feliz,

despreocupado e nunca pensar na morte do meu pai.


Um dia Martina me elegeu como seu desafio de amizade. Agora,

é a minha vez. Vou fazê-la voltar a me ver como alguém em quem


possa confiar.

Tratando-a como uma irmãzinha, será mais fácil resistir à

tentação.

Alcançando o console do carro, confiro a caixa azul da Tiffany que

abriga seu presente de aniversário. Me sinto ansioso para saber se

gostará.
Estou determinado a consertar nosso relacionamento.
Entro no clube e imediatamente avisto a família reunida em torno
de um mar de tecido branco.

De onde estou, só posso ver suas costas e mesmo isso me excita

— o que me mostra que já comecei mal no que diz respeito aos

meus planos.

Seus ombros estão nus e o vestido cai solto depois da cintura.

Não há manga e a pele dourada se destaca ainda mais.


O cabelo castanho está preso em um coque, deixando o pescoço

longo à mostra, mas uns fios teimam em escapar, acariciando sua

nuca.

Apresso o passo para que possa apreciar o quadro inteiro e

quando acho que já serei ouvido, chamo seu nome antes de pensar

no que estou fazendo.

— Martina.
Sei que todo o clã Oviedo, assim como minha mãe, me encaram

agora, mas só tenho olhos para ela.

— Raul. — Recebo o cumprimento da caçula Oviedo, mas sem

qualquer faísca de calor.

— Já estávamos nos perguntando se viria, meu filho.

— Boa noite, pessoal. Depois volto para cumprimentá-los com


calma, mas agora quero uma dança com a aniversariante.
É, isso não foi sutil, mas não dou voltas quando desejo algo. Teria

que ser um mentiroso, no entanto, se não confessasse que estou


tenso. Esse é o momento perfeito para ela me deixar plantado como

um idiota, descontando meu comportamento frio do último ano.


De novo, há aquele brilho de desafio em seus olhos e apesar de
hesitar por um instante, ela vem para mim.

Dou um beijo em sua bochecha, entrelaço seus dedos nos meus e


peço licença a nossos parentes, arrastando-a comigo.

Provavelmente deveria levá-la para o meio da pista de dança,


afinal, é sua noite de brilhar, mas no momento, quero privacidade.

— Sua festa está muito bonita.


Sim, a frase mais idiota do mundo, mas como diabos deveria
iniciar a conversa depois de meses agindo como um estranho?

Ela não responde, me encarando, mas quando envolvo o braço


em sua cintura, sinto que estremece.

Sem conseguir me impedir, trago-a tão para perto quanto seria


socialmente permitido, dando uma pausa no bom senso.

Uma música e será o bastante. Depois a devolvo para a família.


Ao invés de segurar sua outra mão, pouso ambas as dela em
meus ombros.
Tenho consciência de que apesar de estarmos um pouco longe do

resto dos convidados, somos o centro das atenções.


Se estou preocupado com o que devem estar pensando? Nem um

pouco.
— Não vai falar comigo?

— Ainda não me recuperei da surpresa de vê-lo. Achei que você


não viria — responde, levantando o rosto para me encarar.
— Eu também.

— Então por que está aqui?


— Porque a vontade de vir venceu.

Estou tentando me concentrar, mas é difícil quando tenho o cheiro


dela se infiltrando por todo meu cérebro.
— O que isso significa, Raul? Você deixou bem claro desde que

voltou para Boston que não quer mais ser meu amigo e também sei
que odeia usar terno. Então, não vejo razão para estar aqui. Teve

duas desculpas perfeitas para escapar desse compromisso.


Ao invés de responder, fujo pela tangente.

— Como sabe que odeio terno?


— Porque reparo em você. Sempre que está vestido com um,
toda hora enfia o dedo indicador entre o colarinho e o pescoço, como

se estivesse sufocando.
Bom saber que eu não estou sozinho em minha obsessão. Ela
também me vigia, pelo visto.
— Estou aqui porque não quero mais manter distância.

— Não acredito em você, mas tudo bem — suspira. — Vamos


fazer isso.

— Fazer isso o quê?


— Fingir para a nossa família que somos amigos.
— Nós poderíamos voltar a ser.

Porra, ela tem a capacidade de me fazer sentir um cretino.


— Você não quer dizer isso, Raul. Teve um ano para pensar a

respeito e nunca conversou comigo desde que voltou. Aquele dia no


consultório não conta. Foi insanidade temporária.

Seu olhar é direto, não deixando chance para que eu mantenha


nada oculto dela.
— Eu quero sim voltar a ser seu amigo.

Suspirando outra vez, balança a cabeça.


— Que seja.

A irritação — sim, eu tenho um gênio de merda — ameaça tomar


conta e não estou mais com vontade de conversar com quinhentas
pessoas nos observando.

— Vem comigo.
Não foi exatamente um convite, uma vez que não lhe dou opção de
recusar. Imediatamente após falar, a conduzo para a varanda.
— Aonde você está me levando?

Ela reluta. Não confia em mim?


— Não quero conversar aqui.

— Você quer conversar? — Pergunta, como se tivesse nascido


um terceiro olho em meu rosto.
— Sim. E dar o seu presente.

Estamos na penumbra da varanda e agora a música ao fundo não

soa mais tão alta, mas ainda a ouvimos.


— Feliz aniversário. — Estou nervoso quando tiro a caixinha de

dentro do bolso.

Ela não faz qualquer movimento para alcançá-la, então tenho que

pegar sua mão e abri-la para que a receba.


— Você não ligou no dia.

— Eu lembrei. É isso que conta.

— Não para mim.


Parece congelada enquanto apenas observa o presente.

— Abra.

— Obrigada — diz, formalmente, embora a voz soe um pouco


rouca.
— Você ainda não sabe o que é.

— Não importa. Eu sei que vou gostar.


Vejo seus dedos finos desfazerem o laço.

Ela é uma contradição: a aparência é frágil, mas está se tornando

uma mulher com uma vontade de ferro.


Finalmente, pega a pulseira de platina nas mãos e segura um e

depois o outro, os pingentes que mandei fazer especialmente para

ela: um livro e uma bola de futebol americano de diamantes.

Sua cabeça está baixa, focada na joia, mas sei que está sorrindo.
— Você se lembrou do meu amor por livros.

— Não esqueci nada a seu respeito. — Pigarreio sem jeito,

porque falar aquilo em voz alta não é muito confortável, embora seja
verdade.

— E essa bola?

— Uma forma de estarmos perto, se é que você irá usá-la e…


— Eu vou. Sabe que vou.

— Então gostou?

Ela volta a me encarar.

— Se eu gostei? Como não poderia? Essa pulseira tem o meu


sonho pendurado nela.
Não entendo completamente o sentido do que acabou de dizer,

mas fico satisfeito de ter feito algo certo depois de meses

chafurdando em merda.
— Obrigada. — Diz, esticando o pulso na minha direção para que

eu a coloque e depois que o faço, percebo que ainda não estou

pronto para deixá-la ir.

— Só isso? Obrigada? — Empurro, sem nem mesmo saber por


quê.

O que esperava, cretino? Que se jogasse em seus braços

dizendo que foi o melhor presente que já ganhou?


Sim, era exatamente o que eu esperava, então decido que não

vou deixar para lá.

— Não ganho nem um abraço?

— Você quer que eu o abrace?


Ao invés de responder imediatamente, eu antes a puxo para mim,

mandando todos os planos de manter uma distância segura para o

inferno.
— Vem cá, Martina.
Capítulo 7

MARTINA

— Vem cá, Martina.


E então, eu estou nos braços dele. Não como na pista de dança,

não como quando éramos amigos, mas de uma maneira em que


cada célula minha o sente.
A parede de concreto que é o seu corpo, contradiz o abraço

cuidadoso, como se receasse me tocar.


— Você não precisa ir tão longe, Raul. Está tudo bem. Ninguém

pode nos ver.


— Acha que a abracei por isso? — Pergunta baixinho e todos os

pelos do meu corpo se arrepiam.

Levanto a cabeça e o encaro, sentindo sua respiração.


Nenhum de nós pisca e criando coragem, passo a ponta dos

dedos em seu queixo, testando.


— Eu não deveria fazer isso — diz e meu corpo endurece em

seus braços.
Será que vai se afastar como no outro dia em que pareceu

arrependido de ter me tocado?

— Fazer o quê?
Não recebo uma resposta. Ao invés, ele me ergue do chão,

fazendo nossos rostos se alinharem.

Em seguida, sinto o calor de sua respiração.


Primeiro na bochecha, os lábios pressionando. Fazendo-os

percorrerem meu maxilar. Ali, ele deixa uma mordida e eu não

consigo impedir um gemido.


Ansiosa, busco sua boca.

Meu presente. Meu beijo. O primeiro e com quem estava


destinado a ser.

Apesar de nunca ter feito isso, já pesquisei e escrevi a respeito e

estou disposta a não decepcioná-lo.

Abrindo a boca, deixo minha língua passear por seu lábio inferior.

Ele aumenta o aperto sobre meu corpo e eu queria estar vestindo

jeans para poder enrolar minhas pernas em sua cintura.


Necessitada de mais contato, enlaço seu pescoço e mordo seu

lábio.
Algo parecido com um rosnado sai dele e me afasto, temendo tê-
lo machucado.

— Não. Volte aqui. Eu quero essa boca. Abra.

Meu Deus do Céu, alguém pode resistir a um pedido desses?

Assim que obedeço, sua língua me invade, convidando a minha

para uma dança deliciosa.

Então é assim um beijo de verdade. Esse sugar e lamber que faz


meu corpo queimar como se estivesse febril.

Nada do que escrevi chega nem perto da sensação real.

Quero que ele faça coisas que não sei explicar. Toque-me em

todos os lugares. Me morda e lamba não só na boca.

Estou derretida em seus braços e totalmente entregue.

Ele me puxa para tão perto que sinto o contorno de suas pernas

fortes pelo tecido do vestido.


— Martina, onde você se meteu?

A voz de Rafe nos traz de volta à realidade, mas Raul não parece

recear o flagrante, me descendo devagar. Sem desviar nossos olhos,

coloca uma mecha que escapou do meu cabelo, atrás da orelha.

Sei que temos pouco tempo para nos afastar antes que meu

irmão chegue à varanda, mas somos ambos adultos aqui, então por
que nos escondermos?
— Estamos aqui, Rafe — respondo, mas sem conseguir parar de

olhar o meu gigante.


Em um instante meu irmão aparece, mas não prestamos atenção

nele. Sem dar a mínima para Rafe, Raul pega minha mão,
entrelaçando nossos dedos.
— Mamãe disse que o jantar será servido em poucos minutos.

Precisamos de você lá conosco.


Quando me volto para encará-lo, não parece muito feliz em nos

ver tão juntos.


— Iremos em alguns minutos — Raul fala.

— Não devem ficar aqui sozinhos.


Ele diz para os dois, mas encara o amigo.
— Um instante, Rafael — falo seu nome completo e não o apelido,

para ele entender que passou dos limites.


— Cinco minutos ou virei buscá-la — ameaça e reviro os olhos ao

vê-lo finalmente sair.


— Eu preciso voltar.

Raul balança a cabeça concordando, mas não faz um movimento


para me soltar.
Deus, estou tão ferrada!
Deveria me afastar e deixar as coisas como estão, mas ao invés

disso, chego mais perto dele e trazendo sua mão para os meus
lábios, deixo um beijo na palma.

— Obrigada.
Quando o olho, já sinto sua perda.

Não seja tola, Martina. Hoje foi uma exceção. Se você não partir,
vai se machucar muito feio. Não se esqueça de quem ele é.
— Pelo quê?

— Por ser meu príncipe encantado hoje à noite — respondo e ele


ri.

Deveria ser proibido um homem que já é lindo, ter uma covinha na


bochecha esquerda quando sorri.
— Estou longe de ser um príncipe.

— Hoje você foi, então não me contrarie e estrague tudo —


brinco.

— E o que mais?
— Pela pulseira — continuo, movendo-a e fazendo os pingentes

balançarem.
— Foi por um motivo egoísta. Você vai me carregar o dia todo,
mesmo quando estiver com raiva de mim.

Eu já o carregava antes, tolo.


— E finalmente, por ter sido meu primeiro beijo.
Dessa vez faço um gesto de vem aqui com o dedo e quando ele
se abaixa, sou eu quem toma a iniciativa, fazendo minha língua abrir

passagem entre seus lábios.


Não há nada de suave ou inocente em nosso beijo dessa vez.

Devoro sua boca, como já fiz dezenas de vezes em minhas fantasias


e quando ele geme, minhas pernas ficam bambas.
— Martina.

Meu nome sai como uma prece e tudo o que eu queria era poder
esquecer a festa. Gostaria que me levasse com ele, tirasse meu

vestido e cumprisse as promessas que seus olhos estão me fazendo.


Mesmo inexperiente, entendo que estamos queimando um pelo outro.

No entanto, sei que isso não vai acontecer. Raul, por conta das
nossas famílias, nunca iria além de beijos comigo.
E é isso o que eu gostaria? Dormir com um cara por uma noite,

sabendo que não há qualquer futuro para nós dois?


Sei que não. Por mais que em minha imaginação ele seja para

sempre aquele que eu gostaria que fosse meu primeiro tudo, a


chance do meu coração acabar partido é muito grande.
— Vou levar essa lembrança comigo — falo, sem vontade de

ocultar o que estou sentindo.


Em um primeiro momento, ele não parece se dar conta de que
estou me despedindo.
— Espera…. levar? — Sua voz soa em dúvida e penso se mamãe

não comentou sobre a viagem. — O que exatamente significa isso?

— Estou indo embora amanhã. Vou tirar um ano sabático[12] e


depois fazer os dois primeiros semestres de faculdade na Europa.

Até agora, eu ainda estava em dúvida. O combinado inicial era

somente um ano entre o segundo grau e a universidade, para


refrescar minha cabeça, mas acabo de decidir que darei início ao

meu curso por lá mesmo.

Não há a menor chance de que meu coração permaneça inteiro se


eu ficar nos Estados Unidos, vendo Raul desfilar com as mulheres

lindas com as quais ele costuma andar.

Não depois de hoje.

Então, sem esperar resposta, me desprendo e volto para o salão.


Capítulo 8

MARTINA

Paris — França

Um ano depois

Verifico no calendário e percebo que hoje faz exatamente um ano


desde a noite em que deixei minha antiga vida para trás.

Meu aniversário de dezenove anos foi na semana passada e meus

pais e irmãos vieram para Paris me fazer uma surpresa. Ocupamos


todo o último andar de um de nossos hotéis[13], porque eu queria ficar

perto deles nos três dias em que permaneceram na cidade.


O apartamento que meus pais compraram para mim aqui, embora

seja grande para os padrões da capital francesa, não daria para

acomodar a todos com conforto.


Eles chegaram de surpresa e eu fiquei chorando por quase dez

minutos, sem acreditar que largaram suas vidas para vir ficar

comigo.

Às vezes, eu me sinto sozinha.


Claro, convivo com muitos conhecidos, mas amigos de verdade só

tenho uma única aqui na Europa: Lilly Ross[14], uma estudante de

moda, também americana e cujo irmão, Ethan[15] é amigo de Rafe,

mas eu só a conheci há poucos meses. Antes dela, meus

relacionamentos aqui eram apenas superficiais — o que não combina


nada comigo.

Eu e Lilly nos falamos quase que só por telefone ou mensagem, já

que passei esse primeiro ano rodando a Europa e conhecendo mais

a fundo as diferentes culturas. Ela não tem disponibilidade para viajar

porque a pessoa com quem vive — uma prima de sua mãe — é

chata para caramba e não a deixa fazer nada.


Mas também para mim, a farra acabou. Chegou a hora de voltar a
estudar.

Resolvi fazer faculdade de psicologia, não porque queira trabalhar

com isso, mas porque acredito que me ajudará em minha verdadeira

profissão: a de escritora.

É, eu consegui.

Meu projeto de me tornar uma autora foi concretizado — mas não


sem antes dar muitas cabeçadas durante meses até encontrar

profissionais que me auxiliassem no pontapé inicial.

Agora, no entanto, já estou formando uma boa base de leitores e

meus livros têm sido um sucesso atrás do outro — o que fez um bem

danado para minha autoestima.

O segundo que escrevi, chamado “Como fazer o bad boy ficar

caidinho por você em uma semana”, foi direto para o top um dos
mais vendidos da Amazon americana.

Morar sozinha e começar a trabalhar me trouxe um

amadurecimento que ficar em Boston nunca poderia proporcionar.

Eu não só saí da minha zona de conforto, mas aprendi a enfrentar

a vida como uma adulta — uma cercada de privilégios, claro, mas

ainda assim, que é obrigada a tomar decisões de gente grande no


dia a dia.
Tive que contratar um contador porque fui orientada a não brincar

com a Receita Federal Americana, assim como aprender sozinha


onde investir o dinheiro que ganho.

Ninguém da minha família — ou do mundo, a não ser meia dúzia


de pessoas — sabe que M. Cabot Olson, a escritora best seller da
Amazon, sou eu.

Com onze meses de carreira, já que assim que me estabeleci na


Europa publiquei o primeiro livro, escrevi e lancei mais seis. Tenho

cerca de cem milhões de leituras no Kindle Unlimited ao redor do


mundo e me sinto muito orgulhosa desse feito, mesmo que precise

me esconder atrás de um pseudônimo sem rosto.


Não tenho vergonha dos meus livros, mas não vivo em uma ilha
tampouco. Receio prejudicar os negócios da família caso minha

identidade seja revelada, principalmente porque Guillermo está


negociando a construção de um resort gigantesco em um país

ultraconservador.
No geral, posso dizer que sou feliz, embora haja um buraco, que

provavelmente nunca será preenchido, em meu coração.


E essa cratera tem nome e sobrenome.
Raul Guzmán.

O primeiro e único.
Sim, eu dei alguns beijos enquanto viajei e conheci pessoas. Eu

não tenho mais dificuldade em socializar. O problema é que nenhum


deles chegou a fazer o meu coração errar as batidas.

E se isso não acontece em um beijo, como poderia dar um passo


adiante em direção ao sexo?

Sou super bem resolvida sobre o assunto. Jamais passou pela


minha cabeça permanecer virgem até o dia em que me casasse. Por
outro lado, não consigo me imaginar ficando nua na frente de alguém

sem ter uma conexão além da física. Assim como as protagonistas


dos meus romances, eu quero uma história real e não somente um

orgasmo — ou vários. Isso, eu posso me presentear sozinha,


obrigada.
Não ajuda que Raul e eu continuemos sendo os rostos de todas

as minhas fantasias. Como poderia ser diferente se eu não consigo


esquecer a maneira como ele me beijou? Se sonho com aquelas

mãos percorrendo meu corpo e sua voz chamando meu nome?


Ando até a janela, olhando a paisagem sem enxergá-la de fato.

Logo quando cheguei à Europa, mesmo que tentasse me impedir,


meu coração tolo achou que ele viria atrás de mim. Eu acreditei que,
de alguma forma, o que vivemos foi especial para ele também, mas
o tempo foi passando e nossas vidas seguindo separadas, então tive
que me convencer de que nada mais viria de nós dois.
É certo que não o vejo mais em manchetes de revistas com

mulheres penduradas em seu braço como acontecia no passado,


mas talvez ele só tenha diminuído a exposição, porque não acredito

por um minuto sequer que Raul seja um celibatário.


Me obrigo a limpar a cabeça desse tipo de pensamento
masoquista.

Fui convidada por uma conhecida para a festa no iate de um


príncipe italiano e embora não esteja com vontade de viajar nesse

fim de semana, será uma forma de parar de pensar no jogador.


Tenho andado melancólica e não gosto de cultivar esse tipo de

energia.
O que sinto por Raul é físico, não tem nada a ver com amor,
assim, não tenho por que me importar com a maneira como ele leva

a vida.
A coisa mais estúpida que eu poderia fazer, seria me apaixonar

por Raul Guzmán.


Não acho que um dia ele consiga ser fiel.
Capítulo 9

RAUL

Boston

Três meses depois

Noiva?
Porra!
Quem fica noiva antes dos vinte anos? E ainda por cima, com

alguém com seis nomes?

Vicenzzo Giovanni Ettore Alessandro Revello-Lucchese[16],

príncipe de Amasitano[17], na Itália.

Foda-me!

Continuo sem acompanhar a internet ou mídias sociais, mas de


vez em quando dou uma olhada, à procura dela.

Sim, isso mesmo. Como um stalker[18]. Mentir para quê?

Desde a noite em que a beijei e que em seguida, descobri que

estava indo embora, não nos falamos mais.


Já até cheguei a pensar que nosso destino é viver separados por

um tempo para nos reencontrarmos depois.

Quando ela me deixou plantado na varada do clube, todos os

meus instintos me mandaram ir em seu encalço. Eu soube naquele


momento, que se antes já não conseguia tirá-la da minha cabeça,

depois do que vivemos, a chance de que isso acontecesse seria

nula. Mas novamente, nocauteei meu egoísmo e ao invés de prendê-

la em um relacionamento que acabaria machucando-a cedo ou tarde,

virei as costas e fui embora da festa.

Poucas coisas na vida me surpreendem, mas eu nunca pensei que

Martina fosse sair da concha da família para arriscar uma existência


solo na Europa.
Rafe me confirmou que inicialmente era para ser um ano sabático,

em que ela viajaria para conhecer um pouco do mundo fora da vida

em família — apesar de que eu não tenho qualquer dúvida de que

todos os quatro irmãos Oviedo estejam de olho nela, mesmo que à

distância.

O problema é que mais de um ano já se passou e ela nada de


voltar. O que significa que deve ter decidido ficar por lá mesmo e

agora, surge essa bomba: noiva.

Eu nem sabia que ela estava namorando à sério.

Quando vem a Boston, são sempre viagens relâmpago ou em

ocasiões especiais, em que calha de eu não estar na cidade.

Eu poderia ter lhe telefonado, mas resolvi aceitar sua partida

como uma espécie de ajuda do destino. Foi uma loucura e também


irresponsabilidade minha, deixar as coisas avançarem tanto na noite

de seu aniversário. Se nós não estivéssemos em público e cercados

de familiares, não tenho muita certeza de como aquilo poderia ter

terminado.

Espera, eu não estou dizendo que não queria fazer aquilo — não

sou um hipócrita — mas que não devia tê-lo feito.


Nada de bom pode sair de uma união entre nós dois e no fim, vou

estragar tudo.
Quase me parabenizo pela linha de pensamento racional.

Maduro. Centrado. Menos egoísta.


Mentiroso para caralho também.
A verdade é que ler sobre o noivado me fez ter vontade de ir para

a Europa e trazê-la de volta para casa.


Mas, para quê?

Ela foi embora. Ponto final.


E se alguém me perguntasse, foi uma sábia decisão.

Eu a desejo. Isso foi estabelecido e aceito dentro de mim há muito


tempo, mas nós nunca seremos um casal. Não um do tipo que
nossas famílias esperariam que fôssemos.

Jogo a revista que meu assistente provavelmente deixou sem


querer em cima da minha mesa do escritório.

Atualmente, tenho vindo com mais frequência à sede da empresa,


como uma espécie de preparação para quando minha carreira

acabar, mesmo que a ideia de me tornar um executivo em tempo


integral me cause calafrios.
Minhas empresas são variadas, em diversos setores, porque meu

pai era um visionário que conseguia enxergar oportunidades onde as


pessoas só percebiam riscos.

Hoje, tenho uma reunião com advogados e a mesa diretora da


parte dos meus negócios no ramo de agropecuária. Deveria estar

lendo o relatório à minha frente e esquecendo de uma vez por todas


Martina Oviedo e tudo o mais que diga respeito a sua vida.

Mas é isso o que eu faço?


Obviamente, não.
Abro meu notebook e jogo o nome do cretino príncipe italiano.

Me conheço o bastante para saber que vou virar a vida do tal


Vicenzzo pelo avesso.
Quatro meses depois

— Tem certeza de que é isso mesmo que quer fazer? Comprar


uma mineradora de diamantes na República Democrática do

Congo[19]?
Os quatro advogados já fizeram essa pergunta uma dezena de

vezes, o que está conseguindo esgotar minha paciência.


Cruzo os braços em frente ao peito, recostado na cadeira do meu

escritório.
— Nada do que disserem vai mudar minha decisão.
— Mas desse modo você estará investindo indiretamente na ilha
de Amasitano, já que eles consomem quase toda a produção de

diamantes dessa mineradora que quer adquirir. Apesar de ser um


dos principados mais ricos da Itália, você nunca levou seus negócios

para a Europa. Noventa por cento das suas empresas se


concentram nos Estados Unidos.
— Quero diversificar — minto.

— Isso é mais do que diversificar, se me permite a franqueza,

doutor Raul…
— Se me chamar de doutor novamente está despedido.

Ele me olha sem jeito, mas sabe que não estou brincando.

Doutor Raul é a maneira como tratavam meu pai e não quero

nada que me compare com ele.


— Tudo bem, Raul. Sempre me esqueço, mas voltando ao ponto

principal, isso que deseja fazer é mais do que diversificar seus

negócios. Seríamos a pior equipe de advogados do mundo se não


esclarecêssemos todos os pontos contra.

— Vocês já o fizeram e minha decisão está tomada.

— Não estou querendo irritá-lo, mas percebe o que está fazendo?


Está comprando uma empresa, que hoje é a única fornecedora de
diamantes para aquele principado. Por outro lado, eles o terão em

suas mãos também, já que os diamantes que fornecerá são raros e


caríssimos. Apenas Amasitano trabalha com eles. Você vai

praticamente depender da demanda daquele país para vender sua

produção.
— É uma via de mão dupla. Eles também dependerão de mim

para criar o produto final para as joalherias. Fazem as melhores joias

do mundo, mas precisam de um certo tipo de pedra: os diamantes

que fornecerei.
Pela primeira vez, eles prestam atenção ao que estou dizendo.

— Não pensem que já não estudei a respeito. Como vocês

mesmo colocaram, a mineradora que estou adquirindo possui pedras


da mais alta qualidade.

— Posso perguntar algo? — Um deles começa, com cuidado.

Não, porque já desconfio do que seja e não é da sua conta.


— Sim, embora não prometa responder.

O homem se remexe na cadeira.

— Há alguma motivação pessoal por trás dessa decisão?

— Não. Por que haveria? Nunca pus meus pés naquela ilha ou
comprei uma de suas joias. Como eu disse antes, herdei do meu pai
o faro para bons negócios e tenho certeza de que minha intuição

está certa.

Mais tarde

Giro a cadeira para observar pela janela panorâmica, a cidade de

Boston abaixo de mim.


Dentro de uma semana recomeça a temporada de jogos e

passarei muito tempo viajando, então preciso finalizar a compra da


mineradora antes que não me sobre tempo sequer para respirar.

Lembro da pergunta do advogado, sobre se a negociação era

pessoal.
Não há uma resposta simples para isso, mas a melhor, seria que

tenho a sensação de que estou perdendo o controle sobre algo —

alguém — muito importante para mim.

Eu não posso tê-la, mas foda-se se não a protegerei de ser


machucada. O homem que se casar com Martina deve ser digno

dela e vou me assegurar de que ele consiga manter a porra do pau

dentro das calças antes que esse casamento se concretize.


Eu pesquisei o tal Vicenzzo, não somente no Google, mas mandei

um investigador — um muito recomendado — encontrar o que

pudesse sobre ele, mas não foi descoberto nada além de que o

homem é um bilionário também e que antes de ficar noivo dela, teve


um número infinito de mulheres em seu caderninho de endereços.

Quem sou eu para julgar um mulherengo? Desde que ele a

respeite agora que tem um compromisso, sua vida não correrá


riscos.
E a maneira que eu tenho de me assegurar que ele não vai

magoá-la?

Segurando a economia de seu país na palma da minha mão.


Capítulo 10

MARTINA

Um mês depois

Boston

Não está acontecendo como eu imaginava.

Quero dizer, sei que minha futura sogra não é a pessoa mais fofa

do mundo, mas esperava que ao reunir as duas famílias pela


primeira vez, um pouco do gelo que a cerca pudesse ser quebrado.

Até conhecer Ornella Simonetta, mãe de Vicenzzo, eu achava que


ninguém poderia se manter calado durante um almoço com a minha

família.

Tudo bem, nós somos barulhentos. Conversamos, rimos e nos


tocamos sem medida, mas eles são italianos, pelo amor de Deus!

Deveria haver mais calor humano ali.

Nem mesmo na hora em que ela olhou minha sobrinha Nina[20], a

mulher conseguiu sorrir.


E Nina é a criança mais linda do mundo.

Eu já desconfiava que Ornella não gostava muito de mim, mas ser

fria com meus parentes é algo que me deixa louca da vida.

Olho o meu noivo e suspiro aliviada quando vejo que ele está
interagindo com todos.

Vicenzzo não é muito simpático, mas não tenho problema com

isso porque tirando Rafe, nenhum dos meus irmãos é. Nem mesmo

Gael com seu charme irresistível às mulheres, gosta de socializar.

Os estranhos podem até acreditar no que veem na superfície, mas

eu o conheço bem demais para não saber que parte do que ele
mostra para o mundo é fachada. Acho que no fundo, Gael prefere o

silêncio e poucas pessoas à sua volta.


Ao contrário dos seus pais, ao menos meu noivo conversa e faz
perguntas, enquanto Ornella e o marido se limitam a concordar com

a cabeça.

Estou envergonhada pela maneira como a família dele está

tratando a minha, embora Vicenzzo pareça não perceber a frieza

latente de seus parentes. Talvez para ele aquilo seja o normal.

De repente, me pego pensando como seria ter filhos em um


ambiente daqueles.

A visão de miniaturas minhas e de Vicenzzo sentados contidos,

vestidos com roupas cuidadosamente passadas a ferro e sem um fio

de cabelo fora do lugar me causa mal-estar físico.

Quando ele me pediu em casamento, após poucas semanas de

namoro, eu achei a ideia de ser uma princesa incrível, afinal, sou

uma escritora.
Um príncipe de verdade? Que menina não sonhou com isso?

Tudo aconteceu muito rápido. Eu fui apresentada a ele em uma

festa em Montecarlo, onde seu iate estava ancorado.

No começo, pensei em dar meia-volta e ir embora, já que a única

pessoa que eu conhecia era essa amiga que me convidou.

O lugar estava lotado de modelos e muitos homens também, mas


desde o princípio, ele foi muito atencioso. Me apresentou aos seus
sete melhores amigos — que sortudo, enquanto eu só tenho a Lilly

— e falou sobre o apelido que eles têm desde a adolescência: os

oito silenciosos[21].
Por serem homens feitos, achei lindo a maneira como se

mantiveram unidos até hoje.


Eu já fiquei criando mil histórias na minha cabeça sobre eles. Esse
grupo daria ótimos livros.

Socializei um pouquinho com cada um, mas me senti fascinada

quando dois deles, Kaled[22] e Abdar[23], me explicaram um pouco da


cultura de seus países.

Depois, eu e Vicenzzo passamos o resto da noite conversando.


Ele é mais velho e também um cavalheiro.
Lindo, inteligente, charmoso e rico.

Parece perfeito, não é?


Mas só parece mesmo.

Apesar de eu ter que concordar que combinamos como casal e


temos vários gostos parecidos, não há faíscas entre nós — de

nenhum dos lados.


Somos mais amigos do que qualquer outra coisa — o que me faz
questionar por que ele me pediu em casamento.
Eu adoro nossas conversas, andar de iate em Amasitano e

participar das festas em seu castelo. O que consigo de material para


os meus livros, só de observar a sociedade de seu principado, não é

brincadeira.
Por outro lado, me sinto uma farsa.

Aquela não é minha vida e não porque não pertenço à realeza,


mas porque não quero pertencer.
As diferenças entre a forma como fomos criados estão

começando a emergir e o que mais aprendi a prezar — a liberdade


de ser o que eu quiser — está aos poucos, sendo reprimida. Ser a

noiva de um príncipe é trabalhoso e já começo a duvidar de que


poderei levar isso adiante.
O outro problema grave diz respeito à minha carreira.

Mesmo que ela aconteça em segredo para o resto do mundo, eu


me sentiria desleal se não contasse a Vicenzzo sobre minha

profissão e, principalmente, sobre o tipo de livro que escrevo. Apesar


de não me considerar uma escritora somente hot — sou escritora e

ponto, posso escrever o que eu quiser — há muitas cenas quentes


nos meus livros.
Claro que não detalhei o conteúdo das minhas obras, mas ele

entendeu que há uma pegada mais sensual.


Sabe o que é estranho? Ele é meu noivo, mas eu não me sinto à
vontade o bastante para conversarmos sobre o que escrevo.
Vicenzzo me trata como algo precioso, mas aparentemente,

intocável.
Quando começamos a namorar, pensei que aos poucos, a

intimidade se firmaria entre nós para que eu enfim desse o passo


final em descobrir as delícias do sexo, mas nunca aconteceu.
Pensando bem, ele mudou comigo quando, logo após

começarmos a sair, eu confessei que era virgem.


Foi em uma conversa casual. Eu não pretendia que ele fizesse um

oratório de louvor ao meu hímen e nem nada do tipo, só queria que


soubesse onde estava se metendo porque entendo muito de teoria,

mas zero de prática.


Dali em diante, na minha cabeça, ele teria duas opções: ou me
jogar na parede mais próxima e dizer vamos resolver logo seu

problema ou poderia correr igual o diabo foge da cruz.


Mas ele optou por uma terceira alternativa com a qual eu não

contava: me pediu em casamento. E eu, em um impulso, talvez um


pouco presa ao mundo das fantasias no qual vivo mergulhada em
meus livros, aceitei.

E aqui estamos nós.


Deus, o que eu fiz?
Lembro de uma de nossas últimas conversas, quando contei a ele
que não pretendia parar de escrever depois de casada, mas que

manteria o pseudônimo para o resto da vida. Então, do nada, ele


soltou a bomba: morando em Amasitano, eu jamais conseguiria

esconder minha identidade porque tudo que passava pela internet do


principado, ainda mais se partisse de dentro do castelo, era
monitorado.

Pensei: certo, posso ir a Paris de dois em dois meses — que é a

frequência com a qual publico meus livros — e de lá, subi-los para a


Amazon. Mas cada vez mais a ideia me parece pouco atraente.

Uma coisa é ocultar minha identidade do mundo por escolha, por

amor à minha família e visando não prejudicar seus negócios. Outra

totalmente diferente, é ter que me esconder, ou fugir para publicar


meu trabalho, porque serei vigiada.

Mesmo usando um pseudônimo, eu preciso responder às cartas

dos meus leitores, falar com minha revisora, capista, assessora.


Não sei se Vicenzzo parou para pensar o que significaria para

minha carreira morar em um lugar onde não teria liberdade de

acessar a internet sem ser monitorada.


E quem diabos faz isso hoje em dia, a não ser países

totalitaristas?
Não acho que esse tipo de arranjo me seja viável.

Abrir mão de uma vida livre por alguém a quem não amo e que

também não está apaixonado por mim? Não faz o menor sentido.
— Depende de Martina. — Ouço meu noivo dizer e me volto para

encará-lo, sorrindo.

Um sorriso falso, tão artificial quanto os que tenho dado desde

que conheci sua família.


— O que depende de mim?

— Seus pais nos convidaram para ir à ópera.

— Sim, claro — respondo no automático e quando ergo os olhos,


minha família inteira me observa como se eu fosse um alienígena.

Viro a cabeça, focando diretamente em Ornella Simonetta, minha

sogra, e chocada, percebo que estou me transformando nela —


alguém tão verdadeira quanto uma nota de três dólares.
Mais tarde naquela noite

— Eu não quero me meter… — mamãe começa, quando vem ao

quarto que eu ocupava antes de ir embora de casa.


A família de Vicenzzo — por cortesia de Guillermo — está

hospedada em nosso melhor hotel, ocupando três andares por conta

da enorme comitiva que os acompanha.


— Mas? — Estimulo-a a continuar.

— Não posso evitar dizer que vocês dois não combinam.


Estou saindo do banheiro da suíte e ela, sentada em minha cama.

— Eu sei, mamãe — confesso.

— E o que pretende fazer a respeito?


— Não tenho ideia. Já anunciamos o noivado para o mundo inteiro.

— Você o ama?

Sento ao lado dela, que segura minha mão.

Nós duas sabemos que não, mas eu me sentiria desleal a


Vicenzzo se dissesse isso em voz alta.

Parecendo intuir meu desconforto, ela me libera.

— Não precisa responder. Não é justo pressioná-la. O amor pode


vir em diversas roupagens, nem sempre embrulhado em um conto de

fadas.

— Não preciso de um conto de fadas.

— Então, do que você precisa?


— Não tenho certeza, mas acho que não é disso que existe entre

nós. Não sou perfeita e muito menos uma princesa, mãe. Falo alto e

sou meio desbocada, às vezes. Não sou fã de maquiagem e meu


cabelo pela manhã parece ter vida própria. E eu gosto de mim

mesma desse jeito.


— Então acabe com esse relacionamento enquanto é tempo,

minha filha.

— Amizade não pode se transformar em amor?

— Pode, mas não acho que seja o que você sonha.


— Não mesmo. Quero dizer, quero ser amiga do meu futuro

companheiro, mas também que ele faça minha pele formigar.

— Como Raul?
Sinto-me quente por dentro à simples menção do nome dele.

— Como sabe que eu o via dessa maneira?

— Porque sou sua mãe.

— Raul é um sonho impossível, mamãe. Nunca confiaria em um


mulherengo como ele.

Ela sorri.

— As pessoas mudam. Seu pai também não era fácil quando mais
jovem, mas eu o coloquei na linha bem rápido.

— Jura?

— Sim, ele era o maior namorador de Boston.

Fico chocada.
Meu pai, com aquela cara de santo?

— Está explicado a quem os rapazes puxaram — falo, rindo.


— Não, é? Apesar de que Guillermo agora vive somente em

função de Nina. É rara a noite em que vai a um encontro.


Meu irmão cria a filhinha sozinho. A ex, mãe de Valentina, faleceu

em um acidente de carro enquanto farreava com um amante.

Ela já não morava com Guillermo e a filha e acho que esse

relacionamento relâmpago deixou traumas profundos no meu irmão.


— Ele vai encontrar alguém. Guillermo é lindo e com um coração

de ouro. Mais cedo ou mais tarde, a mulher certa aparecerá.

— Se ele lhe der uma chance, talvez. Mas não estamos falando
do seu irmão. O que estou querendo dizer é que as pessoas mudam.

Não julgue Raul. Um relacionamento nunca é igual ao outro. Ainda

que não seja ele o seu eleito, você é muito jovem. Não faltará
oportunidade de conhecer outros homens. Não enterre sua vida

querendo encaixá-la em um molde perfeito, filha. Muito mais

importante do que aparentar felicidade, é ser feliz.


Capítulo 11

MARTINA

Dez meses depois

Eu me olho pela terceira vez no espelho do quarto para conferir

minha aparência e segundos depois, me odeio por isso.

Permiti que aquela bruxa, conhecida mundo afora como Ornella


Simonetta, fizesse isso comigo: que me sentisse insegura e

inadequada.
Mesmo quando eu era uma adolescente introspectiva — o que

parece ter ocorrido em uma vida passada — jamais deixei de gostar


de mim. Não me achava uma modelo, mas ficava satisfeita com o

que via refletido: agradável de se olhar, cabelos e rosto em


harmonia, corpo normal.

Desde que fiquei noiva de Vicenzzo, tenho a sensação de que há

algo faltando ou sobrando.


Batom demais ou de menos. Vestido curto. Dúvidas sobre deixar o

cabelo preso ou solto.

Apesar de vir de uma família rica, fomos criados com liberdade e


confiança para sermos nós mesmos e agora, tenho a sensação de

estar sempre representando, como uma atriz.

Não desejo viver uma vida de fingimento.


Meu noivo nasceu príncipe e tem suas obrigações, mas eu quero

ser feliz e no mundo dele, felicidade não é o fator mais relevante.


Haja vista sua mãe, que está sempre com aquele semblante

amargurado.

Ando de um lado para o outro dentro do apartamento, lembrando

da minha conversa com meu irmão Rafe ao telefone ontem. Ele é o

único além de mamãe que sabe como estou me sentindo. Claro que

eventualmente terei que contar ao resto da família, mas não consigo


lidar com tudo isso de uma vez.
Eu não tinha ideia de onde estava me metendo ao aceitar me
casar com o herdeiro do trono de Amasitano.

Vicenzzo não só é muito rico, mas também famoso. Ser lindo,

príncipe e solteiro é uma combinação irresistível para as revistas de

fofoca. O problema é que fui arrastada para o furacão da mídia em

que ele sempre viveu e, embora depois de morar sozinha por mais

de dois anos na Europa eu já tenha aprendido a lutar minhas próprias


batalhas, não gosto que a minha vida seja documentada a cada

passo.

Quando fomos a Boston, cerca de um ano atrás, eu pretendia

terminar tudo quando chegássemos na Europa, mas a vida me

mostrou que tem suas próprias regras.

Durante o voo de volta, o pai de Vicenzzo faleceu, dormindo, de

um ataque cardíaco fulminante. Isso fez com que meu noivo se


tornasse, da noite para o dia, o novo governante de Amasitano.

Ele era muito ligado ao pai, então como eu poderia acabar nosso

relacionamento em um momento daquele? Não seria justo da minha

parte.

Decidi esperar alguns meses, mas então, quando finalmente achei

que poderia corrigir o erro que havia cometido ao aceitar ser sua
esposa, meu mundo desapareceu sob meus pés quando, após quase
uma década, papai teve outro AVC — dessa vez, muito mais sério do

que o primeiro.
Tranquei a faculdade e voltei para Boston. Fiquei lá por um mês,

até que minha mãe me convencesse de que precisava retomar minha


vida. Ele já está fora de perigo, mesmo que sua recuperação dessa
vez provavelmente leve mais tempo, segundo os médicos.

Nesse período passado em casa, Raul me mandou mensagens,


me dando seu apoio remoto, já que estava no meio da temporada,

viajando.
Dei graças a Deus que não ligou, porque com o meu universo

ruindo, seria um péssimo momento para ouvir a voz da minha paixão


de adolescente.
Falar com ele, no entanto, mesmo que tenha sido apenas em

conversas curtas e casuais, me fez entender que não posso mais


adiar a decisão de terminar tudo com Vicenzzo.

Não somente pelas considerações anteriores — as diferenças e


também a falta de paixão entre nós — mas porque quero ficar perto

da minha família. Estar com meus irmãos e sobrinha. Conhecer a


nova namorada de Guillermo, Olívia. Ganhar o abraço de Gael e
Rafe.

Voltar para casa.


Fui leal a Vicenzzo esperando passar seu período de luto, mas

cada vez que ouço sua mãe dizer que o casamento tem que ser
marcado o quanto antes, me sinto enjoada.

O irônico é que ela parece mais determinada a apressar nossa


união do que nós mesmos — o que eu não consigo entender — já

que vive querendo mudar tudo em mim, como se eu fosse uma


boneca que pudesse ser moldada e não um ser humano com vontade
própria.

O celular acende com uma mensagem do meu quase ex-noivo e


pego a bolsa para ir encontrá-lo. Mais uma vez, penso em como

nosso relacionamento é frio. Ele só subiu ao meu apartamento em


duas ocasiões e mesmo assim, não se demorou.
Antes de sair, dou mais uma olhada no lugar que aprendi a amar,

sabendo que em breve me despedirei dele.


Uma coisa de cada vez, Martina. Antes, precisa resolver sua

vida.
Guillermo me disse que procrastinar não resolve problemas,

apenas sobrecarrega a mente.


Eu não quero mais viver assim.
Uma hora depois

Restaurante Arpège
Normalmente eu preferiria um bistrô: o Café Constant ou qualquer
um dos outros do chef Christian Constant, que me foram
recomendados por Lilly, mas hoje, estou grata que estejamos em um

ambiente escolhido por Vicenzzo.


Até nisso somos diferentes. Eu gosto de ouvir risadas, as pessoas

falando alto e se divertindo, enquanto ele prefere lugares mais


sóbrios — ou pelo menos, até hoje só frequentamos juntos
restaurantes assim.

Não me levem a mal, estamos em um estabelecimento muito

conceituado, mas é que não consigo me impedir de fazer uma


correspondência entre esse ambiente e minha relação com

Vicenzzo.

Perfeito e silencioso.

Isso me faz lembrar do seu grupo de amigos.


Quando fui na primeira festa no iate, eu achei que ficar com meu

príncipe da vida real seria emocionante, mas parece que quanto mais

ele me conhecia, mais se fechava.


Me chamem de paranoica, mas não acho que ele seja o Vicenzzo

real — opa, isso soou esquisito, já que ele é da realeza — comigo e

em contrapartida, não se deu a oportunidade de me conhecer


também.
— Tem certeza? — Pergunta, após eu dizer que queria romper

nosso noivado.
O único sinal de emoção em seu rosto, é uma contração no

maxilar quadrado.

Sem que eu consiga controlar, minha mente viaja até meu gigante
quarterback. Se eu e Raul estivéssemos terminando um

relacionamento, existiria uma chance grande de que parássemos o

restaurante inteiro com uma discussão ou então ele me arrastaria

dali. Mas com certeza não haveria nada de contido nessa conversa.
O sangue espanhol correndo nas veias de ambos não permitiria.

— É o melhor. Foi tudo rápido demais entre nós e ao mesmo

tempo, devagar. Não combinamos um com o outro e pior, não nos


amamos, Vicenzzo. A maior prova disso é a maneira civilizada com

que estamos chegando ao fim.

— Ser civilizado não é um defeito — diz, ao invés de refutar minha


declaração sobre não nos amarmos.

— Não é, desde que seja natural, como em você. Eu não sou

assim. Tenho a boca suja e sei tantos palavrões que causariam uma

síncope na sua mãe. Não gosto de maquiagem e tenho um fraco por


roupas curtas e decotadas. Sou incapaz de usar o mesmo perfume

dois dias seguidos porque até nisso sou inconstante. E o que é pior:
não quero ter cada espirro meu documentado em revistas de

celebridades.

— Você não tem como escapar disso. Sua família é muito


conhecida também.

— É sim, e de vez em quando, um de nós aparece em colunas

sociais, mas somos metade americanos. Há milhares de atores e

atrizes para eles perseguirem, então, meio que ficamos no limbo,


graças a Deus.

— Eu gosto de você, Martina. Funcionamos bem juntos.

Mas é justamente esse o problema. Eu não quero funcionar com


alguém porque não sou uma máquina. Quero sorrir, chorar, amar,

sofrer.

Obviamente, não digo nada disso a ele.

— Também gosto de você, mas vai ser melhor assim. Eu quero


voltar para casa.

— Por causa do seu pai?

— Por tudo. Meu lugar é em Boston, Vicenzzo. A experiência de


viver na Europa foi incrível, mas quero estar perto da minha família.

Somos muito unidos.

— Eu percebi quando os visitamos. — Sua voz soa pesarosa e

me deixa triste lembrar que perdeu o pai há tão pouco tempo.


— Como vamos fazer isso? — Pergunto, porque não vou recuar

em minha decisão.
— Preciso que me dê algumas semanas. Farei um anúncio público

e tentarei conter a imprensa o máximo que puder, mas eles irão

atrás de você de qualquer maneira. Sabe disso, não é?


— Fique tranquilo. Sou bem grandinha já.

— Acho que não entendeu, Martina. Eles passarão meses

documentando cada passo seu. Por isso, preciso que não se

exponha. Não nos exponha, na verdade.


Geralmente esse discurso me irritaria, mas sei que ele está no

meio de um furacão. Teve que assumir o governo do seu país

quando pensou que disporia de muitos anos pela frente ainda para
se preparar.

— Vou somente viver minha vida como sempre fiz, Vicenzzo. Não

farei nada para envergonhá-lo.


Capítulo 12

MARTINA

Boston

Um mês e meio depois

Casamento de Guillermo e Olívia


Sorrio enquanto observo meu irmão dançando com a esposa, e
Valentina, minha sobrinha, ao mesmo tempo. Guillermo teve o final

feliz que merece e como um bônus de Deus, sua eleita, Olívia, é uma

pessoa maravilhosa.
Me aproximo deles com o celular a postos.

— Sorriam.

— Os fotógrafos já tiraram várias — Guillermo resmunga, mas eu


não dou a mínima porque Nina e Olívia já estão fazendo pose.

Acho graça no bico que Valentina faz enquanto bato as fotos.

Desde que saiu do berçário no hospital, nós a filmamos e


fotografamos, então quando ela vê uma câmera, já fica preparada

antes mesmo que peçamos.


— Ninguém tem o meu olho clínico para capturar momentos

especiais — digo, assim que termino.

Vou até eles, tentando abraçar os três.

— Estou muito feliz por vocês. Não fazem ideia do quanto!

Sinto meus olhos se encherem de lágrimas. Tem sido assim desde

que voltei. Ando muito emotiva.


Meu irmão me encara como se fosse dizer alguma coisa, mas

antes que possa falar, Joaquín vem para perto de nós.


— A próxima dança é minha — diz, me puxando para seus braços.
— Você odeia dançar — acuso.

— Odeio mesmo, mas sempre guardo uma dança anual para uma

mulher bonita e, para sua sorte, ela é sua.

Rio alto.

Eu amo meus irmãos. Todos, sem exceção e com cada pequeno

defeito que possuem.


Passo os braços pelas costas dele e encosto a cabeça em seu

peito. Em segundos, sinto sua mão acariciando meu cabelo.

— Você tem que dar um ponto final nisso, Martina.

— Já vai passar.

Nem finjo não entender sobre o que ele está falando.

— Quanto tempo mais precisará se esconder da imprensa? Fico

louco com a maneira como a perseguem.


— Eu me sinto em dívida com ele, Joaquín.

— Dívida? Tudo o que fez foi terminar um relacionamento, pelo

amor de Deus!

— Eu sei, mas ele me pediu mais um par de meses antes de

revelar tudo. Não é tanto tempo assim.

Vicenzzo me procurou no dia seguinte em que terminamos e disse


que seus assessores de imprensa o aconselharam a esperar um
pouco mais do que ele havia planejado, antes de anunciar o

rompimento do nosso noivado. Com a morte do pai dele e a troca do


governo de mãos, os acionistas de sua empresa, que é a base

principal da economia de Amasitano, assim como seu próprio povo,


estão inseguros sobre o futuro do país. O fim do relacionamento do
líder da nação provavelmente geraria uma crise sem precedentes.

Como eu poderia dizer que não? Independente de não termos


dado certo, eu gosto de Vicenzzo como pessoa e desejo o melhor

para ele.
O problema é que, ao fingir que ainda somos noivos, acabo tendo

que ficar praticamente escondida em Boston, já que não cairia bem a


futura princesa permanecer tanto tempo longe do seu prometido.
Ai, só de pensar nesse termo, já é esquisito. Me sinto como se

tivéssemos voltado uns duzentos anos no tempo.


Desse modo, só minha família e mais ninguém — absolutamente

ninguém, nem mesmo a bruxa da mãe dele — sabe que terminamos.


Eu passei o período que voltei aos Estados Unidos praticamente

trancada em casa.
Após aquela conversa com a minha mãe há alguns meses, sobre
terminar meu noivado com Vicenzzo, ela comprou um apartamento

para mim. Intuiu que quando eu voltasse para Boston, não iria mais
querer ficar com eles depois de ter experimentado a liberdade de ter

o meu próprio lugar — e estava certa.


Não tenho feito nada além de escrever.

Às vezes enjoo e fico revezando entre meu apartamento e o de


Rafe — não o oficial, mas o que ele usa para abate.

Eca!
Certo, o nome não é muito bonito, mas é verdadeiro. Nunca o
chamou assim perto de mim porque eu jogaria a primeira coisa que

alcançasse na cabeça dele, mas ouvi um de seus amigos falar, em


uma conversa, que o lugar era uma espécie de covil para levarem

aquelas que nunca seriam namoradas, mas que também não ficariam
por uma noite só.
Além do fato de que meu irmão é muito famoso. Seu rosto é

conhecido no mundo inteiro. Desfilar em hotéis com mulheres


aleatórias não pegaria bem para a imagem que a mídia cultiva dele

como um príncipe encantado moderno.


De qualquer modo, o lugar tem me servido quando quero mudar

de ares. Há três quartos lá e desde que eles não usem o que eu


costumo ficar, por mim tudo bem.
— O problema não é o tempo, Martina, mas o absurdo da

situação — Joaquín fala, me chamando de volta à Terra. — Além do


mais, me deixa puto ver a imprensa pegando no seu pé e
questionando por que está nos Estados Unidos e não na Itália. É
como se a estivessem culpando por não mudar sua vida para bajular

seu noivo.
— Vicenzzo não precisa ser bajulado — defendo. — Se coloque

no lugar dele, irmão. O mundo do homem virou um caos.


Ele suspira irritado e sei que está se controlando. Nenhum de nós
tem temperamento dócil, mas Joaquín é de longe o mais difícil.

— Você já é adulta e a respeito o suficiente para acreditar que


sabe o que está fazendo, mas não se machuque para proteger os

outros.
— Fora o fato de que não posso ter uma vida social por ora, não

está sendo tão ruim assim.


— E o que faz trancada naquele apartamento o dia todo? Isso não
é saudável.

— Estudo online — minto parcialmente, já que é verdade que


transferi meu curso presencial para um à distância.

A mentira fica por conta de eu não revelar, que de fato, passo a


maior parte do dia trabalhando em meus livros.
— Tudo bem. Vamos fazer assim — propõe. — Daqui a um mês

teremos essa conversa de novo e se nada mudar, vou intervir.


— Fechado — respondo e prometo a mim mesma que se
Vicenzzo não me liberar dentro de trinta dias, vou dar um ponto final
nessa história.

Horas depois
— Talvez seja alguma coisa do destino isso de só nos

encontrarmos em festas.
Paro de andar. Pernas e cérebro congelados.

Eu estava passeando em volta do lago da propriedade onde o

casamento aconteceu, pensando na conversa com Joaquín, para

tentar chegar a uma conclusão se estou sendo estúpida, deixando


que minha vida fique em suspenso para não prejudicar Vicenzzo.

— Olhe para mim, Martina.

Imaginei esse reencontro infinitas vezes em minha cabeça, mas


nunca pensei que meu corpo responderia com tanta violência ao seu

chamado.

Raul está aqui.


Eu me volto devagar, tremendo e vou subindo os olhos com fome

por cada pedaço dele.

Hipnotizada, vejo-o se aproximar, parando à minha frente. Ele não

me toca, mas há uma espécie de força invisível nos atraindo.


E então, é como se a confusão em minha cabeça clareasse em

um passe de mágica.
Em segundos, eu entendo a razão de nunca ter conseguido

realmente me envolver com Vicenzzo.

Era ele. Sempre foi ele.


— Não achei que viria. — Falo.

— Você me disse isso há alguns anos e, no entanto, eu também a

surpreendi.

Eu quero correr para os seus braços, tocá-lo, senti-lo contra mim,


mas eu sei que, que depois da última vez em que nos vimos, quem

está à minha frente é, e ao mesmo tempo não é, o mesmo Raul que

frequentou minha casa desde que me entendo por gente — aquele


com quem sonhei a partir do momento em que fiz a transição de

menina para mulher.

— Uma dança? — Pergunta e só então eu percebo que a banda,

que havia dado uma pausa, recomeçou a tocar uma música


romântica.

Balanço a cabeça, concordando.

No momento, eu não me lembro do acordo com Vicenzzo ou que


algum convidado indiscreto poderia se aproveitar para fotografar a

nós dois.

Estou com saudade demais para pensar com clareza.


Seus braços enormes me rodeiam e eu afasto o rosto de seu

peito, levantando a cabeça para olhá-lo.


Não dizemos nada, nos encarando em silêncio por um tempo e

quando dou por mim, minha mão está subindo e descendo pelas

costas dele.
O desejo que sempre esteve presente tentar vir à superfície,

como um caldeirão borbulhante que não pode mais ser contido.

— Veio para ficar?

E agora? O que eu respondo? Se eu for honesta, entregarei que


meu noivado chegou ao fim, então, procuro sair pela tangente.

— Por um tempo.

— O que isso significa?


— Exatamente o que eu disse.

— Se estivéssemos juntos, não ficaria longe da minha cama

sequer por uma noite.

Eu abro e fecho a boca, metade indignada com a declaração crua,


metade excitada com a ideia de nós dois fazendo sexo como

coelhos, mas segundos depois, um ciúme doentio toma conta de

mim, quando me lembro de quem ele é.


Um galinha que não consegue ficar sem transar. O cara que já

deve ter saído com mais mulheres do que meus anos de vida
multiplicados por três.

Não venha me perguntar que direito eu tenho de julgá-lo, quando

estava comprometida com outro até pouco tempo. Ciúme nunca foi e

nunca será uma emoção racional.


— Nem todos os homens são viciados em sexo. — Defendo a

mim e a Vicenzzo, quando por dentro, estou mortificada.

Se ele soubesse que nós nunca fizemos mais do que nos beijar e
trocar algumas carícias por cima da roupa, provavelmente riria.

Observo um canto de sua boca se erguer e momentos depois, ele

se abaixa e fala em meu ouvido.

— Somente aqueles que não sabem fazer direito não dão


importância ao sexo.

Dou um passo para trás, antes que meu corpo traidor me

denuncie, já que a vontade que sinto é de tirar sua roupa para que
me mostre o que significa aquele fazer direito.

Mas então, penso na quantidade de mulheres lindas que Raul já

levou para a cama e minha insanidade ultrapassa os limites da

contenção.
— É aí que você se engana. Nós dois fazemos muito sexo.

Quente, sujo e suado. Por telefone, inclusive — invento, tentando

preservar minha dignidade. — E tudo o que acontece entre nós é


muito mais real do que essas mulheres de uma noite com quem você

sai, Raul Guzmán.


Viro as costas sem esperar que ele me responda. Se ficar mais

um minuto aqui, vou mordê-lo.

Enquanto caminho, lembro do meu noivo, de sua beleza, do

quanto é sexy e uma certeza me bate: Vicenzzo não tem problema


com sexo, mas talvez, não me desejasse o suficiente para tentar dar

um passo além em nosso relacionamento.

Faço uma promessa: nada mais de pureza por aqui. Chegou a


hora de testar na prática tudo o que escrevo.

Assim que meu acordo com meu ex-noivo chegar ao fim, vou

descobrir de uma vez por todas como se faz direito.


Capítulo 13

RAUL

Uma semana depois

O que estou fazendo?


Essa é a pergunta que vem rondando minha cabeça desde que

saí da boate, há cerca de meia hora, enquanto dirijo para o


apartamento de Rafe que usamos puramente para encontros.

Nem eu e nem ele podemos nos dar ao luxo de desfilar com

mulheres por hotéis, por conta dos contratos profissionais que


assinamos.
Eu nunca saí com uma mulher sem sentir vontade, mas quando o

carro para no sinal vermelho e eu olho de relance para a modelo


sentada ao meu lado, sei que não quero estar aqui.

Já há um tempo, tenho me sentido de saco cheio desse lance de

uma garota por noite — um hábito que se arrastou por anos,


enquanto eu tentava com sexo, preencher todos os espaços vazios

da minha mente que não abrangessem meus jogos ou o trabalho nas

minhas empresas.
Farras como eu costumava fazer no passado não tem sido mais o

bastante para me satisfazer e eu sei quem é a responsável por

desorganizar meu mundo.


Martina.

É culpa dela.
Desde que a vi no casamento de Guillermo, tenho uma sensação

constante de perda e não há nada que eu consiga fazer para diminuí-

la.

Não que antes de reencontrá-la fosse diferente. Ela sempre

rondou meus pensamentos, se inserindo contra minha vontade.

Enquanto se mantinha distante, eu achei que estava conseguindo


lidar bem com aquilo. No entanto, tê-la ao alcance da mão trouxe de

volta o desejo primitivo de possuí-la.


Quando a vi, a única coisa que passou pela minha mente foi que
deveria dar, de uma vez por todas, o primeiro passo para fazê-la

minha — isso até eu olhar o anel com um diamante do tamanho do

Capitólio[24] em sua mão direita e me lembrar de que é noiva de Sua

Alteza, o Cretino Real, conhecido como príncipe Vicenzzo.

Ela tem sido manchete de revistas. Há especulações inclusive

sobre o fim do noivado e eu seria um bastardo mentiroso se não

confessasse que parte da razão de ter ido ao casamento de


Guillermo, quando atualmente tenho procurado me manter distante

dos Oviedo, foi porque queria vê-la e conferir se o maldito

relacionamento havia terminado.

E por que isso seria da sua conta?

Uma voz, que é mentirosa para caralho, pergunta.

Não há qualquer coisa de racional em minha resposta, apenas que


está se tornando cada vez mais difícil ignorar o que eu quero.

E esse desejo tem nome: Martina Oviedo.

Quando Stewart sofreu o segundo AVC, eu estava em meio a

jogos e não consegui vê-la, mas trocamos mensagens — algo em

que sou uma merda. Já sou grosso para falar cara a cara, então

ficar dizendo amenidades via texto não é algo com que eu saiba
trabalhar. Até porque, por experiência própria, não há palavras em
momentos como esse, em que somos confrontados com a morte,

que faça a dor passar.


Conversar com ela, mesmo que por mensagem, foi como abrir a

caixa de Pandora. O desejo voltando incontrolável.


Sei que a família de seu noivo esteve em Boston no ano passado
e quando Rafe me contou que nunca viu duas pessoas tão diferentes

quanto a irmã e o futuro cunhado, tive esperança de que aquele


casamento não seguisse adiante. Mas meses transcorreram e o

compromisso continuava, então, pensei que era realmente o fim.


O destino estava me impedindo de magoar a única mulher que até

hoje me despertou emoções, fora a minha mãe.


Quando ficamos frente a frente na festa, foi como se uma ponte
se construísse outra vez, reacendendo minha obsessão — e o

ciúme. Um sentimento estúpido e que tem se tornado meu


companheiro desde que ela assumiu seu compromisso com o idiota.

Sim, isso mesmo, idiota. Não há outro nome que eu possa chamar
alguém que deixa uma mulher linda como Martina ficar longe por

tanto tempo.
E pensar nisso, me faz lembrar de como terminou nosso encontro
e que também é a razão de eu estar aqui hoje, com alguém que não

quero.
Desde que eu soube que ela voltou, há pouco mais de um mês,

não fico com uma mulher.


Não, eu não quero me aprofundar no porquê disso nesse instante,

o fato é que não senti vontade.


Até sábado passado.

É aí que você se engana. Nós dois fazemos muito sexo. Quente,


sujo e suado.
Porra, as imagens mais loucas atravessaram minha mente na

velocidade de um raio quando ela falou aquilo.


Não que esperasse que ela fosse virgem depois de estar há tanto

tempo em um relacionamento sério, mas eu simplesmente não


pensava a respeito.
Quando ela colocou com todas as letras que fazia sexo, eu me

descontrolei.
E agora estou aqui, tentando provar a mim mesmo que não dou a

mínima, quando na verdade, só há uma mulher na porra do planeta


inteiro que eu desejo.

Jesus Cristo, eu nem sequer senti vontade de beijar a garota que


está ao meu lado, como posso querer levá-la para a cama?
— Raul, você parece estar muito longe — ela diz e coloca a mão

sobre minha coxa, mas antes que possa avançar, eu a paro.


Só não sinto remorso porque tenho certeza de que estamos nos
usando mutuamente.
— Prefere que eu te deixe em casa? — Falo, meio que permitindo

que a decisão saia das minhas mãos porque a verdade é que não
tenho certeza se poderei levar isso adiante.

— De jeito nenhum — responde, fazendo beicinho. — Você já saiu


com duas amigas minhas que até hoje sonham com as coisas que
fez com elas na cama.

Volto a focar no trânsito, balançando a cabeça. Nunca a


expressão homem-objeto foi tão verdadeira.

Minutos depois, estaciono na garagem, mas não faço qualquer


movimento para descer, agora certo de que não vai rolar nada entre

nós.
— Olha, você é linda para caralho, mas vou te levar para casa.
Acabo de lembrar que tenho treino logo cedo pela manhã.

— Treino? Mas você estava em uma boate. Jogadores não saem


em véspera de treino.

Deus, ela é uma daquelas especialistas.


Já fiquei com muitas garotas que dividiam suas preferências de
acordo com a modalidade: futebol, basquete, MMA. Elas não se

importam com quem você é, mas se é famoso. E saber que a mulher


ao meu lado só está a fim de riscar mais um nome em sua lista, faz
com que eu me sinta menos pior por estar dispensando-a.
Acho que ela percebe, pelo meu silêncio, que falei sério.

— Tem certeza, baby? — Insiste.


— Tenho sim. Quem sabe de uma próxima vez — minto.

— Droga, eu vou perder a aposta.


— Aposta?
— Sim. Você fez minhas amigas gozarem em menos de dois

minutos. Eu queria bater o recorde.

Começo a rir, pensando na loucura daquela conversa. Ao mesmo


tempo, me sinto vazio.

Eu me tornei um pau.

Um grande e que sabe o que fazer, modéstia a parte, mas ainda

assim, um pau.
Ligo o carro, mas ela segura meu braço.

— Posso ao menos usar o banheiro? Não fui antes de sair da

boate.
Olho para ela, desconfiado, mas não vejo qualquer sinal de que

esteja jogando, então, volto a desligar o carro.

— Cinco minutos — aviso.


Entramos no elevador e sinto seus olhos em mim.
Ela não disfarça a cobiça e em uma outra época, aquilo me

excitaria, mas hoje não me desperta nada.


O som do elevador avisa que chegamos ao nosso destino e dou

passagem para ela sair, mas enquanto estou digitando o código para

abrir a porta, a doida literalmente pula no meu pescoço, enroscando


as pernas em volta da minha cintura.

Minha primeira reação é me defender, mas tenho consciência da

diferença de tamanho entre nós e não quero machucá-la.

— Pare com isso.


— Você quis mesmo dizer aquilo? A noite ainda não está perdida,

posso fazer valer a pena — promete, enquanto tenta lamber minha

orelha.
Antes que eu consiga afastá-la, a porta do apartamento se abre e

como se a situação já não fosse fodida o bastante, ninguém menos

do que Martina Oviedo surge na minha frente.


Puta merda!
Capítulo 14

MARTINA

Pisco algumas vezes, para ter certeza de que estou enxergando

direito.
Em meus livros, já escrevi cenas de ciúme entre casais. Nelas, as
mulheres ou os homens sofriam, ficavam magoados ou viravam as

costas e iam embora quando se deparavam com uma possível


traição — o que não é o caso, já que ele não é nada meu.

Nenhuma das vezes, no entanto, meus protagonistas foram


engolfados em uma ira assassina como a que sinto nesse momento.

Raul está parado me encarando, enquanto uma loira com três


metros de pernas escala seu corpo como um filhote de macaco. Ao

invés de bater a porta na cara dos dois, que é o que eu faria se


algum dos meus neurônios estivesse em funcionamento, embarco em

um modo Martina louca que nunca antes havia interpretado.


— Outra vez, Guzmán? — Pergunto, a voz transparecendo fúria

real. — Quando em nome de Deus, você vai assumir para o mundo

que já está comprometido? De que adianta me jurar amor todas as


noites e depois me trair? É essa história que quer que eu conte para

nossos filhos e netos no futuro?

A mulher finalmente olha para trás, mesmo que ainda não pareça
disposta a soltá-lo, nem se sua vida dependesse disso.

Estou com muita raiva.

Ele também usa o apartamento de Rafe para trazer suas


conquistas?

Não pense nisso, Martina. Ainda que o estado de Massachussets


tenha abolido a pena de morte, passar a vida inteira na cadeia sem

possibilidade de liberdade condicional por conta de um homicídio

não é uma boa opção.

Observo enquanto coloca a mulher no chão, sem saber o que ele

vai dizer.

— Você tem namorada? — A loira pergunta para Raul, mas se


volta para mim.
— Noiva — respondo, disposta a jogar até o fim. — Não me diga
que não notou meu anel?

Ergo a mão e mostro um anel de noivado sim, mesmo que dado

pelo homem errado.

Combinei com Vicenzzo que eu o usaria enquanto não

tornássemos o rompimento público.

Somente quando eu acho que ela vai desistir, a mulher reclama


com ele.

— E o meu orgasmo?

É a gota d’água. Sei que preciso sair daqui ou vou dizer ou fazer

algo de que me arrependerei muito amanhã.

Começo a andar para o elevador, mas ele segura meu braço.

— Você está de camisola — diz, olhando meu corpo, que mesmo

contra a vontade, reage.


Tentando manter a dignidade, levanto o queixo e volto para o

apartamento, batendo a porta atrás de mim.

Sigo direto para o meu quarto, disposta a vestir minha roupa e ir

embora.

Danem-se os dois.

Em segundos, mudo de ideia.


De jeito nenhum. Eu cheguei primeiro. Se ele quer se divertir, terá

que procurar um hotel, já que não parece ter a intenção de levar a


mulher para sua casa.

Ando de um lado para o outro, pensando no que devo fazer. Se


fosse seguir meu desejo, iria até eles e jogaria um balde de água
gelada nos dois.

Mas não preciso pensar muito porque em seguida ouço o som da


porta abrindo e fechando.

Ele a trouxe para dentro? Vou matar esse cara de pau.


Saio do quarto incorporada no ódio, mas minha raiva perde o gás

quando o vejo parado sozinho no meio da sala.


Ele não parece zangado. Ao contrário, os olhos brilham com
humor.

— Noiva, é?
— Você estragou meu programa. Achei justo devolver.

— Programa? — Pergunta imediatamente desconfiado, olhando


por cima do meu ombro.

De repente, minha fúria diminui e começo a achar a situação


engraçada.
— Qual o problema, não posso trazer um casinho aqui também?

Ele dá um passo para frente e fico arrepiada.


É, devo ser muito louca mesmo.

— Você é comprometida.
Merda! Esqueci que ele não sabe que estou livre.

— Vicenzzo poderia já ter saído.


— E por que você não levaria seu noivo para seu próprio

apartamento?
— Como sabe que eu tenho um?
— Responda.

Dou de ombros.
— Estou sozinha — confesso, mas ainda não me dou por vencida.

— Mas gosto de mudar o cenário para minhas fantasias.


O que não deixa de ser verdade. Escrever o livro sempre no
mesmo lugar me enjoa. Em Paris, eu às vezes ia a um café, outras

vezes, a um parque. Minhas ideias se alinham melhor assim.


— Fantasias?

Os olhos azuis mais bonitos que já vi na vida escurecem,


perscrutando meu rosto.

— Você já é um menino grande. Não venha me dizer que nunca


brincou sozinho.
Meu Deus, qual entidade se apossou do meu corpo? Não sei

dizer, apenas não consigo parar.


Em um instante, ele está muito perto.
— Do que estamos falando, Martina?
Ele quase me imprensa na parede, os braços formando uma

muralha em minhas laterais.


— Onde está sua loira? — Devolvo, disfarçando o quanto estou

excitada.
— Ela não é minha nada.
— Sei…

— Não se preocupe, eu a coloquei em um táxi.


— Existem regras nesse edifício, sabia? Meu irmão pode ser

multado por sua causa. Estavam praticamente transando no


corredor.

— Aquilo foi um engano. Ela disse que queria ir ao banheiro e


depois enlouqueceu.
— Pulando no seu colo? — Pergunto, sem disfarçar que não estou

comprando aquela história.


— Isso aí. Eu não estava com ela da maneira que imagina.

— Minha imaginação pode ser muito fértil.


— Eu gostaria de por essa sua imaginação à prova — diz de uma
maneira tão sexy que sinto a ponta dos meus seios incharem.
Quando levanto a cabeça para encará-lo, ele está olhando para a
frente da minha camisola.
Passo a língua pelo meu lábio inferior, que está seco, esquecendo

da farsa sobre o noivado e que eu não deveria lhe enviar sinais para
seguir em frente, apesar de saber que é exatamente isso o que

estou fazendo.
Como no dia em que dançamos, ele se curva, a boca quase
tocando, sem tocar, o lóbulo da minha orelha.

— Eu quero você — diz, arrepiando meu corpo inteiro. — E posso

ver, pela maneira como os seus mamilos estão duros, que me quer
também, mas não fico com a mulher de outro.

— Eu….

— Shhhh… eu não acabei — ele parece mover a cabeça porque

sinto seu hálito bem perto do meu ouvido. — Mas não me importaria
de assistir se quiser me mostrar o quão fértil é sua imaginação

quando se trata de brincadeiras.

Mais segura com sua promessa de não me tocar, resolvo que


também posso jogar de igual para igual.

— E quanto a mim?

— O que tem você?


— Me deixaria vê-lo brincar consigo mesmo também?
— Você é uma provocadora, Martina?

Não, só sou assim com você, seu tolo.


— Talvez…

— Termine com ele.

Engulo em seco.
— E então o quê?

— Nós poderemos nos divertir muito juntos.

E assim, ele me traz de volta ao mundo real.

Porque esse é Raul e por mais química que exista entre nós, eu
nunca serei nada além do que as outras para ele: uma transa.

— Em seus sonhos, Guzmán — falo, empurrando o abdômen que

parece ter sido esculpido em mármore, de tão duro. — Diversão por


diversão, prefiro brincar sozinha.
Capítulo 15

RAUL

Ela vai para o outro lado da sala em tempo recorde, embora não
pareça com medo, mas prestes a me matar.

Somos dois. Quero dizer, não a isento totalmente de culpa. Ela


me provocou, mas justifica eu ter jogado tão pesado? Não.

Ainda assim, não estou arrependido do que eu disse. São anos


circulando o ralo, fugindo do desejo e principalmente, mentindo para

mim mesmo.
E quer saber de uma coisa? Posso não entender muito de

histórias de amor, mas conheço-a o suficiente para compreender que

não está apaixonada pelo tal príncipe.


— O que eu disse demais? Vamos lá, nós dois sabemos que não

quer estar noiva.


— Como pode saber disso? Não ache que me conhece, Raul. Eu

mudei nesses anos em que morei fora.

— Não duvido, mas ninguém pode mudar a própria essência.


— O que isso significa?

— Que você é quente e passional. Não o tipo de garota que

aceita um noivado à distância.


Fico esperando que ela vá me mandar para o inferno ou qualquer

coisa assim, mas ao invés, me surpreende.

— É complicado.
— Então não nega?

— O quê?
— Que não está apaixonada?

Ela cruza os braços, o rosto lindo muito bravo.

— Não tem mais nada para fazer em um sábado à noite do que

cuidar da minha vida amorosa?

Escolho uma poltrona e me sento, fingindo estar relaxado — o que

é uma mentira. Todo o meu corpo ainda é pura tensão por conta da
nossa proximidade de há pouco. Não ajuda que ela não pareça
consciente de estar usando uma camisola de seda — sem sutiã — e
curtinha.

Eu passei uma hora na boate com aquela modelo, mais dez

minutos no carro e não consegui sentir porra nenhuma. Mas bastou

olhar para Martina parada na porta, no entanto, que meu corpo

despertou.

— Digamos que tenho interesse na resposta.


— Por quê?

— Fiquei curioso com aquela história de imaginação fértil em

relação às fantasias.

— Não tem medo dos meus irmãos matarem você?

— Não. Agora me diga: está ou não apaixonada pelo italiano?

— Não é da sua conta.

Sorrio. Já tenho minha resposta.


— Rafe me emprestou esse apartamento, por isso gostaria que

você fosse embora.

— Jura? Se não percebeu, também tenho um código, o que

significa passe livre para vir na hora que eu precisar.

— Precisar transar, né?

— Tem algo de errado nisso?


— Por que não um hotel?
— Sou famoso demais.

— Nunca pensou em namorar a sério? Deve ser menos trabalhoso


do que ficar pulando de cama em cama.

— Nem sempre uso uma cama. Onde está sua imaginação agora?
— Você é um porco.
— Estou brincando. — Parcialmente, mas não acho que seja

esperto da minha parte confessar isso em voz alta.


— Disse que não quis ficar com a loira. Por quê?

— Achei que estava a fim, mas me enganei.


Porque eu não paro de pensar em você vinte e quatro horas por

dia, menina bonita.


— O que está fazendo em Boston, Martina?
Perdi a vontade de brincar. Preciso de uma resposta verdadeira.

— Quero voltar para casa — diz, desviando os olhos.


— Termine com ele.

— Porque quer fazer sexo comigo? É tentador, mas não,


obrigada.

— Tentador? O quão tentador sou para você?


— Sabe que é lindo.
— Homens não podem ser lindos. Sou forte, másculo, sexy — falo

e ela dá risada.
— Isso tudo também, egomaníaco.

— Eu não estava brincando quando disse que quero você.


— Assim, do nada?

— Sabe que não. Já estamos adiando isso há anos. Você fugiu na


noite do seu aniversário.

— Não fugi coisa alguma, eu já estava com aquela viagem


programada.
— Tudo bem, é passado. Estou interessado no agora. Por que vai

continuar insistindo em um casamento com um cara que mora nos


confins do mundo, se disse que quer voltar para casa? Não, nem

precisa responder. É por pura teimosia, não é? Qual é o problema?


A ideia de se tornar uma princesa a encanta, Martina? Não precisa
de uma coroa para isso.

— Acabou de me chamar de princesa?


Fico sem jeito porque nem percebi o que tinha dito.

— Acho que sim. Foi muito cafona?


— Muito, mas fofo também — ela suspira. — Já parou para

pensar que talvez eu ame Vicenzzo?


— Se você o amasse, iria para onde ele estivesse.
— O que sabe de amor, Raul?
Olho para ela. Cada pedaço dela. Ombros delicados, cabelos
soltos, os lábios cheios e preciso me esforçar para controlar a
compulsão que me impele a atravessar a sala e ir até onde está.

Martina tem o poder de me fazer sentir coisas que eu não quero.


Aquecendo meu peito, confundindo meus pensamentos, dominado

meu desejo.
— Talvez eu não saiba o que é estar apaixonado, mas consigo ter
uma boa noção do que é não estar.

— Nunca sentiu vontade de passar mais tempo com alguém ao


invés de algumas noites?

Me levanto e começo a andar para a porta.


— Está tarde, melhor eu ir embora.

— E quanto ao que disse sobre me querer?


Volto-me para encará-la e ela levantou também, se aproximando.
— Ainda está de pé. Termine com ele e podemos nos divertir

juntos.
Ela agora está tão perto que é difícil lembrar do que estamos

falando.
— Sua proposta é muito tentadora, Raul, mas como disse antes,
sei me divertir sozinha. Você falou que gostaria de assistir enquanto

eu brinco — ela sorri, provocante. — Não acho que eu seja tão


corajosa assim, mas tenho fé que não sou somente eu a dona de
uma imaginação fértil. Então, quando for se deitar hoje — diz, dando
uma piscadinha — pense em mim.

Em seguida, vira as costas e vai embora para o quarto, me


deixando com uma ereção descomunal e com a certeza de que

atravessarei essa noite em claro.


Na manhã seguinte

— Mãe, você vai almoçar com os Oviedo hoje?

— Sim. Já tem um bom tempo que não compareço aos almoços

de domingo deles e como Lincoln passará o dia na casa da filha,

decidi ir.
Lincoln é o namorado dela. No começo, achei esquisito ver minha

mãe com um homem que não fosse o meu pai, mas precisei apenas

de uma conversa para perceber o quanto estava feliz.


A morte do meu pai a deixou sem chão. Foi inesperada e brutal, o

que só serviu para aumentar o choque da separação. Vi minha mãe,

que sempre foi uma pessoa forte, quebrar, sucumbindo à dor. E


agora, depois de muitos anos terem passado, ela finalmente está

conseguindo se reerguer. E Lincoln tem um papel importante em sua

recuperação. Contanto que ele não a faça sofrer, estarei na torcida

para que sejam felizes.


— Eu gostaria de ir junto.

— Tem certeza disso?


— Por que a pergunta?

— Meu filho, eu sei o que você fez.

— Não sei do que está falando.


— Raul, sou sua mãe. Você se afastou dos Oviedo depois que

seu pai morreu.

— Mudei de ideia. Vamos deixar para uma próxima vez. — Digo,

louco para desligar.


— Não falei isso para magoá-lo, mas para mostrar que não

precisa esconder nada de mim.

— Não faço de propósito. Só não consigo conversar sobre a


morte dele ainda.

— Sabe que os Oviedo sempre o consideraram como um filho.

— E eu, como se fossem minha segunda família, mas talvez eu

não esteja pronto para me reaproximar. Quem sabe um outro dia?


— Daí então, talvez Martina não esteja mais em Boston.

— E por que isso deveria ser importante?

Ela ri.
— Me dá uma carona? Espero você ao meio dia e meia aqui em

casa. Vou avisar Isabel que irá. Ela vai amar revê-lo.

— Certo. Meio dia e meia.


Capítulo 16

MARTINA

Naquela mesma manhã

Rolei na cama a noite inteira e como consequência, acordei

muito mal-humorada.
Eu não deveria ter provocado Raul ontem, mas não resisti. A

oportunidade era boa demais. Foram anos fantasiando com ele,

então quando tive a chance, não pude refrear meu desejo de instigá-
lo.

Queria ser mais corajosa para aceitar o que me propôs nas

entrelinhas — um caso — mas tenho medo de me apaixonar pelo


cara que já tem um lugar cativo no meu coração. Raul sempre fez

parte de mim e devo pensar com cuidado se estou disposta a deixá-


lo entrar totalmente na minha vida.

Ainda que essa questão não esteja decidida na minha mente,

preciso resolver meus problemas por partes: amanhã vou ligar para
Vicenzzo e falar que cheguei ao meu limite.

Joaquín tem razão. Não é justo que eu me sinta como uma

traidora, quando na verdade, sou livre.


O que faz com que eu volte a pensar na noite de ontem.

Uma coisa que me intrigou foi Raul dizer que não me tocaria

enquanto eu estivesse comprometida com outro. Nunca imaginei que


ele levasse em conta o fator fidelidade e começo a acreditar que ao

rotulá-lo de galinha, eu assumi várias coisas sobre ele que talvez


não sejam verdade.

Acabo de sair do chuveiro e confiro no relógio na mesinha de

cabeceira que ainda falta uma hora para eu ter que ir para a casa

dos meus pais. Se eu me vestir rápido, talvez consiga escrever

algumas linhas para meu próximo lançamento. Tenho andado

dispersa, sem concentração e esse foi um dos motivos de eu ter


vindo para a casa de Rafe ontem.
Se não focar na minha carreira outra vez, vou acabar
estourando o prazo para entregar o livro.

As reuniões de domingo na casa dos meus pais costumam

terminar tarde e depois que sair de lá, já posso dar o dia como

perdido.

Antes que eu consiga pegar lingerie limpa dentro da mochila,

meu celular chama e o toque me dá calafrios porque o escolhi


especialmente para ela: a bruxa que tem me atormentado a partir do

instante em que fiquei noiva.

O que diabos Ornella Simonetta pode querer comigo?

Certo, ela já me ligou uma ou duas vezes desde que eu vim

para Boston, insinuando que não estou cumprindo meu papel como

futura esposa do governante de Amasitano ao me ausentar por

tanto tempo da Europa, mas fora isso, não temos nos falado.
Como ela não sabe que eu e Vicenzzo terminamos, perdoei

sua chatice das outras vezes em que ligou mandando indiretas, mas

falar com ela em um domingo pela manhã não está entre as minhas

três coisas favoritas na vida.

Talvez, a certeza de que meu relacionamento com Ornella

está com os dias contados e que logo que Vicenzzo anunciar nosso
rompimento eu nunca mais precisarei vê-la, me faz ficar um pouco

mais tolerante.
Ainda assim, estou seriamente tentada a ignorar o celular,

mas infelizmente, a educação que minha mãe me deu cobra seu


preço e eu não consigo.
Então, desanimada, sento na cama pensando que deveria ter

tomado uma xícara forte de café antes de ouvir a voz estridente da


minha ex quase futura sogra.

— Bom dia, Vossa Alteza.


Dá para acreditar nisso? Em nenhum momento ela me disse

que eu poderia chamá-la de Ornella, mesmo pensando que um dia


eu seria a mãe dos seus netos.
— Bom dia, Martina, mas como sabe, aqui em Amasitano já

é quase noite.
Minha primeira revirada de olhos não levou um minuto para

acontecer. Essa conversa promete.


— Claro que sei, Vossa Alteza. Espero que esteja tudo bem

por aí. Há algum motivo especial para ter ligado?


Sim, talvez isso não tenha sido a coisa mais fofa que eu
poderia dizer, mas depois de uma noite praticamente insone, aturar

a mãe de Vicenzzo parece um pesadelo.


— Essa linha é segura, então não há razão para perdermos

tempo com falsas amabilidades.


Levo um momento para acreditar que ela realmente disse

aquilo. Por mais que sempre tenha sido fria comigo, jamais foi
grosseira como está sendo agora.

— Acho que não entendi.


— Eu descobri tudo.
— Tudo o quê? — Pergunto, já com uma sensação ruim no

peito.
— Tudo: que você e meu filho estão tentando romper o

noivado, mas esperarão um tempo antes de anunciar essa decisão


para o resto do mundo. Estou ligando para avisá-la de que isso não
irá acontecer.

— O quê? Acho que não ouvi direito.


— Claro que ouviu, mocinha. Você não pode simplesmente

brincar de ficar noiva e, por um capricho, mudar de ideia e


descartar meu filho.

Nem me dou ao trabalho de explicar que nós não nos


amamos. Ela que vá para os quintos do inferno. Nossa relação não
é da bendita conta dela.
— Já que está sendo direta, vou jogar da mesma forma. Eu
não descartei Vicenzzo. Pessoas normais terminam relacionamentos
o tempo todo.

— Não na minha família.


— Por favor, olhe à sua volta. Estamos no século vinte e um.

Ninguém dá a mínima para rompimentos.


— Talvez não em seu meio. O que esperar de um clã
misturado? Diferenças culturais sempre acabam criando pessoas

fracas.
Tomo algumas respirações para me acalmar, mas não

adianta.
— Pense o que quiser de mim, Ornella, — digo, jogando a

formalidade para o inferno — mas deixe minha família fora disso ou


vai me ver ficar louca. Ninguém fala mal dos meus pais ou irmãos na
minha frente.

— Controle-se, Martina. Somos pessoas civilizadas.


— Não dou a mínima para seu conceito de civilidade quando

o que está em jogo são meus parentes. Posso virar uma selvagem
se for preciso, para defendê-los.
— Eu percebi que vocês têm essa necessidade vulgar de

demonstrar sentimentos e é justamente por saber que sempre se


preocupa tanto com os seus familiares que estou ligando.
— O que tem a ver meu rompimento com Vicenzzo com a
minha família?

— Tudo. Eu sei quem você é e o que você faz, M. Cabot


Olson.

Por um momento, tenho a sensação de que o quarto está


girando. Acho que se eu não estivesse sentada, poderia desmaiar.
Como ela descobriu, se nem mesmo Vicenzzo sabe meu

pseudônimo?

Então eu me lembro das primeiras vezes em que fiquei


hospedada em Amasitano. Eu ainda não sabia que a internet lá era

monitorada e como faço toda manhã, independente de em que país

esteja, provavelmente devo ter trabalhado em um dos meus livros.

— Não vai falar nada?


— Estou tentando lembrar qual lei seria aplicável a esse tipo

de invasão de privacidade.

Nem tento negar a verdade porque não faz qualquer sentido.


— Aqui no meu país, nenhuma, então pare com o drama e

fique atenta ao que vou dizer porque não gosto de me repetir.

Esqueça essa ideia absurda de cancelar o casamento ou o mundo


inteiro vai saber o tipo de baixaria que você escreve.
Estou fervendo de ódio e acho que se estivéssemos frente a

frente, provavelmente puxaria aquele cabelo cheio de laquê.


Fora Raul, não me lembro de ter querido partir para o

confronto físico com alguém, mas com ele havia uma pegada de

raiva-paixão, com Ornella, no entanto, eu realmente quero machucá-


la.

— Eu não dou a mínima. Não sinto vergonha da minha

profissão. Meus livros têm sexo, e daí? Se ainda não sabe, Vossa

Alteza, o mundo inteiro transa.


Menos eu — mas nunca direi aquilo em voz alta para alguém.

— Sei que não liga para sua própria imagem ou nunca

escrevia coisas tão grotescas, mas e quanto a sua família?


— O que tem eles?

Antes que ela responda, entretanto, eu já sei.

Ela nos pesquisou e estou prestes a ser vítima de uma


chantagem.

— Sei tudo sobre a negociação do seu irmão com aquele

país ultraconservador. Está mesmo disposta a destruir um projeto

de anos por capricho?


— Não é capricho. Eu e Vicenzzo não combinamos. Por que

não consegue enxergar isso e me deixar em paz?


— Concordo que não está à altura do meu filho, mas agora

o mal já está feito e eu não vou voltar atrás. Não arrastará o nome

da minha família na lama. Vai haver casamento sim e muito em


breve, ou eu juro que destruirei os planos do seu irmão. Não é

somente esse negócio que ele pode perder. Se a notícia do

conteúdo dos seus livros se espalhar, as ações da Caldwell-Oviedo

vão despencar no mercado.


— Vicenzzo sabe o que você está fazendo?

— Não. Meu filho foi para um treinamento em campo com o

exército do nosso país e se manterá incomunicável por um mês. É


uma bobagem, mas uma tradição instituída pela família do meu

falecido marido e que vem sendo repetida há gerações.

— Ele nunca vai permitir que você magoe minha família.

— E o que ele poderá fazer para me impedir? Se levar o


nosso sobrenome para a sarjeta, fazendo meu filho passar pelo

ridículo papel de homem abandonado, Martina, vou destruir sua

reputação. Tenho todos os seus livros documentados e os trechos


mais depravados, em destaque. Eu os distribuirei pessoalmente se

não fizer o que estou mandando.

— Por que está fazendo isso? Nem gosta de mim, Ornella.


— Não gosto mesmo, mas ninguém despreza um Revello-

Lucchese. Esse casamento acontecerá e você nunca mais vai


escrever uma linha dessas histórias pornográficas.

Estou tremendo. Uma dor na minha têmpora fazendo minha

cabeça latejar.
— Quero uns dias para pensar a respeito.

— Não há muito o que pensar, mas como tenho um bom

coração, lhe darei até amanhã.

— Não. Uma semana.


— Tudo bem. Como sou uma pessoa razoável, deixarei que

decida com cuidado. Enquanto isso, providenciarei para que a

melhor estilista da Europa a encontre aí em Boston, para tirar suas


medidas para o vestido de noiva.

— Parece muito certa de que vou concordar.

— E estou. Que alternativa você tem?


Capítulo 17

MARTINA

Uma hora depois

Nem sei como cheguei à casa dos meus pais. Minha cabeça

está fervendo com o telefonema daquela mulher. Não consigo dizer

o que me chateou mais: se a chantagem sórdida ou ela tratar minha

obra como lixo.


Quando comecei a escrever, eu era uma menina ainda e

claro, ficava encabulada de que meus pais e conhecidos


descobrissem que a garota de família possuía uma visão bem

sensual com relação ao sexo.


Depois, aconteceu meu noivado com Vicenzzo e eu aproveitei

para ficar em minha zona de conforto, mantendo minha carreira nos


bastidores, supostamente para não constrangê-lo. Agora, no

entanto, percebo que deveria, desde o começo, ter encarado a

todos de cabeça erguida.


Sou uma escritora e ninguém pode me dizer o que escrever.

Não há certo ou errado no que diz respeito à arte — e

escrever para mim, é uma das mais importantes, pois nos ajuda a
sonhar.

Uma vez, ouvi um crítico dizer que há uma diferença entre

autor e escritor, porque o autor é um contador de histórias e um


escritor, modifica o mundo de alguém.

Lembro que fiquei indignada no dia. Antes de escrever livros


eu os li aos montes.

Quem era aquela pessoa que se julgava no direito de

determinar que tipo de literatura tem o poder de mudar os leitores?

O que é uma perfeita história para um, pode ser maçante para outro

e o que um detesta, pode ser o livro dos sonhos de tantos outros.

Assim, eu me considero escritora, autora, criadora e artista e


tantos rótulos mais que eu queira usar. E não me envergonho do que

escrevo.
Quando desliguei o telefone, eu estava tão louca da vida,
que minha vontade era ir para a varanda do apartamento de Rafe e

gritar para o mundo inteiro que sou M Cabot Olson.

E se não fiz isso, foi por amar minha família acima de tudo.

Antes de tomar uma decisão, preciso conferir com eles essa história

sobre o resort. Por isso, pedi uma semana a aquela mulher, não por

medo.
Ela me disse que Vicenzzo ficará um mês incomunicável, o

que me dá trinta dias, ao menos, de vantagem. Não sei ainda que

caminho vou seguir para me livrar dela, mas se há uma certeza em

minha vida, é que ninguém vai determinar meu futuro contra minha

vontade.

Não acredito que Vicenzzo a apoiaria nessa loucura de jeito

algum, mas não quero que essa merda exploda no colo do meu
irmão porque eu sei, baseada na perseguição da imprensa em cima

de mim nos últimos meses, como os jornalistas podem distorcer a

verdade quando querem.

Então, um livro com cenas hot poderia facilmente ser

noticiado como pornografia, se o que Ornella quiser for mesmo

prejudicar minha família.


Estou no meu antigo quarto, olhando pela janela, enquanto

vejo meu irmão Gael brincar com Nina no jardim.


Sinto falta de conversar com ele, já que é aquele que nunca

está por perto. Queria chamá-lo para almoçar somente nós dois,
mas quando vem a Boston para nossas reuniões de domingo, toma
o voo de volta para a California — ou para qualquer outro lugar onde

esteja filmando — na mesma noite.


Distraída em meio aos pensamentos, quase morro de susto

quando sinto uma presença atrás de mim e não ajuda que, ao virar
para trás, me deparo com a razão da minha madrugada em claro.

Parece uma piada. Quando me despedi dele ontem,


provoquei dizendo que pensasse em mim e no fim, fui eu que teve
uma noite infernal, querendo algo que ainda não consigo nomear.

Meu Deus, como ele consegue ser bonito a qualquer


momento? Está vestido com um jeans escuro e uma camiseta

branca, simples, mas juro que parece um deus sexy e musculoso.


Não é à toa que as mulheres ficam loucas quando o veem. Não

julgo. Eu mesma me sinto tentada a terminar a distância entre nós e


me deliciar naquele corpo.
Me dou um tapa mental na nuca para me obrigar a acordar

para a vida, antes que as minhas fantasias fujam ao controle.


— O que você está fazendo aqui, Raul?

— Isso são modos de falar com um convidado? — Ele sorri e


eu desvio os olhos porque aquela bendita covinha tem o poder de

tirar minha concentração.


— Você não é um convidado, é parte da família.

— Prefiro não ser.


— Por quê?
— Soaria meio incestuoso, já que quero fazer coisas com

você que não são socialmente aceitas entre irmãos.


— Eca.

— Você que começou com esse papo de família, bonita.


— Nunca fala sério?
— E quem disse que eu estou brincando?

Faço menção de sair do quarto, mas ele entra na minha


frente.

— O que vai fazer mais tarde?


— Veio almoçar aqui por minha causa? — Devolvo com outra

pergunta.
— Sim.
— Não vou ter um caso com você, Guzmán.

— Por que é noiva?


— Não. Mesmo que eu fosse solteira, me amo demais para
aceitar ser mais um nome na letra M de sua agenda.
— Não seja boba — ele se aproxima e eu recuo, porque sim,

não confio em mim para não atacá-lo sexualmente. — Vamos jantar


hoje.

— Nós nem almoçamos ainda — falo, tentando escapar de


uma resposta direta porque não devo aceitar o convite, embora
queira muito.

— Uma bebida então.


— Não posso.

— Não pode ou não quer?


— Quero, mas não posso — respondo com sinceridade. —

Não devo ficar me expondo por causa de Vicenzzo. As revistas já


estão me crucificando mesmo sem eu sair de casa.
— Danem-se, Martina. Por que você tolera esse tipo de

merda?
— É complicado — respondo, evasiva.

Ele levanta meu queixo e me olha, como se pudesse ler


minha alma. Troco de uma perna de apoio para outra, um pouco
ansiosa.

— Você chorou hoje? — Pergunta.


— Não.
Sim, de raiva daquela megera.
— Termine com ele. Não porque eu pedi, mas por você,

Martina. Não está feliz.


— É melhor descermos.

Ele segura meu braço.


— Venha até a minha casa hoje, então, já que não quer se
expor. Uma bebida e conversa. Já disse que nunca tocarei em você

enquanto for comprometida.

Que bom que ele tem autocontrole, porque eu sei que não
tenho, assim como sei que sou livre, o que só piora a situação.

— Não devemos. Minha vida está uma bagunça agora e

ficarmos perto um do outro só irá piorar.

— Me conte o que houve.


— Não acho que seja uma boa ideia.

— E se eu disser que eu preciso conversar?

— Precisa?
Ele acena com a cabeça.

— Por que comigo?

— Esquece o que eu falei — diz e faz menção de sair.


— Não, espera. Tudo bem. Uma bebida, mas não em sua

casa. Na minha. Mas, sem gracinhas e nem táticas de sedução.


Claro que ele dá outro sorriso devastador.

— Palavra de escoteiro.

Você nunca foi escoteiro, Guzmán.

Minutos depois
— Alguém sabe como anda a negociação para a construção

do resort em que Guillermo vinha trabalhando? — Pergunto,


tentando manter a voz neutra.

Tenho medo de me trair, já que nunca me interessei pelos

negócios da família, embora todos nós sejamos acionistas da rede

de hotéis Caldwell-Oviedo.
Eu gostaria de falar diretamente com o meu irmão Guillermo,

mas ele está em lua de mel e não posso esperar mais duas

semanas para confirmar o que aquela mulher horrível me disse ou


terei um infarto.

— Nada ainda — Joaquín é quem responde. — Guillermo vai

acabar vencendo-os pelo cansaço, claro. Nunca o vi recuar em algo


que desejasse, mas os governantes daquele país são

extremamente conservadores e estão exigindo garantia atrás de

garantia de que o decoro e os bons costumes locais serão

respeitados.
— Por que é tão importante construir lá? Há vários outros

lugares tão bonitos quanto.


— Não é somente pela beleza da ilha — Rafe é quem

responde agora — mas o projeto dos sonhos do nosso irmão


porque o resort gerará centenas, talvez milhares de empregos para

aquele país. Pelo que Guillermo me disse, as diferenças sociais lá

são chocantes. Eles estão divididos entre bilionários e aqueles que


não têm mais do que uma refeição em seus pratos por dia.

Sinto meu coração afundar, enquanto o pedaço de carne que

estava em minha boca desce como cimento.

Eu não tenho a menor ideia do que fazer agora.


Se Guillermo não fechar essa negociação rapidamente, terei

que esticar esse noivado o máximo que eu puder porque não há

maneira de que eu vá me casar forçada.


Enquanto isso, vou precisar continuar com essa farsa. Pelo

menos até conseguir falar com Vicenzzo.

Mas e se a ameaça que ela me fez for verdadeira? E se nem

o pedido de seu filho a impedir de prejudicar a mim e a minha


família?

— Por que o interesse? Está pensando em trabalhar com seu

irmão? — Tia Aurora, mãe de Raul, pergunta.


— Não, Martina será psicóloga. — Mamãe diz e sinto meu

rosto esquentar por deixá-la no escuro quanto ao meu futuro.


Levanto a cabeça do meu prato e percebo Raul me

encarando, mas eu desvio o olhar.

A última coisa que eu preciso no momento é dessa tentação

de quase dois metros.


Ele não sorri. Está sério como se tentasse entender além do

que os outros veem e eu percebo que foi um erro ter marcado

qualquer coisa com ele hoje à noite.


Uma a uma, suas camadas vão se desfazendo na minha

frente. Raul não é somente o astro do futebol rodeado de mulheres,

mas alguém que consegue me enxergar, talvez até mais do que a

minha família.
E isso, no momento, é muito perigoso.
Capítulo 18

MARTINA

Mais tarde naquele dia

— O que aconteceu lá dentro?

— Nada — digo, andando para o carro, enquanto ele sai da

residência dos meus pais em meu encalço.

Já está escurecendo, então provavelmente ele pretende ir

direto daqui para minha casa.

— Martina.
— Eu não quero falar sobre isso. — De que adiantaria? Ele
não pode me ajudar. — É melhor irmos embora. Há uma chance de

que nossa família inteira esteja nos olhando nesse exato momento.

— Entre no carro. Vou seguir você.

Minutos depois
Nossos olhares estão presos enquanto subimos no elevador.

É normal que mesmo sem nos tocarmos, eu me sinta tão


conectada a ele?

— Não tenho álcool em casa. — Aviso.


— Não posso beber. A temporada começará em breve.
Eu havia esquecido de como ele sempre foi focado em

saúde. Raul é um profissional extremamente comprometido com a


carreira e um astro que só traz orgulho para o futebol do país.

— Até nisso nós somos opostos — penso em voz alta, antes


que consiga me parar. — Eu adoro comer porcaria.

— Gosto de desafios.
— Eu sou um desafio?
— Em mais de uma maneira, mas no momento estava

falando sobre o tipo de comida que elegeu. Posso ajudá-la a


melhorar seus hábitos alimentares.

— Hambúrguer, sorvete, chocolate, hummm.... — Sorrio,


passando a língua pelo lábio inferior e ele segue o movimento.

— Fez isso de propósito?


— Não. Dessa vez estava te provocando sobre comida
mesmo.
O barulho do elevador nos impede de continuar o que estava

se tornando rapidamente uma conversa sensual.


Eu passei uma manhã de merda por conta da minha sogra-

monstro, mas Raul conseguiu, em poucos minutos, me fazer


esquecer o caos em que estou mergulhada.

Digito o código para abrir a porta — cortesia da paranoia de


Joaquín que eliminou chaves de todas as propriedades de nossa
família, substituindo-as por códigos ou digitais.

Acendo a luz e sinto o calor dele às minhas costas, enquanto


tento enxergar o lugar em que moro sob seu ponto de vista.

O apartamento é grande para uma só pessoa, com quatro


quartos e sem muitas paredes dividindo-o. Mamãe tê-lo comprado
para mim só mostra o quanto ela tinha certeza de que meu noivado

não iria mesmo adiante, pois o adquiriu quando eu ainda estava


comprometida.

— Gosto daqui. — Diz.


Viro-me para ele, para conferir se está brincando, mas seu

rosto está sério.


— Mesmo?
— Sim. Parece com um lar de verdade. Colorido e lindo

como você.
— Não me fale esse tipo de coisa.
— Por que não? É a verdade, Martina. Você é linda e
vibrante.

Começo a me afastar porque ouvi-lo dizer coisas desse tipo


mexe demais comigo.

— Fique à vontade. Eu vou trocar de roupa. Se quiser pegar


algo para beber na geladeira...
Não olho para trás. Estou um pouco sobrecarregada pela

presença dele e preciso impor um pouco de distância para colocar


minha cabeça no lugar, mas paro quando ouço sua pergunta.

— Ele já esteve aqui?


— Não. Além dos meus parentes, só você conhece minha

casa.
Vesti um shorts e uma camiseta porque quero me sentir
confortável.

Olho uma última vez no espelho, antes de ir para a sala. Não

costumo me preocupar tanto com a aparência, mas por outro lado,

sou competitiva e ele está acostumado a sair com as mulheres mais


lindas.

Não que esse seja um encontro — longe disso — mas faz

bem à minha autoestima ser admirada por um cara como ele.


Mais confiante, vou para a sala, mas assim que chego, meu

coração dispara desenfreadamente porque vejo Raul com um livro

meu, aberto em suas mãos e parece concentrado na leitura.


— O que você está fazendo?

Posso jurar que o vejo corar, mas ele rapidamente disfarça,


sorrindo.

— Gostei dessa autora.

O elogio sincero me emociona. Embora eu tenha certeza de


que ele deve estar lendo alguma parte hot do livro, fico feliz em ouvir

aquilo depois das ofensas que ouvi hoje.

Lembrar daquela conversa me esvazia na hora.

— O que houve?
— Eu gostaria de já poder beber. — Confesso.

— Está quase lá — fala, em referência ao fato de que em

breve farei vinte e um anos[25] — mas por que precisa de álcool?

— Primeiro, diga o que achou do livro.


Raul, como eu, sempre gostou de ler, o que quebra o

paradigma do atleta que só pensa em cultivar músculos.

Na época em que o elegi como desafio de amizade, adorava


nossas conversas porque ele sabia sobre assuntos que ninguém

mais se importava em pesquisar. Há um nerd escondido dentro do

gigante sexy.

— É bem escrito, fluido. Mas eu gostei mesmo da descrição


das cenas de sexo. Me deixou com tesão.
Sinto meu rosto em chamas pela naturalidade com que fala de

seu desejo e meus olhos traiçoeiros percorrem a parte de sua

anatomia que ele diz ter se empolgado pela minha escrita.


Doce Senhor Jesus! Se aquele volume todo for de verdade, o

rapaz deve saber como fazer uma mulher feliz.

Ergo o rosto e sei que fui pega em flagrante, mas ao

contrário do que pensei, ao invés de dizer alguma gracinha, ele me


encara de maneira predatória, como se fosse pular em mim a

qualquer momento e se eu for sincera, a possibilidade soa como o

paraíso.
Antes que eu possa me envergonhar ainda mais, escolho uma

poltrona um pouco distante da dele.

Raul não faz ideia de que é o protagonista das minhas

fantasias e de como vê-lo confessar que ficou excitado com as


cenas que criei imaginando nós dois, me enlouquece.

— Eu sabia que seriam suas favoritas — me obrigo a falar. E

como se um diabinho me tivesse atentando, eu o empurro um pouco


mais. — Alguma cena em particular?

—Tem certeza de que quer ouvir sobre isso? — Desafia.

— Não, eu estava brincando. Até porque já li esse livro

dezenas de vezes. Tenho cada fala praticamente gravada em meu


cérebro.

Ele segura meu primeiro livro, que deixei em cima da mesinha


de centro porque estou usando como referência, já que pretendo

fazer um spin-off da história em breve.

— Dezenas de vezes? Deve ser muito fã da autora mesmo.


Reparei que há vários livros dela em sua estante. Você a conhece

pessoalmente?

— Muito. Somos amigas desde que nasci.

Ele solta o livro ao seu lado, no sofá e olha para mim com um
v se formando no meio da testa.

— Esse é um pseudônimo, certo? Quem é ela? Alguém do

nosso círculo de amizade?


— Sim, é um pseudônimo. E você a conhece também. M

Cabot Olson sou eu, Raul.


Capítulo 19

RAUL

— Não faça piada a respeito — ela diz, na defensiva.


— As coisas que estão passando pela minha cabeça não são nem
perto de serem piada, Martina.

Não estou brincando.


Meu cérebro está dando um nó, enquanto a parte mais primitiva
de mim quer trazê-la para o meu colo e testar cada linha do que

acabei de ler.
— Há uma razão para eu ter te contado isso. Hoje cedo você me

perguntou se eu havia chorado e estava certo. Chorei sim. De raiva.


— Vicenzzo?

Fico tenso na hora. Se aquele filho da puta fez algo para

machucá-la, eu vou matá-lo.


— Não. Quero dizer, da parte dele, embora ele não tenha culpa.

— Como isso é possível?


— Minha sogra. Não, apague isso, minha ex quase futura sogra.

Meu olhos seguem direto para seu dedo anelar da mão direita e

só então percebo que o Capitólio[26] sumiu.


— Onde está seu anel?

Meu sangue aquece porque eu a conheço bem demais. Ela não

tiraria a joia a não ser que...

Eu preciso da confirmação, porque enquanto a encaro, uma voz


martela dentro da minha cabeça.

Livre. Ela está livre.

Não há mais qualquer empecilho entre nós agora.

— Não estou mais noiva. Eu terminei tudo há quase dois meses,


antes de voltar para Boston.

— E não me disse nada?

Um mês? Trinta fodidos dias em que fiquei no escuro?

— Por que deveria dizer? — Ela se defende e não tenho resposta

para aquilo então, para não seguir no papel de idiota que tenho

certeza que estou fazendo, opto por uma via alternativa.


— Continue. Por que sua sogra a fez chorar, Martina?

— Ex-sogra.
— Certo. Ex-sogra. Fale.
Enquanto a escuto explicar a razão de ter fingido continuar noiva,

tenho vontade de pegar meu avião e ir até a Itália quebrar o nariz de

Sua Alteza Real.

Filho da puta egoísta. Será que ele não imaginou que ela seria

massacrada pela mídia ao passar tanto tempo longe do suposto

noivo, ainda em luto pelo pai?


— Mesmo antes de Ornella…

— Ornella? — Pergunta.

— Ornella Simonetta, a mãe de Vicenzzo.

Como é possível antipatizar com alguém somente ouvindo seu

nome?

— Como eu ia dizendo, mesmo antes dela me telefonar hoje, eu já

havia decidido que conversaria com Vicenzzo sobre contarmos toda


a verdade para o resto do mundo, mas então ela me ligou, me

pegando de surpresa.

— Como assim?

— Na teoria, não era para ela saber que eu e o filho havíamos

terminado, mas de alguma maneira, ela descobriu. A razão dela me

telefonar hoje foi para me chantagear. Na cabeça louca dela,


cancelando meu casamento com Vicenzzo, eu estaria arrastando o
sobrenome da família deles na lama. Ela descobriu o que eu escrevo

e ameaçou tornar isso público. Ninguém sabe, Raul. Nem meus pais
e irmãos. Uma assessora me representa em eventos e contratos.

Ninguém conhece o rosto de M Cabot Olson.


— Você tem vergonha de sua profissão? Por quê? Pelo pouco que
li, escreve bem para caralho.

É o primeiro sorriso que me entrega desde que aquela história


sórdida começou a ser narrada.

— Obrigada.
— Deixa eu terminar. Mesmo que não escrevesse tão bem assim,

ainda que seus livros fossem pornografia pura, ninguém tem o direito
de lhe dizer o que fazer, Martina.
— Eu não tenho vergonha dos meus livros, só não havia

encontrado o momento certo de revelar tudo à minha família.


— Mandou a megera para o inferno, certo? Só alguém vivendo na

idade média pode acreditar que você se submeteria a uma proposta


tão ridícula.

Ela fica em silêncio por tempo demais e percebo que não me


contou tudo.
— O que ainda não está me dizendo?
— Ornella disse que se eu insistir em romper o noivado vai abrir

para o mundo inteiro sobre a minha profissão, para se vingar de mim


e da minha família. Você prestou atenção, durante o almoço hoje,

quando perguntei a Joaquín sobre a construção de um resort?


— Sim, algo a respeito de um país ultraconservador e…. foda-se,

é isso então? Ela está usando seu amor pela sua família para
manipulá-la?
— Resumindo, sim.

— E onde está o bastardo do seu ex-noivo?


Não estou mais nem um pouco a fim de ser legal.

— Vicenzzo não sabe o que a mãe está fazendo. Ele não é má


pessoa, Raul e no momento, está em um treinamento militar
obrigatório para os governantes recém-empossados.

Não a contrario sobre ele não ser má pessoa, mas na minha


opinião, ao menos omisso, foi. Ele pensou em seu país, mas não em

como esconder a verdade poderia prejudicá-la e isso é imperdoável.


— Qual a resposta que deu à infeliz?

— Nenhuma, por enquanto. Pedi uma semana. Estou tentando


ganhar tempo enquanto Vicenzzo não volta. Talvez ele consiga
controlar a louca da mãe dele.
— Talvez, mas se ela é vingativa como eu acredito que seja,
mesmo que Vicenzzo a libere da promessa de não contar à imprensa
sobre o fim do noivado, ainda assim, ela pode trazer tudo à tona,

Martina. Se a intenção for prejudicar você por pura maldade, não


tenho dúvida de que fará.

Levanto e ando até a janela, pensando no que fazer. Na verdade,


eu sei, mas estou procurando o melhor caminho para alcançar o que
quero.

Quando comprei a mineradora de diamantes, a ideia era garantir


que o cretino não a traísse. Jamais passou pela minha cabeça que

teria que chantagear a mãe dele — que é o que farei.


Ninguém vai machucar Martina. Se eu a protegi de mim mesmo

durante anos, não vai ser uma família vinda do fim do mundo que a
magoará.
Por outro lado, é como se a vida estivesse me dando uma chance

de tê-la por um tempo comigo, de uma maneira segura para ambos.


Alguns meses com ela é tudo o que preciso. — Prometo dentro

da minha cabeça.
Eu a ajudaria de qualquer jeito, mas Martina não precisa saber
disso.

Eu a quero e ela me quer. Somos livres, então, por que não?


Volto-me novamente em sua direção e a pego em flagrante me
observando quase que com a mesma cobiça com que fez quando
entrou na sala há pouco.

Nós estamos fugindo do inevitável e ambos sabemos disso.


Se eu for cuidadoso e jogar limpo desde o começo, ambos

sairemos lucrando.
— Por que está me olhando desse jeito? — Pergunta.
— De que jeito?

— Você sabe do que estou falando.

Me aproximo e a vejo acompanhar o movimento, mas sem tentar


escapar.

— Tenho uma proposta para lhe fazer. Na verdade, um acordo.


Capítulo 20

MARTINA

— Que tipo de acordo? — Olho para ele, desconfiada.


Já ouviram aquele ditado: gato escaldado tem medo de água fria?
É o meu sentimento em relação ao gigante sexy à minha frente.

— Um que será bom para nós dois — Raul responde do alto do


seu um metro e noventa e cinco e com um sorriso de desmanchar

calcinha.

Droga. Eu nunca vou conseguir ser imune a ele, mas tento assim
mesmo, porque aquele sorriso deixa as mulheres incapazes de

manterem a atividade cerebral e não quero ser mais uma.


Só há uma coisa que é maior do que esse jogador de futebol

americano: seu ego.


— Eu não sei se confio em você — digo, sem esconder o que

sinto porque ele está com um olhar que não esconde suas intenções.
Intenções essas que me deixam trêmula e um pouco ansiosa,

diga-se de passagem. Acho que são muito parecidas com as minhas,

inclusive, já que o tal fazer direito não me sai da cabeça.


— Deveria confiar em mim, atrevida. Eu estou disposto a salvar

sua pele.

— Salvar minha pele de que maneira?


— Por isso disse que precisaria confiar em mim.

Eu confio que ele não me machucaria de propósito, mas isso não

quer dizer que não me machucaria involuntariamente.


— E o que quer em troca? — Pergunto, me levantando.

— Ainda vou pensar.


— De jeito nenhum vou fazer um acordo no escuro. Esqueceu de

quem sou filha? Se tem uma coisa que aprendi na vida, é a negociar.

— Tudo bem, então — ele fala, erguendo as mãos para o alto,

fingindo rendição. — Não sou eu quem está precisando de ajuda.

O bastardo está segurando as melhores cartas e sabe disso.

— Isso é chantagem.
— De jeito nenhum. Isso se chama troca justa.

— O que você poderia querer de mim, Raul? Já tem tudo.


Ele me olha de cima a baixo e minha pele se arrepia.
— Eu não tenho tudo, Martina.

Jesus Cristo, será que ele vai me pedir o que estou pensando?

Devo sair de uma chantagem para entrar em outra?

Mas preste atenção ao chantagista, Martina: alto, delicioso,

cheio de músculos e com incríveis olhos azuis. — Minha mente

louca implora.
— Eu topo — falo tão baixo que eu mesma quase não escuto e é

claro que ele não deixaria aquilo passar.

— Não ouvi, baby. O que foi que você disse? — Ele coloca a mão

enorme na orelha, formando uma concha.

— Eu disse... — vá para o inferno, penso, porque ainda que eu

esteja muito tentada a aceitar qualquer coisa que ele propuser, não

gosto que me manipulem. Mas não sou estúpida e sei a hora de


recuar. Sou quem precisa de socorro no momento — eu disse que

agradeço a sua... huh... ajuda.

— Viu? Não doeu tanto assim admitir que precisa de mim.

Antes que eu possa responder ou lhe atirar alguma coisa em cima,

Raul vira as costas como se fosse embora, mas eu vou em seu

encalço.
— Só há uma condição — diz, sem olhar para trás.
— Não falamos nada sobre condições.

— Estou falando agora.


— E o que seria?

— Ninguém pode saber. Haja o que houver. Isso ficará entre nós
dois.
— Tudo bem — aceito, mesmo achando que vou me arrepender.

Então, ele gira o corpo para mim e se encosta na porta,


parecendo ter desistido de ir embora.

— Faria qualquer coisa para se livrar da tal Ornella, Martina?


— Não. Somente se o seu pedido for razoável.

— Está aí algo que nunca fui acusado de ser: razoável,


moderado, contido. Desconheço qualquer um desses adjetivos.
— Retiro o que eu disse. Não preciso de sua ajuda.

— Fica ainda mais sexy quando banca a orgulhosa.


— Não estou bancando a orgulhosa, mas colocando os neurônios

que Deus me deu para funcionar. Não vou ser sua amante, peguete,
foda amiga ou qualquer coisa que esteja passando pela sua cabeça.

— Foda amiga? Que mente suja, amor.


Ele joga a cabeça para trás e ri.
Inferno de homem gostoso. Mesmo quando está sendo um

cretino, ele é irresistível.


— Você acha mesmo? — Pergunto, subitamente insegura,

lembrando das palavras de Ornella ao telefone pela manhã. — Que


eu tenho uma mente suja, quero dizer.

— Não. Eu adoro como essa cabeça linda funciona. Não vou


negar que estou louco para ficar com você e se for uma menina

corajosa, assumirá isso também, mas não era isso que eu iria
propor.
— Disse que não sabia o que queria em sua parte no acordo.

— Eu menti.
— Revelar isso não é uma boa maneira de iniciar uma negociação,

Guzmán.
— Viaje comigo durante a temporada dos jogos.
— O quê?

— Tem minha palavra de que resolverei seu problema com a


maldita italiana e em troca, quero que fique comigo durante toda a

temporada. No meu quarto, o tempo todo, para onde quer que eu vá.
— Não farei sexo em troca de…

— Shhhh… eu pedi que fique comigo durante a temporada. Não


estou chantageando você em troca de sexo.
— Então o que é isso?

— O que acha?
— Não faço a menor ideia. Nunca vivi nada nem parecido, Raul.
— Um acordo.
— A temporada dura mais de quatro meses. Vão achar que

estamos comprometidos.
— E o que importa o que os outros pensam?

Estou assustada com o quanto desejo aceitar a proposta dele,


mas também com medo.
Passar quatro meses viajando com Raul parece o paraíso e eu

posso trabalhar de qualquer lugar, mas ao mesmo tempo, me


acostumarei a tê-lo ao meu lado.

— Como está tão certo de que pode conter Ornella se você


mesmo disse que talvez nem mesmo o próprio filho dela consiga?

— Eu não vou contê-la, mas devolver o favor e chantageá-la.


— Não entendi.
— Nem precisa. Confie em mim.

— E nossos pais? O que diremos a eles? Eu não vou mentir.


— Diga a verdade, então.

— Mas você falou que não deveríamos revelar o acordo.


— Sim, eu estava me referindo a dizer a verdade sobre você ficar
comigo durante a temporada.
— Não tem medo da morte? Meus irmãos vão ficar loucos quando
souberem que vamos passar tanto tempo juntos.
— Não devo nada a eles.

E assim, acabaram meus argumentos.


Cruzo os braços em frente ao peito.

— Quero meu próprio quarto em cada hotel em que nos


hospedarmos.
— Suítes completas com dois quartos. Portas interligadas. É

pegar ou largar.

— Okay — falo, talvez um pouco rápido demais e seus olhos


brilham com algo que não sei definir. — Mas por que agora, Raul?

Para que me levar junto? Vou atrapalhá-lo, porque se está pensando

que ficarei quieta enquanto um bando de modelos…

— Hey — diz, pousando o dedo nos meus lábios para me calar. —


Vamos ser só nós dois. Uma temporada e então você estará livre de

mim para sempre.

Meu coração acelera.


Para sempre? Não estou pronta para isso. Não sei se estarei um

dia.

— O que isso significa?


— Exatamente o que eu disse.
— E se eu tiver alguns pedidos extras também?

— Podemos negociar.
Olho-o, nem um pouco segura do que estou fazendo, mas

prudência nunca foi o meu forte.

— Tudo bem.
Capítulo 21

MARTINA

Boston

No dia seguinte

— Está me dizendo que vai viajar durante quatro meses com sua

paixão de adolescência?
— Não prestou atenção ao que eu falei antes, Lilly? Só irei para

me livrar da chantagem de Ornella.


— Foi essa a desculpa que deu a si mesma? — Pergunta e eu

pressinto seu bufo de riso do outro lado da linha. Esse é o problema

das pessoas nos conhecerem demais: nós não conseguimos


esconder nada delas.

— Você é a minha melhor amiga. Deveria me apoiar.

— Acredite, eu estou totalmente de acordo com essa viagem.


Mesmo sem conhecê-lo, já gosto de Raul. Ele a está fazendo sair

de sua zona de conforto. Para ser sincera, nunca achei que esse

casamento com o príncipe aconteceria.


— Baixinha, eu não tenho zona de conforto. Sou destemida e

inconsequente.
Agora ela gargalha de verdade.

— Menina, você não se olha no espelho? Um metro e sessenta e

um não faz de você exatamente uma gigante. São apenas três

centímetros a mais do que eu.

— O que posso dizer? Dou importância a detalhes. Mas agora

falando sério, por que acha que meu casamento nunca aconteceria?
— Não sei como responder a isso sem magoá-la. Tenho tentado

construir um filtro entre o cérebro e a boca, para variar. Nem


sempre dizer o que penso funciona muito bem. Aprendi que as
pessoas preferem mentiras fofas.

— Não eu. Você é minha única amiga verdadeira. Pode falar.

Há uma grande chance de acrescentar mais um nome a essa lista

de super amigas, já que Olívia, esposa de Guillermo, é um dos

seres humanos mais incríveis que já conheci, mas por enquanto, Lilly

é a líder absoluta desse ranking.


— Vocês não se amavam. Não havia sentimento da parte de

nenhum dos dois e isso era visível até mesmo ao menos

observador dos espectadores.

Lilly jantou comigo e Vicenzzo uma vez em que ele estava em

Paris e enquanto nós duas falávamos sem parar, ele respondia

nossas perguntas educadamente.

— Agora sei disso. Não, mentira. Na verdade, acho que eu


sempre soube. Mas eu achava que precisávamos de um tempo para

nos ajustar.

— Não acredito que exista esse tipo de coisa em relação ao

amor. Acho que ele acontece ou não. Posso falar algo?

— Claro, Lilly. Não sei se gosto dessa sua versão com filtro.

Quem enfiou na sua cabeça essa ideia de que precisa mudar? Por
favor, volte a ser a minha Lilly de sempre. Não sei lidar com pessoas

que escondem as emoções.


— Tudo bem, mas lembre-se de que foi você quem pediu.

— Agora está me assustando.


— Não é nada grave, mas algo que notei sobre o seu Raul.
— Ele não é meu.

— Se você diz… — ela pausa. — O que estou tentando explicar


é que quando você falava de Raul lá em Paris, seus olhos

brilhavam. Eu nunca vi isso acontecer ao se referir a Vicenzzo.


Nem tento desmenti-la porque, por várias vezes quando morava

fora, eu me pegava sorrindo ao me lembrar dele. Raul possui uma


capacidade única de flutuar entre intensidade e leveza. Isso me
prende completamente. Ele sabe falar sério quando precisa, mas

também me faz rir.


— Eu tentei amar Vicenzzo. Não deboche do que eu vou falar,

mas acho que no meu inconsciente, por ele ser um príncipe, eu


sonhei com um conto de fadas. Raul nunca poderia me dar isso.

— Por que não?


— Porque ele não é assim. Raul é galinha. Teve mais mulheres do
que a quantidade de países no mapa mundi, Lilly. E embora

ultimamente pareça ter diminuído o ritmo, como diria minha avó o


lobo perde o pelo, mas não perde a mania. Não acho que um dia ele

consiga ser fiel.


— E no entanto, ele praticamente a chantageou para ficar uma

temporada inteira ao seu lado.


— Vamos ser sinceras aqui. Ele não me chantageou e nós duas

sabemos disso. Ainda que essa decisão faça de mim uma idiota, eu
quero ir. Sou uma escritora e vivo no mundo da fantasia, mas agora,
decidi que preciso viver um pouco. E se isso trará de bônus eu me

livrar da bruxa da Ornella, parece que só tenho a ganhar.


— Está certa. Olha, não sou um guru e nem nada parecido, mas

eu aposto minhas fichas no seu gigante jogador, Martina.


— Não sei nada sobre isso. Para ser honesta, não acredito que
ele tenha parado para pensar o que representará para sua vida estar

comigo nos próximos meses, mas eu sei e o avisei que vou espantar
todas as modelos que tentarem se aproximar.

Contei para ela o episódio da loira escalando Raul no corredor do


prédio de Rafe e nós duas rimos muito. Depois de passada a

situação, foi engraçado imaginar a modelo atacando o atacante, com


o perdão do trocadilho.
— Me dê notícias. Como anda o próximo livro? Estou louca para

ler. Sabe que sou sua maior fã. E também a privilegiada que
conhece a identidade secreta de M Cabot Olson.
— Você, minha assessora, Raul e a megera italiana. Ah, e Olívia
também. A lista está crescendo.

— Vicenzzo não? — Pergunta, espantada.


— Nunca disse meu pseudônimo a ele, mas se a mãe descobriu,

talvez já saiba também.


— Não me lembre disso porque tenho vontade de pegar um voo
e dar uns tapas nela.

— Você não pode. Freiras não batem nas pessoas.


Ela começa a rir. Lilly estudou praticamente a vida inteira em um

colégio de freiras e eu sempre implico, dizendo que ela ficou a um


passo de fazer os votos.

— Droga, agora não posso mais devolver a provocação


chamando-a de princesa.
Porque ela sabia que eu odiava, me chamava assim por conta do

meu noivado com Vicenzzo.


— Segundo Raul, não preciso de coroa para ser uma princesa.

— Ownnnn! Ele disse isso?


— Disse e ficou vermelho.
— Tenho mais certeza do que nunca agora de que sou cem por

cento do time do Raul. Ogros domados são meu tipo preferido de


homem. Já o adoro mesmo sem conhecê-lo.
— Entre na fila. Não há mulher viva no mundo que não goste.

Mais tarde
Olho para a mala arrumada em cima da cama, enquanto vejo

minha mãe entrar no quarto com mais um casaco. Ela deve pensar
que estou indo ao Polo Norte, não dentro dos Estados Unidos.

— Mãe, já é o suficiente. Nem está frio ainda.

— Nunca se sabe.
— Por que você não está louca comigo por eu ter decidido viajar

com Raul?

Ela me abraça.

— Porque já está na hora de vocês dois passarem um tempo


juntos.

— Não é algo que se espera que uma mãe diga.

— Não me importo com as convenções, mas com a sua felicidade.


— E você acha que indo com ele há alguma chance de que eu a

encontre?

— Não sei, mas se você não tentar, nunca terá certeza se


esgotou essa possibilidade.

Eu sou uma sortuda em ter em minha mãe, uma amiga. A mãe de

Lilly, Nora, é uma mulher fria e tão ou mais cruel do que Ornella

Simonetta.
— Eu te amo, mamãe. Por favor, não conte aos rapazes por

enquanto. Deixe pelo menos Raul fazer o primeiro jogo da temporada


antes de ser morto.

Ela ri, mas depois passa os nós dos dedos em meu rosto.

— Eles provavelmente não vão gostar no início — diz e se corrige.


— Certo, há uma chance de ficarem se revezando para lhe telefonar,

monitorando-a de longe. Principalmente Joaquín e Guillermo, mas no

fim de tudo, lembre-se de que é a sua vida que está em jogo.

— Mãe, estamos indo viajar como amigos. Ele não falou sobre
namoro e nem nada assim.

Como Raul me pediu, não contei a ela sobre o acordo, nem sobre

a cretina da Ornella. Minha mãe já tinha um marido, muitos filhos e


uma neta para se preocupar, não é justo lhe trazer mais problemas

vindos daquela mulher amarga.

— Tudo bem. Apenas divirta-se um pouco. Você está na idade de

cometer erros.
Dou um beijo em sua bochecha enquanto considero o que ela

acabou de me dizer.

Talvez esteja certa. Além do mais, algo me diz que errar com Raul
será delicioso.
Capítulo 22

RAUL

No mesmo dia

— Vou verificar com cuidado todos os passos que devemos dar,

Raul. Temos que ser cautelosos com essa negociação. Preciso ler
os contratos que firmamos com o governo de Amasitano sobre o

fornecimento de diamantes — meu advogado fala.


— Não dou a mínima para os contratos. Se não houver jeito,

quebre-os. Pagarei uma multa se for preciso, mas deixe claro ao

sentar para conversar com a mesa diretora da empresa deles, que


estou falando sério. A suspensão da entrega dos diamantes será

imediata.
— E qual justificativa dará para interromper o fornecimento?

— Aí é que está a beleza da coisa: não preciso de desculpas. Sou

o dono da mineradora.
— O que espera com isso?

— Preciso que a notícia sobre a possibilidade da descontinuação

da entrega das pedras chegue aos ouvidos certos.


— Então, como eu intuía no início, é uma questão pessoal.

Posso ver os outros homens se remexerem em suas cadeiras

depois do que ele falou e eu sei a razão: eu não os pago para


questionarem minhas decisões.

— Organize a viagem de vocês para a Itália. Quero que essa


reunião aconteça daqui a quatro dias, sem falta.

Preciso coordenar as ações. Gostaria de resolver tudo

pessoalmente, mas não posso porque tenho que me apresentar à

minha equipe.

Assim, minha conversa com Ornella será por telefone mesmo,

mas quero que quando nos falarmos, ela entenda o que estará em
jogo e que a ameaça de que eu aniquilarei a economia do seu país

se for preciso, é real.


Não acredito que precisarei ir tão longe. Apesar da chantagem
que fez à Martina e de eu não ter dúvida de que é uma maldita

egoísta que só se preocupa com o próprio umbigo, eu a pesquisei.

Nunca trabalhou um dia sequer em sua existência. Duvido que se

arriscará a perder sua vida de luxo em troca de uma vingança

mesquinha. Se a principal fonte de renda do país desaparecer, a

mordomia da qual desfruta a família real será a primeira a ser


sacrificada.

Para minha surpresa, descobri que Vicenzzo possui seus próprios

negócios, que não têm ligação com joias ou com o dinheiro público:

uma indústria de fabricação de iates de luxo.

A mãe, no entanto, não tem renda própria e duvido que Sua Alteza

vá querer perder o status de socialite.

Eu não preciso segurar a boca dessa mulher para sempre, é


somente enquanto Guillermo não fecha a negociação sobre o resort.

Depois que tudo se acalmar, Martina poderá abrir sua identidade

como escritora da forma correta, em seu próprio tempo. Mas não

permitirei que alguém a faça sentir vergonha de seu trabalho.

— Não estou querendo me meter em sua vida, — o advogado me

traz de volta à conversa — mas como parte da banca jurídica cujo


dever é orientá-lo e proteger suas costas de possíveis ações
judiciais, preciso saber o que está acontecendo, somente para o

caso de termos que nos defender em um tribunal no futuro.


— Defender de quê? Quando comprei a mineradora, não prometi

continuar fornecendo indefinidamente para Amasitano. Péssimo para


eles que tenham assumido isso como verdade.
— Tudo bem, Raul. Só quero lembrá-lo de que eu o aconselhei a

não investir no ramo de diamantes. Já está arrependido?


— Não. Para ser honesto, no momento, não poderia estar mais

satisfeito.
Um dia depois

Tento fingir naturalidade enquanto ela fecha o cinto de segurança


e se acomoda ao meu lado no carro.

Meu primeiro jogo será em Charlotte, na Carolina do Norte, daqui


a menos de duas semanas e lhe dei a opção de irmos de avião ou

sairmos antes e pegar a estrada. Eu adoro dirigir e fico um pouco de


saco cheio de voar durante a temporada, só utilizando aeronaves
quando a distância entre um jogo e outro é muito grande.

Martina pareceu empolgada com a ideia de irmos de carro, o que


me agradou.

Geralmente tenho um motorista me servindo, mas essa é a


primeira vez em que saímos juntos e sozinhos e decidi que não quero

um terceiro elemento tirando nossa privacidade.


— Eu me lembrei, depois que você saiu da minha casa anteontem,
que tinha dito que queria conversar. Sobre o quê? — Ela pergunta e

eu aperto o volante com força.


— Não era nada sério, mas uma desculpa para sair com você —
minto, tentando soar leve.
Eu sei exatamente do que ela está falando. A conversa com a

minha mãe na manhã de domingo me deixou melancólico sobre a


morte do meu pai e senti que precisava conversar com alguém —

com ela — a respeito.


Todos os amigos mais próximos sabem que ele se suicidou,
embora à imprensa, sua morte tenha sido noticiada como um ataque

cardíaco fulminante.
Mas eu, mais do que qualquer outra pessoa, sei da verdade.

Sinto seus olhos em mim e não tenho certeza de que ela acredita
no que acabei de dizer. Sempre tive a impressão de que Martina

conseguia me enxergar melhor do que qualquer outra pessoa. Talvez


até mesmo do que a minha mãe.
— Tudo bem se não quiser falar — diz, confirmando minha

intuição. — Todo mundo têm segredos.


— Você guarda outros, além de o de ser uma escritora?

Ela não responde imediatamente e eu tiro os olhos do trânsito por


um instante para observá-la.
— Não sei se são segredos. Acho que se encaixam mais em

sonhos, desejos.
— Eu gostaria de saber deles.
Ouço sua risada.
— Não tenho dúvida de que gostaria, mas essa coisa sobre

confissões é uma troca, Guzmán. Se quer conhecer todos os meus


pecados, tem que me deixar saber dos seus também. E por falar em

pecados, tenho uma pergunta a fazer: como pretende ficar quatro


meses sem transar? Porque eu já o avisei que vou botar suas fãs
para correr.

Seguro um sorriso.

Eu não pretendo.
Mas ao invés de abrir minhas intenções, pego uma rota

alternativa.

— Com ciúme, amor?

— De jeito nenhum. Apenas preocupada que a parte de sua


anatomia que você parece manter em constante exercício fique

enferrujada.

Pouso uma mão em seu joelho e ela estremece.


Merda, suas reações a mim conseguem me desestabilizar muito

rápido.

— Como você mesma disse, sou um menino grande e sei brincar


sozinho — provoco.
— Mas não deve ser igual à coisa real, certo?

— Como assim? Você não sabe que masturbação e sexo a dois é


o mesmo que comparar beijo com preliminares?

Estou meio brincando, meio falando sério. Por ter vivido na

Europa, sozinha, por mais de dois anos, eu assumi que ela fosse
experiente, até porque, já foi noiva.

Embora eu não ache que Martina seja como eu, que já tive muito

mais mulheres em minha cama do que seria recomendável, não há

como deixar de notar o fogo escondido embaixo da minha menina.


Ela beija como se estivesse transando.

Gemendo, entregue e apaixonada.

O pensamento de que tenha tido vários amantes me deixa com


uma espécie de azia.

Ainda que eu saiba que é uma reação idiota sentir ciúme, é

também inevitável quando se trata dela.


— Claro que sei. Estava falando sobre você — responde, meio

atrapalhada e aquilo desperta minha curiosidade.

— E quanto às suas necessidades?

— Eu consigo me divertir sozinha.


Jesus Cristo, dirigir com uma ereção é desconfortável.
A lembrança da cena que li no livro que ela escreveu, aliada à

ideia dela se dando prazer, está me matando.

Limpo a garganta, porque de repente um pensamento fodido me


atravessa.

— Sabe que o que disse sobre as modelos é uma via de mão

dupla, né? Se pretende afastá-las para longe de mim, não pense que

deixarei que os caras se aproximem de você também.


Ela não responde e quando olho para o lado, está sorrindo.

— Não se preocupe comigo. Como eu disse antes, sei me cuidar.

— Nem pense em quebrar esse trato, Martina. Acabo de decidir


que precisamos listar algumas regras. Não se esqueça de que nos

próximos quatro meses, você será minha.

Finalmente. — Completo para mim mesmo em silêncio, porque eu

sei que nunca terei o direito de reivindicá-la para sempre.


Capítulo 23

MARTINA

— Essa é sua ideia de disfarce? Um boné e óculos escuros?

Desculpe estourar sua bolha, Raul, mas você tem quase dois metros
de altura, é loiro e bonito para cacete. Seu rosto é tão conhecido
quanto a nota de um dólar. As mulheres conseguirão farejá-lo a

cinquenta milhas de distância.


Ele dá de ombros.

— Precisamos comer — diz, estacionando em frente a um

restaurante na estrada.
— Eu poderia esperar chegar no hotel.

— Eu não. Estou faminto.


Antes que eu continue argumentando, ele dá a volta para abrir a

porta da pick-up para mim.


Quando foi me buscar hoje mais cedo, fiquei satisfeita que

viéssemos nesse carro e não na Mercedes conversível com que foi à


casa dos meus pais no domingo.

Uma pick-up combina muito mais com Raul do que um automóvel

de luxo. É grande, nem um pouco sutil e bonita como ele.


— Venha — diz, mas não espera que eu desça, me pegando pela

cintura.

Meu corpo escorrega muito próximo ao dele e sinto como se


tivesse tomando um choque. A pele esquentando na mesma hora.

— Algum problema? — Pergunta.

— Huh… não. Quero dizer, talvez. Disse que queria estabelecer


algumas regras e cheguei à conclusão de que eu também.

— Como o que, por exemplo? Não está em posição de negociar


muito. Eu a estou chantageando e agora você é minha, esqueceu?

Ele diz isso sorrindo e me dá uma piscadinha.

Meu coração enlouquece enquanto me pergunto como

sobreviverei a quatro meses ao lado de um homem que consegue

flertar tão fácil quanto respira.

Você é uma mentirosa, Martina Oviedo. Já conviveu com


diversos caras bonitos e nenhum deles fez seu coração errar uma

batida sequer.
O problema não é o charme de Raul, mas ele inteiro.
— Mas antes que você fale alguma das suas, vamos à minha

primeira. — Diz.

Ele meio que está me imprensando contra o carro, as mãos em

meus quadris. Eu poderia acusá-lo de invadir meu espaço pessoal,

mas para isso eu teria que ter batido a cabeça. Quero que ele fique

bem aqui onde está.


Sua boca vem para minha orelha e eu fico um pouco sem fôlego.

— Um beijo por dia — determina, e agora o coração não bate,

martela em meu peito.

— Eu não tenho… huh… problemas quanto a beijos, mas não em

público.

Ele afasta o rosto para me encarar.

— Vamos resolver isso — promete. — Estou usando o prazo que


ela lhe deu a nosso favor. Quanto mais tempo ela achar que tem

vantagem, mais Guillermo poderá avançar com a negociação do

resort.

— Tudo bem — respondo rápido porque a última coisa que

consigo ou quero pensar agora é em Ornella. — Mas voltando a

essa sua regra, eu disse que não tenho problemas com beijos —
falo, sem encará-lo e escuto sua risada baixa. — Ou muitos beijos.
No segundo seguinte, sua mão está na minha nuca e nossos

lábios se encontram, ansiosos, dando continuação ao que começou


na noite em que fiz dezoito anos.

Peles escaldantes se atacam mutuamente. O contato não é


apressado, mas sensual e voraz.
Ele foi meu primeiro beijo, mas não o único. Mesmo antes de

Vicenzzo, eu experimentei cerca de meia dúzia de bocas, mas Raul


consegue apagar, com um toque de sua língua, cada uma delas da

minha memória.
Ainda há uma pequena parte de mim que quer resistir, temerosa

de perder totalmente o controle, mas acabo por me render. Desejo


vencendo o medo.
A persuasão da língua quente pedindo passagem me faz gemer e

agarrar a frente de sua camisa, impedindo-o de se afastar. Em


resposta, ele aprofunda o beijo e sinto sua rigidez encostando em

mim.
Eu quero tocá-lo. Passar dedos e unhas no corpo delicioso e

másculo.
Pedir que me ensine a lhe dar prazer porque acabo de descobrir
que estou viciada nos sons de tesão que ele faz enquanto me

devora.
As fantasias reprimidas imploram para se tornarem realidade,

vencendo minha inexperiência, desafiando-a.


A buzina de um carro e risadas finalmente nos trazem de volta ao

planeta.
Quando nos separamos, eu nem reclamo dele ter me beijado em

público.
Na verdade, mal consigo me sustentar sobre as pernas, enquanto
ele coloca a mão na parte baixa das minhas costas e me guia para o

restaurante.
Sentamos em uma mesa e em seguida uma garçonete vem anotar

o pedido das bebidas.


Eu não faço ideia do que escolhi.
— Hey, tudo bem? — Pergunta, parecendo preocupado.

— Sim, por que não estaria?


— Não sei. Você ficou calada.

Isso finalmente me desperta. Preciso tomar um pouco mais de


cuidado com as minhas reações. Se for fazer o que pretendo, não

posso ser tão transparente em demonstrar como ele me abala.


— O que você quer comer? — Indaga e eu me obrigo a agir com
mais leveza para diminuir a intensidade de há pouco.

— Tem certeza de que está pronto para ouvir isso, Guzmán?


— Não podemos fazer isso aqui, linda. Por mais autoconfiança
que eu tenha em minha performance, existem leis que proíbem sexo
em público.

Eu deveria brigar com ele, mas começo a rir.


— Você só pensa nisso?

— Geralmente, não. Mas com você ao meu lado, é inevitável.


— Okay, vamos à minha regra número um: nada dessas frases
feitas de conquistador para cima de mim. Mude seu repertório.

— Nunca precisei ou quis dizer isso a alguém. Eu só falo o que


estou sentindo, Martina — responde e eu observo seu rosto, mas

não está sorrindo.


— Certo. Regra número dois então: não diga coisas que vão

mexer com o meu coração.


Para meu alívio, ele quebra o clima que estava começando a ficar
sério demais para o meu gosto.

— Você está limitando muito nossas conversas. Que culpa eu


tenho se sou bom com as palavras?

— Eu usaria o termo convencido, ao invés de bom com as


palavras. — Implico.
Quando estou quase me permitindo relaxar, ele pega minha mão

por cima da mesa e com o polegar, acaricia meu pulso.


— Nervosa?
— Não — minto.
— Está sim. Posso sentir.

Não quero que ele me leia tão fácil, então, tento puxar a mão, mas
ele não deixa. Ao invés disso, leva-a até o seu peito.

Seu coração bate rápido também.


— Está ansioso?
— Um pouco — ri e se corrige. — Muito.

— Por quê?

— Tenho o hábito de estragar as coisas e quero que isso entre


nós funcione.

— Por todo o tempo que durar a temporada — digo, para lembrar

a nós dois. — Chega de falar sério. De repente percebi que estou

morrendo de fome. Ao contrário do que essa sua mente poluída


pensa, quando falei que não estava pronto para saber o que eu

queria comer, me referi à comida gordurosa e uma sobremesa bem

doce depois.
Capítulo 24

MARTINA

Washington — DC[27]

Após pouco mais de sete horas dirigindo, chegamos à capital.


Eu adoro Washington. Museus, restaurantes maravilhosos e gente

bonita. Mas dessa vez, eu não consigo prestar atenção à cidade

porque minha cabeça está tomada por Raul.


Engraçado que achamos que conhecemos as pessoas,

prejulgando-as com o que vemos na superfície. Em poucas horas de


convivência real entre nós, talvez eu tenha aprendido mais sobre ele

do que durante todos os anos em que frequentou minha casa.


A primeira coisa, foi que Raul é extremamente organizado — e

nisso nós somos opostos, porque eu funciono perfeitamente em meio


ao caos.

Minha assessora vive me dizendo que preciso criar arquivos com

todos os meus personagens e nomes dos livros que já escrevi e me


enviou um programa lindo no outro dia — que eu ignorei

completamente.

Continuei a fazer anotações no bloco de notas do meu celular.


Nunca na vida eu me lembraria de abrir o programa todas as vezes.

Se estou na rua e uma ideia para um livro surge, preciso escrever

imediatamente e uso qualquer coisa ao meu alcance. Sempre estou


com meu celular nas mãos, como uma espécie de sexto dedo ou

algo do tipo, mas já anotei uma fala de um personagem que me veio,


até mesmo em um guardanapo em uma boate.

Fiquei espantada com a velocidade com que fomos recebidos na

entrada dos fundos do hotel — até nisso seus assessores pensaram,

evitando desse modo que ele fosse assediado pelos outros

hóspedes — e agora estamos no elevador, a caminho da suíte.

Assim, sem pararmos para fazer check-in e nem nada.


Na saída do restaurante, houve um pequeno incidente, quando

alguns torcedores o reconheceram e vieram pedir autógrafo.


Perguntaram também quem eu era e foi um momento de nervosismo
para mim, porque não queria que meu rosto aparecesse na

imprensa.

Antes de atender os fãs, no entanto, ele me levou até o carro,

garantiu que não me importunassem e somente então voltou para dar

os autógrafos e tirar fotos.

— O que você está pensando? — Pergunta, recostado à parede


oposta a mim.

— Várias coisas ao mesmo tempo, como sempre.

— Compartilhe, bonita.

— Eu imaginava que você chegaria ao hotel e somente então faria

as reservas. É mais organizado do que eu seria capaz. Talvez eu

possa aprender uma lição ou duas durante esse período que vamos

passar juntos.
— Não gosto de surpresas. Sempre reservo ou peço que alguém

reserve hotéis para mim com antecedência. Próximo pensamento.

Você disse que várias coisas estavam enchendo sua mente.

— Certo. A segunda: é estranho ficar em um hotel que não seja

da minha família, mas acho que foi melhor assim ou não duvido que

Guillermo nos monitoraria à distância.


A porta do elevador se abre e ele segura o botão para me

esperar sair.
— Tudo bem. Não pire com o que vou falar, mas eu reservei

casas nas cidades em que o time vai jogar. Não dormiremos em


hotéis.
Quando abre a porta, fico espantada quando noto nossas malas já

no quarto, mas ainda mais surpresa com o que ele disse.


— Por que não ficaremos em hotéis?

— Tem medo de ficar sozinha comigo? — Provoca, ao invés de


responder.

— Sabe que não.


Ele passa a mão pelo cabelo antes de dar um passo para perto.
— Quando os jogos terminam meus companheiros de equipe…

hum… podem ficar um pouco selvagens.


— Não entendi.

— Festas, mulheres.
— Ahhh.

— Quero privacidade para nós dois, mas principalmente, não


quero misturar você a eles.
É legal da parte dele pensar assim, o problema é que no momento

estou muito mordida pelo bichinho do ciúme para conseguir raciocinar


com clareza. Assim, prefiro me afastar antes que fale alguma merda

de que vá me arrepender.
— Pode me mostrar meu quarto? — Peço e sigo em direção à

uma porta que acredito que vá levar aos aposentos.


Ainda estamos na sala da grande suíte.

— O que aconteceu?
Eu poderia fazer a indiferente e manter meu orgulho intacto, mas
não vou ficar quatro meses pisando em ovos com ele.

— Pretende me deixar na casa e ir para essas festas?


— Por quê da pergunta?

— Só para saber, porque se for esse o caso, prefiro que me


apresente a um dos seus amigos jogadores.
Estou de costas para ele e não percebi que havia se movido, até

que fala muito perto da minha orelha.


— Você não quis dizer isso.

— Por que não?


— Que parte de você é minha por toda a temporada não

entendeu?
— Não tenho dono, Guzmán e se algum dia quisesse ter, não
seria um…
Dessa vez, quando ele me puxa para si, é uma investida quase
violenta.
Ele me traz para o seu colo, separando minhas coxas para que eu

rodeie sua cintura e me carrega, até me encostar em uma parede.


— Não seria um o quê, minha atrevida?

Suspiro, minha pulsação enlouquecendo.


— Perdi a linha de raciocínio, Guzmán. Mas que fique claro que
não tenho dono.

Seguro sua cabeça e o trago para mim. Não perco tempo com
beijos suaves ou mordidas sutis. Eu quero tudo.

Agarrada ao seu pescoço, sinto seus dedos apertarem meu


bumbum por cima do jeans, me puxando contra seu corpo, me

mostrando que também está tão louco de desejo quanto eu.


— Meu Deus do Céu!
Ele se esfrega sem qualquer contenção e só consigo pensar que

eu daria qualquer coisa para que nossas calças desaparecessem.


— Quero sentir mais — confesso.

— Além dos beijos?


— Sim. Os nossos beijos têm limitação geográfica?
— Por mim, não — responde, andando comigo em seus braços.
— Então acho que vou fazer um estudo sobre seu corpo. —
Aviso. — Há muito material para ser trabalhado.
Ele sorri e diz.

— Eu não ia atacar você assim. Tinha todo um plano de sedução


em mente.

— Não fale. Eu não quero pensar no porquê deveríamos parar.


Ele se deita no sofá comigo nos braços, mas é impossível que um
homem de seu tamanho se encaixe adequadamente e posso notar

sua frustração.

— Chão. — Sugiro.
— Não vamos transar pela primeira vez no chão de um quarto de

hotel.

— Não seja convencido, nós não vamos transar. Só quero me

aproveitar de você um pouquinho.


Quando ele se deita no chão comigo montada em seu corpo,

começo a desabotoar sua camisa.

— O que você está fazendo? — Pergunta.


— Realizando uma fantasia.

— Que seria?

— Lamber seu peito, sugar seus mamilos.


— Merda. Você vai me fazer gozar só falando, Martina.
— Sou escritora. Tenho muita imaginação.

— Vamos colocar isso à prova em breve. Quero testar aquela


cena que eu li em seu livro.

Me interrompo para olhar para ele.

— Está falando sério sobre gozar só me ouvindo? Sou tão boa


assim?

Ganho um tapa na bunda.

— Foi maneira de dizer, baby. Vai aprender que posso adiar meu

orgasmo por muito tempo se eu quiser. Esteja preparada.


— Ai, meu Deus! — Sinto-me febril com suas palavras. — Quero

essa camisa fora do seu corpo agora, Raul.

Seus olhos estão escuros e me deixa louca ver que minha fome é
refletida nele.

Quando a camisa se vai, não consigo desviar o olhar do peito

musculoso.
Eu já o havia visto sem ela em um comercial de cueca boxer —

sim, julgue-me — mas pessoalmente não tem comparação.

Quando enfim o tenho ali, no entanto, congelo, me perguntando

por que com ele é tão natural, como se tivéssemos feito aquilo desde
sempre.

— Mudou de ideia?
— Quanto a beijar e lamber você? De jeito nenhum. É sobre

outras coisa.

— Diga.
—Você vai rir se eu falar.

— Juro que não.

— Tudo bem, não me chame de doida, mas é como se já

tivéssemos feito isso antes. Como se eu já conhecesse cada pedaço


seu.

Em um movimento rápido, ele me gira, me prendendo embaixo do

seu corpo, os cotovelos apoiados ao lado do meu rosto, no chão.


— Não pense tanto. Chega de racionalizar. Eu fiz isso por anos e

mesmo assim, aqui estamos nós. Talvez devamos só aproveitar. Seja

minha.

— Me convença — falo, puxando-o para mim.


Ele separa minhas pernas, se encaixando no meio delas. Pensei

que fosse me beijar, mas a boca percorre meu pescoço ao invés

disso.
— Tão cheirosa.

Seus lábios são uma delícia. Úmidos, quentes.

Me contorço sob seu corpo, quando sinto seus dedos em contato

com a minha pele por baixo da camiseta. O homem tem mãos


hábeis, ligeiras. Eu nem percebi que havia levantado minha blusa.

Paro de respirar por uns segundos. Nunca deixei alguém me tocar


tão intimamente.

— O que há de errado?

— Errado? Nada. — Disfarço.


Os dedos recomeçam a trilhar meu abdômen e quando chegam

perto do sutiã, quase pulo embaixo dele.

— Hey, o que houve?

— Eu nunca fiz isso antes.


— Namorar no chão?

— Deixar um cara tocar meus seios.

Ele se afasta um pouquinho e sorri.


— Quase me enganou, Martina.

— Estou falando sério. Eu sou virgem. De tudo, menos de beijos.


Capítulo 25

RAUL

— Está me dizendo que nunca transou?


Não quero soar como um cretino, mas pelo amor de Deus!
Pensem em alguém surpreso.

Me ergo e sento no chão, enquanto a observo.


Suas bochechas estão coradas e a camiseta levantada me deixa
ver um pedaço de pele de seu abdômen. Lembro da maciez de sua

carne sob meus dedos e volto a endurecer.


Ela não parece envergonhada.

— Defina transar.
— Dada a informação que acabou de soltar, não sei se está

pronta para ouvir o que considero transar.

— Esqueceu do tipo de livro que eu escrevo? Vá em frente.


— Duas pessoas nuas e suadas. Bocas, línguas e dedos se

explorando sem restrição.


— Sem restrição, é? Eu li que alguns caras curtem toques na

porta dos fundos.

— Jesus Cristo, Martina. — Volto a me deitar, rindo muito — Não


é disso que estou falando. Segure essa sua imaginação por um

tempo.

— Então, o quê?
— Digamos somente sexo convencional. Pare de fugir da

pergunta.

— Tudo bem. Sobre essa sua definição de sexo, a resposta é


não.

— Minha definição de sexo? O que isso significa?


— Brincadeiras sozinha. Fora isso, sou virgem.

— Por quê?

Ela se senta e me encara.

— Não me imagino ficando pelada com alguém por quem eu não

me sinta envolvida.

— E seu noivo?
Ela levanta, com o rosto fechado.

— Não vou discutir Vicenzzo com você.


— Nem eu pediria isso — falo, sem evitar uma careta de
desgosto. — O que quis dizer foi em relação à sua declaração sobre

envolvimento.

— As coisas entre nós aconteceram muito rápido.

— E comigo?

— O que tem?

— Está indo muito rápido?


— Sim, mas eu não me importo.

— Por que não?

— Resolvi que quero aprender.

— Aprender?

— Isso. Você é bonito, gostoso e faz o meu corpo queimar. Não

consigo pensar em alguém melhor para perder minha virgindade.

Tento não me sentir ofendido, mas não consigo.


— Está me dizendo que quer usar meu corpo por um tempo e

depois virar as costas como se nada tivesse acontecido? Seguir em

frente apenas?

Sem medo de errar é a pergunta mais ridícula que eu já fiz. Se um

dos meus amigos ou mesmo exs a ouvissem, ririam para caralho.

Ela nem finge estar envergonhada.


— Não é exatamente o que você faz, Raul?
— É diferente.

— Diferente como?
— Nós dois somos…. nós. Não uma foda de uma noite.

— Por enquanto, nós não somos foda alguma, mas tenho


esperança de que isso mude. Serão mais de quatro meses, o que
significa muitas noites juntos. E muito sexo também.

— Eu preciso pensar. — Falo.


Ela se levanta em um pulo, parecendo ofendida.

— Por que eu sou virgem? Saiba que é somente uma questão de


anatomia que será corrigida em breve porque dentro da minha

cabeça, sei todas as técnicas de prazer.


As mãos estão na cintura e ela me encara em desafio.
Me levanto também.

— Não gosto dessa ideia de prazo para sexo.


— Foi você mesmo quem sugeriu isso.

— Eu sugeri ficarmos uma temporada inteira do futebol juntos.


— Então está me dizendo que não passou pela sua cabeça que

acabaríamos fazendo sexo?


Sei que qualquer resposta que eu der estarei fodido, então, como
um réu em um tribunal, faço uso da quinta emenda da Constituição
americana: permaneço em silêncio, evitando assim me

autoincriminar.
— Quer saber de uma coisa? — Diz, após perceber que não vou

responder. — Eu não me importo. Se acha que não estou à sua


altura por ser virgem, vou esperar pelo cara certo.

Ela segue para o quarto, sem me dar chance de falar mais nada.
Eu a deixo ir. No momento, preciso acertar algumas coisas dentro
da minha cabeça, rever meus planos.

Quando a convidei, achei que seria a oportunidade de colocarmos


para fora a química explosiva entre nós, mas agora tudo mudou.

Martina é inexperiente e preciso ter certeza de que sabe exatamente


onde está se metendo antes de darmos um passo além.
Restaurante The Lafayette

Horas depois
— Sua mãe me ligou hoje — ela diz, depois que sentamos no
restaurante.
É a primeira vez que fala comigo desde que discutimos mais cedo.

— Mesmo, e o que ela queria?


— Saber se está me tratando direito.

Sorrio.
— Claro que ela fez isso.
— E disse também para colocá-lo na linha, se necessário. Não é

algo que eu esperava ouvir da mãe de um cara.

— Diz isso por conta de sua experiência com Ornella?


Ela faz uma careta de desagrado.

— Não. Com ela é diferente. A mulher parece querer orientar a

vida do filho como uma sombra do mal, sempre pairando sobre ele.

Suspiro aliviado por ela estar conversando comigo. Achei que


havia fodido tudo entre nós dois. Em minha defesa, tenho que dizer

que tomei um susto ao descobrir que ela era virgem. Martina parece,

apesar de muito nova, segura de si e não é como eu pensei que uma


garota virgem seria.

Não que eu tenha experiência no assunto. Nunca dormi com uma.

De qualquer modo, passei o resto do dia pensando sobre o que


havia planejado para nós dois e se não deveria colocá-la em um
avião de volta para casa. Mulheres e homens encaram a primeira

relação sexual de maneira diferente. Para nós, é somente um passo


dentro do paraíso. Uma forma de satisfazermos o corpo. Já com as

garotas, imagino que envolva sentimentos.

— Acho que a perspectiva de ter uma nora assusta algumas


mulheres. Como se estivessem diante de uma rival — palpito.

— Não sei. Minha mãe não é assim. Ela adora Olívia, esposa de

Guillermo. Também tentou gostar de Vicenzzo.

— Tentou?
— Não houve tempo o suficiente para que eles se conhecessem

ou gostassem um do outro de fato. Na única vez em que as famílias

foram reunidas, foi um desastre. Sabe como somos barulhentos.


Acho que o calor humano entre nós os chocou.

— Minha mãe nunca implicaria com uma nora, eu acho.

— Também acho que não, mas isso talvez seja porque ela tem
certeza de que jamais terá uma — diz, tentando fazer piada.

Nunca pensei a esse respeito a sério quando era mais novo —

casar, ter filhos — e depois do que aconteceu ao meu pai, me proibi

de planejar o futuro, mas ouvi-la declarar em voz alta que não terei
nada aquilo me traz um gosto amargo à boca.
— Acha que nunca vou me casar? — Pergunto e eu nem mesmo

sei porquê. Deveria deixar aquele assunto para lá.

— Você sabe que há uma espécie de escada nos


relacionamentos, né? Para pensar em se casar, deveria namorar

alguém antes e no seu ritmo, não vejo acontecendo. Não é uma

crítica. Sua vida não me diz respeito — fala e nós dois sabemos que

está mentindo — mas sair com uma mulher por noite não fará com
que encontre sua outra metade.

— Não saio com uma mulher por noite há muito tempo e desde

que fechamos o acordo, só estou com você.


— Você não está comigo. Passaremos um tempo juntos.

Ela brinca com o talher em cima da mesa.

O restaurante é exatamente o que eu queria para hoje. Sofisticado

e bem tranquilo. Um lugar que pessoas famosas frequentam e no


qual não correrei o risco de que nos interrompam pedindo autógrafo.

— Posso perguntar algo bem pessoal?

— Pensei que todos os assuntos sobre os quais estamos


conversando fossem muito pessoais.

— Está certo. Então não se importará em responder minha

pergunta. Sei que você já era avesso à relacionamentos antes, mas

isso é normal quando os homens são mais novos, eu acho. Vejo


pelos meus irmãos: cada um deles rodeado de namoradas. Mas não

chega um momento que cansa? Digo, uma boca diferente por noite,
corpos aleatórios.

— Onde essa conversa está nos levando?

— Você já tem trinta anos. Não planeja um futuro?


Fico tenso na mesma hora.

— Posso saber a razão da pergunta?

— Foi só algo que pensei a respeito hoje. Você não quer se

envolver a sério com alguém porque não se acha capaz de ficar com
a mesma pessoa para sempre?

— Digamos que eu não encontrei quem me fizesse desejar dar

esse passo um dia.


Ela desvia o olhar.

— Não gostou da resposta?

Dá um gole na água.

— Não esperava nada diferente. Por que outra razão um cara


como você nunca teria se arriscado em um relacionamento?

— E você? Se imagina a longo prazo com alguém?

— Eu já estive.
— E não deu certo.
— Não, mas isso não significa que não continuarei tentando até

acertar — ela pausa. — Mas decidi que antes, quero viver livre por

uns meses ou anos. Sem amarras, exatamente como você faz.

— O que quer dizer com isso?


— Resolvi levar a vida por um tempo no modo Raul Guzmán. Não

com um cara por noite, mas adquirir experiência o suficiente para

saber que o homem com quem vou me casar no futuro preenche


todas as lacunas. Ele precisará ganhar meu cérebro e coração, mas

meu corpo também.


Capítulo 26

RAUL

Enquanto dirijo de volta para o hotel, tenho certeza de que ainda


não estou pronto para encerrar a noite.
As coisas que conversamos estão martelando na minha cabeça.

Ela quer viver e somente então decidir pela pessoa que a terá
para sempre. Deveria me trazer alívio, porque está muito perto do
que planejei, mas isso quando eu não sabia que ainda era virgem.

Martina não conhece nada sobre sexo. Você poderia ensiná-la.

— O egoísta dentro de mim orienta.


Empurro os pensamentos mais safados para o fundo da mente,

determinado a fazer alguma coisa para que ela volte ao seu modo

natural comigo. Está formal e distante e não é isso o que eu quero.


— Você sumiu o resto do dia. — Puxo assunto.

— Aproveitei para trabalhar. Estou quase estourando o prazo para


a entrega do meu próximo livro. Costumo publicar um a cada dois

meses e esse não está fluindo como eu esperava.

— Um a cada dois meses? Escreve bem rápido.


— Minha mente é inquieta, repleta de histórias, mas não sei se

dessa vez darei conta de entregar o livro na data.

— Por que não?


— Os problemas rondando minha cabeça, eu acho. Eu não

contava com a chantagem de Ornella. Já foi difícil voltar para

Boston, readaptar a vida aqui, mas ter que lidar com a mãe de
Vicenzzo, ainda que à distância, está desalinhando meu universo.

— Espero resolver isso amanhã.


— Seria ótimo, porque o prazo que aquela louca me deu está

quase estourando. Hoje ela me mandou uma mensagem avisando

que enviaria uma estilista a Boston para tirar minhas medidas para o

vestido de noiva.

Balanço a cabeça.

— Ela parece completamente perturbada.


— Você não faz ideia.

— Como pôde se envolver com essa família?


— Quando você escolhe alguém, não leva em consideração a
família da pessoa em um primeiro momento.

— Eu levaria sim. Sua mãe, por exemplo, é maravilhosa. Ser

genro ou nora de Isabel é o mesmo que tirar a sorte grande.

— A sua também.

— Minha mãe a adora.

Ela não responde imediatamente e intuo que é porque estamos


pisando em um terreno perigoso, como que dançando ao redor um

do outro sobre areia movediça.

— Não acho que sua mãe consiga não gostar de alguém, Raul.

— Fale-me sobre o novo lançamento — mudo de assunto, antes

que ela se feche outra vez.

— É sobre um mulherengo que precisa aprender uma lição.

Ai. Talvez não tenha conseguido desviar o assunto tanto assim, no


fim das contas.

— E o que mais? — Continuo, corajoso.

— A mocinha decide encarar o desafio de mudá-lo.

— E como ela pretende fazer isso?

— Seduzindo-o.

— Mas isso não seria levar areia para a praia? Quero dizer, se o
cara é mulherengo, deve haver pouco sobre sexo que ele não saiba.
Ela não diz nada e quando olho para o lado, está sorrindo, focada

no caminho à nossa frente.


— Talvez ela tenha planos.

— Já com sono? — Pergunto depois de fechar a porta, ainda na

sala que dará nos quartos.


— Não, mas talvez seja melhor ir me deitar. Sairemos cedo

amanhã, né?
Ela estava de costas, mas agora se volta para mim. Usa um

vestido preto curtinho e muito justo.


Linda para caralho.

— Por mim, não. Quer beber alguma coisa?


Acabo com a distância entre nós, mas não a toco, mesmo que

seja isso o que quero fazer.


— Faltam poucos meses para eu poder beber álcool livremente —
diz e faz uma espécie de comemoração, erguendo o punho no ar.

— Quando puder, pretende ficar bêbada?


— Não. Tenho um pouco de medo de perder o controle sobre mim

mesma.
— Pensei que esse já fosse seu modo natural. Descontrolada.
— Não tenho como negar. Na maior parte do tempo, falo mais do

que deveria.
— Não mude nunca.

— Não pretendo — diz, dando um sorriso enviesado. — Perguntou


se eu queria beber, mas eu prefiro dançar. Vamos?

Ela toca na tela do celular e uma música que eu não conheço


começa, mas eu o pego de sua mão.
— Hey — reclama.

— Me deixe fazer isso.


Procuro no Youtube Won't Go Home Without You[28], do Maroon 5
e depois jogo o celular no sofá.

Ofereço a mão para ela, que ainda parece em dúvida.


— Achei que iríamos dançar separado.

— Já ficamos assim tempo demais. Vem aqui, linda.


Não lhe dou a chance de um segundo pensamento, trazendo-a

para mim.
— Fale-me sobre a sedução que sua protagonista planeja contra
o mulherengo.

— Quer ouvir sobre isso agora?


— Sim. O que ela vai fazer de tão especial?

— Primeiro me responda: por que escolheu essa música?


— Sempre me lembro de você quando a ouço. Agora, conte-me

sobre o livro.
— Minha personagem não quer ser mais uma para ele.
— Mas ele é um mulherengo — argumento.

Nossos corpos estão colados e eu subo e desço a mão de leve


pelas costas dela, que estremece.

— Ele é, mas ela está determinada a ser aquela que ganhará seu
coração.
— E como pretende se diferenciar das outras?
Seu corpo ondula, colado ao meu. Preciso me inclinar para senti-la
melhor, então decido fazer como em seu aniversário e a levanto para
nossos rostos ficarem mais próximos.

— Responda — falo em seu ouvido. — Como ela pretende se


diferenciar das outras?

— Porque ela….
Geme quando mordisco seu lóbulo.
— Ela o que, baby?

— Ela é a única que o enxerga de verdade e o quer assim

mesmo.
— Martina…

— Beije-me, Raul. Eu não quero pensar, só sentir.

Seu vestido subiu e enquanto uma das minhas mãos a sustenta

pela cintura, a outra toca a parte de trás de suas coxas.


Cada tomada de sua boca pela minha, é como provar uma poção

viciante. Mel misturado com frutas, seu gosto está rapidamente se

tornando meu alimento favorito.


A língua ousada me procura, convidando, me chamando para seu

interior.

— Você é tão deliciosamente quente.


— É por você. Só você esquenta meu corpo desse jeito — ela diz.
Eu a levo para o sofá, o mesmo em que não conseguimos nos

encaixar muito bem ontem, mas no momento, eu não ligo a mínima


para conforto.

Quando eu sento, ela me monta. Uma coxa de cada lado do

corpo, o vestido justo me deixando ver sua calcinha vermelha — que


acaba de se transformar em minha cor favorita.

Nem disfarço para onde estou olhando. Meus dedos passeando

pela parte à mostra do interior de suas coxas.

Sua cabeça se inclina para trás em êxtase, os olhos nesse


momento em uma cor impossível de ser definida: mato e céu

noturno.

— A qualquer momento que queira parar, só precisa me dizer.


Não me peça para parar.

Quando meu dedo se aproxima do elástico na lateral da lingerie,

um gemido rouco escapole de sua garganta.


Ela está focada no que minha mão está fazendo e eu desacelero

de propósito.

Posso sentir sua ansiedade porque eu mesmo estou nervoso

também.
Ela coloca as duas mãos no meu rosto.

— Você está tremendo — falo.


— Por ansiedade. Toque-me. Não quero mais esperar.

— Calma.

Passo as costas dos meus dedos em um mamilo duro, visível sob


o vestido.

— Desça as alças para mim. Mostre-se.

— Nós só precisamos de vinte e quatro horas juntos.

— O quê?
— Um dia, Raul. Bastou um dia para que cedêssemos — diz,

obedecendo meu pedido.


Capítulo 27

MARTINA

Eu não estou envergonhada quando abaixo as alcinhas do vestido.


Como poderia, se ele me olha como se nunca tivesse visto nada
mais bonito na vida?

Seus polegares fazem uma carícia lenta pelo interior das minhas
coxas, enquanto eu exponho meus seios pela primeira vez a um

homem. Ele sobe uma das mãos e acaricia a ponta dura.

— Linda — diz com a voz rouca e eu estremeço.


Não me movo e ele belisca meu mamilo de leve.

— Ahhhhhh….
— Alguém já a tocou assim?

— Sabe que não.

— Por que não, Martina?


— Pare de falar. Beije-me.

Ele inclina a cabeça e me lambe, arrepiando ainda mais o


montinho rígido, mas é quando ele suga a ponta sem parar de me

olhar, que eu me perco.

— Por isso os franceses chamam o orgasmo de a pequena


morte. Você mal encostou em mim e já estou perdida.

Deus, eu deveria usar um filtro, mas decido que deixarei para uma

próxima vez. Agora, prefiro sentir.


— Você é deliciosa.

Ele suga forte, mas também usa os dentes. Eu escorrego a mão

entre as minhas pernas.


— Chegue a calcinha para o lado, toque essa bocetinha enquanto

eu mamo você.
Acabo de chegar à conclusão de que prefiro o Raul real ao das

fantasias. Ele é muito mais safado e gostoso.

Põe meu seio inteiro na boca e é como se seus lábios fossem

moldados à minha pele, me tomando em um encaixe perfeito.

— Consigo sentir o cheiro do seu tesão. Toque-se um pouquinho,

mas você vai gozar na minha língua.


A experiência dele em pouco tempo me nocauteia. Meu mundo de

sonhos não é páreo para o que ele sabe fazer quando a coisa se
torna real.
Seguro a mão que ainda cava minha coxa e a puxo mais para

cima.

Raul para de me lamber e rasga minha calcinha, substituindo

minha mão pela dele, o dedo grosso indo direto ao meu ponto de

prazer.

Apoio-me em seus joelhos, os braços atrás do meu corpo,


oferecendo o que ele quiser pegar, mas não estou pronta para a

velocidade com que me leva ao precipício, deixando-me na borda do

orgasmo.

Ele massageia meu clitóris, sugando meu seio com fome. Não

acredito que passem dois minutos, antes que os tremores que

precedem o gozo me engolfem.

— Levante os quadris.
Eu faço e sinto a ponta do seu dedo médio em minha abertura.

Tateando, testando, me fazendo suplicar.

— Por favor.

— Meu Deus, Martina. Eu poderia me viciar nisso.

Ele nos gira, e me senta na ponta do sofá, se ajoelhando à minha

frente.
— Vou comer você com a minha língua.
— Gosto desse seu jeito de anunciar o que fará comigo. Não

pare.
Reclino a cabeça no encosto e dobro as pernas, os pés plantados

na beirada.
Seu rosto vem para o meio das minhas coxas enquanto as mãos
seguram-nas bem abertas.

Quando ele começa a me devorar, pego uma de suas mãos,


coloco um dedo na minha boca e sugo. Preciso de qualquer parte

dele a que eu possa ter acesso.


Ele me encara por um instante e o olhar que me dá me faz ter

vontade de fugir e também correr para os seus braços, tudo ao


mesmo tempo. Não há só tesão ali, mas paixão, como se….
Não pense, Martina.

— Eu quero fazer assim com você também — falo, lambendo


seus dedos um por um, porque é mais fácil lidar com o desejo do

que com a enxurrada de sentimentos que ele está desencadeando


dentro de mim.

— Nós vamos viver tudo, Martina.


A promessa, que também é o meu sonho, derruba o resto das
minhas defesas.

— Mais. Estou muito perto.


Ele morde meu clitóris só o suficiente para me fazer gemer alto.

Meu coração está batendo tão forte que tenho medo de passar
mal.

Seus dedos me separam e a boca insaciável não me permite


esconder nada, manter qualquer defesa enquanto minhas pernas

recomeçam a tremer.
Ele não diminui a velocidade, parecendo disposto a me fazer
esquecer meu próprio nome.

— Raul.
— Encha minha boca, amor.

E então eu fecho os olhos e deixo vir a paixão acumulada por


anos. O desejo emergindo em uma explosão erótica, me fazendo
queimar, gemer, implorar.

Espalhando a certeza por cada célula do meu corpo de que eu


sou dele.
Na manhã seguinte

Eu acho que apaguei depois que gozei ontem, porque acordei de


madrugada, somente com o vestido, em minha própria cama.

Parcialmente decepcionada por ele não estar comigo, um pouco


envergonhada por não ter dado nada em troca do orgasmo de abalar

a rotação da Terra com o qual ele me presenteou, mas também feliz


que ele não tenha apressado as coisas.
Por mais que eu escreva a respeito de sexo, ainda não estou
pronta para ir até o fim e nesse ponto, é bom estar com um cara que
saiba o que faz. Raul pensou no meu prazer, mesmo que tenha dito

que nunca esteve com uma virgem.


Acordei com a alma leve e determinada a falar com Vicenzzo.

Certo, racionalmente eu sei que não fiz nada de errado. Quando


terminei com ele, não demos um tempo. Foi algo definitivo. No
momento em que eu lhe disse que acabou, não houve mais beijos,

qualquer carinho e nem um singelo toque de mãos.

Então, eu não me sinto culpada pelo que aconteceu entre mim e


Raul, mas ainda assim, é estranho que o mundo inteiro ainda veja a

mim e ao meu ex-noivo como um casal.

Raul me disse que resolverá a questão com Ornella ainda hoje e

então, teoricamente, estarei livre. Mas não quero uma liberdade


interior somente, quero poder sair sem sentir medo de que um

fotógrafo nos veja em um restaurante ou até mesmo nos dias em que

eu for assistir aos jogos dele — porque eu irei.


Assim, quando ligo para o celular do meu ex-noivo e ele toca sem

parar e ninguém atende, sinto um misto de frustração e raiva.

Não me importo com o treinamento que está fazendo. Ele tem


responsabilidades com seu país, mas comigo também. Mesmo com
todo o carinho que sinto por Vicenzzo, Amasitano não é problema

meu.
Mando mensagem e depois deixo recado em sua caixa postal.

Não consigo disfarçar a irritação em minha voz enquanto digo que

precisamos nos falar urgente, enfatizando a última palavra.


E, por fim, pego o celular para ligar para Rafe, que de algum

modo, descobriu que estou viajando com Raul e me mandou diversas

mensagens ontem.

Poderia ser pior, claro. Se fosse Joaquín a me procurar, temo que


a carreira de Raul no futebol seria encurtada. Meu irmão faz o tipo

que chuta e depois pergunta.

— Onde vocês estão agora? Não, primeiro responda que ideia é


essa de viajar com Raul — ele fala, assim que atende.

— Cadê a educação que mamãe lhe deu? — Devolvo. — E como

você descobriu?
— Não me venha falar em educação. Estou preocupado demais

para ser polido. E quanto à maneira que eu descobri, fui pela

lógica: você e Raul viajando no mesmo dia, justamente quando

termina o noivado e está prestes a começar a temporada de jogos


dele? Só precisei confirmar com mamãe que você estava indo para

a Carolina do Norte e liguei os pontos.


— Já ouviu falar em privacidade?

— Não existe essa palavra entre irmãos.

— Ah, é? Então quer dizer que eu posso contar para a mamãe


que você tem um covil onde leva suas dezenas de quase

namoradas?

Ele tosse.

— Não estamos falando de mim.


— Sua sorte é que não sou vingativa. Agora me responda, está

preocupado com o que, Rafe? Eu não sou mais criança.

Eu amo meu irmão e de todos, ele é o que mais sabe da minha


vida, mas estou chateada de verdade agora. Eles precisam entender

que eu cresci.

— Raul não é o cara certo para você, Martina.

— Não o pedi em casamento, para seu governo. Só estamos


viajando juntos. E se quer saber, ele é um cavalheiro. Não fez nada

que eu não quisesse. Quer se preocupar com alguém? Pois deveria

temer por ele. É difícil não agarrá-lo o tempo todo. Ele é uma delícia.
Ouço uma risada atrás de mim e sei que falei mais do que deveria

quando meu gigante aparece com o cabelo ainda molhado do banho.

Ele deve ter batido na porta do meu quarto e eu não escutei.


Eu queria não estar falando ao celular para poder fotografá-lo

disfarçadamente.
Seria uma ótima fonte para minhas fantasias solitárias. — Divago

em silêncio.

Então eu me lembro que terei o exemplar em tamanho natural e


respirando ao meu meu lado por dois pares de meses e sorrio.

— Não quero ouvir sobre isso. — Meu irmão continua ao mesmo

tempo em que Raul pergunta.

— Quem é?
— Rafe.

— Deixe-me falar com ele.

— Tem certeza?
— Raul está aí? Passe o telefone para ele.

— Rafael Caldwell-Oviedo, não ouse se meter na minha vida ou

você vai se arrepender de ter nascido.

— Eu sou seu irmão mais velho.


— De onde eu vejo, você é o segundo mais novo.

— Uma geração mais velho do que você, agora passe o telefone

para Raul.
Bufo, com vontade de bater em alguém, mas faço o que ele me

pediu.
— Não saia daqui — aviso ao jogador sexy. — Não vão falar de

mim como se eu não pudesse decidir sobre minha vida.

Ele sorri e pisca, mas quando estou me afastando, me puxa de

volta para seus braços e me dá um beijo suave nos lábios.


— Bom dia.

Depois, senta na minha cama sem qualquer cerimônia e me traz

para uma de suas coxas.


— Rafe?

— Raul, o que você pensa que está fazendo?

— Viajando com a sua irmã.

— Não preciso dizer o óbvio: ela não é para você.


— Rafe, eu estou escutando tudo — interrompo, morrendo de

vergonha. — Coloque no viva-voz — peço a Raul.

— Ela ouviu o que disse, Rafe. Mas mesmo que não estivesse,
tome cuidado com o que for falar. Não a trate como se fosse incapaz

de fazer as próprias escolhas.

— Acredite, você não quer que ela escute o que tenho a dizer —

meu irmão ameaça.


— Chega — interrompo. — Rafe, eu te amo, mas nós estamos

indo para a Carolina do Norte porque ele tem que se apresentar ao

time amanhã de manhã. Pode parar com essa coisa de macho alfa
irmão protetor. Eu estou bem. Raul não fez ou fará nada que eu não

queira e sou bem grande para gerir minha própria vida, obrigada.
Capítulo 28

MARTINA

Charlotte — Carolina do Norte

Naquela tarde

— Você não está cansado? Quando eu disse que preferia vir de


carro, não imaginei que teria treino no dia seguinte em que

chegaríamos à Carolina do Norte.


— Nem um pouco. Como falei, eu gosto de dirigir e além do mais,

valeu a pena dormir pouco.


Mesmo contra minha vontade, sinto meu rosto esquentar.

Viemos o caminho todo assim, entre o flertar e o falar sério.

Graças a Deus ele não pareceu se importar com a besteira de


Rafe, com toda aquela coisa de irmão mais velho super protetor.

A verdade é que eu me desacostumei em ter minha família me

vigiando. Na Europa, o ritmo era outro. Eu tive que aprender a me


virar sozinha, mesmo com todos os privilégios de que dispunha.

— Eu gosto de dormir.

— Eu preciso por causa dos jogos, mas meu corpo se recupera


rápido.

— Posso…. huh… fazer uma massagem nas suas costas quando


chegarmos, se estiver dolorido.

Paramos em um sinal de trânsito. Ele faz a mão que estava

parada em minha coxa passear e a temperatura do meu corpo sobe.

— Sim para a massagem, mas quero devolver o favor.

Aceno com a cabeça. Eu teria que ser muito doida para dizer não

a uma oferta dessas.


Ter aquelas mãos enormes e ásperas tocando meu corpo? Sim,

com certeza!
Crio coragem para perguntar o que me deixou curiosa o dia todo.
— Por que você me levou para o meu quarto ontem à noite? Eu li

uns livros em que os caras que não querem compromisso nunca

deixam a garota dormir no mesmo quarto que eles. Foi isso?

Ele começa a gargalhar, mas não estou achando graça.

— O que eu falei demais? Você é um cara de uma noite só, então

minha pergunta faz muito sentido.


Mas ele nunca será um cara de uma noite só para você. Não

depois de ontem — uma voz sussurra, mas eu a c