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POLÍTICA HABITACIONAL E O PROGRAMA MINHA

CASA, MINHA VIDA EM JOÃO PESSOA/PB: uma análise das


transformações e das tendências da produção imobiliária no
período recente (2009-2019)

Resumo

O presente projeto de pesquisa se insere no debate sobre a política habitacional


brasileira no período recente, focalizando na análise do Programa Minha Casa, Minha Vida
(PMCMV) no município de João Pessoa/PB.

Antes de avançar na discussão do referido programa, se considera importante situar


um pouco daquele debate em uma perspectiva.
Depois da extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH) na década de 1980, houve
uma significativa retração dos investimentos para produção e consumo da habitação, uma vez
que o setor habitacional enfrentava uma crise de financiamento diretamente relacionada com o
período de instabilidade econômica que afetou negativamente as estruturas de financiamento da
produção e do consumo da habitação no Brasil, culminado com a extinção do referido banco no
ano de 1986.
Na década de 1990, em um contexto de significativas transformações relacionadas à
globalização e ao neoliberalismo, verificou-se uma redução da participação do Estado em
diversas áreas, e a habitação não foi uma exceção. Como consequência, as famílias passaram a
depender mais do capital financeiro privado para acessar à casa própria. No entanto, o quadro de
instabilidade política e econômica registrado no Brasil naquela década, assim como a redução
do poder aquisitivo das famílias de rendimentos médios e a elevada inflação, entre outros
fatores, favoreceram a conformação de um quadro de escassez de unidades habitacionais.
Nesse contexto, a criação do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), em 1997,
representou a abertura de novas possibilidades para a captação de recursos financeiros
destinados à produção habitacional. Na realidade, a criação do SFI responde, em grande medida,
ao movimento mais ampliado de aproximação entre os capitais (imobiliário e financeiro) e o
Estado, no bojo do processo de financeirização da economia. Refletem, portanto, o nexo entre
Estado-finanças (HARVEY, 2011; SHIMBO, 2010; 2011).
Como evidência concreta de uma maior imbricação entre o capital financeiro e o
imobiliário, verificou-se o crescente processo de abertura de capitais de empresas do setor
imobiliário na bolsa de valores. Esse movimento conferiu maior complexidade à arquitetura
desse setor e aos capitais nele investidos, colocando, por conseguinte, novos desafios para a
relação entre acumulação contemporânea e desenvolvimento urbano (SHIMBO, 2010; 2011;
CARDOSO, 2011; ROYER, 2009).

Em 2003, com a criação do Ministério das Cidades, deu-se início à montagem de uma
arquitetura institucional para dar suporte à implementação, de forma articulada, de políticas
setoriais de habitação, mobilidade urbana, programas urbanos e saneamento ambiental. De
forma geral, competia ao Governo Federal a definição de diretrizes gerais orientadoras das
iniciativas em nível local, dado que o planejamento e a execução da política de desenvolvimento
urbano, a qual contempla aquelas áreas, compete aos municípios.

Em 2005, foi instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS)


e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) foram instituídos. Esse novo
desenho institucional proposto pelo governo federal pressupôs a redefinição das relações entre
os entes federativos no que se refere ao planejamento e à gestão da política habitacional. A ideia
básica era que o referido sistema centralizasse todos os programas e projetos de habitação de
interesse social e que fosse constituído por vários órgãos e entidades dos três níveis de governo
(União, Estados e Municípios).
Nesse contexto, os municípios passaram a desempenhar um papel de relevo na
consecução da política de habitação e, diferentemente do período anterior, dispunham de
instrumentos e recursos financeiros. Delineava-se, assim, um momento propício para a
estruturação de uma política habitacional consistente com condições para reverter algumas
problemáticas que, há muito, impediam a efetivação da habitação adequada e que com o passar
dos anos tornaram-se mais complexas.
Ainda em 2005, verificou-se que o mercado imobiliário ampliou sua atividade
produtiva diretamente associada à própria reestruturação do setor. Nesse período, empresas
passaram a realizar operações em Bolsa de Valores, e os recursos captados foram canalizados
para ampliação da sua atuação, seja em termos regionais, seja em termos de produtos ofertados
e faixas de renda atendidas (CARDOSO E ARAGÃO, 2013; SHIMBO, 2010).
Em 2007 é lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que visava
realizar investimentos em infraestrutura urbana e social de maneira mais ampliada. Segundo
Bonduki (2009), os investimentos provenientes de recursos não onerosos foram multiplicados
por vinte no período de 2002 a 2008.

Em 2009, o Governo Federal lançou o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV)
como uma tentativa de enfretamento da crise econômica mundial ocorrida em 2008, originada
no mercado de subprimes estadunidense. A ideia básica era estruturar um programa que
possibilitasse a redução do déficit habitacional e, ao mesmo tempo, dinamizasse o setor
imobiliário nacional, o que conferia ao programa uma vertente social e econômica.
Vale salientar que o desenho do referido programa foi inspirado nas experiências do
Chile e do México, reconhecidas pelo setor empresarial brasileiro como as mais adequadas para
dinamizar a produção habitacional, a qual estaria lastreada com base em componentes
econômicos e sociais.

Com relação ao PMCMV, diversos estudos apontaram que ele sombreia aspectos
inerentes à política pública de habitação em favor de uma lógica seletiva de mercado
capitaneada pelo imobiliário em articulação com o Estado (ADAUTO, 2009; FIX e ARANTES,
2009; ADAUTO, ARAGÃO e ARAÚJO, 2013; ROMAGNOLI, 2012). Em outras palavras: o
PMCMV adere às estratégias de acumulação do capital, ao passo em que reforça lógicas e
dinâmicas predominantemente capitalistas que se encontram suportadas fortemente pelo Estado,
nos seus diferentes níveis, observando-se, portanto, processos de subordinação da política
pública de habitação a uma lógica de mercado.

Na realidade, o processo de produção capitalista da habitação envolve tanto a disputa


dos capitais pelo acesso ao solo urbano, e aos efeitos úteis de aglomeração existentes no espaço
urbano, quanto a atuação do Estado, a fim de que se criem condições adequadas para oferta e
consumo. Em complemento, destaca-se que os agentes diretamente envolvidos no processo de
produção do espaço, de forma geral, e da habitação, em particular, são complexos em sua
natureza, bem como detêm capacidades distintas de interferir nessa produção.

É, portanto, sobre uma “cidade em formação”, na sua dimensão físico-territorial, que


se tem presenciado, nos últimos anos, um forte incremento da produção habitacional, expresso
na elevação do número de empreendimentos habitacionais, na sua diversificação e na
apropriação de novas áreas. O desenrolar dessa dinâmica tem provocado transformações
socioespaciais significativas no espaço intraurbano, ao passo em que tem contribuído para a
valorização imobiliária de determinadas porções do território. Esse quadro de intensificação da
produção habitacional, nos últimos anos, se relaciona com um conjunto de mudanças estruturais
ocorridas no setor imobiliário nacional, com destaque para aquelas referentes à
institucionalização de marcos regulatórios para o setor e à recuperação das principais fontes de
financiamento habitacional (FGTS e SBPE). Tais medidas acabaram favorecendo a ampliação
dos investimentos no setor habitacional, melhorando, assim, as condições de oferta e do
consumo da mercadoria habitação.

Tal ampliação esteve diretamente relacionada com a implementação do Programa


Minha Casa, Minha Vida, desenhado, conforme observado, em um momento de crise
econômica internacional, a qual frustrou expectativas e delineou um quadro de incertezas com
relação à economia, em geral, e ao imobiliário, em particular. Essa nova conjuntura evidenciou
a importância do Estado, enquanto poder político territorializado, no movimento de ajustes em
várias dimensões (legal, econômica, física e social).
O desenho do PMCMV foi feito pelo Governo Federal, mediante articulação entre o
Estado e o setor imobiliário, tendo como fatores orientadores determinantes de natureza
econômica, os quais se distanciavam de princípios e estratégias definidas no Plano Nacional de
Habitação (PlanHab), e que a sua implementação ocorre nos municípios à luz dos sistemas de
planejamento e gestão da política habitacional.

O referido programa, destinado ao financiamento de moradias à população de renda


mais baixas em parceria tanto com estados e municípios, quanto com empresas e entidades sem
fins lucrativos, contempla atualmente 4 faixas de renda familiar, as quais são: Faixa 1, para
famílias com renda de até R$ 1.800,00, o que equivale a aproximadamente 2 salários mínimos;
Faixa 1,5, para famílias com renda de até R$ 2.600,00; Faixa 2, para as famílias com renda até
R$ 4.000,00 e a Faixa 3 para aquelas com renda até R$ 7.000,00. Dentre elas, a Faixa 1 é a
única em que é obrigatória a intermediação do governo municipal.

Tendo em vista essa problemática, questiona-se: de que forma se estruturou a


produção do Programa Minha Casa, Minha Vida no município de João Pessoa/PB? Como ela se
configurou em relação à produção imobiliária das políticas habitacionais anteriores? É possível
identificar diferentes tendências na produção imobiliária para cada faixa de renda definida pelo
programa? Quem são os agentes imobiliários responsáveis por tal produção?

Para tanto, definiu-se como objeto de estudo da presente pesquisa o Programa Minha
Casa, Minha Vida relacionado à produção habitacional e aos agentes imobiliários. O objetivo
geral é caracterizar a produção imobiliária do Programa Minha Casa, Minha Vida em João
Pessoa/PB entre os anos 2009 e 2019, ressaltando transformações e tendências da política
habitacional recente do município.

A investigação sobre a trajetória da política habitacional brasileira estará baseada,


inicialmente, nos estudos de Adauto Lúcio Cardoso (2004; 2011; 2013; 2015), Ermínia
Maricato (2009ª; 2009b; 2011), Raquel Rolnik (2009), Nabil Bonduki (2009), Lúcia Zanin
Shimbo (2010; 2011), Mariana Fix (2012) e Luciana Royer (2009), Maria Beatriz Rufino (2013;
2015); Alexandre Romagnoli (2012); Caio Santo Amore (2015). O entendimento acerca
da habitação e do imobiliário em João Pessoa/PB estará baseada, inicialmente, nos
trabalhos de Paula Dieb (2019), Thiago Lima (2012), Doralice Maia (2014), Matheus
Araújo (2014), Camila Leal (s/d), Mariana Bonates (2007), Nelson Saule Júnior,
Patrícia de Menezes Cardoso e Julia Cara Giovannetti (2005).

Palavras-chave: PMCMV. Política Habitacional. Produção Imobiliária. Espaço Urbano, João


Pessoa/PB.

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