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Uso de plantas Halófitas na aquicultura: Do tratamento de efluente à


alimentação animal (Halophytes' uses in Aquaculture)

Article · July 2021

CITATIONS

2 authors:

Manuel Macedo de Souza César S. B. Costa


Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
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EDIÇÃO

REVISTA 22 JAN/MAR
2021

AQUACULTURE BRASIL
aquaculturebrasil.com

PANORAMA DA
QUELONICULTURA
NO BRASIL:
Uma estratégia
para conservação
das espécies e MAR/ABR 2018

geração de renda
ISSN 2525-3379

Artigo: Profissionalização Coluna: A magia dos Entrevista: Cintia Eles fazem a diferença:
em sistema RAS na pigmentos Nakayama - UFMG/ Vinicius Ronzani
Europa Aquabio Cerqueira

1
SUMÁRIO
AQUACULTURE BRASIL - edição 22 jan/mar 2021

08 FOTO DO LEITOR

10 CIRCULAÇÃO VERTICAL NA PISCICULTURA EM


»» p.10 TANQUE-REDE DE AMBIENTES TROPICAIS E
SEMIÁRIDO

18 CUIDADOS MÍNIMOS EM UM QUARENTENÁRIO


CREDENCIADO PARA IMPORTAÇÃO DE ORGANISMOS
AQUÁTICOS ORNAMENTAIS PARA IMPEDIR A
INTRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO DE PATÓGENOS

26 USO DE PLANTAS HALÓFITAS NA AQUICULTURA:


DO TRATAMENTO DE EFLUENTE À ALIMENTAÇÃO
ANIMAL

»» p.18 32 PANORAMA DA QUELONICULTURA NO BRASIL


– UMA ESTRATÉGIA PARA CONSERVAÇÃO DAS
ESPÉCIES E GERAÇÃO DE RENDA

42 AQUICULTURA E PESCA SUSTENTÁVEIS NO


INSTITUTO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO
E SUSTENTABILIDADE (IABS): ATUAIS AVANÇOS
SOCIOPRODUTIVOS

48 PROFISSIONALIZAÇÃO EM SISTEMA RAS NA EUROPA

54 ESPAÇO EMPRESA - INVE


»» p.26 58 ARTIGOS PARA CURTIR E COMPARTILHAR

59 CHARGES

6
»» p.90

60 ATUALIDADES E TENDÊNCIAS NA AQUICULTURA

62 ATUALIDADES DA CARCINICULTURA

64 BIOTECNOLOGIA DE ALGAS

»» p.42 66 AQUICULTURA ORNAMENTAL

68 GREEN TECHNOLOGIES

70 NUTRIÇÃO AQUÍCOLA

72 VISÃO AQUÍCOLA

74 RECIRCULATING AQUACULTURE SYSTEMS

76 SANIDADE

»» p.48 78 GESTÃO DE RESÍDUOS

80 NAVEGANDO NA AQUICULTURA

82 TECNOLOGIA DO PESCADO

84 ENTREVISTA - CINTIA LABUSSIÈRE NAKAYAMA

90 ELES FAZEM A DIFERENÇA

96 DESPESCOU

»» p.84

7
JAN/MAR 2021

© Jéssica Brol | Aquaculture Brasil

26
PARCEIROS NA 22° ED:
Uso de plantas Halófitas na
aquicultura: Do tratamento de
efluente à alimentação animal
*Manuel Macedo de Souza e César Serra Bonifácio Costa
Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Instituto de Oceanografia (IO)
Laboratório de Biotecnologia de Halófitas (BTH)
Rio Grande, RS
*mcsouza@furg.br

J
á imaginou a possibilidade de tratar o efluente seu ciclo de vida (germinação, crescimento e repro-
de cultivo, alimentar os animais, gerar energia dução) sobre a influência de águas salinas ou salobras.
elétrica e reduzir custos Ou seja, são plantas que podem
com uma cajadada só? As ser cultivadas com água salgada.
plantas halófitas podem tor- Para essas plantas damos o nome
nar isso uma realidade. de plantas halófitas (Grego, halo
Os vegetais mais cultiva- = sal) (Nikalje et al., 2018).
dos e consumidos no Brasil As plantas halófitas são na-
(como a alface, a couve, a O desenvolvimento turalmente encontradas nos
batata, o aipim, entre outros) de carcinicultura em ambientes costeiros que sofrem
precisam de água doce para influência constante ou periódi-
o seu melhor crescimen- águas oligohalinas, ca da água do mar e da mare-
to (< 3,0 dS m-1 ou < 2 g sia (spray marinho), e em locais
NaCl L-1) e consequemen- principalmente oriundas do interior fortemente afeta-
te, seu cultivo. Essas plantas de poços e rios, dos pela seca (Costa; Herrera,
são classificadas como plan- 2016b). No Brasil, os ambientes
tas glicófitas (Grego, glico = forneceu novas fronteiras que se destacam na quantidade
açúcar/doce; fitas/phyton = e biodiversidade de plantas ha-
planta). Por outro lado, ainda para a carcinicultura lófitas são os manguezais (e.g. o
não muito populares e mui- mundial. mangue vermelho, Rhizophora
tas vezes classificadas como mangle), marismas (e.g. Sparti-
plantas alimentícias não con- na alterniflora), dunas costeiras
vencionais (PANCs), existe (e.g. Sporobulus virginicus) e pla-
outro grupo de plantas que nos salinos do semiárido nor-
consegue passar por todo o destino (e.g. Sesuvium portula-
castrum). Embora sejam diferentes, as plantas halófitas
desses ambientes apresentam algumas características Figura 1. Halófitas de diferentes espécies:
semelhantes entre si e com plantas halófitas de outras
regiões salgadas do mundo, como no Oriente Médio Spartina
e França (Albuquerque et al., 2014; Costa; Herrera, alterniflora.
2016a). Mas... © César Costa

Como isso é
possível?
Ao longo da sua evolução as plantas halófitas de-
senvolveram adaptações em suas partes interna e ex-
terna para tolerar o estresse salino (Rozema; Schat,
2013). Embora cada espécie tenha suas singularida-
des, os mecanismos funcionais das plantas são bem
semelhantes. Mas a quantidade de adaptações que
essas plantas obtiveram foi dependente da salinidade
do ambiente onde viviam. Ou seja, quanto mais es-
tresse as plantas sofriam, maior deveria ser o número Sesuvium
de adaptações – características favoráveis para so- portulacastrum.
brevivência e fecundidade. Era adaptação ou morte! © César Costa
O halofitismo, que é o grau de tolerância a sali-
nidade, é bem diversificado e altamente dependen-
te do ambiente de desenvolvimento dessas plantas.
Assim, dependendo do grau de tolerância a salinida-
de, as plantas halófitas podem ser classificadas des-
de plantas halotolerantes, que toleram água com
baixa salinidade, até as halófitas extremas, que tole-
ram condições hipersalinas, isto é, mais salgadas que
a água do mar (Costa, 2006; Duarte et al., 2013).
Falamos até agora como as plantas halófitas evo-
luíram. Mas...

O quê elas têm Schinus

de bom?
terebinthifolius.
© Manuel M. de
Souza
Vários compostos são produzidos pelas plantas ha-
JAN/MAR 2021

lófitas para tolerar o estresse salino, como alguns açu-


cares (como o sorbitol), aminoácidos (como a prolina)
ácidos graxos poli-insaturados, flavonoides, polifenóis
e carotenoides. Compostos que além de serem uti-
lizados pelas plantas halófitas para tolerar o estresse
salino, são importantes para alimentação animal e hu-
mana, além de possuírem atividades biológicas, como
capacidade antioxidante, anti-inflamatória, bactericida,
vermífuga, entre outras (Barreira et al., 2017; Costa
et al., 2014; Costa, 2006; D’Oca et al., 2012; De
Souza et al., 2018a, 2018b, 2020; Katiki et al., 2013;
Ksouri et al., 2009; Tomazelli Junior et al., 2017).

PARCEIROS NA 22° ED:

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Se as plantas halófitas são são utilizadas para alimentação humana (como vegetais
tão boas, porque não as frescos, em conserva ou como condimentos), alimen-

conhecemos?
tação animal, na produção de biocombustíveis, como
plantas ornamentais e paisagismo, na produção de me-
dicamentos, na produção de bebidas fermentadas etc
Na realidade, as plantas halófitas são utilizadas pelo (Abdelly et al., 2007).
ser humano a muitos séculos, tendo registro de uso Além de tudo isso, novas características e funcio-
há mais de 5000 anos na medicina indiana (Arya et nalidades das, e para, as plantas halófitas estão sendo
al., 2019). A grande popularização destas plantas co- descobertas a todo o momento. Uma que nos deixou
meçou em países com pouca disponibilidade de água bastante entusiasmados é a descoberta que, embora
doce, como os países do oriente médio. Os Emirados ainda sejam resultados obtidos em experimento com
Árabes Unidos, por exemplo, têm grande investimen- ratos e ovelhas, os aspargos marinho do gênero Salicor-
to no desenvolvimento da agricultura salina e produção nia herbacea e S. neei têm a capacidade de impedir que
de biodiesel a partir das sementes de Aspargo marinho estes animais acumulem gorduras (Pichiah; Cha, 2015;
(plantas dos gêneros Salicornia e Sarcocornia, também Arce et al., 2016). Sim, isso mesmo. Imagine que mes-
consumidas como sal-verde, vegetais frescos ou em mo comendo aquela picanha cheia de gordura no final
conserva), e gramados de campos de golfe e futebol de semana, a ingestão da planta poderia impedir que
com mudas de Paspalum vaginatum. Já a Quinoa (Che- acumulemos parte dessa gordura. Isso não seria sensa-
nopodium quinoa) começou a ser consumida na região cional? Num ramo totalmente diferente, estudos ainda
dos grandes lagos salgados da América Latina (Bolívia, preliminares demostram que é possível gerar energia
Colômbia, Equador e Peru) há mais de 4 mil anos e nas raízes de plantas halófitas cultivadas em hidroponia.
hoje se popularizou em dietas com baixas calorias, Resumidamente, este sistema de geração de energia
utilizadas para o emagrecimento (Centofanti; Bañue- consiste na oxidação de compostos liberados pelas raí-
los, 2019; Panta et al., 2014). Hoje, plantas halófitas zes das plantas por bactérias (Wetser et al., 2015).
Figura 2. a) Cultivo de quinoa com águas salinas em área desértica do International Center for Biosaline
Agriculture (Dubai, Emirados Árabes Unidos). © Kennia Doncato; b) Aspargo marinho (S. neei) produzidos com efluentes
de aquicultura pelo Laboratório de Biotecnologia de Halófitas (BTH, FURG) e embalados para envio à restaurantes em Porto
Alegre (RS). © César Costa

a b

JAN/MAR 2021

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Figura 3. Cultivo de Aspargo marinho (Salicornia neei) com água subterrânea salina no município de Ocara (CE).
© César Costa

E como as plantas
halófitas são utilizadas na
aquicultura?
Há algum tempo as plantas halófitas já são utiliza-
das na fitorremediação dos efluentes salinos da aqui-
cultura (Fierro-Sañudo et al., 2020), seja em tanques
de decantação ou em wetlands, por exemplo. Sendo
também utilizadas para fixação das paredes dos tan-
ques de cultivo ou canais de irrigação. No entanto,
utilizações mais nobres vêm sendo estudadas! Os aspargos marinhos
Embora ainda à nível acadêmico, o extrato da
grama bermuda (Cynodon dactylon) demonstrou ter
S. bigelovii e S. neei
a capacidade de proteger o camarão marinho Lito- por exemplo, já foram
penaeus vannamei contra o vírus da mancha branca
(WSSV - white spot syndrome vírus). Além de auxiliar utilizados para a
na saúde, as plantas halófitas também podem ser uti- alimentação de tilápias
lizadas na alimentação dos animais cultivados. Os as-
pargos marinhos S. bigelovii e S. neei por exemplo, já e camarões marinhos,
foram utilizados para a alimentação de tilápias do Nilo os quais obtiveram
(Oreochromis niloticus) e camarões marinhos (Litope-
naeus vannamei), respectivamente (De Souza, 2018; desempenho zootécnico
JAN/MAR 2021

Ríos-Duran et al., 2013), alcançando desenvolvimen-


to zootécnico iguais aos dos animais alimentados com igual ao dos animais
uma ração tradicional. alimentados com ração
Se pensarmos que as plantas halófitas podem ser
produzidas com o efluente do próprio cultivo, damos tradicional.
mais um passo para alcançar uma aquicultura com eco-
nomia circular. E por fim, e não menos importante, o
uso de aspargo marinho S. neei também proporcionou
a diminuição de 40% do custo da ração (De Souza,
2018) no cultivo experimenral do camarão marinho
L. vannamei. Sabendo que o custo com a alimenta-
ção dos animais é muito alto, reduzir este gasto pode
aumentar significativamente os lucros da produção.
PARCEIROS NA 22° ED:

30
Figura 4. Aspargo marinho (S. neei) cultivados com efluentes de carcinicultura marinha em sistema de bioflocos
(BFT). © César Costa

Figura 5. Aspargo marinho (S. neei) cultivados em sistema NFT (nutrient film technique) com efluentes de
piscicultura marinha© César Costa

Figura 6. Paspalum vaginatum (capim arame) cultivados


com efluentes de carcinicultura marinha em sistema de
bioflocos (BFT).© Manuel M. de Souza
Neste artigo falamos um pouco das caracte-
rísticas excepcionais das plantas halófitas e os seus
usos atuais na aquicultura. Contudo, as possibili-
dades de uso futuro são infinitas. Embora pareça JAN/MAR 2021
uma realidade distante, acredito que conseguire-
mos desenvolver tecnologias que possam fitorre-
mediar o efluente, alimentar os animais e gerar
energia para o sistema de cultivo com as plantas
halófitas de forma simultânea e integrada. Sei que
pode parecer uma realidade bem distante, mas o
futuro é logo ali.

Consulte as referências bibliográficas em


www.aquaculturebrasil.com/artigos

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