Você está na página 1de 19

1

Assuntos dessa aula

I. Temperatura 2
A. Escalas de temperatura 3

II. Equação de estado 4

III. Trabalho macroscópico realizado pelo sistema 6

IV. Primeira lei da Termodinâmica 9

V. Calor 12
A. Entalpia 15

VI. Quando o calor é conservado? 15

VII. Lei de Hess 17

VIII. Capacidade térmica 18

Aula 4. Termodinâmica
Até agora estudamos apenas processos relacionados a movimento de partículas pontuais ou
de corpos rígidos (que podiam ser descritos como o movimento do centro de massa e rotação
em torno dele). Agora vamos estudar processos macroscópicos relacionados a movimento
de um número muito grande de átomos e moléculas que compõem objetos macroscópicos.
Esta área de Física é conhecida como Termodinâmica. É possível fazer previsões muito
precisas sobre o comportamento de sistemas com um número tão elevado de componentes
graças à natureza caótica do movimento de átomos e moléculas (que colidem entre si e com
as moléculas de outros corpos). É justamente este movimento caótico que intuitivamente
associamos ao “calor”.
A primeira lei da Termodinâmica trata de conservação de energia em todos os processos
macroscópicos que dependem da temperatura. Mas, primeiro, temos que de…nir o que é
temperatura.
2

I. TEMPERATURA

Vamos pegar dois corpos que possuem temperaturas diferentes. Como ainda não de…n-
imos matematicamente o que é temperatura, o jeito mais simples é pegar um corpo que
julgamos frio (como gelo) e um outro corpo que julgamos quente (como frigideira aquecida).
Se colocarmos estes dois corpos em contato direto, inicialmente notaremos algumas mu-
danças macroscópicas nestes objetos (gelo derrete ou até mesmo evapora; frigideira esfria,
etc), mas com o passar do tempo qualquer mudança pára e os dois corpos (frigideira e água,
no nosso exemplo) permanecerão inalterados daí em diante. Dizemos que quando os corpos
deixam de sofrer qualquer mudança observável, eles estão em equilíbrio termodinâmico e
possuem temperaturas iguais. É fato experimental que para quaisquer corpos em contato,
após algum tempo alcança-se o equilíbrio termodinâmico em que as temperaturas de todos
os corpos envolvidos …cam iguais.
Para descrever mais precisamente os processos termodinâmicos, precisamos de algumas
de…nições. Sistema isolado é qualquer sistema que não pode trocar energia com objetos
externos. Para isso, podemos colocar o sistema num recipiente com paredes adiabáticas –
paredes que não permitem ‡uxo de calor para o sistema (por exemplo, as paredes de uma
garrafa térmica). É estabelecido experimentalmente que qualquer sistema isolado, com o pas-
sar de tempo, alcança o equilíbrio termodinâmico em que nenhuma mudança macroscópica
ocorre. Isto não implica que o movimento caótico dos átomos e moléculas é interrompido –
apenas as mudanças macroscópicas (ou seja, quelas associadas ao comportamento de muitas
moléculas) deixam de ocorrer.
Equilíbrio termodinâmico presume três equilíbrios satisfeitos simultaneamente: mecânico,
químico e térmico. Equlíbrio mecânico entre dois sistemas implica que as pressões (forças
por unidade de área exercidas pelos sistemas sobre a superfície de separação entre eles) são
iguais; caso contrário, vai ocorrer movimento macroscópico dentro destes sistemas. Equilíbrio
químico implica que os dois sistemas não reagem quimicamente entre si. Sempre podemos
forçar equilíbrio mecânico entre dois sistemas separando-os por uma parede rígida (de modo
que o movimento de fronteira …ca proibido) diatérmica (signi…cando que ela permite a trans-
ferência de calor através dela). Se esta parede rígida também não reage quimicamente com
os dois sistemas, estes estarão em equilíbrio químico e mecânico. Agora podemos dar a
de…nição precisa de equilíbrio térmico: se dois sistemas em equilíbrio químico e mecânico
são postos em contato através de uma parede diatérmica rígida e não ocorre nenhuma mu-
3

dança macroscópica, então eles estão em equilíbrio térmico. Se ocorreu alguma mudança
macroscópica, é porque eles não estavam em equilíbrio térmico.
Dois sistemas em equilíbrio térmico possuem a mesma temperatura. Esta é a de…nição
formal da temperatura, ou seja, ela mede se dois sistemas estão ou não em equilíbrio térmico.
Podemos expressar esta observação na chamada Lei Zero da Termodinâmica: Se o corpo C
está em equilíbrio térmico tanto com corpo A quanto com corpo B, então o corpo A também
está em equilíbrio térmico com o corpo B, e todos eles têm a mesma temperatura. Para
quanti…car a temperatura, simplesmente escolhemos alguma grandeza física que varia com a
temperatura (por exemplo, resistência elétrica, comprimento de coluna de mercúrio, volume
de algum gás, radiação infravermelha de um objeto quente, etc).
Dizemos que o corpo A é “mais quente” (tem temperatura maior) que o corpo B se,
quando colocados em contato via parede diatérmica (a parede que permite troca de energia),
a energia passa espontaneamente do corpo A ao corpo B. Agora podemos de…nir claramente
o que é fronteira adiabática: um recipiente possui paredes adiabáticas se as propriedades do
sistema contido dentro dele não mudam para qualquer variação da temperatura externa.

A. Escalas de temperatura

Podemos escolher a escala de temperaturas de duas formas diferentes. Na escala Celsius


dizemos que a temperatura de fusão de gelo (nas condições normais da pressão) corresponde
a 0o C e a de ebulição de água corresponde a 100o C. Vamos denotar a temperatura medida
em graus Celsius por t. A escala Farenheit (usada nos Estados Unidos) é similar, mas a
diferença entre as duas temperaturas acima é …xada em 180o F em vez de 100 C. Logo,
100 5
a variação de 1 F é igual à variação de 180
C = 9
C, e a variação de 1 C corresponde à
180
variação de 100
F = 1; 8 F. Atribui-se o valor de 32o F à temperatura de fusão de gelo,
portanto
9
t ( F) = 32 + t ( C) (4.1)
5
Na escala absoluta de temperaturas (denotada por T , em que a temperatura é medida em
kelvin, letra K), atribui-se o valor de 237; 16K ao ponto triplo de água –temperatura para
qual gelo, água e vapor de água coexistem em equilíbrio termodinâmico. Na escala Celsius,
a temperatura do ponto triplo da água é 0,01o C. Assim, temos

T (em kelvin) = t(em graus Celsius) + 273; 15 (4.2)


4

II. EQUAÇÃO DE ESTADO

Como podemos caracterizar um sistema composto de muitas partículas? As posições


e velocidades de todas as moléculas não são nada úteis, porque existem em torno de
1020 = 100:000:000:000:000:000:000 moléculas nas situações comuns do dia a dia. Em Ter-
modinâmica usamos alguns poucos parâmetros para caracterizar o estado de sistema do
ponto de vista macroscópico (quando falo “estado do sistema”, simplesmente quero dizer a
con…guração ou as propriedades do sistema). No caso mais simples de ‡uidos (líquidos e
gases), podemos nos contentar com: volume do sistema, sua pressão (força por unidade de
área exercida sobre suas fronteiras) e temperatura. Em sistemas mais so…sticados acrescenta-
mos mais variáveis para tornar a descrição mais precisa, como: concentração de componentes,
área de superfície, campo elétrico, campo gravitacional, etc.
Neste tópico vamos considerar sistemas com volumes su…cientemente pequenos para que
a variação da energia potencial gravitacional possa ser desprezada. Neste caso, a pressão no
sistema será igual em todos os pontos (quando estudarmos ‡uidos, veremos como a pressão
depende da posição no caso geral). A generalização destes resultados para os casos em que
a pressão varia com a altura é muito fácil e poderá ser feita no futuro.
É um dado experimental importantíssimo que no estado de equilíbrio termodinâmico os
valores de volume (V ), pressão (P ) e temperatura (T ) de qualquer sistema estão relacionados
entre si. Podemos escrever formalmente esta dependência como a existência de alguma
função matemática f tal que
f (P; V; T ) = 0 (4.3)

Esta equação chama-se Equação de Estado do sistema, e a fórmula matemática da função f


depende do tipo de sistema, sendo uma de suas características mais importantes (talvez você
se lembre da equação de estado f = P V nRT de gases ideais). Mas o que é impressionante
é que para qualquer sistema físico em equilíbrio termodinâmico existe uma equação de estado
(embora para a maioria dos casos a expressão matemática de f é desconhecida ou muito
difícil).
E por que a existência da equação de estado é tão importante. Porque ela diz que em
qualquer estado de equilíbrio termodinâmico o volume do sistema é função da temperatura
e pressão: matematicamente, expressamos isto como V = V (P; T ). Então vamos supor que
medimos os valores iniciais (P0 ; V0 ; T0 ). Suponha agora que a temperatura aumentou para
5

(T0 + dT ) e pressão aumentou para (P0 + dP ), onde as variações dT e dP são pequenas.


Será que a Física pode prever qual será a variação do volume? A resposta é sim, e segue
matematicamente da de…nição das derivadas. Se apenas a pressão mudasse, o diferencial
dV seria dado por
dV
dV = dP (4.4)
dP
Se apenas a temperatura mudasse, teriamos
dV
dV = dT (4.5)
dT
Então, se tanto a pressão quanto a temperatura mudam, a variação total do volume será a
soma das duas variações anteriores
dV dV
dV = dT + dP (4.6)
dT dP
V
(Aviso para matemáticos de plantão. A derivada dV =dP é de…nida como lim P !0 P

quanto a temperatura T é mantida constante, e para frisar este ponto usa-se a chamada
@V
derivada parcial @P T
, onde o índice T indica a variável mantida …xa durante o cálculo
@V
da derivada. Analogamente devíamos escrever @T P
em vez de apenas dV =dT . Mas, neste
curso, tais nuances não serão relevantes, desde que lembremos que a outra variável é mantida
constante durante a derivação).
Mas as derivadas dV =dP e dV =dT podem ser calculadas analiticamente ou encontradas
experimentalmente. De fato, de…nimos o coe…ciente de expansão térmica como

1 dV
= V0 dT
(4.7)

cuja unidade de medida é [1/K] ou [1=o C]. Analogamente, de…nimos o coe…ciente de com-
pressibilidade
1 dV
= V0 dP
(4.8)

cuja unidade de medida é [1/Pa], lembrando que pascal [Pa=N/m2 ] é a unidade de medida
de pressão. Portanto, temos
dV = V0 dT V0 dP (4.9)

de modo que para pequenas variações de pressão P e de temperatura T podemos encon-


trar a variação correspondente do volume através da fórmula
Z V0 + V Z T0 + T Z P0 + P
V = dV = V0 dT V0 dP = V0 ( T P) (4.10)
V0 T0 P0
6

onde V0 é o volume inicial do sistema. Por exemplo, para mercúrio a 0o C temos = 1; 8


10 4 = 0 C. Então se aumentarmos a temperatura de 1cm3 de mercúrio em 10o C (mantendo
a pressão atmosférica constante), o volume aumentará em

V = 1cm3 1; 8 10 4 =o C 10o C = 1; 8 10 3
cm3 (4.11)

III. TRABALHO MACROSCÓPICO REALIZADO PELO SISTEMA

Nas aulas anteriores mostramos que a energia mecânica total (soma das energias cinética e
potencial dos objetos) é conservada na ausência de forças não-conservativas. Na presença de
forças dissipativas (como atrito) a energia mecânica do sistema diminui. Porém, experimen-
tos mostram que sempre que forças dissipativas agem, a temperatura do sistema aumenta.
Do ponto de vista microscópico, a energia mecânica é perdida em processos dissipativos
porque a Mecânica Newtoniana (aplicada a objetos macroscópicos) ignora completamente o
movimento caótico das moléculas que compõem o sistema, bem como a interação entre elas.
Mas para moléculas não existem forças dissipativas – existem apenas colisões e interações
eletromagnéticas. A nível microscópico não existe força de atrito (só pense: como seria
atrito entre duas moléculas?). Portanto, do ponto de vista microscópico, a energia total
do sistema isolado é conservada (pois todas as forças envolvidas são conservativas), mas
devemos adicionar à energia mecânica (associada a movimento macroscópico de objetos) a
energia associada ao movimento caótico de átomos e moléculas. Tal movimento caótico de
átomos e moléculas é interpretado como “calor”, mas veremos a de…nição rigorosa de calor
daqui a pouco.
Uma de…nição primordial para poder tratar matematicamente os problemas de termod-
inâmica é a de processos quase-estáticos: são processos muito lentos, durante quais o sistema
sempre está em estado de equilíbrio termodinâmico. Um exemplo é o êmbolo (pistão) sobre
um cilindro com gás, quando sobre o êmbolo estão colocados grãos de areia:
7

Se tirarmos vários grãos ao mesmo tempo, a força-peso sobre o êmbolo vai diminuir brus-
camente, e o êmbolo vai subir rapidamente devido à pressão do gás. Neste caso, durante
a subida o sistema não estará em equilíbrio termodinâmico, e a descrição matemática é
di…cil (pois em cada ponto do sistema a temperatura e pressão seriam diferentes). Mas se
tirarmos os grãos um a um, a expansão do gás será muito lenta, e o sistema vai estar em
estado de equilíbrio termodinâmico (ou de quase-equilíbrio) o tempo todo. Outra vantagem
é que para um processo quase-estático a velocidade do êmbolo é tão baixa que o trabalho da
força de atrito (entre êmbolo e parede, proporcional à velocidade) é desprezível. Felizmente,
muitos processos no dia a dia (como a expansão de gás no cilindro de motor de carro) são
bem aproximados por processos quase-estáticos! Em particular, abaixo vamos considerar
os seguintes processos quase-estáticos: processo isobárico (quando a pressão P é mantida
constante) e processo isotérmico (quanto a temperatura T é mantida constante).
Consideremos um ‡uido (gás, por exemplo) contido no recipiente com volume V :
8

O trabalho macroscópico realizado pelo sistema é associado ao ‡uxo ordenado de energia.


Para encontrá-lo vamos considerar que o sistema consiste de um ‡uido que ocupa volume
inicial V0 . A pressão no ‡uido é P . Logo, a força que ele exerce sobre o êmbolo é

F = PS (4.12)

onde S é a área do êmbolo, e a força aponta perpendicularmente ao êmbolo. Se o êmbolo


deslocou-se de distância pequena dx, o trabalho realizado pelo ‡uido num processo quase-
estático (no nosso exemplo F e dx são paralelos) é

dW = F dx = P Sdx (4.13)

Mas Sdx é simplesmente a variação do volume ocupado pelo ‡uido. Então temos

dW = P dV : trabalho realizado pelo sistema no processo quase-estático (4.14)

onde P é a pressão do ‡uido. Essa mesma expressão referente ao trabalho realizado pelo
‡uido vale para qualquer formato do recipiente (…gura da direita, em que imaginamos que
o ‡uido está contido dentro de uma “bolha”que se expande), pois podemos dividir mental-
mente as paredes do recipiente em pequenos retângulos (para quais vale o cálculo anterior)
e depois somar todos os trabalhos. A “bolha” foi apenas uma construção matemática, e
o seu papel pode ser desempenhado por moléculas do gás que cercam o sistema. Para
processos quase-estáticos a pressão interna P tem que ser igual à pressão externa Pext (pois
precisamos de equilíbrio mecânico para ter equilíbrio termodinâmico). Caso contrário, o
‡uido no recipiente vai sofrer deslocamentos complicados e a sua pressão será diferente em
cada ponto.
O trabalho total realizado pelo sistema durante a variação do volume é
R R V2
W = dW = V1
P dV (4.15)

onde V1 é o volume inicial e V2 é o volume …nal. Como vimos, devido à equação de estado no
equilíbrio termodinâmico, a pressão pode ser escrita como função de volume e temperatura:
P (V; T ). Então, mesmo que o volume mude de V1 para V2 …xos, o trabalho vai ser diferente
dependendo de como a temperatura se comportou durante o processo. Portanto, o trabalho
W depende do processo. Esta é uma diferença gigantesca em relação ao trabalho de força
conservativa, que independe do processo e só depende das con…gurações inicial e …nal do
9

sistema. Por isso, dizemos que o trabalho não é uma função de estado, o que signi…ca que
uma vez especi…cados os parâmetros V e T , o trabalho não tem valor único. Por outro lado,
a pressão P é sim função de estado, pois para V e T dados, P é determinada unicamente
pela equação de estado.
Em geral, o trabalho pode ser realizado sobre o sistema mesmo sem causar variação do
volume. Por exemplo, imagine uma pá giratória que gira lentamente dentro de ‡uido devido
a ação de força-peso (transmitida através de umas roldanas):

Neste caso, o volume do sistema não muda, mas sobre ele é realizado o trabalho externo
que vou denominar de Wext . Mas este processo não é quase-estático, pois surge movimento
no ‡uido que interrompe o equilíbrio termodinâmico. Por outro lado, sempre que o processo
for quase-estático teremos

Wext = W para processo quase-estático (4.16)

pois a pressão será a mesma dos dois lados do êmbolo (ou seja, o trabalho externo Wext
realizado sobre o sistema é igual em módulo e tem sinal oposto ao trabalho realizado W pelo
sistema). Por isso, para processos não quase-estáticos vamos usar apenas o trabalho externo
realizado sobre o sistema Wext , já que não temos como calcular o trabalho realizado pelo
sistema W como função de seus parâmetros.

IV. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA

Vamos supor que o sistema termodinâmico é contido dentro de algum recipiente que pode
ter partes móveis (como êmbolo ou pá giratória).
10

O trabalho das forças externas está associado ao movimento ordenado (como mover o êmbolo
ou girar a pá) e chama-se trabalho macroscópico Wext realizado sobre o sistema.
Um fato experimental impressionante é: se um sistema é isolado adiabaticamente, então
o trabalho realizado sobre ele por forças externas (Wext ) depende apenas das con…gurações
inicial e …nal do sistema, e independe do processo que leva o estado inicial ao estado …nal.
Assim, vemos que tais processos (aqueles realizados dentro de paredes adiabáticas) são
análogos a trabalhos de forças conservativas, e do mesmo jeito que tinhamos de…nido a
energia potencial, agora vamos de…nir uma grandeza nova – energia interna! O trabalho
externo pode ser realizado de qualquer forma: girando as pás giratórias, empurrando o
êmbolo, fazendo isso rápido ou devagar, etc. Mas para um dado estado inicial (com os
parâmetros P1 ; V1 ; T1 ) e um dado estado …nal (com os parâmetros P2 ; V2 ; T2 ) o trabalho
Wext será sempre o mesmo!!!
Assim, de…nimos a energia interna U do sistema como: função de estado, cuja variação
é igual ao trabalho externo realizado sobre sistema isolado adiabaticamente. Aqui usamos
o conceito de trabalho externo, pois ele sempre pode ser calculado ou medido (enquanto o
trabalho realizado pelo sistema só pode ser calculado para processos quase-estáticos). O fato
de U ser função de estado signi…ca que, uma vez que especi…camos os valores T e V , a pressão
…ca unicamente de…nida usando a equação de estado f , e a energia interna U também possui
um valor que só depende de T e V . Por exemplo, não importa se esses valores de T e V
resultaram de um deslocamento de êmbolo ou mexendo uma colher no ‡uido: em qualquer
processo que termine com os mesmos valores de T e V , a energia interna na con…guração
…nal será sempre a mesma (para sistema adiabático)! Este é um dos anunciados da
1a lei da Termodinâmica! Repare que a energia interna só é de…nida para estados em
equilíbrio termodinâmico. Fora do equilíbrio não podemos de…nir a energia interna, pois em
cada ponto do sistema os valores de P e T serão diferentes.
11

Matematicamente, para qualquer processo adiabático temos

U = U2 U1 = Wext (4.17)

onde U denota a energia interna. Do mesmo jeito que para a energia potencial, tudo que
importa na prática é a variação da energia interna, e não o seu valor absoluto. Assim,
podemos escolher alguma con…guração do sistema e dizer que nesta con…guração a energia
interna é zero. Se o processo for quase-estático, vimos na Eq. (4.16) que o trabalho realizado
pelo sistema é
W = Wext ) U= W (4.18)

Então, em qualquer processo adiabático quase-estático o trabalho realizado pelo sistema


é igual à diminuição de sua energia interna. Assim, vemos que a energia interna para
um processo adiabático quase-estático é semelhante à energia potencial para uma força
conservativa.
Quando falamos da energia interna, desconsideramos o movimento ordenado
macroscópico (por exemplo, a energia cinética de centro de massa ou a energia cinética
associada à rotação de corpo rígido) e as energias potenciais associadas a forças macroscópi-
cas (como energia gravitacional das moléculas). Por isso, a energia interna depende somente
dos parâmetros que caracterizam o estado interno do sistema (como P; V; T ).
Assim, para cada con…guração do sistema (ou seja, para cada par de valores de V e
T ), podemos calcular a sua energia interna. Tal sistema pode ser usado como calorímetro
para medir a variação de energia interna de outros corpos. Por exemplo, vamos supor que
colocamos o objeto A em contato com calorímetro C, e colocamos uma parede adiabática
rígida em volta deles.
12

Neste caso, o trabalho externo realizado sobre o sistema composto por ambos C e A é zero
(pois a parede é rígida). Inicialmente, o sistema e o calorímetro tinham energias internas
U1A e U1C , e após alcançar o equilíbrio termodinâmico as energias serão U2A e U2C . Como
Wext = 0, temos U = 0 (onde U = U A + U C é a energia interna total), portanto

U2A + U2C = U1A + U1C ) U2A U1A = U1C U2C (4.19)

Mas podemos medir U1C U2C experimentalmente (simplesmente medindo as variações


de V e T do calorímetro), portanto, podemos encontrar a variação da energia interna do
sistema A.
Assim, qualquer sistema físico em equilíbrio termodinâmico possui duas funções de estado,
ou seja, funções unicamente especi…cadas pelos valores dos parâmetros internos. A primeira
é a equação de estado
f (P; V; T ) = 0 (4.20)

da qual podemos encontrar qualquer uma das variáveis em função das outras duas, por
exemplo: P = P (V; T ) ou V = V (P; T ). A outra é a equação da energia interna (que
depende apenas de duas variáveis independentes, escolhidas como quisermos), por exemplo:
U (V; T ) ou U (P; T ).

V. CALOR

Se o sistema está mantido no interior de uma fronteira adiabática, o único jeito de alterar
a sua energia interna é através de trabalho macroscópico externo. Mas, se removermos a
13

parede adiabática, também podemos alterar a energia interna do sistema através de ‡uxo de
calor. O processo de troca de energia interna entre objetos em contato através de paredes
diatérmicas (o oposto de paredes adiabáticas), sem realização de trabalho macroscópico,
chama-se de troca de calor. A energia transferida do ambiente externo ao sistema devido
à troca de calor chama-se de calor recebido pelo sistema. Assim, vemos que o conceito
primordial é o de energia interna, e o calor é simplesmente a energia transferida devido à
diferença de temperatura entre dois corpos (pois, se as temperaturas fossem iguais, os corpos
estariam em equilíbrio termodinâmico e não haveria nenhuma troca de energia). Do ponto
de vista microscópico, o calor deve-se a trabalhos microscópicos realizados pelas moléculas
do ambiente externo sobre as moléculas do sistema (ou vice versa).
Agora podemos formular a 1a lei da Termodinâmica incluindo o calor. Vamos supor que
o nosso sistema não está isolado adiabaticamente enquanto o trabalho externo Wext está
sendo realizado sobre ele (através de pá giratória, na …gura abaixo):

Então não temos mais U = Wext . Mas, se considerarmos o sistema junto com a sua
vizinhança C, sempre podemos encontrar uma fronteira imaginária F que faz papel de parede
0
adiabática. Neste caso, temos o trabalho externo total igual a Wext + Wext , onde Wext é o
0
trabalho externo sobre o sistema e Wext é o trabalho externo feito sobre a vizinhança C do
sistema. Chamando a energia interna da vizinhança de U C , temos pela Eq. (4.17)

0
Wext + Wext = U2 + U2C U1 + U1C (4.21)

Como estamos interessados somente no sistema e não na vizinhança, vamos de…nir

Q = U1C U2C + Wext


0
(4.22)
14

Então para o nosso sistema encontramos

Wext = U2 U1 U1C U2C + Wext


0

) U2 U1 = U = Q + Wext (4.23)

Assim, chamamos Q de calor recebido pelo sistema. No …m das contas, este calor vem
da diminuição de energia interna da vizinhança do sistema e de eventual trabalho externo
realizado sobre a vizinhança. O nosso interesse é apenas no que acontece com o sistema,
então qualquer variação da energia interna do sistema que não vem de trabalho macroscópico
externo chama-se de calor. Portanto, a energia interna do sistema pode mudar ou devido
a trabalho macroscópico externo ou dúvido ao ‡uxo de calor. Como já vimos acima, a
energia passa espontaneamente somente do corpo com temperatura mais alta para o corpo
com temperatura mais baixa. Portanto, ‡uxo de calor ocorre somente quando há diferença
de temperaturas entre objetos (caso contrário, eles já estariam em equilíbrio térmico e não
haveria nenhuma mudança).
Tanto o calor Q quanto o trabalho Wext dependem do tipo de processo, mas a sua diferença
U não: ela só depende das con…gurações inicial e …nal do sistema! Em particular, se um
processo for cíclico (quando o sistema volta ao estado inicial no …m do processo, como em
motores de combustão) temos U = 0, logo, Q = Wext . Assim, todo o calor recebido num
processo cíclico é utilizado para a realização de trabalho externo. Se o calor recebido for
nulo, então Wext = 0.
Um processo cujo único resultado é a realização de trabalho pelo sistema sem nenhuma
mudança em outros corpos é impossível. Esta é uma formulação alternativa da 1a lei da
Termodinâmica, que diz que máquina de movimento perpétuo de primeiro tipo (que realizaria
trabalho mesmo quando Q = 0 e U = 0) não existe.
Vemos que a unidade de medida de calor é a mesma que a unidade de medida de trabalho
e da energia –joule (J). Mas, por razões históricas, foi criada a unidade “caloria”igual a

1 cal = 4; 1860 J (4.24)

Uma caloria é de…nida como a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de
1 grama de água de 19; 5o C a 20; 5o C. Também é usada kilocaloria (denotada por kcal ou
Cal), igual a mil calorias:
1Cal = 4; 19 kJ: (4.25)
15

A. Entalpia

Consideremos um processo quase-estático. Neste caso, o trabalho realizado pelo sistema


(‡uido, no nosso caso) é dado pelas Eqs. (4.14) e (4.18)

Wext = W = P V (4.26)

e a 1a lei da Termodinâmica (4.23) vira

U =Q P V (4.27)

Se o volume for mantido constante durante o processo quase-estático, então

V =0 ) Q= U (4.28)

e o calor recebido pelo sistema é igual à variação de sua energia interna!


Por outro lado, se a pressão P for mantida constante durante o processo quase-estático
(um exemplo é alguma reação química que ocorre à pressão atmosférica), temos

Q= U +P V = (U + P V ) (4.29)

De…nindo a nova função de estado chamada Entalpia

H = U + PV (4.30)

vemos que para processos quase-estáticos que ocorrem à pressão constante o calor recebido
é igual à variação da Entalpia:

P =0 ) Q= H (4.31)

Este fato será importante para calcular quanto a gente engorda quando consome uma bolacha
de chocolate... Assim, quando o calor é recebido sob as condições de volume constante ou
pressão constante, ele depende somente das con…gurações inicial e …nal do sistema.

VI. QUANDO O CALOR É CONSERVADO?

Como já observado acima, o calor depende do tipo de processo, então não é uma função
de estado. Mas em certas situações podemos considerar que o calor é conservado, o que
ajuda muito nos cálculos práticos.
16

Vamos supor que o nosso sistema S está envolto por paredes adiabáticas. Vamos imaginar
também uma divisória imaginária L, que divide S em subsistemas A e B:

Se dentro do sistema ocorre algum processo quase-estático, então a 1a lei da termodinâmica


fornece para os subsistemas A e B

U2B U1B = QB WB (4.32)

U2A U1A = QA WA (4.33)

onde W A e W B são os trabalhos realizados pelos subsistemas durante o processo, e QA e QB


são os calores recebidos por eles. Mas a energia total do sistema S é U = U A + U B , então
somando as duas expressões anteriores teremos

U2 U1 = QA + QB WA + WB (4.34)

O trabalho realizado pelo subsistema A é

W A = Win
A A
+ Wob (4.35)
A A
onde Win é o trabalho realizado por A sobre o subsistema B e Wob é o trabalho realizado
por A sobre objetos externos ao sistema S. Analogamente temos W B = Win
B B
+ Wob . Como
A B
o processo é quase-estático, temos Win + Win = 0 (pois a força exercida por A sobre B é
igual e contrária à força exercida por B sobre A). Portanto, W A + W B = Wob
A B
+ Wob =W
é simplesmente o trabalho realizado pelo sistema total S sobre objetos externos. Como o
sistema S está envolto por paredes adiabáticas, pela 1a lei da Termodinâmica (4.17) temos

U2 U1 = Wext = W = WA + WB (4.36)

onde usei o fato que para processos quase-estáticos Wext = W , Eq. (4.18). Comparando o
lado direito da Eq. (4.36) com o da Eq. (4.34), obtemos

QA + QB = 0 (4.37)

Portanto, quando o sistema total é isolado adiabaticamente e sofre um processo quase-


estático, o calor total é conservado, ou seja, o calor perdido pelo subsistema A é igual
ao calor recebido pelo subsistema B.
17

VII. LEI DE HESS

Podemos aplicar as fórmulas (4.28) e (4.31) a reações químicas. Uma reação química é
chamada exotérmica se o calor é liberado; caso contrário, ela é chamada de endotérmica.
Se a reação química 1 ! 2 ocorre com a manutenção do volume, temos da Eq. (4.28)

Q = U2 U1 (4.38)

Aqui Q é positivo se o calor é recebido pelo sistema (reagentes químicos, no caso). Vamos
de…nir o calor da reação por "V = Q, então "V é o calor liberado na reação 1 ! 2 em
que o volume é mantido constante. Portanto

"V = U1 U2 (4.39)

Numa reação que ocorre à pressão constante, o calor liberado é dado pela Eq. (4.31).
De…nindo, neste caso, o calor de reação como "P = Q (onde o índice P nos lembra que a
pressão foi mantida constante), temos

"P = H 1 H2 (4.40)

Tanto a energia interna quanto a entalpia são funções de estado, portanto, os calores de
reação independem de onde e quão rápido o processo ocorreu (se foi numa fogueira ou no
estômago) –tudo que importa é o composto inicial 1, o composto …nal 2 e qual parâmetro
(P ou V) foi mantido constante.
Se as compostos inicial e …nal estiverem em estado sólido ou líquido, então "V e "P são
praticamente iguais, pois a variação de volume (quando a pressão for constante) é desprezível
nestes casos. Mas se os gases estiverem envolvidos, a diferença entre "V e "P torna-se
signi…cativa. Nas reações químicas a pressão geralmente é mantida constante, então o valor
de "P é indicado nas tabelas e fórmulas (isto explica por que os químicos gostam tanto da
Entalpia).
Por exemplo, a reação
2H2 + O2 = 2 (H2 O)liq + 574 kJ (4.41)

signi…ca que a queima (oxidação) de dois mols de hidrogênio gasoso forma água líquida e
libera 574 kJ de calor, não importando onde e quando ocorreu esta reação! Isto signi…ca que
a Entalpia de compostos (2H2 + O2 ) é 574 kJ maior que a Entalpia do composto 2 (H2 O)liq
(as entalpias dependem ligeiramente da temperatura e pressão; estes valores correspondem
a T = 25o C e P = 760 mmHg).
18

VIII. CAPACIDADE TÉRMICA

A capacidade térmica C de um corpo é de…nida como

Q
C = lim T !0 T
(4.42)

onde Q é o calor recebido pelo corpo quando a sua aumentou de T . C depende dos
parâmetros internos do sistema, por exemplo, a temperatura e pressão. O calor especí…co é
simplesmente
C
c= m
(4.43)

onde m é a massa do objeto. Também podemos de…nir o calor especí…co molar como

C
cn = n
(4.44)

onde n é o número de mols da substância.


Como vimos acima, o calor recebido depende de processo (e não apenas da variação da
temperatura T ). Portanto, a capacidade térmica não é função de estado, e em geral a
capacidade térmica a volume constante CV (ou seja, quando V = 0 durante o processo)
será diferente da capacidade térmica à pressão constante CP (quando P = 0 durante
o processo). Para líquidos e sólidos a diferença entre CP e CV é muito pequena, então
geralmente usa-se uma mesma capacidade térmica C = CP = CV . Para gases, por outro
lado, a diferença entre CP e CV é signi…cativa e não pode ser desprezada.
Lembrando a Eq. (4.28), para V = 0 temos

Q U dU
U= Q ) CV = lim = lim = (4.45)
T !0 T T !0 T dT

Para processos isobáricos (quando P = 0), da Eq. (4.31) temos

Q H dH
H= Q ) CP = lim = lim = (4.46)
T !0 T T !0 T dT

Estas relações permitem descobrir como o calor de reação química depende de temperatura.
De fato, lembrando que
"P = H 1 H2 (4.47)

temos
d"P dH1 dH2
= = (CP )1 (CP )2 (4.48)
dT dT dT
19

onde (CP )1 é o calor especí…co da substância 1, e assim por diante. Portanto, se (CP )1
(CP )2 > 0, então com o aumento de temperatura o calor de reação vai aumentar! O calor
especí…co de uma substância é uma de suas características mais importantes, então existem
inúmeras tabelas com seus valores.

Você também pode gostar