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A JUSTA ESTIMA DE SI1

1 – A IMPORTÂNCIA DO HOMEM CONHECER-


SE:

“Conhecer-se a si mesmo é uma


necessidade e um dever ao qual ninguém
pode subtrair-se.O homem tem necessidade
de saber quem é. Não pode viver, se não
descobre que sentido tem sua vida. Arrisca-
se a ser infeliz, se não reconhecer sua
dignidade” (CENCINI,1998, pág. 8 )

Nesta busca de conhecer a si mesmo o homem pode ter um


conhecimento errado sobre si mesmo o que poderá levá-lo
a sofrer de muita pouca auto-estima, que gera a
INSEGURANÇA. Vivemos em um mundo que incentiva
a reivindicação do homem para ser autoridade absoluta de
conduzir a própria vida, de viver independente de Deus.

É exatamente por sermos homens e religiosos autênticos


que precisamos ter uma confiança fundamental em nós
mesmos, pois aquele que se sente “incapaz” não pode
pensar em conduzir sua vida de forma verdadeira e
corajosa. Nem muito menos pode pensar em “perder-se,
como lhe convida o Evangelho. Torna-se realmente um
problema viver, por sentir-se inadequado e inseguro para

1
Este artigo é baseado no livro de Amedeo Cencini Amarás o
Senhor Teu Deus, Edições Paulinas .
assumir a sua missão, o seu batismo, a sua vida cristã e até
mesmo para viver uma vocação específica em uma
comunidade religiosa.

É uma necessidade fundamental para o homem ter um


conceito correto e real de si próprio, pois somente aquele
que descobre aonde está o seu verdadeiro valor, permite
uma aceitação serena de si mesmo e de suas limitações que
lhe proporcionará a segurança necessária para viver a sua
vida segundo a vontade de Deus.

É absolutamente indispensável uma auto-imagem


verdadeira para que seja substancialmente positiva e
sólida, principalmente para aqueles que desejam anunciar
a mensagem de fé em Deus e no próprio homem, para
aqueles que desejam ser autênticas testemunhas de Deus.

2 – NÍVEIS QUE O HOMEM PODE SE


IDENTIFICAR:

2.1. Nível Corporal

2.2. Nível Psíquico ( homem psíquico)

2.3. Nível Ontológico ( homem espiritual)

2.1. NÍVEL CORPORAL:

O nível corporal é a primeira possibilidade teórica de auto-


identidade. Este é o nível mais elementar de auto-
identificação. É o nível em que a pessoa se identifica pelo
seu corpo. O conceito de si mesmo permanece limitado,
total ou parcialmente porque dá excessiva importância as
precisas habilidades físicas e qualidades estéticas, isto é, a
pessoa que se identifica neste nível acha que seu valor
como pessoa está no corpo.

Em consequência disto a pessoa:

• – tem uma preocupação exagerada para manter o


corpo sadio, bonito, forte, juvenil, o que a leva a ter
uma excessiva preocupação com algum defeito
estético, por uma possível doença ou por uma
fraqueza orgânica progressível e inevitável.
• – tem um excessivo cuidado com a “aparência”:
quanto ao vestir e quanto as presumidas qualidades
estéticas (contempla a própria beleza).
• – tem uma preocupação ingênua e, às vezes, até
ridícula, de querer esconder os sinais de
envelhecimento.
• – tem um cuidado exagerado com a própria saúde
(hipocondríaca).
• – rejeita ou não aceita tudo o que pode prejudicar a
saúde, a beleza e a jovialidade (não aceitam a
doença e não sabem envelhecer). Tem dificuldade
de perder-se pelo Reino de Deus, de fazer
penitência, jejum, de abandonar-se.
• – tem preocupação com a potência sexual, com a
conquista e o sexo se torna “símbolo da
imortalidade”, como uma espécie de ídolo que leva
o homem a iludir-se de que não é limitado, de ser
todo-poderoso, dominador, fascinante e até mesmo
imortal, que lhe fará sentir como uma morte o fato
de renunciar o uso do sexo, o relacionamento
amoroso.

Podemos entrar numa comunidade vocacional para


protegermos o nosso corpo, para termos casa, comida,
segurança, saúde, porque ao enfraquecer o seu corpo acha
que perdeu o valor como pessoa.

Quem se identifica em nível corpóreo não conseguirá


manter o matrimônio eternamente como nos pede o
Evangelho, porque não suportará conviver com o outro ao
se tornar gordo, magro, velho, barrigudo, desdentado,
doente, como também se sentirá muito inseguro no
relacionamento quando se sentir perdendo a jovialidade.
Os feios, os doentes, os velhos são totalmente rejeitados
por esta pessoa, porque para ela não possuem valor.

O namoro será baseado na beleza, na sensualidade. Rejeita


o celibato, a pobreza, a renúncia, a penitência, o jejum, a
morte, porque é sinônimo de desvalor, já que se identifica
a nível corporal.

2.2. NÍVEL PSÍQUICO:

É uma outra possibilidade de nos definirmos, de nos auto-


identificar. Este nível é superior ao primeiro e menos
superficial. A pessoa que se identifica neste nível, que
encontra sua identidade e seu valor neste nível é totalmente
apegada as riquezas do ser: os talentos e qualidades.

Exemplo:

• – O próprio QI
• – A capacidade de sair-se bem numa determinada
tarefa
• – Afirmação no trabalho e no ministério
• – A própria retidão de comportamento ou perfeição
moral

A pessoa enfatiza tudo o que possui e que espera


conquistar com os “seus próprios meios e maneiras e com
suas próprias forças.

Consequentemente terá tal consciência de suas


possibilidades e potencialidades, que busca sua auto-
realização nisto, acreditando, plena e unicamente ser o
criador e senhor de si e dono do que possui.

O homem “psíquico” confia as próprias esperanças de


valor nas qualidades, dotes, talentos e só se aceita quando
constata que os possui ou na certeza de sair-se bem em
muitas coisas.

Sua dignidade e amabilidade dependem da existência, ou


não, dessas mesmas qualidades. Baseado nelas, ele se
sentirá um fracassado ou um super-homem.
Na sua perspectiva vocacional sua identidade dependerá
das suas capacidades. Serão elas que irão sugerir,
programar a escolha do estado de vida, profissão e até
mesmo da escolha dos valores e critérios pelos quais
edificará sua existência (serei capaz – não serei capaz, isto
é abafar as aspirações e qualidades da pessoa). Isto o levará
a escolher quais conceitos evangélicos viverá porque estes
dependerão de suas capacidades ou não. Tem muita
dificuldade de se lançar na graça de Deus e na condução
do Espírito Santo.

CONSEQÜÊNCIAS:

1. Talento:

• – Nunca exige de si mesmo mais do que tem


certeza de saber fazer, pois não arrisca a própria
imagem para tentar coisas novas e um tanto
audaciosas. Então será uma pessoa que terá
dificuldade de aceitar as exigências do Evangelho,
só aceitará aquelas exigências que estão dentro da
sua capacidade de realiza-las.
• – Preferem ser medíocre e infantil do que arriscar
a sua imagem.

2. Dependência da função:

Dependente do talento a pessoa se torna dependente de


uma série de coisas, como:
2.1. Função:

• – Apoia-se nela inteiramente, chegando a


identificar-se com ela, porque a função lhe garante
a possibilidade de mostrar as suas capacidades, os
seus talentos, as suas aptidões, onde residem o
valor de si mesmo. Perdendo a função perde até
mesmo a possibilidade de viver, de existir, de se
afirmar e de sentir o seu valor. A assume como uma
roupa que não quer tirar mais. Perdendo a função
se sente profundamente inseguro, porque é como se
perdesse o seu próprio valor como pessoa.
• – Não está por nada disposto “sacrificar” suas
qualidades, a perder, ainda que só parcial ou
momentaneamente, a ocasião de manifestar
algumas delas, e no entanto como cristãos ou como
consagrados à uma vocação específica não é raro
se exigir este tipo de disponibilidade e de renúncia,
em vista, de um bem maior ou dos interesses do
Reino de Deus. Será muito difícil que tais pessoas
tenham esta liberdade interior para renunciar a
estas capacidades que são a sua própria segurança
e valor. Muitas vezes é exatamente graças a este
sacrifício, que uma pessoa descobre ser capaz e
dotada também em outros aspectos, percebe que o
seu valor não está nestas qualidades, ao contrário
as utiliza como meio e nunca como fim.

2.2. Dependência do resultado positivo:


• – Quando uma pessoa identifica seu valor com a
função sente-se obrigada a ter sucesso em tudo ou
a ter bom resultado porque se julga por aquilo que
faz ou por aquilo que dá, pela qualidade da função
que desempenha, pelos resultados visíveis e
positivos. Esta dependência leva a buscar com
todas as forças o resultado excelente, dando
excessiva importância à toda situação em que a
pessoa se exibe. Então ela se identifica com o
sucesso, não só tem sucesso, mas ela é o sucesso,
devido o mesmo ser uma questão de
“sobrevivência” do eu como algo positivo e de
valor.
• – Sente necessidade não só de saber, de perceber,
se possível, de mostrar que possui muitas
qualidades, para que também os outros possam
valorizá-las positivamente e garantir-lhe o valor, a
segurança e o seu lugar no mundo.
• – Por causa disto os outros se tornam juízes
naturais de sua prestação de serviço, porque na
verdade não vive o serviço como uma ocasião de
manifesta o dom que é a sua pessoa e sim para
manifestar os seus talentos.
• – Como o julgamento deles é importante a pessoa
procura adequar-se, mais ou menos
conscientemente, ao que eles esperam.
• – Entrega a própria vida e paz a esses juízes e
poderá passar toda a vida a mendigar estima.
2.2.1. Consequências da dependência dos outros e dos
resultados concretos de tudo o que faz:

• – Contamina a pureza do anúncio, da consagração,


do serviço a Jesus Cristo, porque não está mais
agindo em função do reino, mas do aplauso dos
outros.
• – Manifesta apenas aquelas qualidades pessoais
mais apreciadas pelos outros ou que provocam um
imediato impacto no ambiente.
• – Dessa forma subestima, esconde e não
desenvolve aquelas qualidades pessoais menos
apreciadas, menos quotadas, ou que não estão
muito na moda, o que gera um atrofiamento no
amadurecimento humano, pois nunca dará
oportunidade para vencer os obstáculos e as
próprias limitações, coisas estas tão necessárias
para promover amadurecimento como pessoa
humana.

2.3. Horror ao fracasso:

Temerão o fracasso porque ele é uma afronta à própria


personalidade, como uma negação do seu valor como
pessoa.

Se a sua imagem é diminuída perante os outros a pessoa


tem a impressão de não valer mais nada, ou se sente uma
pessoa inútil.
2.3.1. Conseqüências:

• – Depressão, desconforto com afastamento da


situação, juntamente com frases cheias de lamentos
e auto-compaixão: Eu não sirvo para nada… Eu
bem que avisei não ter capacidade para isto.
• – Sentimento de culpa ou de inferioridade, além de
admitirem isso diante dos outros porque significa
muita desvalorização.
• – Sobrevem a raiva-colera súbita, agredindo a
situação com palavras cheias de orgulho, de auto-
afirmação ou descarrega a culpa em cima dos
outros. Neste nível é proibido errar.

2.4. Não aceitação do pecado:

Esta conseqüência se refere mais diretamente à vida


espiritual: é a incapacidade de admitir e de aceitar com
serenidade o próprio pecado porque também isso é tido
como um fracasso ou como uma negação do valor da
pessoa.

A santidade é tida sobretudo como uma conquista pessoal,


fruto de penosos atos de virtudes e de “meritórios”
esforços da vontade, como se fosse possível alguém
santificar-se com suas próprias forças ou como se a
santidade fosse um bem exclusivamente pessoal, um
embelezar o rosto que nos faz parecer melhores do que os
outros, e não um dom de Deus para o bem de todos.
A experiência cotidiana do pecado desmente essa
pretensão, torna-se frustradora e desperta na pessoa um
estranho sentimento de culpa que não é o perfeito
arrependimento por ter ofendido a Deus, mas a desilusão,
raiva de descobrir-se imperfeito, fraco, limitado, capaz de
tanto atos e sentimentos que não são nobres. Reconhecer
isto é humilhante demais.

2.4.1. Conseqüências:

Em vez de buscar a perfeição colaborando com a graça de


Deus, a pessoa busca avidamente ser perfeccionista, o que
gera:

• – Escrúpulos e rigidez de comportamento, ilusões


e depressões.
• – Presunção e ousadia de não ter pecados ou de ter
apenas alguma pequena imperfeição, tão pequena
que não chega a provocar crises e permite que a
pessoa continue se julgando melhor que os outros
porque os julga pobres pecadores.
• – Perda ou deformação da própria consciência de
pecado.
• – Impede que a pessoa sinta necessidade da
misericórdia dos homens, e muito menos, da de
Deus. Impedindo a experiência do perdão de Deus.

2.5. Complexo de Inferioridade:


Enquanto isso, nasce e cresce dentro da pessoa uma
perigosa sensação de desvalorização pessoal que poderá
tornar-se um verdadeiro e real sentimento de inferioridade,
totalmente diferente da virtude da humildade e do
reconhecimento da própria pequenez. O sentimento de
inferioridade leva a pessoa a se fechar em si mesma por
não compreender e perceber aonde se fundamenta o seu
valor como pessoa. Será alguém que não consegue ter a
exata estima de si e nem muito menos amará a Deus e aos
seus irmãos.

Este sentimento gera insegurança, amargura, tristeza, raiva


de si e dos outros, inclusive de Deus, ciúmes, inveja,
desejos de complicar a vida dos outros, competição ou ao
contrário, profunda paralisação.

3. NÍVEL ONTOLÓGICO:

Ter consciência de possuir um corpo saudável, jovial e


muitas qualidades é muito importante, mas não é suficiente
para dar ao homem o sentido adequado do próprio eu, um
sentido substancial e estavelmente positivo da própria
identidade, o valor do ser como pessoa.

Para isso é preciso descer a um nível mais profundo: é


preciso saber para quem e por que, de que maneira e por
quais objetivos, usar o corpo e os talentos e qualidades.

O nível ontológico nos define por aquilo que somos e por


aquilo que somos chamados a ser.
Não é mais simplesmente “aquilo que possuímos” (corpo
e capacidades) que irá decidir o nosso valor como pessoa,
mas “o que somos” no mais profundo de nossa identidade
como seres humanos, como cristãos, como batizados,
justificados, filhos de Deus e como pessoas consagradas.
É uma estima positiva, é um valor que ninguém pode tirar.

Portanto, a pessoa que se identifica a nível ontológico vive


de forma diferente, como pessoa livre daquilo que antes
buscava ansiosamente para provar o seu valor.

Toda riqueza do nível corporal e psíquico é interpretada e


administrada dando-lhe um significado totalmente novo.

3.1.METACORPORAL ( além do Corpo):

O nível corporal é reassumido pela dimensão ontológica e


totalmente reinterpretado (além do corpóreo), que não
coloca seu valor na dependência do corpo. Vê a realidade
do próprio corpo como a fonte única e particularmente
positiva de valor pessoal, mas sim como objeto e lugar de
doação. Renuncia até a posse de sua vida física e coloca
suas qualidades físicas a serviço do valor interior que
descobriu como pessoa. O corpo está a serviço do seu ser
como pessoa e não mais como um fim em si mesmo. O
corpo é importante porque é um meio para manifestar a sua
identidade de pessoa, a sua imagem e semelhança de Deus.
É um instrumento importante para realizar o dom que é
como pessoa. Sem ele a pessoa não poderia ser um dom.
Como já vimos o corpo ajuda a pessoa a locomover-se,
tomar posse de coisas, cuidar delas, construir outras,
escolher e amar, comunicar-se, realizar trabalhos.

A pessoa que se identifica a nível ontológico:

• – Já não se preocupa tanto consigo mesma, com a


saúde, com seu descanso, com sua beleza, com sua
jovialidade e exuberância, com sua aparência, com
seu próprio prazer, com a sua própria vida, e com
tudo o que isto pode lhe proporcionar. Ex: casa,
comida, roupas, remédios…
• – Está disposta a arriscar tudo isso, por amor do
Reino de Deus.
• – Vive cada dia com simplicidade e perseverança,
a coragem do martírio, do comprometimento e
multiplica as forças, tornando a vida um dom
maravilhoso a serviço de Deus e dos outros.
• – Ver o próprio corpo e o dos outros como um dom
e não como propriedade exclusiva sua, para o seu
próprio prazer, para o seu próprio uso. Este
entendimento leva a pessoa a interpretar
corretamente aquela misteriosa união de corpos
que se dá no matrimônio, porque descobriu uma
atração pelo outro que não é só corporal e o
encontro sexual passa a ser expressão da entrega de
si mesmo e do desejo de integração recíproca, de
união verdadeira, de comunhão e não mais fonte de
prazer pelo prazer. Isto implica maravilha e
gratidão, além de provocar prazer e emoção intensa
e verdadeira.
• – Percebe a virgindade do corpo como dom e nunca
como um paradoxo. A sua afetividade e sua vida
sexual são projetadas para um mundo de
significados que não mais limitam ao corpo. Aliás,
o próprio supera a sua dimensão corporal e isto
permite amar mais pessoas e com real
profundidade, sentir as alegrias mais profundas do
relacionamento humano porque percebeu que não
é a potência sexual e nem o poder de fascinação
conquistadora que fundamentam o valor da pessoa.

Quem se identifica a nível ontológico, além do corpóreo,


não tem necessidade de buscar ilusões que o consolem e
conseguem dominar as paixões desordenadas porque
encontra a razão do seu viver ou morrer naquilo que é
chamado a ser como pessoa.

Descobre que a razão verdadeira de viver ou morrer é ser


sempre um dom. A vida que é um bem recebido tende
“naturalmente” a se tornar um bem doado através da morte.
E é nisto que reside o seu valor como pessoa: ser sempre
um dom.

Dessa forma vê o enfraquecimento físico, a velhice, a


doença, a fraqueza, as limitações e a morte “não como um
acontecimento negativo por excelência, sinistro, temido e
suportado, maldito e rejeitado e sim como a lógica
conseqüência de uma vida vivida plenamente, sem
mesquinharias e sem economia de energias, sem temores
pagãos de vier menos, e sem a pretensão irreal do próprio
bem-estar” (Amarás o Senhor teu Deus – Amadeo Cencini
– pág. 49 – Edições Paulinas). Compreendeu que a morte
é a oferta suprema de uma vida que se tornou,
paulatinamente, dom para os outros e que não tem o poder
de destruir o seu valor pessoal porque este ultrapassa a
própria morte.

3.2. METAPSIQUICO (além do psiquico):

A pessoa vê a própria realidade psíquica de capacidades e


qualidades de um novo ponto de vista, isto é, vê tudo como
um dom recebido de Deus e que deve compartilhá-lo com
seus irmãos.

3.2.1. Cria-se, primeiramente, na vida da pessoa uma nova


hierarquia de valores:

• – O que aparece como mais importante e decisivo


já não são as próprias qualidades e capacidades,
pois as mesmas não são mais aquilo que determina
o seu valor como pessoa e de auto-realização.

Reconhece que elas são importantes, originais e


significativas, mas se foram usadas em função de alcançar
sempre mais o seu valor interior verdadeiro. Compreende
que essas qualidades são dons e carismas para a edificação
do Reino de Deus ou estão a serviço do carisma
vocacional, são um meio e não um fim para se viver melhor
a própria identidade vocacional.
3.2.2. Tudo é dom:

Esta nova visão leva a perceber todas as riquezas do nível


psíquico tornam-se não mais uma propriedade, mas, sim,
um dom, um carisma, são antes de tudo um dom recebido.
Fazem parte do dom maior que é a própria vida, a qual não
se sustenta por contrato, e sim, pela gratuidade e doação,
recebeu seus talentos de graça e constata, cada dia, que
tudo o que é, que tem, que faz e oferece, antes o recebeu
de Deus.

Deste reconhecimento nasce espontaneamente uma


gratidão profunda por aquele que nos cumulou de bens, e
com a gratidão, uma alegria serena por todo bem que
temos, que não é pouco, e por aquele que vemos nos
outros.

Não há lugar para a inveja, para o complexo de


inferioridade, competição, ira, desunião e desamor.

A pessoa se aceita: descobre e se alegra com o que tem de


positivo e reconhece a sua fraqueza, o seu nada e não se
desespera, aprende a conviver com suas dificuldades. Já
não é e não precisa ser mais super-herói e nem vítima.

3.2.3. Tudo está a serviço do amor:

A pessoa sabe que além de seus fracassos possui um valor


radical e inatacável e torna-se uma pessoa feliz e
finalmente livre para amar, para se doar. Livre para
perceber que não há nada de mais belo e natural do que
colocar suas capacidades à disposição dos outros (parábola
dos talentos), porque reconhece que tudo recebeu
gratuitamente e que precisa dar tudo de forma gratuita
também.

A pessoa que se identifica a nível ontológico na área


psíquica:

• – Não se vangloria das suas qualidades ou talentos


porque sabe que os recebeu gratuitamente de Deus.
• – Reconhece que tudo o que tem não é propriedade
sua, por isto não o usa para a realização dos seus
próprios interesses e projetos pessoais (não se sente
dono e administra tudo segundo a vontade de
Deus).
• – Reconhece que deve colocar seus talentos e
capacidades à disposição de todos, o que os leva a
crescer e se desenvolver sempre mais.
• – Reconhecer que é um dom e deseja sê-lo sempre
mais (não coloca limites na doação da sua vida).
Aquele que se doa torna-se servo porque há uma
profunda relação entre ser dom e ser servo.

O que é ser servo?

• – É doar-se aos outros de acordo com os critérios e


projetos de Deus e não pelos nossos próprios
interesses.
• – É amar verdadeiramente o outro em vez de
desfrutar, de usar o outro.
• – É não retomar aquilo que já foi dado a Deus.
• – É deixar-se guiar por Deus, através das suas
mediações precisas, como a sua Palavra, a Igreja, o
diretor espiritual, os sinais dos tempos, as
necessidades dos que nos rodeiam, a família, a
comunidade, a regra, as autoridades, etc… (não
devemos exigir que as mediações humanas sejam
perfeitas, porque toda mediação humana é
limitada, mas devemos ter uma atitude de
confiança, de realismo, de otimismo e
disponibilidade para se abrir e obedecer).

4. ABERTURA TOTAL PARA A RENÚNCIA DAS


QUALIDADES E CAPACIDADES:

Deus pode chegar a exigir de nós estas capacidades e


qualidades em vista de um bem maior, exatamente,
exatamente estas que sentimos que são nossas, que são
parte de nós mesmos, principalmente quando as
adquirimos com sacrifícios e fomos bem sucedidos por
causa delas.

Exemplo: deixar um ministério que temos total unção e


bom desempenho, uma atividade que sabemos fazer sem
dificuldades, ou um lugar, ou ainda, um cargo que nos dão
oportunidade de manifestar nossos talentos.
Somente a pessoa que se identifica a nível ontológico terá
a capacidade de fazer esta renúncia que parece um
paradoxo sem desespero porque seu valor está
fundamentado no seu ser como pessoa e não nas suas
qualidades e talentos. Ao contrário esta renúncia revela
exatamente aonde está o seu valor verdadeiro.

5. DAR MUITOS FRUTOS (Jo 15)

A pessoa que interpreta seus dons a nível ontológico é


capaz de vivê-los e manifestá-los em toda a sua plenitude,
o que fará frutificá-los ao cêntuplo, pois não tem a
preocupação de mostrar suas qualidades, nem se deixa
paralisar pelo medo de errar ou de fracassar, ou ainda pela
ânsia de sempre ter sucesso. Será um pessoa que não
enterrará seus talentos e qualidades, ao contrário fá-los-á
render o máximo porque deseja manifestá-los somente por
querer dar tudo de si, por querer manifestar o dom que é
para todos.

A justa estima de si é a imagem correta e real, isto é, em


todo o homem e em toda mulher existem virtudes e
defeitos, riquezas notáveis e impulsos incoerentes, no
entanto o seu valor não está nisto, se encontra no seu ser
como pessoa, como filhos de Deus.

A verdadeira imagem do homem está escondida em Deus.


O conhecimento sobre nós mesmos e o nosso destino está
implicitamente ligado ao conhecimento de Deus e de sua
vontade criadora. Quanto mais conhecemos a verdadeira
imagem de Deus, mais descobrimos a nossa verdadeira
imagem. A essência verdadeira do nosso eu está em nos
assemelhar a Deus.

Quando Deus fala de si, de certa forma ele também fala de


nós mesmo porque nossa identidade é chamada a se
conformar e complementar a identidade dele.

A Palavra de Deus também é fonte de revelação da nossa


verdadeira imagem pois através dela descobrimos quem
nós somos, de onde viemos e para onde vamos.

E finalmente podemos descobrir a nossa verdadeira


identidade, desta vez de uma forma mais pessoal e
específica, através de uma vocação religiosa onde a pessoa
se descobre única e irrepetível, como também a si mesma
e sua missão.

Fonte: Artigo datado por agosto de 2007 “A justa estima de


si” da Comunidade Católica Shalom, em
https://comshalom.org/a-justa-estima-de-si/

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