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Cópia de de Quem e Esta Pornografia, de Quem e Este Feminismo
Cópia de de Quem e Esta Pornografia, de Quem e Este Feminismo
Maya Shlayen
O fundo do poço
Ficam perdidas nos enfáticos “hurrahs!” sobre liberdade e empoderamento
quaisquer discussões sobre o que acontece na indústria pornográfica, como mulheres
entram nela ou como ela impacta as mulheres de fora da indústria.
“Nunca conheci uma mulher que tivesse uma carreira profissional e a abandonou
para entrar no universo pornô apenas pela diversão”, relata Vanessa Belmond, uma
veterana da indústria que se tornou uma ativista anti-pornô. “Muitas entram no negócio por
desespero financeiro. Muitas também tiveram infâncias de abuso. Eu tive uma colega de
quarto que estava nas ruas, se prostituindo desde os 14 anos, e quando ela entrou na
pornografia, aos 18, isso era tudo que ela conhecia”.
Mulheres no pornô geralmente estão lá por não terem outras opções e este é um fato
muito divulgado – um que nem mesmo feministas pró-pornô negam. Em um documentário
chamado Depois Que O Pornô Acaba [n/t: After Porn Ends, tradução livre], a apóloga à
pornografia Nina Hartley admite: “Elas não sabem fazer mais nada. Elas não sabem vender;
elas não sabem fazer planilhas de Excel. Muitas pessoas no entretenimento adulto... não são
educadas o suficiente para trabalhos tradicionais, de 8 às 18”.
Em vez de perguntarem-se porque algumas mulheres são tão desafortunadas,
feministas pro-pornô parem satisfeitas de deixarem essas mulheres onde elas estão – no
fundo do poço.
Algo Individual
Do começo dos anos 1980, dominados por Thatcher e Reagan, até hoje, o avanço do
feminismo pró-pornografia foi acompanhado por uma mudança dentro do feminismo na
qual o individualismo tomou o lugar do que antes era uma luta coletiva. Em uma colocação
típica, Jennifer Baumgardener escreveu em 2000: “Feminismo é algo individual para cada
feminista”.
É como se cada escolha que uma mulher faça seja feminista, simplesmente porque
ela faz esta escolha. O fato de que a “escolha” dela possa ter sido limitado por estruturas
sociais machistas, racistas, entre outras, é convenientemente ignorado, e o impacto que a
escolha dessa mulher pode ter em outras nunca é questionado.
No entanto, estruturas sociais desiguais existem mesmo assim, e elas frequentemente
limitam as escolhas e alternativas disponíveis para mulheres. No Canadá e nos Estados
Unidos, mulheres continuam ganhando de 25% a 30% menos que homens. Como todas as
médias, esse número está sujeito a variação, então mulheres brancas de classes média e alta
ganham mais (em termos absolutos e em relação a homens brancos) que mulheres não-
brancas [n/t: no original, “women of color”], por exemplo.
Para uma mulher branca com educação, que pode bancar a própria pornografia e
escrever livros sobre como tudo isso é “empoderador”, a diferença de pagamento pode ser
apagada como um inconveniente menor. Para uma mulher não-branca sem nível
universitário, como Belmond, essa disparidade salarial pode significar a diferença entre ter
que vender o próprio corpo e trabalhar muitas horas para pagar as contas.
“Eu achei que seria glamuroso e excitante estar no pornô”, Belmond explica. “Eu
pensei que seria um estilo de vida eletrizante. Eu lia livros sobre a indústria pornográfica,
como as biografias, e pensava que se eu pudesse evitar algumas das coisas ruins, eu
conseguiria ganhar muito dinheiro. Mas como quase todas as mulheres na pornografia, eu
saí sem nada. Agora, minhas fotos e videos estão na internet para sempre, para todos
assistirem e para a indústria continuar lucrando em cima disso”.
Impensável
Para mulheres mais jovens que cresceram com a internet, se opor a toda pornografia
parece impensável. Nós crescemos num ambiente tão saturado com pornografia, que nós
mal conseguimos imaginar sexo sem ela.
Para mulheres de todas as ideias, aprender a amar e aceitar nossos corpos é um
desafio. Durante toda a história, as sociedades dominadas por homens com frequência
tiveram regras bem definidas acerca do sexo. As punições por quebrar essas regras eram
com frequência exclusivas ou desproporcionalmente aplicadas às mulheres, tornando
efetivamente impossível para nós fazermos sexos nos nossos próprios termos. Sem dúvidas,
a ideia de pornografia feminista se encaixa no nosso desejo por um pouco de liberdade
sexual.
Mas “liberdade sexual” é simplesmente reduzível para mais sexo, sem importar as
circunstâncias?
“Eu usei cocaína algumas vezes, mas eu bebia com frequência. E então eu comecei a
usar analgésicos – são bem populares na indústria, especialmente entre as mulheres que
fazem muito anal. E eu fumei muita maconha, também. Eu não conseguiria fazer [pornô] de
outra maneira. Não dá para fazer aquelas coisas sóbria”, Belmond recorda.
Essa não é uma imagem de uma mulher sexualmente liberta. É, na verdade, a
imagem de uma mulher que deve deitar-se e pensar na Inglaterra para “aguentar” o ato
sexual. Aqueles que denunciam as feministas anti-pornô como sendo “puritanas” ignoram
que pornógrafos fazem exatamente o que puritanos faziam: negar às mulheres a auto-
determinação sexual.
Definições de Liberdade
Nenhuma questão radical sobre sexo está sendo feita – por exemplo, porque
precisamos de pornografia, em primeiro lugar? Embora prazer sexual seja saudável e
desejável, alguém realmente pode comprar o corpo de alguém para o sexo (pessoalmente ou
via vídeo)? Em vez disso, feministas pró-pornô definem “igualdade” como “oportunidades
iguais de exploração”, buscando dar a (principalmente a brancas e de classe média)
mulheres o direito de se beneficiarem em cima do sofrimento alheio exatamente como
homens já se beneficiam.
Mulheres como Belmond – estas que são machucadas na feitura da pornografia, ou
como resultado dela – estão notavelmente ausentes dessa definição de liberdade.
“Eu gostaria apenas que [os consumidores] parassem com isso de: ‘ah, ela escolheu
estar no filme, então não me sinto culpado de ver’”, Belmond suplica. “Sim, sei que escolhi
estar no filme, sei que outras mulheres escolheram. Mas muitas dessas mulheres foram
terrivelmente abusadas quando eram mais jovens, passaram por muita coisa, [e] possuem
problemas com drogas... Só porque elas fizeram essa escolha não significa que seja certo
assistir ao sofrimento delas”.
Depois de abandonar a indústria, Belmond teve que trabalhar muitas horas,
recebendo o salário mínimo, para malmente sobreviver. AntiPornography.org, uma
organização de direitos humanos para a qual ela trabalha voluntariamente, ajudou ela tanto
quanto foi possível. No futuro, Belmond diz que desejaria trabalhar em tempo integral como
Diretora para Alcance da Juventude e Indústria do Sexo (uma posição paga que eles estão
tentando fundar) para ajudar outras mulheres a deixarem a indústria.
Enquanto isso, quantas mulheres terão a dor delas transformada em diversão para
outros? Quantas mulheres estão estupradas ou espancadas em parte porque os parceiros
delas aprenderam o que sabem sobre sexo a partir da porne-graphos, da representação de
mulheres como putas vis? E o que mais acontecerá para que feministas pró-pornô se
importem?
Feministas precisam reabrir o debate a respeito da pornografia – não como um
assunto teórico, mas como a questão de vida ou morte que ela é. A maioria de nós não é
sobrevivente da indústria; nós não sofremos das mazelas específicas delas. Mas como
mulheres, nós todas vivemos dentro do mesmo sistema machista. Todas nós somos
moldadas por esta sociedade e sofremos ao menos algumas das suas consequências. Se nos
recusamos a parar uma indústria que machuca mulheres para o entretenimento público,
nós nos recusamos a acabar com o próprio machismo.
Quaisquer que sejam as soluções que encontremos, elas devem funcionar para
mulheres como Belmond, ou elas não funcionarão para nenhuma de nós.