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O sagrado. Texto transcrito da série “Ecce Homo” de um canal de televisão canadense.


Os comentários em itálico e na cor verde e expressões sublinhadas foram feitas pelo
professor, visam orientar o (a) aluno (a) a fim de que se possa tirar melhor proveito
do vídeo.

(Breves testemunhos)
Para mim a vida é o que há de mais sagrado.
O sagrado são as crenças os valores e acima de tudo a humanidade.
Para mim o que de mais sagra é a minha família,
O sagrado é Deus, Alá, e também o Alcorão e o profeta Maomé.

Estes primeiros depoimentos falam de coisas ou pessoas que são consideradas sagradas na medida em
que remetem ao Sagrado em si.Por este motivo no comentário a seguir O Sagrado é tratado com
mistério.

(Narrador)
Desde nascimento da civilização o ser humano busca compreender a dimensão do sagrado e até mesmo
ter controle sobre ele, mas sempre envolto em mistérios, o que é Sagrado nunca esteve completamente ao
alcance das mãos do homem. Num sentimento de reverência despertado por tanto mistério é o que
mantém a chama da sacralidade dentro de cada um de nós.
.
(Guy Menard – Teólogo)
O sagrado é acima de tudo uma palavra, é um termo que define experiências que nem todas as pessoas
consideram que sejam sagradas.

Que palavra é esta?Que experiências são estas? Mais uma vez a referência ao mistério pode ser aqui
subentendida.

(Kristin Norget – Antropóloga)


O sagrado é uma coisa considerada santa por conta de uma associação religiosa, é um elemento
especial sacrossanto ou considerado inviolável, pode ser um lugar uma pessoa ou um objeto. Todas estas
coisas podem ser consideradas sagradas.

A antropóloga fala de coisas sagradas, mas não do Sagrado em si.

(Narrador)
Os seres humanos sentem a necessidade de acreditar num sistema profundamente arraigado de valores
que confirmem e dêem sentida a vida. A experiência com o que é sagrado envolve uma mistura de
emoções que incluem temor, reverência e respeito, é uma expressão poderosa de nossas crenças mais
profundas.

Aquilo no qual se crê, pode ser chamado de sagrado. Mas pode se perceber a dificuldade de uma
definição senão pelos sentimentos que acompanham a experiência do sagrado.

(Roger Dadoun – filósofo)


È importante lembrar que o conceito de sagrado envolve também um lado desconfortável. A exaltação e
a veneração muitas vezes são acompanhadas por um sentimento de pavor. Para lidar com este lado
mais sombrio do sagrado, o ser humano precisou lhe dar uma forma mais familiar: pode ser um
deus, uma Igreja, uma doutrina ou personagem histórico.

(Narrador)
As forças misteriosas que despertavam o medo no coração de nossos antepassados muitas vezes se
manifestavam no céu. Lá em cima na vastidão infinita dos céus fez-se a morada dos deuses. Mas as forças
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divinas precisavam ser acessíveis, sendo assim foram concebidas sob formas familiares para os homens
da época ou então como seres espirituais e imateriais.
Essa personificação das forças divinas estreitou os laços entre céus e terras. Agora o homem tinha a
possibilidade de entrar em contato com o sobrenatural. Foram elaborados mitos que usavam símbolos
tinham de ser reconhecidos e partilhados por todos os membros da comunidade.

Aqui aparece de forma clara como surgiram os mitos e símbolos religiosos e qual a sua função.
Estabelecer a comunicação do homem com o Sagrado, é a forma mais apropriada de comunicação do
homem com o Sagrado.

(Jean Delumeau.- Historiador)


Eu diria que o conceito de sagrado esta ligado a lugares rituais e indivíduos que fazem as pessoas
entrarem em contato com forças que estão além da sua compreensão. Na verdade, o Sagrado são
essas próprias forças que só podem ser compreendidas através de rituais, símbolos e indivíduos
especiais.

(Narrador)
Desde a pré-história as sociedades humanas se organizam em torno de conjunto de valores sagrados.
Muitas vezes tais valores surgem em associação a figura de determinados deuses. Esse é o sagrado sob a
forma de religião. Mas os valores podem se estruturar em torno de certos indivíduos, ideais ou mesmo em
torno de objetos inanimados. Trata-se do sagrado na sua forma mais profana ou secular. Qualquer que
seja a forma o sagrado tem sempre a mesma função, dar um sentido irrefutável a existência de todas as
coisas. E por que precisamos dar sentido as coisas? Podemos encontrar resposta para esta questão nas
primeiras tentativas da humanidade de entrar em contato com o sagrado. Quando ela se sentia ao mesmo
tempo apavorada e fascinada diante do poder da natureza.

Valores são sagrados na medida em que são captados de uma força superior, do Sagrado..

O FOGO DOS CÉUS.

(Narrador)
A reverência pela sagrado nasceu do terror1 que os fenômenos da natureza provocavam no homem. Mas a
natureza também tinha mecanismos bastante previsíveis ao mesmo tempo. Sua generosidade permitia a
sobrevivência do homem, mesmo enfrentando duras condições de vida. Para nossos ancestrais primitivos,
o céu e a terra eram fonte de perplexidade e mistério infinito. Para explicar os fenômenos que
presenciavam e lhes dar maior segurança eles criaram um sistema de crenças hoje conhecido como
“animismo”.

Acima se faz referência a dimensão atemorizante e fascinante da experiência do sagrado.

(Serge Bouchard – Antropólogo)


O animismo é bem simples: Ele a crença de que os objetos, a natureza, e nós mesmos somos habitados
por uma força ou energia vital.

(Narrador)
Nos céus e na terra todas as coisas tinham uma aura de mistério. Quando se viam diante de um
acontecimento inesperado ou fenômeno incomum, os homens procuravam causas identificáveis, assim
nasceram lendas explicativas e uso de símbolos para interpretar os mistérios da vida. A humanidade
começou a indagar o sentido dos acontecimentos naturais graças a um sistema representativo de símbolos
que mais tarde originou as mitologias.

1
Muito provavelmente a palavra “terror” e uma tradução imprópria do que seria “temor”. A experiência do sagrado é
constituída pelas duas experiências: A do temor e do fascínio. Temor envolve respeito e reverência e o terror implica
simplesmente medo.
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(Jose A. Prades – Antropólogo)
A função dos mitos é fornecer respostas claras as questões fundamentais do homem. De onde viemos?
Para onde vamos? Quem somos nós?Quais devem ser os nossos valores? Como devemos levar as nossas
vidas? Nos mitos temos as respostas.

A expressão “clara” deve ser bem entendida, pois não se trata de uma clareza científica matemática.

(Narrador)
Um dos mitos mais antigos é o da deusa-mãe. Desde tempos muito antigos a sua imagem tornou-se objeto
popular de veneração religiosa. Pequenas estátuas da deusa-mãe foram encontradas pelo mundo inteiro
representada sob o símbolo de uma mulher grávida ela era a deusa da fertilidade e invocava a abundância
das colheitas.A medida que a natureza começou a ser mais compreendida e que seus segredos foram
desvendados pelo homem ele pode reproduzir alguns de seus fenômenos.
Para as primeiras comunidades pastorais e agrícolas surgidas há 12.000 anos a fertilidade era fundamental
Naturalmente ela se tornou um conceito sagrado, pois garantia a vida e a sobrevivência da comunidade.
Isso deu origem numa crença universal na mãe natureza: A deusa Gaia dos gregos, ou Kali para os
hindus.
Quando começou a venerar deuses o homem passou também a invocar a intervenção deles na sua vida
cotidiana, isto era feito através de rituais ou conjunto de procedimentos determinados para obter favores
de uma divindade em particular.
A dança e diversas formas de celebração ganharam status de poder conjurar as forças sobrenaturais.

(Michel Aubé – Doutor em educação)


É muito importante entender que o uso dos símbolos é semelhante ao uso das ferramentas. Assim como
eu posso usar uma vara para tocar alguma coisa que está fora do alcance da minha mão, posso usar
símbolos para entrar em contato com realidades que, sem eles, seriam inatingíveis.

(Narrador)
Em todas as culturas, ao longo de toda a história, fogo e água sempre foram usados em abundância para
mediar a relação entre o homem e os deuses. Considerados sagrados estes dois elementos da natureza
ganharam profundo significado simbólico.
O fogo representa a vida e a sabedoria. Ele atua na comunicação entre o mundo dos vivos e o reino dos
mortos. A água é fonte de vida, um elemento de purificação que tem em si o poder de santificar. O início
de um estágio de vida de cada pessoa costuma ser marcado por rituais. Eles realçam a passagem de uma
condição a seguinte. Seja no momento do nascimento, do casamento ou da morte.

(Jean Delumeau.- Historiador)


Muitas pessoas costumam perguntar quando foi concebida a noção de sagrado e religiosidade. Muitos
estudiosos e antropólogos acreditam o homem moderno nasceu a partir do momento que a humanidade
passou a cultuar os seus mortos. Pelo que eu sei o túmulo mais antigo de que se tem notícia foi
descoberto perto de Nazaré e tem mais de 90.000 anos. Podemos garantir que houve uma cerimônia
fúnebre no local e que o corpo foi sepultado segundo algum tipo de ritual. Assim o homem emergia de
sua condição animal. Ele começou a tentar fazer contato com seus antepassados e com a vida além da
morte.

(Narrador)
Quando os seres humanos tomaram consciência da sua própria mortalidade, a sua percepção do tempo
mudou para sempre. Tornou-se necessário que eles atuassem dentro de uma certa estrutura de tempo de
que encontrassem novo sentido não só para as suas vidas para também para a morte. Em muitas
sociedades a experiência com a morte fez nascer a crença na vida depois da morte e em algumas delas a
vida após a morte passou a ocupar lugar importante na preocupação dos vivos.

(Serge Bouchard – Antropólogo)


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Essa é a maior apreensão do ser humano: Em todo o planeta em todas as culturas tentaram criar
sistemas para lidar com a morte, nós precisamos aprender a viver, mas também precisamos aprender a
morrer.

(Narrador)
No ato de preparar seus mortos para além da vida, homens e mulheres começam a refletir sobre a idéia de
sua própria mortalidade.

(Serge Bouchard – Antropólogo)


É como se a morte fosse a obsessão primordial do homem, vidas inteiras são gastas tentando esquecer a
morte e falando sobre ela. Nós nascemos da morte e retornamos a ela, e estágio anterior a vida é uma
espécie de morte, sendo assim passaremos a maior parte da eternidade num estado de morte. A vida é
um mero piscar de olhos, é uma fagulha que pode se apagar facilmente.

(Narrador)
Em nosso íntimo guardamos um grande mistério ainda não desvendado: Quem somos? De onde viemos?
Qual será o nosso destino? A partir dessas três questões o homem reflete em busca de respostas que
fundamenta a sua necessidade pelo sagrado.

O FOGO UNIVERSAL.

(Narrador)
Nessa busca pelo sentido da vida, nos levou a criar sistema de referências imutáveis e atemporais. Tribos,
nações e todas as comunidades tendem a escolher e ter suas referências entre personalidades conhecidas,
objetos, eventos, regras e lugares.O objetivo dessa escolha é organizar a dimensão do sagrado e torna-la
tangível.
Nas montanhas mais altas, nos vales mais remotos, em torno de uma fogueira, de um monólito ou de um
altar, o homem sempre sentiu necessidade de demarcar espaços sagrados com limites bem precisos.

(Jean Delumeau.- Historiador)


O ser humano sente necessidade de fugir da monotonia cotidiana. É por isso que os locais sagrados
ficam fora dos domínios da vida comum. Associados a divindade eles ocupam uma categoria própria e
separada da realidade ordinária

(Narrador)
A construção de um prédio sagrado requer a escolha de um local carregado de valor especial, um lugar
que, em si, contenha qualidades sagradas. Um bom exemplo disto é o domo do rochedo, a primeira
expressão da arquitetura sagrada dos muçulmanos. O templo foi construído para abrigar o rochedo a partir
do qual o profeta Maomé subiu aos céus.
Depois de escolherem os locais sagrados entre os criados pela natureza, os homens desenvolveram a idéia
de erguer prédios para honrar os seus deuses. E logo todas as civilizações estavam erguendo monumentos
projetados para despertar sentimento de temor e reverência.

(Jean Cazeneuve – Sociólogo)


Quando alguém entra numa Igreja para rezar ela não está num edifício qualquer e seu comportamento
reflete isso. A atitude da pessoa reflete a aura sagrada que envolve a própria Igreja e os objetos dentro
dela, como a água benta, por exemplo.

Os monumentos sagrados eram construídos segundo técnicas precisas, muitas vezes apoiadas nos
princípios da geometria e astronomia. Em certas culturas o local escolhido para a construção de uma casa,
um palácio, um túmulo ou até de uma cidade inteira dependia de um estudo sobre a localização das
árvores e massas de água ou da topografia do terreno. Esta prática chamada pelos chineses de Pon-
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Chuê ainda é um aspecto importante da cultura oriental e serve para afastar forças negativas e atrair
influências favoráveis.
O conceito de sagrado envolve uma dimensão temporal além da espacial. O ser humano precisa criar
pontos de referência ao longo de uma linha de tempo para entrar em sintonia com os mistérios do
universo. Existem momentos para a meditação, momentos para a celebração, momentos para a oração
individual e para os rituais em grupo. Existem momentos para a alegria e para o pesar. Tais momentos de
grande emoção alimentam a chama sagrada dentro de cada um de nós. Eles nos chamam atenção para os
momentos importantes de nossas vidas. Cerimônias e celebrações religiosas existem no mundo inteiro,
elas são usadas para marcar momentos importantes da vida da comunidade e tem uma importância vital
para garantir a coesão social.
Para grupos de cristãos a missa e comunhão relembram a última ceia de cristo, para os judeus a leitura
solene do Torah, relembram o momento que Moisés recebeu as tábuas da lei das mãos de Deus e retornou
do Monte Sinai, o I-El-Ada3 ou o banquete do sacrifício é a cerimônia na qual os muçulmanos matam um
cordeiro para recordar o sacrifício de Abraão.

(Kristin Norget – Antropóloga)


Se entendermos a dimensão do sagrado como uma coisa separada da realidade cotidiana podemos dizer
que ela se manifesta durante situações rituais. Os ritos, como mitos, evocam uma noção de tempo
bem diferente do tempo linear, cronológico e finito. O tempo ritual é regenerativo, eterno e cíclico.
É o que podemos chamar de temo atemporal.

(Narrador)
Muitas formas de recriação simbólica utilizam a dança, o teatro, a pintura ou a escultura. Como buscam
respostas para as grandes questões humanas, os artistas fazem a nossa ligação com o desconhecido e se
tornaram figura-chave para a expressão do conceito de sagrado e para a sua transmissão de geração em
geração.
Mas a relação com aquilo que transcende a realidade imediata foi garantida desde o início por indivíduos
especiais. Nas sociedades primitivas esta função cabia aos anciãos, os membros mais sábios da
comunidade.
Os espíritos dos ancestrais também atuavam como conselheiros e guias na lida com o sagrado. Como
intercediam juntos aos deuses, esses indivíduos, vivos ou mortos, eram considerados infalíveis, para viver
a vida em harmonia era preciso apenas seguir os conselhos deles e obedecer às regras que estabeleciam.

(Michel Aubé – Doutor em educação)


É nesse ponto que entra o conceito de hierarquia. Incidentalmente o conceito grego de hierarquia quer
dizer ordem sagrada. “hieros” quer dizer sagrado. Assim esse conceito se refere a uma ordem que se
aplica ao mundo invisível, a um mundo mais verdadeiro que a realidade cotidiana. O conceito original
de hierarquia implica na existência de força ou entidades sobrenaturais às quais nos devemos no
submeter.

(Narrador)
Os Xamãs e sacerdotes são os guardiões das revelações sagradas. Apenas eles podem compreender,
interpretar e transmitir o significado dos textos sagrados. Estes textos ensinam ao homem como viver a
sua vida.

(Kristin Norget – Antropóloga)


Os ensinamentos de Buda implicam oito princípios de comportamento como:

Dê ao próximo o que ele estiver mais precisando.


Fale sempre com mansidão.

(Kristin Norget – Antropóloga)


2
A ortografia desta palavra pode não estar correta.
3
Idem
6
E Deus disse:

Não deveis adorar a outros deuses além de mim.


Honrai o vosso pai e a vossa mãe.

(Kristin Norget – Antropóloga)


Nas palavras de Maomé: O teu Deus é o único Deus, não existe ...

(Kristin Norget – Antropóloga)


Segundo a declaração universal dos direitos humanos toda pessoa nasce livre e em igualdade de
dignidade e direito.

Toda pessoa tem direito a vida, liberdade e segurança.

(Narrador)
Com o tempo as leis e ritos religiosos se tornaram as leis e ritos de sociedades inteiras. Todos estes
princípios nasceram diretamente da experiência humana e foram criados para evitar situações que possam
ameaçar a estabilidade social. Uma ordem estabelecida define regras que seus membros devem para
manter a coesão social.
A transgressão de tais regras implica em penalidades: A danação, a excomunhão, o vazio e a exclusão do
Reino dos Céus são apenas alguns dos castigos possíveis dentro do contexto de uma sociedade religiosa.
No contexto secular a punição pode ser o encarceramento e no caso dos crimes mais graves, a execução.

(Jean Delumeau.- Historiador)


Será que é possível existir preceitos morais sem a crença numa realidade além cotidiana? Por que eu me
comportaria de uma forma moralmente aceitável se eu posso ser um perfeito egoísta? Pode-se dizer que
é da natureza humana ou que é uma tradição. Mas o que faz com que eu tenha uma preocupação com o
resto da humanidade? Por que eu me importo? Em certo ponto o indivíduo chega num impasse. Ele
precisa de uma afirmação absoluta que não possa ser questionada ou então entrará numa discussão com
ramificações infindáveis. Isso é o que dizia Aristóteles.

TRANSGRESSÃO.

(Narrador)
Nas sociedades tradicionais a dimensão do sagrado se organizou em torno de instituições religiosas. Ritos
como este4, locais regras e cerimônias forneciam pontos de referência para a conduta individual e para o
comportamento coletivo. Tais modelos acabaram por evocar idéias seculares que influenciaram a
organização do sagrado.
A democracia, o capitalismo, o comunismo, todos esses sistemas partiram de modelos religiosos.
Estruturas religiosas podem se adaptar perfeitamente a qualquer movimento social que se fundamente em
valores tomados como sagrados.

(Guy Menard – Teólogo)


É importante lembrar que embora tenham surgido diversos modelos diferentes as estruturas e a
dinâmica interna de cada um deles são bem semelhantes. Por outro lado a história humana é tão vasta e
complexa que não é surpresa encontrar modelos opostos erguidos a partir do mesmo conceito central de
sagrado.

(Narrador)
Religiosa ou secular a organização do sagrado é feita de modo a permitir que as sociedades estabeleçam
metas em comum. Em muitos casos isto impôs limites rígidos às liberdades individuais. Muitas vezes não
é aceitável questionar a ordem estabelecida. Certos indivíduos, insatisfeitos com os limites impostos a
eles, se revoltam contra dogmas, leis e valores, fazendo isto eles transgridem a ordem sagrada. Às vezes
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Referência à imagem que no momento esta sendo mostrada no vídeo.
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as próprias instituições encorajam a transgressão. Festivais pagãos e festas com o carnaval existem
precisamente por causa disto. São recursos muito eficazes para reforçar e renovar os compromissos dos
indivíduos com a ordem, permitindo que eles transgridam as sua regras temporariamente.

(Guy Menard – Teólogo)


O carnaval do Rio de Janeiro, por exemplo, é uma oportunidade para romper as regras de conduto em
todos os níveis. O trabalho para e as pessoas festejam. Durante alguns dias as normas sociais e os tabus
sexuais são derrubados. Mas o mais importante nesses excessos é o fato de eles permitirem aos
participantes renovarem as suas energias e sua fé na vida através da impressão que tiveram contato
direto com o sagrado.

(Narrador)
Essas formas espetaculares e provocativas de transgressão, não enfraquecem a organização sagrada, mas
funcionam com válvulas de escape que evitam ameaças mais graves a ordem social. A transgressão se
torna uma ameaça quando é incitada por indivíduos insatisfeitos com a ordem sagrada que lhes foi
imposta.Em casos como este a ordem existente pode perder a sua aura sagrada e abrir espaço para o
crescimento de uma nova ordem com crenças e pontos de referência próprios.
Um caso que pode servir de exemplo é o do Budismo. Esta religião se formou em torno de um homem,
Sidartha Gauthama, conhecido com o Buda ou o Iluminado. Nascido na Índia entre os anos 520 e 480
a.C. o Buda foi a origem de um novo sistema de crenças. Insatisfeito com a crença Hindu na reencarnação
ele dedicou-se a examinar essa idéia do eterno ciclo do nascimento, morte e renascimento.
Segundo Buda era possível quebrar a cadeia infinita de reencarnações e atingir o estado supremo e
evolução ou Nirvana. Assim nasceu o budismo, trazendo um novo sistema sagrado de referências que
Buda passou toda a sua vida adulta ensinando.
Este tipo de ruptura é sempre traumático para qualquer sociedade, pois pode abalar as estruturas das
instituições sagradas. Foi o que aconteceu na Alemanha em 1517, quando o monge Martinho Lutero
começou a questionar determinadas práticas da Igreja, principalmente a venda de indulgências. Aos
pecadores que comprassem as indulgências era prometido uma estadia mais curta no purgatório, mas para
Lutero apenas a fé poderia garantir a salvação e não o dinheiro. Ele acreditava que as autoridades
eclesiásticas estavam interpretando de maneira errada os textos Bíblicos e que as Sagradas Escrituras
deveriam ser lidas e compreendidas pelos próprios fiéis. Iniciada por Lutero a Reforma Protestante
diminui o domínio de Roma sobre o norte europeu e acabou provocando conflitos violentos entre
protestantes e católicos. A reforma religiosa teve uma importância vital para abrir caminho para outras
mudanças. A aura sagrada da ordem estabelecida estava desaparecendo. Agora era possível questionar
valores tradicionalmente sagrados.
Primeiramente através da ciência. Poucos anos depois da ruptura de Lutero com a Igreja foi a vez do
astrônomo Polonês Nicolau Copérnico se manifestar. Copérnico demonstrou que a terra não ocupava o
centro do universo mas que era apenas mais um entre vários outros planetas que giravam em torno do sol.
Indiretamente a teoria de Copérnico ameaçava o princípio religioso que colocava o homem como centro
da criação, mas foi mais de um século depois com as contribuições de Taicon Brian, Kepler, Galileu e
Isaac Newton que a revolução iniciada por Copérnico foi concluída. Todos estes cientistas tiveram o seu
papel para acelerar as transformações do conceito de Sagrado. Eles buscavam novas respostas e nesse
processo a influência do sagrado enfraqueceu gravemente. A razão e a observação eram o novo credo. Em
1859 o naturalista britânico Charles Darwin se torno um ícone dessa nova era. Darwin acreditava que
todas as espécies descendiam de um ancestral em comum, isto incluía o homem que supostamente fora
criado a imagem e semelhança de Deus. A teoria de Darwin, sem dúvida, era uma das ameaças mais
sérias já feitas à sagrada doutrina cristã.
Depois de terem deixado de ocupar o centro do universo e terem todas as suas instituições postas em
dúvida os homens e mulheres agora se viam privados de sua origem divina. Todas essas tentativas de
dessacralizar preceitos sagrados provocaram profundas mudanças de pensamento e essas por sua vez
levaram o homem a procurar novas maneiras de integrar a dimensão do sagrado em sua vida.

(Michel Aubé – Doutor em educação)


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Em suma é impossível escapar, o homem sempre vai ter necessidade de criar mitos interpretativos ou
explicativos. Eles são mantidos enquanto se adequarem à sua condição ou até que sejam questionados
mais seriamente.

(Narrador)
Os seres humanos não podem viver sem valores sagrados que dêem sentido a sua vida. Paradoxalmente a
mesma ciência que havia ameaçado as religiões é agora elevada a posição de sagrada.

ATIÇANDO O FOGO DO PROGRESSO.

(Narrador)
O mundo ocidental se voltou para a ciência no século XIX. O racionalismo se tornou um valor dominante
e a idéia do progresso foi elevada ao status de doutrina sagrada. Nascia uma nova instituição. O conceito
de progresso era um novo sistema de pontos de referência sagrado com uma nova classe de sacerdotes: Os
cientistas. A eles cabia agora encontrar respostas para as grandes questões que ainda intrigavam a
humanidade.

(Michel Aubé – Doutor em educação)


A Ciência tentava oferecer agora o que a religião oferecia e antes dela os mitos haviam oferecido. O
sistema da ciência usava estratégias semelhantes e uma hierarquia ou ordem sagrada análogas às
usadas pelas religiões.Essa ordem sagrada era interpretada por uma classe privilegiada, os cientistas.

(Narrador)
Louis Pasteur foi um desses cientistas ou novos sacerdotes. Sua descoberta de que os microorganismos
eram responsáveis pela proliferação das doenças infecciosas e a vacina que ele criou contra a raiva em
1885, forneceram respostas para algumas das grandes questões da humanidade e estas respostas salvaram
milhões de vidas.
Albert Einstein, considerado por muitos como um dos maiores gênios das ciências de todo os tempos
criou a teoria da relatividade que mudou a nossa forma de visualizar o universo e a posição que ocupamos
nele. Mas quando foi divulgada pela primeira vez, a teoria de Einstein foi compreendida apenas por uns
poucos cientistas. O progresso impôs um novo sistema sagrado, tão complexo que às vezes é mais fácil
acreditar nele do que compreende-lo.
Mas a nova ordem sagrada mantinha a característica principal da ordem tradicional: Era fascinante e
aterrorizante ao mesmo tempo. A revolução industrial e a invenção do motor a vapor faziam parte do lado
fascinante do progresso. Os produtos industrializados se tornaram mais abundantes dando início a
sociedade de consumo. As descobertas da medicina eram ainda mais fascinantes. Graças a elas a
expectativa de vida foi prolongada, o sofrimento diminuiu e muitas doenças foram vencidas. O progresso
trouxe formas mais eficazes de comunicação com invenções como o telégrafo e a fibra ótica, os foguetes
nos libertaram do confinamento ao planeta terra.
Mas, por mais fascinante que seja o progresso ele guarda um lado aterrorizante que evoca poderes
incríveis de destruição.
“Eu posso me tornar a morte, o destruidor do mundo”
Com este trecho de um texto Sagrado Hindu Robert Hopenheimer expressou todo o terror que ele mesmo
sentiu ao ver a explosão da bomba atômica que ele próprio havia inventado. A primeira explosão atômica
em 1945 fez a humanidade se deparar com as poderosas forças destrutivas trazidas pelo progresso. Agora
o homem era capaz de destruir o planeta e levar a sua espécie consigo. O desastre de Chernobil em 1989,
veio nos conscientizar sobre os perigos que enfrentamos quando o progresso permite que o homem
brinque com as forças da natureza.
A poluição, outro efeito colateral do progresso diminui a capacidade que o planeta tem de manter a vida,
ameaçando o equilíbrio tradicional entre o homem e a natureza. Em última instância o progresso permite
que o homem compreenda a natureza das coisas que o cercam, mas não trouxe respostas para as suas
grandes questões filosóficas. A medida que o progresso avança ele nos traz novos conhecimentos, mas
estes conhecimentos por sua vez despertam novas questões.
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(Jean Delumeau.- Historiador)
Apesar de dois séculos de progresso científico o reino obscuro do desconhecido continua a existir além
do alcance da ciência. Eu diria até que quanto mais a ciência progride, mais este reino obscuro se torna
evidente, quanto mais criamos luz para revelar coisas, mais se expandem os limites da escuridão.

FOGOS DE ARTIFÍCIO.

(Narrador)
Na atualidade as grandes religiões abarcam entre os seus fiéis cerca de metade da população mundial. A
despeito das ameaças feitas pela ciência e do declínio do poder religioso, o sagrado continuou a ser uma
força importante. As instituições nascem e desaparecem, mas as crenças permanecem firmes. Ao longo de
toda a história, em todas as culturas a necessidade de acreditar em algo transcendental se manifestou
incontestavelmente sob as mais variadas formas.

(Roger Dadoun – filósofo)


O sagrado é algo completamente obscuro: Onde ele se situa? O que é exatamente? Alguém já o viu? São
seres humanos que determinam que passando por determinada porta você estará num local sagrado ou
segurando um objeto como a Bíblia, por exemplo, você estará em contato com algo sagrado. São pessoas
que dizem que mencionando o nome de Deus você estará invocando uma palavra sagrada. Isso tudo não
passa de criação do homem. Em última instância, sagrado é tudo aquilo que o ser humano define como
tal, e sendo assim precisa ser localizado e renovado.

(Narrador)
Hoje, tanto no ocidente quanto no oriente, muitos vêem o sagrado como retorno a valores religiosos
fundamentais. Valores estes que têm protegido a humanidade contra o abuso dos valores seculares.
Outros acreditam que a busca pelo sagrado deve ser uma jornada solitária. Para esses a transcendência e a
superação do ego só podem ser obtidas através da introspecção.
Não temos mais uma visão imposta pelas instituições ou pela comunidade. Agora cabe a cada pessoa
buscar suas respostas individualmente. Talvez isto explique porque nos últimos 50 anos, mais de 123
milhões de pessoas aderiram as novas seitas que proliferam pelo mundo.

(Kristin Norget – Antropóloga)


Havia uma previsão dos cientistas sociais que ganhou muita projeção nos anos sessenta dizendo que a
tendência era o declínio cada vez maior da importância do sagrado, acompanhado pelo domínio cada
vez maior da industrialização e da tecnologia moderna. Mas olhando a nossa volta nós podemos
constatar que isto não é verdade. O sagrado continua a ter uma importância vital no cotidiano das
pessoas.

(Narrador)
A antiga adoração aos deuses foi transposta para a adoração de ídolos de carne e osso. São políticos,
artista, heróis do esporte, Personalidade de todos os tipos se tornaram os ídolos da modernidade. Suas
vidas se tornaram objeto de interesse de milhares de fãs, cujo entusiasmo é multiplicado pelo poder da
mídia.
Outra crença da modernidade foi disseminada pelos ecologistas que vêem o planeta terra como um ser
vivo. Segundo a visão deles o planeta reage de forma tangível tanto as agressões que infligimos quanto as
esforços feitos para reparar os danos. Essa nova forma de animismo é uma volta aos primórdios da noção
de sagrado e aos valores de nossos ancestrais primitivos. Ela é um produto que muitas pessoas sentem
diante dos recentes desastres ecológicos. A mesma angústia que está gerando uma nova solidariedade
entre o homem e a natureza.

(Guy Menard – Teólogo)


Enquanto o ser humano se deparar com o desconhecido e com o inesperado ele continuará atribuindo
determinadas experiências à dimensão do sagrado.
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(Jose A. Prades – Antropólogo)
A experiência do sagrado tem um passado um presente e um futuro. É impossível conceber a existência
humana sem ela.

(Serge Bouchard – Antropólogo)


O grande desafio do século será de natureza espiritual. A própria espiritualidade do homem está
ameaçada, as pessoas estão buscando desesperadamente um sentido para as suas vidas e são 6 bilhões
de pessoas dedicadas a essa busca, que é humana. A dimensão do sagrado sempre existiu para dar esse
sentido e em última instância ela pode ser comparada á sabedoria.

(Narrador)
Imposto de fora, ou nascido de fortes emoções o conceito de sagrado forneceu respostas ao homem
nasua busca universal por sentido. Mas por trás dos sentido que encontramos ainda há os mesmos
mistérios que assombram a humanidade desde os seus primórdios. Quem somos nós? De onde viemos?
Qual é o nosso destino?

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