Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Artigo
Resumo: Este artigo examina a relação existente entre os atributos distintos divinos como base
para compreensão da unidade da substância. Como que a partir de atributos que são realmente
distintos, conforme a E1p10esc, pode existir uma única e simples substância? Partindo deste
Uma das teorias spinozanas mais difíceis e questionadas ao longo dos tempos foi a da
real não está em aceitar as provas expostas em si, mas sim em como compreender o que as
verdades estabelecidas a partir destas provas realmente nos dizem. A E1p5 deixa claro que “não
podem existir, na natureza das coisas, duas ou mais substâncias de mesma natureza ou de
mesmo atributo.” Ora, se somarmos a isso a definição de Deus2 e a definição de sua existência
necessária3, veremos que são teses simples e de pouca rejeição entre os filósofos do seu tempo.
premissas simples. Spinoza sempre pareceu desafiar o seu leitor ao elaborar teses e conceitos a
partir de premissas triviais. No entanto, uma vez estabelecidas essas verdades, percebemos a
profundidade e alcance daquilo que foi proposto como verdade fundamental. Se a substância é
1
Apesar de a substância ter infinitos atributos, só podemos conhecer dois, Pensamento e Extensão. Os infinitos
atributos existentes não farão parte de nosso estudo.
2
E1def6: “Por Deus compreendo um ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consiste de infinitos
atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.”
3
E1p7dem: “Uma substância não pode ser produzida por outra coisa. Ela será, portanto, causa de si mesma, isto
é, a sua essência necessariamente envolve a existência, ou seja, à sua natureza pertence o existir.”
1
.
única, como que todos os demais entes existentes são modificações desta substância? Se Deus
é extenso4, como que Ele pode ser simples e expresso por dois atributos diferentes?
O caminho do conhecimento não pode ser norteado por aquelas coisas que percebemos
mais facilmente, mas, antes, pelas verdades acerca da essência divina e suas consequências, ou
seja, as essências de todas as demais coisas existentes. Não é conhecimento imaginativo, que
apenas confunde nossa percepção da realidade que nos fará entender a verdadeira essência da
coisas. Somente o intelecto puro, o raciocínio através da ordem das razões, que parte da causa
para o efeito5, de Deus para o mundo, da substância para os modos, pode nos levar as conclusões
spinozanas.
Spinoza nos adverte6, algumas vezes, sobre nossa tendência em confundir a imaginação
com o intelecto. Nossa imaginação não tem capacidade para alcançar a Deus e nem as essências
das coisas criadas. É ela que não consegue aceitar as verdades estabelecidas de que falamos.
Que não consegue entender ou aceitar a simplicidade divina, provada juntamente com a
multiplicidade do universo que deriva por sua vez da modalidade da substância, e que faz com
que o mundo seja formado por substância e modificações da mesma. É a imaginação que
enxerga a extensão como algo divisível, enquanto que o intelecto percebe a extensão simples e
indivisível7 . Pela razão entendemos de forma clara a verdade da coexistência dos atributos
Pensamento e Extensão em uma mesma e única substância. Somente pela razão, pela ordem
das razões, pelo conhecimento dos efeitos pelas causas, é que conseguiremos nos desvencilhar
das conclusões equivocadas impostas pela imaginação. Não é por imaginarmos mais facilmente
4
E2p2: “A extensão é um atributo de Deus, ou seja, Deus é uma coisa extensa.” A simplicidade dos argumentos
para suas teses é mais evidente nesta proposição, onde Spinoza há demonstra pela demonstração da proposição
anterior.”
5
E1ax4: “O conhecimento do efeito depende do conhecimento da causa e o envolve.”
6
E2p49esc: “[…] Começo, assim, pelo primeiro ponto, advertindo os leitores para que distingam cuidadosamente
entre, por um lado, a ideia ou o conceito da mente e, por outro, as imagnes das coisas que imaginamos…”. É
evidente a preocupação de Spinoza acerca do uso da imaginação na formulação dos conceitos verdadeiros e falsos
acerca das coisas e de Deus. A esse respeito Cf. E2p47esc.
7
E1p15esc.
2
.
Spinoza define a substância na E1def3: “Por substância compreendo aquilo que existe
em si mesmo e que por si mesmo é concebido, isto é, aquilo cujo conceito não exige o conceito
de outra coisa do qual deva ser formado.” A substância de Spinoza é diferente daquela
apresentada por Descartes. Para este, a substância é única no sentido de ser independente de
qualquer outra coisa, igual a Spinoza, mas que esta mesma substância possui um só atributo
que exprime sua essência. Em Spinoza os atributos são realmente distintos, como vemos, na
E1p10esc, mas no entanto, coexistem na substância única e simples, que é Deus, tendo assim
Deus é um ser que existe necessariamente e por essa necessidade é que podemos falar
da coexistência dos atributos na substância. Em Spinoza, não existem várias substâncias, sua
existência se torna contraditória pela prova da unicidade necessária divina feita na E1p11. Esta
os atributos em uma única substância. A partir da E1p11 veremos algumas provas da existência
de Deus e suas articulações que nos levam a crer que ter o conhecimento de Deus é premissa
Na E1def3, Spinoza, dá uma definição geral do que é a substância, definição esta, que
não exprime todas as suas propriedades. Já na E1def6, Spinoza, define de forma completa a
necessariamente pelo absurdo de pensar Deus como inexistente, uma vez que, “à natureza da
substância pertence o existir”8, e que, se Deus é uma substância, e sua essência envolve sua
existência, pelo contrário de E1ax7, logo, Deus existe necessariamente. Para Spinoza, negar o
8
E1p7.
3
.
tudo precisa de uma causa tanto para ser quanto para não-ser e que é impossível achar tanto
fora quanto dentro da natureza de Deus, razões para a sua não-existência, o que prova a
existência necessária do ser absolutamente infinito e perfeito. Vários são os momentos em que
Spinoza demonstra a coerência do conceito de substância. Desde a E1def3, passando por E1p7,
A existência infinita da substância implica que existe um ser que tem mais realidade do
outros, ou seja, existe um ser que tem uma existência infinita que consequentemente tem mais
realidade do que o que tem existência finita. Ora, se somente a substância é infinita, logo, seu
grau de realidade é também infinito. E se pela E1p9, “quanto mais realidade o ser a coisa tem,
tanto mais atributos lhe competem”, logo, maior será o número de seus atributos. Esta premissa
faz com que seja possível que uma única substância, que é infinita, possua também infinitos
atributos, afinal, se todos os seres possuíssem o mesmo numero de atributos, todos teriam o
mesmo grau de realidade ou ser, o que é absurdo. Outrossim, o ser que possui infinitos atributos
chamamos de Deus.
substância infinitamente infinito e perfeito, ao qual chamamos Deus, e que possui mais de um
de todas as outras coisas existentes. A partir de agora, é possível pensarmos sem dúvidas na
Spinoza prova a partir de várias passagens da Ética, que mesmo se existisse outra
substância diferente de Deus, sua natureza seria distinta daquele e isso não interferiria em nada
na sua existência de forma alguma. Assim, o conceito de Deus como o ser de mais alto grau de
realidade e composto de infinitos atributos é possível e não contém contradição ou algo que
4
.
impeça a sua existência. Por isso, e desta maneira, Spinoza conclui a existência necessária de
Deus.
atributos, podemos falar do mundo como aquilo que está contido nos atributos de Deus. Se tudo
o que existe de maneira singular é uma modificação dos atributos de Deus, logo, todas as coisas
estão contidas em Deus, portanto, para conhecer o mundo é necessário conhecer como as coisas
são primeiramente em Deus. Queremos destacar apenas algumas nuances de como esse tipo de
Deus possui em si objetivamente, ou seja, como uma ideia no pensamento, tudo o que
necessariamente e eternamente. Do ponto de vista do atributo, não há diferença entre o que está
no tempo e o que o está no intelecto divino, pois, não existe primeiro entre eternidade e duração,
uma vez, que o eterno não existe em relação ao tempo. O tempo é peculiar aos modos. É a
maneira pela qual causa e efeito se apresentam para o intelecto. O que vem antes ou depois é
apensa uma relação lógica e epistemológica de apresentar uma ordem que se segue do mais
potente para o menos potente, do atributo para o modo. Isto porque não é possível pensar as
coisas sem antes pensar em Deus. Não é possível pensar a duração sem pensar a eternidade. O
infinito é ao mesmo tempo condição de existência do finito e aquilo que possibilita sua
compreensão.
Por isso, diz-se que Deus é imanente e onipresente. Pois, a existência de Deus é pré-
condição para a existência de todas as coisas. Assim, Spinoza, vai afirmar na E1p15,
reformulando o que já havia dito na E1ax1: “Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus,
nada pode existir nem ser concebido”. As coisas que existem enquanto particulares são os
5
.
modos dos atributos. Aqui é a passagem de substância para modo, a transformação da unidade
Como tudo que existe exprime a natureza de Deus de maneira definida e determinada,
todas as coisas devem estar contidas em Deus. Esta é a relação que determina o conhecimento
do mundo através do conhecimento de Deus. É essa passagem do infinito para o finito. Por
estarem contidas em Deus antes de serem modificações que podemos dizer que Deus é que lhes
pois, Deus enquanto atributo é algo que se transforma em modo e esses modos transformados
4: Referências Bibliográficas
Artmed, 2010.
de Carvalho (Parte I), Joaquim Ferreira Gomes (Parte II e III) e Antônio Simões (Parte IV e V).
RIZK, Hadi. Compreender Spinoza. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis: Editora Vozes,
2006.
WOLFSON, Harry Austryn. The philosophy of Spinoza. Harvard Univertity Press, 1934.