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PORTUGAL
estudos luso-amazônicos
Inclui bibliografias
isbn 978-85-63728-72-2
Impresso no Brasil
4 Migração portuguesa,
atividades mercantis
e escravidão: a trajetória
de um negociante de grosso
trato no Grão-Pará oitocentista
Daniel Souza Barroso1
Mábia Aline Freitas Sales2
1. Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Escola
de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA).
2. Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA, campus Santarém).
3. F. de A. Costa, A Brief Economic History of the Amazon (1720-1970).
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1970 e 1980. Se, por um lado, essa produção historiográfica, na esteira
de uma reorientação na historiografia econômica brasileira, superou a
noção de “ciclos econômicos”4, por outro, persistiu na leitura de decadência
da economia amazônica na primeira metade do século XIX. Esse entendi-
mento veio a ser relativizado somente por estudos revisionistas, levados a
efeito nos últimos anos, que puseram em xeque tanto o quadro de deca-
dência econômica atinente ao limiar do Oitocentos quanto a dimensão do
impacto da Cabanagem na estrutura econômica da região, destacando a
continuidade da importância do comércio e dos sistemas agroextrativistas
na Amazônia, bem como o início de um movimento de interiorização da
economia regional5.
No esforço de matizarmos a compreensão acerca da economia paraense
no período, examinamos, neste texto, a trajetória do negociante português
de grosso trato Joaquim Antônio da Silva. Nascido em Lisboa em 17856
e aportado em Belém, nos anos iniciais do Dezenove, Joaquim foi um dos
mais importantes comerciantes da praça mercantil da capital paraense na
primeira metade do século XIX. Detentor de uma fortuna calculada em
mais de 100 contos de réis, um dos maiores plantéis (157 cativos) identifi-
cados pela historiografia regional, extensas posses de terras nos interiores,
diversos imóveis urbanos em Belém e avultada quantia de dinheiro em
espécie no ano de seu inventário7, o negociante foi também um destacado
agente político na defesa dos interesses dos comerciantes lusitanos, em um
contexto caracterizado por intensos conflitos entre portugueses e brasilei-
ros. A sua trajetória é analisada não como um fim de si mesma, mas como
um lócus de observação privilegiado das diversas transformações operadas
na economia do Pará na primeira metade do Oitocentos.
53. Como demonstra vasta historiografia, o tráfico de cativos para o Grão-Pará, antes pouco
expressivo, mudou de patamar a partir dos meados do século XVIII, sob a égide das chamadas
“políticas pombalinas”, com a criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão (1755). Estudos mais recentes têm indicado que, mesmo após o fim do monopólio
dessa Companhia (1778), o tráfico de escravos para a Amazônia se manteve intenso, vindo a
desacelerar e enfraquecer nas primeiras décadas do Oitocentos. Estimativas dão conta de que
entre 1751 e 1787 (ano do encerramento das atividades da Companhia, já sem o monopólio)
ingressaram 22 481 escravos no Grão-Pará; entre 1788 e 1815, 17 702; e entre 1815 e 1841,
4 310 cativos (W. Hawthorne, From Africa to Brazil, p. 52). Acerca do tráfico de escravos no
restante do século e da historiografia produzida em torno do tema, cf. L. C. Laurindo Junior e
J. M. Bezerra Neto, “Alguns Vêm de Lá, Outros de Cá”.
54. A. da S. Mota, As Famílias Principais: Redes de Poder no Maranhão Colonial, pp. 126-127.
A nota não deixa claro o seu real grau de envolvimento nesse “carrega-
mento” de escravos. De qualquer forma, a inserção de Joaquim nas princi-
pais redes mercantis estabelecidas na praça de Belém provavelmente facili-
tou a aquisição de uma grande quantidade de cativos em um contexto que,
como vimos anteriormente, não se mostrava favorável para tal. De uma
forma ou de outra, a implicação dos negociantes de grosso trato de Belém
no tráfico negreiro não passou despercebida, pelo contrário, evidencia uma
atividade muito mais intensa do que o caso em tela pode sugerir. Em 1847,
25 traficantes de escravos da praça mercantil do Rio de Janeiro enviaram um
requerimento ao imperador D. Pedro II para reclamar do envolvimento de
negociantes de grosso trato do Grão-Pará no tráfico de cativos à capital do
império, todavia a reclamação recebeu resposta negativa da Câmara Muni-
cipal da Corte56.
Considerando que o último documento encontrado sobre Feliciano
José Gonçalves data de 180157, é possível que o seu falecimento tenha
ocorrido nos primeiros anos do século XIX. Se essa hipótese estiver correta,
muito provavelmente Joaquim Antônio da Silva o sucedeu no negócio –
ou, quiçá, na sociedade – com Ambrósio Henriques em um contexto muito
próximo ao da aquisição do Bom Intento (1812). Ademais, não podemos
deixar de considerar que poucos anos após a incorporação dessa proprie-
dade ao seu patrimônio, Joaquim realizou, em 1820, a venda do brigue
Marquês de Wellington a Antônio José Meirelles. Longe de serem fortui-
tas, as evidências de uma atuação mercantil multifacetada, que conduziu
Joaquim à diversificação dos seus investimentos e empreendimentos, ao
longo das primeiras décadas do Oitocentos, deixam claro o esforço do
português em se consolidar como negociante de grosso trato na praça mer-
cantil de Belém.
58. L. M. Batista, Muito Além dos Seringais: Elites, Fortunas e Hierarquias no Grão-Pará,
c. 1850-c. 1870, p. 19.
59. L. A. V. Guimarães, De Chegadas e Partidas: Migrações Portuguesas no Pará (1800-1850), p. 172.
60. CMA, Inventário post-mortem de Joaquim Antônio da Silva.
61. Treze de Maio, n. 835, 12 de setembro de 1856, p. 3.
62. L. A. V. Guimarães, op. cit., p. 172.
63. Idem, p. 188.
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