Arte urbana e a
(re)construção
do imaginário
da cidade
Sesc | Serviço Social do Comércio
Administração Regional do Sesc no Rio de Janeiro
Interventor
Bruno Breithaupt
DEPARTAMENTO REGIONAL
Diretor
Mauro Lopez Rego
Superintendente de Programas Sociais
Marcos Henrique Rego
PUBLICAÇÃO
Coordenação Editorial
Maria José Motta Gouvêa
Ramon Nunes Mello
Supervisão Editorial
Jane Muniz
Projeto Gráfico
Hannah (Ana Cristina Pereira)
Diagramação
Avellar e Duarte
Copidesque
Viviane Godoi e Eduardo Frota
Estagiário de Produção Editorial
Diogo Franca
Arte urbana e a
(re)construção
do imaginário
da cidade
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 6
PERFIL 88
PROGRAMAÇÃO 94
O imaginário
e a cidade
tam a cidade. A disputa pelo direito à cidade, acirrada pela inclusão e potência dos
de sociabilidades.
Muros, ruas e praças são os suportes e cenários utilizados por artistas contempo-
cidade. Suas obras provocam um intervalo na rotina apressada dos grandes centros,
da cidade.
Quitandinha, durante o Festival Sesc de Inverno 2014, buscou apreender as novas repre-
Com grande satisfação, reunimos nesta publicação diferentes reflexões sobre a cons-
Tranquilamente, e há muito tempo. Fico sem saber... Ver e ler esse texto maravilhoso...
Está tudo aí. O Aderbal estudou a minha vida, ele me conhece bastante, ele estudou e
fala tudo isso de mim. Estou com a cabeça limpa. Estaria começando de outro jeito se
não tivesse lido o texto dele; me agradou muito, mas ainda fico assim com uma questão:
da hora, do tempo que nós temos, entende? Da necessidade de falar alguma coisa, que
eu sinta vontade de falar e ao mesmo tempo de querer mostrar alguma coisa do meu
trabalho, porque uma coisa é educação sexual e outra é trepar. Eu queria mostrar esse
pacto amoroso que é o teatro, e não dissertar sobre as minhas coisas. Mas tenho sido
condenado ultimamente a ser o porta-voz de muitas ideias, a liderar movimentos, a ter
voz e um discurso, não ficar preso no meu trabalho, mas convocar o mundo com as
minhas ideias, com o que penso, com os avanços que acho que as coisas podem ter, tudo
isso. Me sinto obrigado a fazer isso desde que meu amigo Augusto Boal morreu. Quan-
do ele estava vivo ele falava e eu trabalhava, entende? Então era bom, ele fazia um dis-
curso... Que bom! O Boal está falando. O Boal está falando! E eu ficava ali fazendo meu
teatrinho sem problemas. Depois que ele morreu eu falei: não dá mais, não dá mais, não
tem mais vozes. Não tem mais voz o teatro brasileiro, é medíocre, como ele falou aqui,
é medíocre, está fechado no shopping. Não tem mais nada, a inteligência brasileira é
cada vez mais burra, cada vez mais burra, o país cada vez mais perde contato consigo
mesmo, perde contato com o simbólico, como se falou isso aqui também, entende?
Então, cada vez mais, não tem mais quem fale nada. Com a morte do Boal, desapareceu,
não tem mais uma pessoa, e eu falei: não posso mais me furtar a fazer isso, e tenho
feito, falando as minhas coisas. É claro que eu não vou falar sobre o Teatro do Oprimido.
Não vou botar azeitona na empada dele! Não vou falar do teatro dele, vou falar do meu,
é a minha voz, e é isso que eu falo, mas desde então tenho me transformado quase que
em um teórico, coisa que eu odeio. Mas é preciso pensar, e a minha teoria ela é extrema-
mente ligada à minha prática, não tem um conceito, um pensamento que não tenha
saído da minha observação direta dos fatos e da minha vivência direta dos fatos, porque
ao mesmo tempo estou fazendo teatro seja onde for: na rua, no teatro ou em qualquer
lugar – porque até no teatro dá para fazer teatro, dá, não sou radical nesse ponto, até no
teatro dá para fazer teatro. A maior parte das pessoas não faz. Faz esse “arremedo” que
o Aderbal falou, essa apropriação que se faz da linguagem poderosa e real, muito nova e
muito antiga que é o teatro. Então até no teatro dá para fazer teatro, mas cada gesto meu,
cada movimento, eu estou pensando. Lembro que, na primeira vez que fui fazer teatro
de rua, estava com meu grupo e de repente fiz um gesto (abre os braços) e fiquei estate-
lado... Falei: Santo Deus, já vivi isso, já vivi isso, estou me reconhecendo, não é a primei-
ra vez que faço isso, nem será a última, não sei onde, mas já vivi isso, sei que já vivi isso!
Uma sensação que nunca tinha tido fazendo teatro nas salas fechadas, mas fazendo esse
gesto na rua, abrindo meus braços, o povo ali fora... Gente pobre, gente rica, todo mun-
do, cachorro, polícia, todo mundo ali em volta... Eu já vivi isso! Já vivi isso não só no meu
gesto, já vivi nessa gente que está em volta de mim, nessa plateia heterogênea que se
formou em volta de mim, nessa construção de um novo edifício teatral, que é o cidadão
livre se expressando no meio da praça dizendo à sua maneira o que ele quer dizer paro
o outro e respeitando a inteligência do outro, em nenhum momento tratando nenhum
ser humano na praça como se ele não fosse capaz de entender todas as linguagens, a
melhor das linguagens: a mais direta, a mais viva, a mais perturbadora, a mais transfor-
madora que é essa relação direta que o teatro estabelece com as pessoas. Cheguei a
pensar em trazer um videozinho para publicar também... Vou levar, eu levo uma vari-
nha... Mas não é isso, não vou levar, nunca levei e não vou levar dessa vez. Quando vi que
eles estavam trazendo, eu pensei: poxa me dei mal (risos). Mas não vou levar porque
acredito nessa coisa que só o teatro pode proporcionar, que é o encontro direto entre as
pessoas. Isso é muito novo, porque encontro direto a gente não tem mais, mas é muito
velho, isso é eternamente velho e isso é eternamente novo. Esse contato direto, essa
linguagem é poderosa, você vai para o meio da rua e tem esse contato com a população
e eu ali no meio... Caramba! Eu já vivi isso. Durante anos fiquei com essa sensação... Eu
já vivi isso! Depois comecei a pensar assim: ah, caramba, não é que eu já vivi isso, eu já
vi tanto livro de teatro, eu já vi tantas gravuras dos atores nas ruas, eu já vi tantas coisas
da commedia dell’arte que eu vi esse gesto em algum lugar em alguma gravura... Porque
está cheio nos livros, você olha e tá lá o cara... (abre os braços). É dali que eu vi, fiquei
calmo, já sabia de onde tinha visto; não era mágica. Mas depois (a vida não para), depois
eu fui vendo que era mais que isso: não é que tinha visto em um livro, nem que eu tinha
ali... Eu imagino o homem da caverna indo caçar o bisão para comer e olha aquele
outro lá desenhando: mas esse vagabundo! Todo mundo trabalhando e esse filho da
puta pintando!
hoje, vocês vão ver o que aconteceu aqui hoje. Eu vou ter medo do efêmero? O efême-
ro é que me salva, que me deixa livre, que me faz ficar longe. Imagina se eu ficasse
pensando: “Esse espetáculo, eu podia ter feito um vídeo desse espetáculo, colocado na
internet, e quem sabe 5 milhões de pessoas vissem e amanhã eu iria à TV Record dar
uma entrevista!” ou “Quando a Globo me disser: Olhe, 5 milhões de pessoas viram o que
você fez!” Eu vou lá? Não quero, não posso, não tenho tempo. Não poderei ir lá; vou estar
fazendo outras coisas, não quero.
Nós somos doadores universais, somos todos sangue tipo O. Nós, artistas, somos
sangue O. E para quem não sabe, na história do sangue humano, os primórdios eram
portadores do sangue O. Então, a primeira leva da humanidade era de doação univer-
sal. Depois, com a diversificação de agricultura, gado, alimentação, moradia e forma de
viver, o sangue foi se transformando. Mas na nossa origem cada um de nós seres huma-
nos somos doadores universais. A nossa natureza é de compartilhamento; se alguém
precisar do meu sangue, vou oferecê-lo sem sacríficio, pois o que estou fazendo aqui
é me oferecer para vocês de carne, alma e sangue. Estou botando tudo que está aqui
– entende? –, então, nós somos doadores universais. A arte pública é a possibilidade
de você recuperar para o cidadão sua melhor natureza, sua melhor possibilidade, sua
generosidade maior, a possibilidade de você produzir coisas que são para bem e uso
coletivo, sem que isso seja transformado em uma mercadoria, em uma civilização a que
só alguns tenham acesso e outros, não. Como posso produzir uma coisa que acho que
é maravilhosa, que é importante, que eu queira dizer para os outros e falo: toma! Para
você não, você também não, cadê a grana? Você não vai pagar, não vai ter! Como é que
eu posso fazer uma coisa dessas selecionando meu público através de um preço? Nós
temos que pensar em outro mundo, não podemos pensar no mundo com o pensamento
do mundo em que vivemos hoje porque este mundo já não existe mais, este mundo
acabou, está indo embora, não vai acabar depois de amanhã, nem vai sair uma matéria
no jornal O Globo, como: “Acabou o mundo!” Não vai! Mas prestem atenção: desde que
Jesus Cristo morreu até Roma se transformar em um império cristão, passaram 300
anos, ou seja, demora a mudar, mas já estamos pelo menos 150 anos mudando, desde
a primeira revolução importante no início do século XIX que o mundo vem mudando.
A partir disso, a gente tem visto cada vez mais a decadência. Quem pode afirmar algum
valor no mundo em que vivemos hoje?; quem pode acreditar neste mundo que estamos
está acabando, você pode olhar isso em qualquer pregação evangélica: o cara sai com
o carro dele: foi Deus que me deu! Dizendo que se Deus me deu é porque eu mere-
ço; se eu mereço, sou abençoado por Deus. Se você é um fodido, você não merece.
Você é fodido porque você não é olhado por Deus; se você quiser que Deus olhe para
você, junte dinheiro, ganhe dinheiro, faça um curso aqui de empresariado comigo. As
igrejas preparam pequenos capitalistas muito melhor que o Sebrae! Ensinam a eles o
que fazer, tem reuniões lá, seminários com empresários, seminários com produtores
disso, produtores daquilo, tudo ali em nome de Deus mexendo no dinheiro. “In God,
we trust”, é isso que está escrito no dólar americano. Então, nós vivemos esse tempo,
esse mundo, essa sociedade... Eu não quero colaborar com nada desses tempos, nada,
nada, nada! Se for possível criar outra coisa, é por aí que eu vou. Eu falo isso: – Não
quero colaborar. Antes eu falava com culpa, era uma loucura, mas depois de 55 anos de
teatro, 35 anos de teatro na rua, eu já sei que é possível um mundo novo, já sei que é
possível ser de outro jeito, que é possível sobreviver, sei que eu não preciso me vender
de jeito nenhum, já sei que posso ir para praça diante de uma plateia heterogênea,
abrir meus braços e encontrar com eles a minha ancestralidade, desde o homem da
caverna que pintou, até agora, até daqui a pouco, até depois de amanhã, sem passar
por isso que a gente está passando agora: esse momento histórico de uma civilização
em decadência – muitas outras civilizações vieram e foram embora, por que a nossa
vai durar? Por que é essa que vai ser eterna? Não vai... Está no fim... Preparem-se
para o fim do mundo. Fico apocalíptico às vezes! (risos). Eu falo mal dos evangélicos.
Fico igual a um pastor. Mas é um mundo em finalização. Vai melhorar por onde?
Vai melhorar a economia americana e o mundo vai ficar bom? A Europa vai sair do
buraco e vai ficar tudo bem? Como vai ser? O Brasil vai conseguir se superar e ficará
tudo bem? Se tem uma possibilidade de criação de um mundo novo, somos nós aqui,
trabalhando com a nossa diversidade étnica, com a nossa diversidade cultural, com
as nossas possibilidades enormes que temos como país, pelo nosso tamanho, pelo
tamanho da nossa população, pela variedade cultural que nós temos. Então é possível
entrar em contato com a população, com a plateia no teatro de rua e é possível recu-
perar a esperança – é o único jeito. Se eu não tivesse esperança, não falava “Eu não
quero salvar nada”. Eu não quero salvar nada do que está aí porque eu tenho esperança
de que eu posso colaborar para um mundo melhor, e posso, e posso, e colaboro, e
É tão essencial para cada um de nós e nós sabemos disso, as suas crianças lá sabem
disso, entende? Cada um de nós sabe que isso é importante. Como é que esse grupo vai
crescer se eu ficar medindo? Esse pode, esse não pode, esse paga, esse não paga... Aí a
gente fica fazendo projeto.
Vivemos com o nosso lado mais criativo, mais transformador, mais generoso, que
é o lado artístico, só que a arte é pública, não é pra ganhar dinheiro, ganha-se dinheiro
porque esse é o mundo onde nós vivemos, mas é feio ganhar dinheiro com a arte, você
pode arranjar outras maneiras. Eu gosto muito se eu fizer minha arte... Ninguém me
manda fazer nada e falam: “opa, toma esse dinheiro aqui”, eu adoro. Como o artista
público, alguém falou aí, que passa o seu chapéu. Agora, eu não vou fazer só pra ganhar
dinheiro, mas se cai um dinheiro no meu chapéu é claro que eu quero, eu não sei o
que seria hoje o “chapéu” na mão do governo, não sei qual seria o chapéu do artista
público, eu não sei quem seria o mecenas do artista público. Que Doge, que Conde, que
Visconde? Que nobre italiano iria patrocinar a arte pública no Brasil hoje? Mas é uma
atividade que não pode ser ignorada, e o poder público ignora, eles não têm um concei-
to de Arte Pública. Todas as políticas são políticas para o mundo privado da produção
artística, não é para a produção pública, não é para o ato generoso da entrega. O poder
público ignora a arte pública porque o poder público trabalha para a iniciativa privada.
Não existe um pensamento público, aberto, generoso. Não existe nenhum sentimento
litúrgico da sociedade que nos permita termos juntos uma manifestação que nos faça
engrandecer a todos. Liturgia é uma palavra grega formada de duas palavras que signifi-
ca: “obra pública feita por particular” e que acabou avançando por dentro da organização
religiosa, dentro do rito católico e se transformou em liturgia. É um bem público, uma
obra pública feita para todos. Por isso, se você participa de um movimento litúrgico,
um movimento religioso qualquer que te eleve, você está participando de uma liturgia.
Aquilo é para todos!
Écio
Salles
ENSAIO
A literatura
como
ferramenta de
reinvenção
da cidade
20 Sesc | Serviço Social do Comércio
Écio Salles
Periferia
Nossos plurais são tão singulares
É nóis!!!
Binho
O mundo das fronteiras
Uma cidade de leitores não é, necessariamente, uma cidade melhor. O mesmo vale-
ria para o país ou o mundo. E quando afirmo isso não me refiro a supostos conteúdos.
Não tem a ver com o que se lê ou deixa de ler. Tem a ver com o porquê da questão.
Acredito que a leitura possa ser transformadora, positivamente transformadora por-
que, na minha adolescência, a descoberta desse universo me possibilitou ver além das
cercas que separam quintais, além dos obstáculos estabelecidos pela condição social,
pela história familiar e por todo o resto. Não importou tanto, àquela época, o que eu lia
– tudo começou com uma paixão inexplicável pelos livros da fase realista de Machado de
Assis; depois, passou por Agatha Christie, pelos livros das séries Vagalume e Para Gostar
de Ler, chegou a Graciliano e, então, não encontrou mais limites.
Tampouco importava como eu lia, se li direito ou não esses autores. O importante
é que lia porque queria tocar novos mundos, além daquele que, de certa forma, me
oprimia e limitava. E me sentir, quem sabe, capaz de inventar outros.
Nasci e me criei no bairro de Olaria, zona da Leopoldina, no subúrbio da cidade do Rio
de Janeiro. A casa onde vivi boa parte do tempo ficava, como dizíamos, no pé do morro.
Em minha infância e juventude (décadas de 1970 e 1980), a presença do tráfico já pairava
sobre a cidade, como um espectro. Mais tarde, o morro em cujo pé estava assentada a
casa de meus pais ganhou uma nova dimensão: o morro do Alemão (que na verdade era
apenas uma de um conjunto de 16 comunidades) agora era conhecido como o Complexo
do Alemão. Ainda hoje um conjunto expressivo de estigmas e violências afeta essa loca-
lidade, com consequências quase sempre danosas, especialmente para os moradores.
Comecei a circular bem cedo – jovem curioso apresentando-se à cidade e sendo apre-
sentado a ela. O sistema de transporte no bairro não era tão ruim, facilitando o acesso
ao Centro e a trechos da Zona Sul. O problema era a volta, sobretudo tarde da noite ou
Écio Salles
mentar no apagamento das diferenças. Por esse motivo os repetidos casos de racismo
(que não se limitam apenas ao futebol) ainda assombram nosso imaginário.
Com isso, em vez do surrado discurso do “somos todos iguais” (que tem sua contra-
partida na anedota “mas alguns são mais iguais que outros”), talvez seja o caso de pensar
o “fronteiriço” como o entendimento de que “somos todos diferentes” e – não apesar
disso, mas por isso mesmo – podemos viver juntos, partilhar o que há de comum e (re)
construir a cidade, esta cidade.
O advento da Literatura
Em uma roda de conversa informal (mas com a presença de intelectuais do campo da
Literatura), um dos presentes alegou que, em sua opinião, “não existia mais, nem parece
que virá a existir novamente, uma cidade literária”. Ele talvez pensasse em uma época
em que poetas como Olavo Bilac pontificavam nos cafés do Centro do Rio. E, certamen-
te, ignorava o que se passa nas periferias (e não só nas periferias) de quase todos, senão
todos, os centros urbanos do país.
No fim da década de 1990, na periferia de São Paulo, o Sarau do Binho e o Sarau
da Cooperifa davam os primeiros passos no surgimento de uma cena que se espalha-
ria pelo país inteiro. Hoje, dezenas de saraus povoam as noites das cidades brasileiras,
reunindo uma quantidade incontável de pessoas que “buscam espaço para tornar seus
Écio Salles
sempre ao ostracismo acadêmico – domina um amplo território, geográfico e afetivo, do
atual contexto cultural brasileiro.
Conta Sérgio Vaz que os poetas presentes nesses saraus são professores, metalúrgi-
cos, donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados, mecâni-
cos, estudantes, jornalistas, advogados…
“Muita gente que nunca havia lido um livro, nunca tinha assistido a uma peça de teatro,
ou que nunca tinha feito um poema, começou a partir desse instante a se interessar por
arte e cultura”. E agora, continua Sérgio Vaz, “exercem sua cidadania através da poesia”.4
Os saraus se multiplicam em quantidade, variam em qualidade e se diversificam nos
formatos, adaptam-se a diferentes contextos. Ainda em São Paulo, por exemplo, todas
as segundas e quintas-feiras de cada mês acontece o ZAP (Zona Autônoma da Palavra),
encontro de Poetry Slam (ou simplesmente Slam) que reúne dezenas, talvez centenas, de
poetas a cada edição. Slams são encontros em que se realizam performances vocais de
poesia, normalmente em forma de competição. Já o ZAP5 se autodefine como “um espa-
ço dedicado à poesia falada, ágora livre, fresta no tempo onde a diversidade é convidada
de honra e a celebração da palavra, o principal objetivo”.
Já na Bahia, em Salvador, além do tradicional sarau Bem Black, no Pelourinho, há
o Sarau da Onça,6 cuja motivação inicial é muito significativa em relação a tudo o que
falamos até o momento: “fazer frente ao aumento dos índices de violência contra os
jovens negros do bairro de Sussuarana”.
No Rio de Janeiro, há saraus como Uma noite na Taverna, em São Gonçalo; Poesia
de Esquina, na Cidade de Deus; Donana, em São João de Meriti; Corujão da Poesia, em
São Gonçalo e no Leblon; Sarau do Vidigal, da Rocinha, de Manguinhos... São tantos que
cometerei a injustiça de não citar todos. O importante é que, citados ou não, eles ajudam
a redesenhar um mapa do Rio de Janeiro que tem sido, desde o início, configurado para a
segregação. Nesse passo, inscrevem-se em um processo recorrente que negros e pobres,
também desde o início, têm efetivado: o de produzir constantemente narrativas criativas
de contestação e não permitir a consolidação de uma história única sobre a cidade. O
que produz uma tensão permanente, capaz de inventar fronteiras, muitas vezes sobre os
escombros das políticas de confinamento. Essa tensão, talvez, seja uma das belezas do Rio.
3
PADIAL, Diane de O. In Binho (culpado). Sarau do Binho. São Paulo: Sarau do Binho, 2013.
4
VAZ, Sérgio. Cooperifa: antropofagia periférica. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008.
5
Ver em www.zapslam.blogspot.com.br.
6
Ver em www.saraudaonca.wordpress.com.
Écio Salles
de “falar pelos que não falam”. Dar voz àqueles que, supostamente, não poderiam “falar
por si” porque seriam impedidos ou limitados pela condição social, cultural, geográfica.
Bem, certamente uma das grandes novidades dos últimos anos é que, cada vez mais, os
habitantes das periferias (geográficas ou discursivas) encontram meios de falar por si. A
proliferação dos saraus e experiências congêneres, as inúmeras ações literárias (como a
FLUPP) espalhadas pelo país, a publicação crescente de autores “das margens” parecem
demonstrá-lo de maneira inequívoca. As inúmeras e variadas manifestações da cultura
popular (o jongo, o maracatu, o rap, o funk, o tecnobrega...) já vinham desempenhando
esse papel ao longo da história. Atualmente, o campo literário se alargou de maneira
ainda não devidamente avaliada para abrigar um contingente enorme de pessoas que
recusam os lugares demarcados da subalternidade.
Essas pessoas constituem, ou podem constituir, esse campo do fronteiriço na cidade.
Afinal, são elas que promovem as articulações – constroem as pontes – que tornarão
viáveis as perspectivas de travessia, de contato, de diálogo. Um diálogo que terá de ser
qualificado no percurso, porque ao mesmo tempo em que se dialoga também se mede
forças. No final, apesar das contradições, ele traz à luz sinais “de um discurso que é dife-
rente – outras formas de vida, outras tradições de representação”.8 Se essa diferença será
capaz de mudar o mundo é difícil dizer, mas, desde já, compõe uma força constituinte
de um novo tempo cuja marca é a criatividade e a imprevisibilidade.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Org.: SOVIK, Liv. Belo Horizonte: UFMG; Brasília:
8
Unesco, 2003.
Bruno
Vianna
ENSAIO
Arte de
rua, arte
efêmera
Apegos e territorialismos
O fato de um artista trabalhar no espaço público não o torna necessariamente desa-
pegado das suas obras. Nas entrevistas realizadas para a documentação da realização dos
murais de arte urbana para o Festival Sesc de Inverno, os artistas trouxeram informa-
ções interessantes. Se por um lado existe uma incerteza sobre o destino de obras feitas
em espaço público, por outro, muitos grafiteiros vão buscar algum tipo de controle sobre
os trabalhos prontos.
A proteção a uma pintura, por exemplo, passa pela noção de “respeito”. O “respeito”
dentro dessa comunidade se traduz em trabalhos de artistas que não sejam pixados ou
cobertos por outro trabalho. O respeito se mistura com a ideia de território: um muralista
tem prioridade sobre um muro que ele “descobriu”, ou obteve permissão para pintar. A
partir daí, pintar por cima dessa obra será um sinal de desrespeito ao “dono” do mural, ou
donos – muitas vezes os painéis são obras coletivas. E o que torna o artista mais respeitado?
Diversos fatores: o reconhecimento da qualidade do seu trabalho por seus pares, a ousadia
de pintar painéis em lugares mais controlados, o pertencimento a um bairro, rua ou região,
e outros elementos subjetivos. A punição a alguém que interfere no mural de um colega
é a própria desaprovação dos seus pares – esse violador passaria a ser menos respeitado.
Bruno Vianna
do filme, eles geralmente conseguem algum tipo de compensação.
O que é curioso no caso do graffiti é que, enquanto a imagem do painel é amplamente
protegida, o original não é. Afinal, a não ser em um caso muito peculiar, em que o artista
pinte o muro da própria casa, a obra está sendo realizada em propriedade de outrem.
O dono do muro – seja ele o poder público ou um proprietário particular – tem todo
direito, por exemplo, de destruir a parede e a obra junto. Em uma inversão que só a arte
de rua pode provocar, o original está entregue à própria sorte, enquanto as cópias têm
proteção legal. Extrapolando essa noção para a arte clássica, como poderíamos imaginar
um mundo em que originais de Picasso podem ser rasgados livremente, enquanto suas
reproduções estão protegidas?
Publicidade e contracultura
Essa contradição vem exatamente da opção pelo uso do espaço público. Ao pintar
em um lugar que não tem a privacidade de um museu ou a propriedade privada de uma
galeria o artista está promovendo uma ocupação desse lugar, que pode ser vista como
melhoria, para os que admiram a arte de rua, ou como imposição, para os que preferem
uma cidade asséptica.
Essa atitude não é muito diferente do uso do campo visual urbano pela publicidade.
A indústria da propaganda vê o urbano como mídia, com preços, alcance e linguagem
próprias – e como uma mina de globos oculares para ser explorada. E nem todos os
donos desses olhos estão confortáveis com essa exploração. A onipresença da publici-
dade incomoda: o argumento de que basta não olhar já não funciona, já que é cada vez
mais difícil ter na cidade um campo visual limpo de anúncios. Não é à toa que São Paulo,
mesmo numa administração conservadora, optou por proibir a publicidade externa.
Esse argumento da inescapabilidade do olhar frente à imposição publicitária é o que
nos leva de volta ao artista inglês. “Uma carta de Banksy” é um manifesto publicado no
livro Cut it Out, de 2004, em que ele sugere que toda publicidade ou elemento visual no
espaço público é um convite não só à depredação, mas também ao reuso intencional – à
modificação, à subversão, ao roubo. “Você não deve nada às empresas. [...] Elas é que lhe
devem. Elas reorganizaram o mundo para colocar-se na sua frente. Nunca pediram sua
permissão. Nem pense em pedir a delas.”
É o mesmo argumento que pode ser usado quando o direito a fotografar ou filmar
elementos públicos urbanos como fachadas de prédios ou monumentos é limitado. Foi
usado, recentemente, no caso em que a Arquidiocese do Rio vetou uma filmagem do
Bruno Vianna
remoção com fins de revenda – o que vem acontecendo com mais e mais frequência.
Em 2013, Banksy pintou o painel Slave Labour em um bairro de Londres. A vizinhança
comemorou o “presente” e chegou a colocar um acrílico para proteção da obra. Mas em
uma manhã os moradores levaram um susto: a parte do muro com a pintura simples-
mente desapareceu. E ressurgiu, em poucos dias, do outro lado do Atlântico: estava à
venda em um leilão de arte em Miami. Protestos e queixas formais tiveram o efeito de
intimidar a casa de leilões e o painel foi retirado do lote. Seis meses depois, porém, ele
foi arrematado, em Londres mesmo, por 1,5 milhão de dólares.
Parece surpreendente, mas é uma prática cada vez mais comum. Apesar de a identi-
dade do vendedor ter sido mantida em sigilo, é bastante óbvio que se tratava do dono da
loja em cujo muro o estêncil foi feito. Nenhuma queixa policial foi feita. Em outro caso
conhecido, da pintura Ball Play, o dono do muro assumiu ter encomendado a extração e
revenda do painel. Negociantes de arte chegam a afirmar que ao remover a peça estarão
garantindo sua preservação. Mas que sentido tem preservar a arte de rua dentro dos
muros de um colecionador e não sobre os muros das ruas?
Paulo
Knauss
ENSAIO
Arte pública:
a cidade
como
experiência
Percursos artísticos
O Rio de Janeiro foi o lugar da primeira escultura pública do Brasil, a estátua eques-
tre de D. Pedro I, imperador do Brasil, inaugurada em 1862, ainda hoje conhecida como
a peça de maior quantidade de bronze das Américas. Sua escala traduz sua intenção
monumental e sua composição, seu caráter narrativo, marcando a paisagem urbana.
Desde então, muita coisa mudou nas cidades, mas elas não abandonaram seus monu-
mentos cívicos. Ao lado desse tipo de expressão, porém, as formas da escultura pública
se multiplicaram.
A escultura contemporânea não deixa de marcar a diversidade da arte pública na
cidade do Rio de Janeiro. Na década de 1990, a Prefeitura da Cidade renovou a presença
da escultura urbana no Rio de Janeiro. Artistas conhecidos, como Franz Weissmann,
Amílcar de Castro, José Resende, Ivens Machado, Ascânio MMM e Waltércio Caldas
povoaram a cidade com suas criações. O feio e o bonito são tematizados pela opção
por materiais inesperados, desgastados ou comuns, ou de tinta de automóvel. O caráter
abstrato e a tradição construtiva dessas obras chamam atenção ao se combinar à compo-
sição de formas cinéticas ou incompletas, o que faz com que a obra assuma um volume
indefinido e nunca se apresente com uma forma absoluta diante do olhar. A cada novo
ângulo elas ganham uma nova solução plástica, ora abrindo, ora fechando suas partes
Paulo Knauss
um triângulo ou um trapézio, dependendo do ângulo da visão. Desse modo, ao não defi-
nirem claramente suas formas, as esculturas contemporâneas do Rio de Janeiro recusam
o poder de centro que os monumentos tradicionais exercem sobre a paisagem urbana.
Esse aspecto se reforça pela ausência de pedestal, o que deixa uma sugestão de peça
perdida na cidade sem implantação própria, aproximando-as dos passantes das ruas.
Outra característica que completa essas esculturas é a marca do vazio. Elas tematizam
antes o vazio da composição do que o cheio, permitindo que o espaço urbano complete
a obra ao se inserir numa moldura escultórica. Fragmentos são emoldurados em formas
tortas, ressaltando o momento passageiro em que o olhar capta determinado aspecto da
cidade em movimento. Para isso é preciso conviver com a obra e querer se aproximar
da sua construção conceitual. Por meio dessas molduras da cidade, as pessoas podem
descobrir um ângulo próprio pleno de intimidade, quase impossível de ser repetido,
como um buraco da fechadura que serve para descobrir a cidade.
De outro lado, na atualidade, chamam muita atenção as soluções coloquiais, que no
Rio de Janeiro, por exemplo, começaram a surgir a partir da década de 1990. São estátuas
que representam personagens de destaque na história da vida cultural da cidade, espe-
cialmente da música e das letras. Pode-se dizer que o gênero teve estreia em 1996, com a
inauguração da estátua de Noel Rosa (autoria de Joás Pereira Passos), junto a uma mesa
de bar com garrafa de cerveja, em atitude do cotidiano urbano comum. A consagração
do gênero veio no ano de 2002, com a inauguração da estátua do poeta Carlos Drum-
mond de Andrade, sentado em banco do calçadão da praia de Copacabana (de autoria do
escultor Léo Santana). Os exemplos se multiplicaram, variando entre representações em
situações prosaicas da vida urbana ou soluções caricaturais. O gênero caricatural é uma
variação da vertente escultórica coloquial, e pode ser exemplificado na cidade do Rio de
Janeiro pela obra de Otto Dumovich, autor das imagens dos músicos Pixinguinha (1996),
Braguinha (2004) e, mais recentemente, de Dorival Caymmi (2009). A marca dessas
peças é a intimidade que o passante tem com elas, passando a mão, sentando-se ao lado,
ou por provocar a alegria do riso. A ausência de pedestal ou a existência de um pequeno
soco e a situação prosaica quebram a distância entre a obra e o expectador.
Esse sentido coloquial reaparece de modo muito diferente em intervenções artísticas
efêmeras nas cidades. No Rio de Janeiro, a galeria Gentil Carioca, nos últimos anos,
definiu um espaço de arte pública especial no Centro da cidade, ao aproveitar a empena
lateral do seu edifício na Rua Gonçalves Ledo.1 Todo ano, há produções específicas que
1
Ver em http://www.agentilcarioca.com.br/Eventos/parede.html
Paulo Knauss
de comunicação, mobiliário e equipamentos urbanos em telas pictóricas. Instalando-se
onde ninguém espera e fazendo arte onde não há expectativa alguma, a ordem artística
do graffiti inspira o movimento que se opera nas cidades, procurando subverter também
a ordem urbana baseada na violência.
O graffiti ganhou assim territórios, multiplicando-se nas favelas do Rio de Janeiro,
por exemplo.2 Esse potencial criativo e de intervenção social contagiou iniciativas de
artistas estrangeiros em favelas em torno de arte comunitária, aproximando o graffiti e
a pintura mural. Uma das intervenções pictóricas urbanas de grande escala é a obra da
dupla holandesa Jeroen Koolhaas and Dre Urhahn, que coordena o projeto Favelapain-
ting, desenvolvido na favela da Vila Cruzeiro.3 Em 2007, a dupla de artistas inaugurou
uma imensa pintura mural sob a fachada de várias casas que margeiam o campo de fute-
bol do bairro popular. Sob um imenso fundo azul, o que se vê é o retrato de um menino
soltando pipa (ou papagaio). Em 2008, eles fizeram do espaço que contorna uma das
escadas de acesso ao morro um imenso rio com peixes pintados, animando o ambiente
inóspito, dando um sentido lúdico à área urbana onde se realizou a intervenção artística.
Novamente, o que se opera são os sentidos do belo na cidade na intenção de promover a
transformação social da cidade.
Cada uma dessas soluções artísticas promove leituras distintas da cidade.
A escultura monumental promove uma leitura única do espaço urbano, caracterizan-
do a cidade como território do civismo, promovendo uma experiência da cidade como
corpo social unívoco e integrado, como se a existência de cada cidadão se realizasse
plenamente no plano coletivo. Junto com isso, a solução monumental sacraliza a pre-
sença da arte nas cidades também como valor abrangente e estabelecido. Tanto o sentido
integrado do corpo social da cidade quanto o significado da arte é questionado pelas
experiências propostas por outras soluções artísticas na cidade. As formas aleatórias da
escultura contemporânea provocam uma compreensão variada das relações entre a obra
artística com o espaço em que está implantada desafiando o próprio estatuto da obra de
arte. Propõe a constituição de um olhar íntimo para as cidades, e sem crença especial
na cidade como conjunto, e aposta nas suas dobras e contradições, mas que provoca a
interação do passante com seu derredor que, por admiração ou rejeição, é desafiado a
lidar com as obras de arte no seu trajeto urbano. Por sua vez, a escultura coloquial que
2
Um bom registro desse trabalho se verifica em publicações como o livro Tinta no morro (Rio de Janeiro,
Casa de Arte da Mangueira, 2004), que apresenta um projeto de encontro de grupos de grafiteiros no morro da
Mangueira, acompanhados pelos alunos da oficina de fotografia da Casa de Arte da Mangueira, mobilizando a
juventude local.
3
Ver em www.favelapainting.com
Arte pública
A arte pública marca as cidades contemporâneas. Sua marca não é apenas acontecer
nas ruas e praças, mas promover um território de convivência de diferenças, de encontro
da diversidade, que afirma o espaço público como terreno compartilhado. Assim, nota-se
que nem toda arte no espaço urbano ou arte urbana necessariamente define a cidade
como espaço público, o que define o caráter da arte pública, propriamente dito. Uma
bela escultura no jardim de um prédio que se projeta sobre o espaço urbano não define a
cidade como construção coletiva e compartilhada, ou bem público. Por isso, a arte públi-
ca pode ser até desinteressada, mas é própria dela a capacidade de tocar o cidadão como
sujeito que atua na cidade e se apropria dos significados do espaço urbano, demarcando
os territórios de possibilidades urbanas. Em torno da noção de arte pública se reconhece
que as expressões artísticas vivenciadas no espaço público constroem sentidos sobre a
cidade que mobilizam afetos, sentimentos e atitudes, pois cada sujeito urbano se desco-
bre a partir da descoberta da cidade promovida pela manifestação artística e reconhece
a multiplicidade de sujeitos da cidade. A arte pública provoca e conduz à consciência da
experiência urbana.
Diversas manifestações artísticas se sobrepõem e concorrem nos espaços das cidades.
No campo das artes visuais, se em outros tempos as esculturas monumentais de caráter
cívico reinavam na paisagem urbana, nos dias de hoje essas obras tradicionais convivem
com outras expressões, caracterizando um terreno diversificado que afirma um universo
de arte nas ruas. A partir do acervo de obras de arte nas ruas e bairros da cidade do Rio de
Janeiro pode-se caracterizar essa diversidade contemporânea da arte pública.
Paulo Knauss
se inscrevem no espaço urbano e no tempo da metrópole. Cada uma das expressões
artísticas provoca olhares sobre a cidade, evidenciando a manifestação de sujeitos sociais
urbanos e multiplicando as diversas percepções da cena urbana. O que a arte pública
contemporânea apresenta é a possibilidade de fazer com que o espaço e o tempo da
cidade sejam animados pela provocação do olhar e de significados plurais. Assim,
pode-se dizer que a criação artística dá vida às cidades e que a arte pública define a
cidade como experiência.
Alexandre
Vargas
ENSAIO
As ruas
redefinem
o poder
Alexandre Vargas
assim a questão nuclear dos festivais é não perder a revolta e redescobrir a curiosidade
intelectual e o desejo de diálogo profissional, sem esquecer que os grandes defensores dos
festivais são os habitantes das cidades.
O crescimento das cidades e a difícil arte das relações entre os homens e os grupos
sociais não são suficientes para adjetivar a dimensão do desafio que temos como socieda-
de. Reunimo-nos em cidades para sobreviver e nela buscamos felicidade e prazer, nossos
impulsos vitais. Por isso, é importante não desaperceber que quem constrói o espaço urbano
é o conjunto de seus cidadãos. As manifestações de junho de 2013, praticamente em todas
as capitais do Brasil, deixaram bem claras as insatisfações dos brasileiros sobre os serviços
públicos ofertados, como o transporte, a saúde, a educação e o sistema político. O povo
brasileiro parece questionar-se: “Como quero viver?”
Em 2009, no Rio Grande do Sul, foi criado o Festival Internacional de Teatro de Rua
de Porto Alegre. A ênfase dada aos espetáculos de rua, e, portanto, gratuitos, reflete
uma deliberada intenção de estimular a relação do cidadão com a cidade, uma vez que,
quando o indivíduo assiste a um espetáculo na rua, ele está também usufruindo de
um espaço público de convívio urbano. Logo, a presença deliberada dos espetáculos
nas ruas, bairros, praças e parques é uma estratégia para o crescimento e regeneração
de riquezas das cidades, pois as insere no contexto de “Cidade Mundo” ao redefinir o
espaço de sociabilidade no urbano.
Os esforços da curadoria do Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre
detêm-se na possibilidade de construção de novas subjetivações, pois existe o entendi-
mento de que novos desejos ativam a imaginação cultural da população e instigam as
pessoas a perceber e formular, ou reformular, seus direitos com horizontes poéticos
mais amplos. E isso pode gerar uma reflexão sobre a cidade e sobre a condição de cida-
dão nesse território. Para tanto, o desafio é saber: qual é o lugar físico, geográfico, afetivo
e mental do teatro de rua no Brasil?
A história do teatro de rua no Brasil ainda é subterrânea, muitas vezes sem nome e
sem fama. Em muitos casos é um terreno escuro e turbulento de onde surgem e desa-
parecem valores imprevisíveis e experiências imprevistas. No entanto, é nesse ambiente
que o teatro pode se renovar e transcender. Trata-se de uma transcendência concreta de
superação dos limites que tradicionalmente diferenciam o que é ou não teatro, o que é a
prática artística e a intervenção política ou social.
Quase toda órbita do teatro de rua é marginal em relação aos centros em que pulsa
a vida e o teatro (a cultura) de nosso tempo no Brasil. O teatro de rua leva a marca de
Alexandre Vargas
e produção, o desenvolvimento de novas técnicas, a criação de novas poéticas e também
a formação de novos públicos, pois estabelece outros vínculos com a população.
A programação do Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre repensa as
relações por meio do exercício estético dos artistas participantes entre a população, seja
pelos conteúdos e formas abordados nas obras, seja pelas relações estéticas estabelecidas
no trabalho dos grupos teatrais, seja na interlocução com outros agentes da sociedade.
Portanto, não se trata apenas de proporcionar entretenimento; o desafio é a ampliação
do pensamento.
Com a experiência de seis edições do Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto
Alegre, observo a importância do reconhecimento e da valorização dos artistas de rua
como parceiros fundamentais na formação cultural das nossas futuras gerações. As ações
desses grupos, muitas vezes localizadas em lugares difíceis, promovem aproximações,
construções de vínculos e sentidos de pertencimento entre público e manifestações
culturais, nesse caso, o campo das artes cênicas com ênfase no teatro. Com esse espaço
de atuação amplia-se a importância do público como parte integrante e ativa na cadeia
de produção artística e se fortalece a condição do sujeito de cidadão cultural através das
atividades realizadas por esses grupos teatrais. Ao apreciarmos as obras, colocamo-nos
também como coautores cuja sensibilidade e a criatividade possibilitam o diálogo com os
diversos elementos da vida artística desses grupos. Trata-se de um engajamento criativo,
lúdico e imaginário no qual as emoções constroem conexões entre a vida e a realidade
fictícia encenada pelos atores; é algo vivo que se desenrola diante dos nossos olhos.
É possível considerar ruas, praças e parques não só como um lugar de apresentações,
mas também como espaços educativos e afetivos. Uma experiência nova para as crianças
e jovens nas cidades que nunca tiveram a oportunidade de frequentar um ambiente
parecido. Por isso, a partir do momento em que o público sai de casa para ir às ruas há
uma preparação interna e externa para viver o evento cultural. Essa aprendizagem se
aprofunda e se define no momento de apreciação do espetáculo, de uma fala, de uma
demonstração, na qual o público absorve, mesmo que não racionalmente, diretamente,
os conteúdos, temas, histórias e estéticas propostas pelos artistas, assim como toma
consciência de sua percepção e afeto.
Por fim, gostaria de sublinhar a pluralidade do teatro de rua no Brasil. Na realidade
é um valor, pois é o resultado de uma escolha, já que antes mesmo de saberem o que e
como vão produzir, os artistas de teatro de rua são capazes de conservar com dignidade
o sentido da própria revolta através de seu ofício.
Sérgio
Magalhães
ENSAIO
O
compartilhamento
da cidade
O princípio da urbanicidade
No monumental estudo que Lewis Mumford fez sobre a história e a cultura da
cidade,1 ele chamou a atenção para uma importante característica da cidade moderna, a
1
Mumford, Lewis. A Cidade na História: suas origens, desenvolvimento e perspectivas. São Paulo: Editora Martins
Fontes Editora, 1982.
Sérgio Magalhães
rios à construção e à manutenção da cidade.
Embora possa parecer óbvia tal necessidade de compartilhamento, é preciso expli-
citá-la porque a nossa legislação urbanística de âmbito federal desde 1979 transferiu
às famílias as responsabilidades de produção das infraestruturas urbanas.2 Por isso,
as periferias construídas nas últimas décadas apresentam grande passivo urbanístico-
-ambiental que é preciso enfrentar como investimento prioritário coletivo.
No âmbito da cidadania, é fundamental que se garanta o acesso à cidade, o que com-
preende a possibilidade de o homem viver nela em consonância com as exigências da
vida moderna, dispondo de um lugar seguro, com água, esgoto, drenagem, acessos,
serviços, transporte adequado, educação, saúde, trabalho e lazer. Contudo, no limiar do
terceiro milênio, esse ainda é um direito fundamental a ser conquistado.
Finalmente, o compartilhamento igualmente pressupõe a permanente atualização
do ambiente construído, em especial do espaço público.
A noção de Cidade compartilhada reconhece que a produção da cidade é própria do
coletivo – portanto dos governos e da sociedade – e se constitui em uma condição para a
construção da cidade democrática e sustentável.
Nesta apresentação, procurarei destacar caminhos percorridos que nos têm levado
ao fortalecimento da cidade como instância coletiva, assim como outros caminhos que
nos levam à anticidade. E, de certo modo, apresentam-se como o não compartilhamento.
Sérgio Magalhães
cia da concepção de cidade como instância privada.
Em grande parte das cidades brasileiras, passou a vigorar a partir da segunda metade
do século XX uma legislação edilícia que está quase exclusivamente referenciada às
dimensões dos terrenos. Segundo a largura e a profundidade do lote, permite-se edi-
ficar sem observar relação com a vizinhança ou com o espaço público. Assim, podem
justapor-se edificações com volumes e alturas muito diferenciados entre si. É claramen-
te um modelo em oposição àquele que define os edifícios a partir da composição do
espaço público, como exemplificado no projeto de Alfred Agache para o Rio de Janeiro
(1927-1930), e nos que conformaram os bairros de Ipanema, Copacabana e Flamengo,
entre outros trechos urbanos.
Uma exacerbação desse modelo que privilegia o interesse do lote em detrimento
do espaço público são as edificações que destinam os primeiros pavimentos a estacio-
namento de automóveis – ignorando, portanto, os desejáveis vínculos de interação do
edifício com a rua. Na prática, apresentam-se como um verdadeiro paroxismo de rejei-
ção à cidade.
Ainda no mesmo diapasão de rejeição, convém lembrar os diversos estágios de
abandono e degradação de bairros inteiros comuns a muitas cidades, não apenas as bra-
sileiras. As áreas centrais costumam ser aquelas preferidas para a “renovação” forçada
pela decadência induzida.
Os centros históricos das principais cidades têm experimentado o esvaziamento
produzido pelo estímulo à construção em áreas novas de expansão urbana, onde as
vantagens imobiliárias são maiores, e para onde o poder público tem destinado ver-
bas crescentes.
Esse modelo de abandono dos centros tem em cidades norte-americanas uma exem-
plificação contundente, nas quais quarteirões são demolidos para dar lugar a áreas de
estacionamento que atendem às novas edificações de grande altura – que reinam sobe-
ranas por sobre o terreno arrasado da antiga cidade.
Finalmente, a abstenção do Estado na promoção da infraestrutura e na prestação
dos serviços públicos – uma das mais injustas características das cidades brasileiras –
reforça a ideia da composição urbana como atribuição de âmbito privado.
Como já dito antes, sem financiamento as famílias foram obrigadas a produzir suas
moradias segundo as possibilidades de sua poupança – em geral muito escassas. Sendo
a imensa maioria constituída por famílias de baixa renda, as cidades brasileiras apre-
sentam um grande passivo ambiental pela ausência de redes adequadas de saneamento
O desejo à cidade
Contrapondo-se aos modelos que desmerecem a ideia de compartilhamento da cida-
de, pela exaltação da instância privada, reforçam-se movimentos que buscam a valoriza-
ção da cidade existente, a recuperação de áreas centrais, a qualificação do espaço público,
a implantação de meios alternativos de mobilidade, a pressão para que o Estado se faça
presente em todo o território.
Tenho especial apreço por uma modesta residência em bairro pobre do Rio de Janei-
ro, cujo autor (provavelmente seu proprietário) não se inibiu com a proximidade de uma
estrada de grande movimento, a Linha Vermelha, e construiu os quatro pavimentos da
edificação com grandes varandas voltadas para o espaço público.
Sérgio Magalhães
Na construção do imaginário da cidade, o Rio de Janeiro se coloca em posição privile-
giada entre as grandes cidades contemporâneas. Se a sua dinâmica urbana foi capaz de
promover a grande diversidade morfológica, sem hegemonia de nenhum modelo, que
é uma de suas características, também a sua inserção geográfica é peculiar, pontuada
pelos gigantescos ícones montanhosos e pelas águas com os quais convive em simbiose.
Das grandes cidades mundiais, é das poucas – senão a única – em que há referen-
ciais imagéticos que a acompanham desde sua fundação e que lhe dão continuidade de
construção da memória coletiva através das gerações.
Talvez seja essa característica uma das bases mais fortes do compartilhamento que é
comum a todo o carioca: o amor por sua cidade.
Thiago
Vedova
ENSAIO
Remix da
cidade: a
música urbana
dos velhos aos
novos tempos
Este artigo procura fazer uma reflexão sobre a importância do espaço urbano, das
cidades e da rua como um espaço histórico fundamental para o desenvolvimento da
música e para a democratização e ampliação do seu acesso para as pessoas. O texto está
dividido em duas partes: a primeira faz uma análise um pouco mais histórica da relação
entre a música e a rua, tendo um foco maior no Brasil; e a segunda apresenta novas
possibilidades que viabilizam e democratizam o acesso à música, além de permitir e
facilitar o surgimento e a sobrevivência de novos artistas.
A importância das zonas portuárias dos grandes centros urbanos para a música
As zonas portuárias sempre foram zonas de contato público, contato de pessoas de
diferentes regiões, tradições, culturas, classes, profissões e atividades, um lugar da hete-
rogeneidade, e, por isso, tornaram-se grandes centros de efervescência musical. Não
à toa, grandes portos ocidentais se destacaram por uma produção musical própria e
profícua ao longo da história: Liverpool, Nova York, Nova Orleans, Buenos Aires e até
um minúsculo país, Cabo Verde.
Thiago Vedova
com maior produção musical do país, e mesmo São Paulo, longe do litoral, que se con-
solidou como nosso grande centro musical, superando o Rio de Janeiro, foi a região que
mais atraiu imigrantes no século passado, transformando-se também em uma zona de
contato entre culturas diversas.
O nascimento de uma música genuinamente brasileira se deu na zona portuária
carioca. Na região da Gamboa, mais especificamente na Pedra do Sal, perto das primei-
ras docas e com grande circulação de estivadores. Era ali que os negros se concentravam,
desde as épocas dos mercados de escravos, firmando a vizinhança como um importante
ponto de encontro. Tornou-se um reduto de referência da cultura negra e posteriormen-
te do samba: da Tia Ciata e as músicas do Candomblé até as reuniões de grandes sambis-
tas, como Donga, João da Baiana, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres. Era o período em
que a Praça Onze e suas imediações na zona central – Gamboa, Saúde, Estácio e Cidade
Nova – tornavam-se o epicentro dessa “invenção” e possibilitavam o contato entre des-
cendentes de escravos baianos e cariocas, entre tradições urbanas e rurais, entre brancos
e negros, entre artistas populares e a nascente indústria cultural do Brasil.
A história da produção musical popular no Rio de Janeiro tem íntima relação com
outras dinâmicas históricas que se configuraram na cidade. Dentre elas destacam-se
as vinculadas aos conflitos e interações decorrentes das desigualdades que permea-
vam – e permeiam cada vez mais – o tecido urbano carioca. Nas primeiras décadas do
século XX, o processo de modernização da cidade trouxe o surgimento de ritmos como
o maxixe, o choro e o samba. A história desses ritmos revelou que a música popular
injetou na vida urbana carioca possibilidades de convivências, trocas culturais, críticas
sociais e relativização, mesmo que tênue, das diferenças entre as classes sociais e
espaços na cidade.
Alguns de nossos ritmos mais populares, como o funk e o samba, sempre viveram
dentro de um complexo paradoxo na nossa sociedade. Eles deveriam ser integrados ou
escondidos? Deveríamos aceitá-los ou proibi-los? Consumidos ou estigmatizados? Os
dois ritmos foram desenvolvidos nas periferias e favelas da cidade e ligados basicamente
aos grupos marginalizados, mas ambos se desenvolveram em estreita relação com o
mercado da indústria cultural brasileira. Ambos tiveram suas proibições legais e regula-
mentações, despertando, a partir da popularidade, debates e conflitos na opinião pública.
O samba, com sua origem e estética, sempre foi vinculado às regiões e hábitos vistos
pelo poder público como “atrasados”. Mas o interessante é que, ao mesmo tempo, seu
sucesso no mercado cultural acabou por torná-lo um dos grandes símbolos de identidade
Thiago Vedova
que o carnaval de rua voltasse com força total. Blocos tradicionais, como a Banda de
Ipanema, Barbas, Simpatia É Quase Amor e o Suvaco do Cristo, que eram a resistência
do carnaval de rua, apesar de atrelados a uma estética diferente, se fortaleceram e se
renovaram. Foram anos de disputa para que o poder público entendesse sua importân-
cia. Hoje, virou um grande negócio, explorado pelo poder municipal e “vendido” a uma
grande marca de cerveja.
Parklets
Um dos novos exemplos de intervenção coletiva nas cidades são os parklets. O ter-
mo foi usado pela primeira vez em São Francisco, nos Estados Unidos, em 2005, para
representar a conversão de um espaço de estacionamento de automóvel na via pública
em um “miniparque” temporário, cujo objetivo era propiciar a discussão sobre uma
cidade para as pessoas, com um uso do solo mais democrático. Em 2011, mais de 50
unidades foram implantadas em São Francisco, e os parklets também foram incorpo-
rados ao cotidiano nas ruas de diversas cidades norte-americanas, muitos deles com
Thiago Vedova
possibilidades de apresentações musicais.
No Brasil, o conceito surgiu em São Paulo, em 2012, e sua implantação ocorreu
durante um festival de 2013, liderado por um grupo composto de arquitetos e designers.
Nessa primeira instalação, os parklets funcionaram durante poucos dias nos bairros da
Vila Buarque e Itaim Bibi. Após, uma segunda iniciativa ao lado do Conjunto Nacional,
que durou 30 dias. A boa avaliação da população permitiu à prefeitura de São Paulo
transformar a ideia original em política pública de ocupação dos espaços públicos da
cidade, revertendo áreas originalmente destinadas aos automóveis para as pessoas. Em
contrapartida, o Rio de Janeiro prepara uma grande ação para 2014, no dia 22 de setem-
bro, Dia Mundial Sem Carro.
Coletivo SerHurbano
Criado em 2008, inicialmente sem autorização e sem patrocínio, por iniciativa dos
próprios artistas participantes, o Dia da Rua cresceu, ampliou o diálogo com o setor
público e privado e consolidou-se no calendário cultural da cidade, chegando à sua quin-
ta edição em 2014.
Nesse sentido, é importante concluir que a ocupação do espaço urbano não só foi
historicamente fundamental para o desenvolvimento da música no Brasil e na cida-
de do Rio de Janeiro, como também permitiu que cidadãos com interesses comuns
se encontrassem, aumentando sua identificação com a cidade. Esse é um processo
essencial para a criação de comunidades e para o fortalecimento do engajamento das
pessoas no cuidado com estes espaços. A construção de uma nova economia, mais
colaborativa, ajuda nesse processo rediscutindo o papel desempenhado pelo espaço
público na cidade hoje, fazendo com que o espaço deixe de ser apenas “teoricamente”
comum a todos, para que volte a ser de fato público, na essência da palavra. Abrindo,
assim, novas possibilidades de atuação para a música e para os grupos musicais.
Jailson de
Souza e Silva
ENSAIO
Os sentidos
da vida
na cidade
O que estou dizendo, cabe reiterar, não afirma uma representação idílica do território
popular. Existem diferentes formas de violência nas favelas, tanto no âmbito da vida
doméstica como da vida coletiva. Essas violências, muitas delas efetivadas por grupos
criminosos ou forças do Estado, não podem, todavia, obliterar as formas inovadoras
construídas pelos moradores, em suas práticas cotidianas, de lidar com os desafios de
construir um habitat, um espaço de morada – e não apenas residencial – na cidade.
Estamos, no século XXI, vivendo tensões, portanto, entre sujeitos e territórios que
estão conformando as experiências possíveis de produzir a cidade e significá-la. Nessa
caminhada, a cidade vai se fazendo em nós, em uma relação de produção que sintetiza
as dimensões subjetivas e objetivas das relações entre os sujeitos. E que vai dando um
sentido maior ao sentimento de estarmos vivos, donos de nossos destinos, nossas esco-
lhas e buscas existenciais.
ENSAIO
Reaver o
avesso – a
apropriação
da paisagem
II
acredite
você não é original
certo
apenas a pureza de um
mito
a pressão não
é
não
existem palavras
finais
toda palavra
é
começo
eu
estou menino
em suas palavras
não chame meu nome em vão
salte a pedra
no caminho
faça
literatura sem agradecer a raduan
ou adalgisa
faça
você seu retrato
enquanto jovem
invasor
ao combate
quais os limites
do texto?
autores originais
não mais
invente
coloque tudo para dentro
para depois respirar
sentir e notar
IV
propriedade coletiva
eu sou vocês
sou eu nos
reconhecemos nas palavras
lidas e não ditas e não lidas
também
percebe
posse-criação
só
os mentirosos
são dignos
do amor
deus
em latim é fingidor
da via
criação
escreva tudo
com essa mão nervosa
escreva escreva
as vozes que habitam
em ti
no papel
selvagem caótico
ataque
perigo ritmo
sem receio da autocrítica
se aproprie dos rótulos
para destruí-los
plagiador sabotador
coroe sua intimidade
perturbe
seus pares
não os deixem
presos
no século passado
o aprendizado
as vanguardas e a tradição
modos de usar
sua língua
esqueça os ismos
a divisão didática
atravesse
seja tático
cale
a boca de quem
manipule a história
alheia escreva a nossa
invente
seja autor inventor
o leitor
deve reconhecer seus passos
caminho percorrido
está
tudo no passado
o futuro se tropeça
com ele
leia
escreva
como quem atravessa
o leitor
subverta
VI
ultrapasse
a si mesmo
não trapaceie é fatal
experiência
número infinito
o homem forte vive
só
lembre dos outros
entenda
as relações de força
você ouviu de um artista de plástico
vale tudo só não vale
qualquer
coisa
beba
ice tea light
com limão e gelo
lipton com muita cafeína
no cafeína
não imite
escreva a partir
de
o fim é o meio
novo desvio
novidade sem novidade
caminho literário cercado de música
ouça
não é preciso citar
não é
faça
teses para corrompê-las
o texto tem sentidos
não
sentido
fazer ao ler
a linguagem não indica sentido
mas possibilidades
as palavras
penetram em você
ou não
silêncios
incorporados na escrita
esquecimento como aprendizado da escritura
invasão pela leitura
PERFIL
Amir
por Aderbal
Freire-Filho
PERFIL Amir Haddad O Amir Haddad, assim com esse nome, foi ao Egito. Deve ter sido aí pelo fim
dos anos 90, em um festival, um congresso... Mal chegou, os egípcios puxaram
papo. Em árabe, claro. Ele calado. No hotel ou onde o apresentavam, todos que-
riam conversar com o Amir e ele sem entender por que diabos falavam tanto com
ele. Até que o recepcionista do hotel revelou sua decepção, que era a de todos: com
esse nome e com essa cara, o senhor não sabe falar árabe, a língua do seu povo?
O Amir não se perdoou. Quando voltou de lá, quase chorou me contando: cara, eu
não sei falar a língua do meu povo, de onde eu venho. Não sei se agora ele já sabe
árabe, é capaz, tanto ele preza as raízes, a sociedade como formadora do indivíduo,
o homem social.
Mas os egípcios foram cruéis, acertaram no único ponto fraco do Amir. Por-
que, tirando árabe, ele sabe tudo. E, depois, saber árabe nascendo em Guaxupé
é quase impossível, mesmo na família Haddad, mesmo se chamando Amir. E o
tempo que podia ter dedicado a aprender árabe, ele dedicou a uma língua uni-
versal, chamada teatro. Através dessa língua, o teatro, o Amir é compreendido
no Ocidente e no Oriente, com ela não há fronteiras para a expressão das suas
ideias e dos seus sentimentos. Para dizer com palavras que ele preza, em teatro
o Amir diz tudo o que querem dizer sua cabeça e seu coração.
Por saber dessa sua capacidade ilimitada de expressão, posso dizer que não
conheço teatro mais novo do que o do Amir, assim como não conheço teatro
mais novo do que o de Shakespeare. E posso dizer de outro jeito: assim como
a dramaturgia contemporânea, isto é, as novas dramaturgias, caminham em
direção a William Shakespeare, a cena contemporânea caminha em direção a
Amir Haddad.
Muitos de nós já ouvimos a história do teatro contada pelo Amir, com pala-
vras dele e com o magnetismo com que ele fala e abre nossa cabeça. Uma his-
tória que começa com o teatro de todos, ou do povo, ou popular, ou do homem
– como prefiram chamar. E que aos poucos vai sendo usurpado pelos nobres,
pelos senhores, pelos poderosos, pelas classes dominantes – como prefiram
chamar. Nesse mesmo movimento, enquanto o teatro vai se fechando nas salas
dos palácios, depois em edifícios próprios, mais ou menos suntuosos, a arte
teatral vai se fechando em regras e convenções estreitas. Ou seja, o universo
da cena vai perdendo a dimensão da arte tal como ela existe em Cervantes, em
Rabelais, em Shakespeare, em Suassuna – onde o culto não recusa o popu-
lar, pois encontra nele sua seiva e sua constante renovação. Paralelamente, vai
Seminário
Arte urbana e
a (re)construção
do imaginário
da cidade
Datas: 30/7/2014 e 31/7/2014
Local: Sesc Quitandinha,
Petrópolis (RJ)
A arte urbana reflete a diversidade cultural que transita pelas ruas das grandes
cidades, criando encontros, movimentos e contradições.
O imaginário da cidade se constrói e reconstrói constantemente a partir da
interação de seus moradores e visitantes com o espaço urbano.
O seminário propõe discutir por meio de diferentes visões (e ações) e
apreender as novas representações e sentidos desencadeados por esse
processo contínuo de afirmação e interação das identidades urbanas.
Praças de Esporte
> Superintendência de Programas Sociais > Gerência de Esporte e Recreação
Superintendente Gerente
Marcos Henrique Rego Fernando Fraga de Borba
Equipe
> Gerência de Cultura Viviane Oliveira
Equipe
Unidade Nova Friburgo
Jailce Rocha
Gerente Jaqueline Cunha
Carlos Rocha Simone Bastos
Coordenador Administrativo
Paulo Santos > Gerência de Assessoria de Imprensa
Coordenador Técnico
Luiz Folly Gerente
Paulo Gramado
Equipe
Cynthia Lack Equipe
Laís Maurílio
Fátima Zarife
Mariana Trigo
Heloísa Viana
Vanessa Freitas
Lídia Veloso
Wando Soares
Assessoria Externa
Unidade Nogueira
Friburgo Assessoria e Comunicação
Gerente Bruno Pedrete
Pedro Zanotta Duda Emerick
Coordenador Técnico Edilene Mota
Guilherme Takaki Fabiana Lima
Coordenador Administrativo
Roberta Gheren
Daniel Arruda
Coordenadora de Hospitalidade > Gerência de Comunicação e Publicidade
Sandra Constantino
Equipe Gerente
André Rodrigues Carolina Falci
Malu Brasil
Nelson Castro > Gerência de Mídias Digitais
Mônica Campos
Gerente
Patricia Dodsworth
Daniel Vidal
Estagiários
Equipe
Evelyn Lima
Amanda Barbosa
Mariana Queiroz
Anderson Nascimento
Vídeos
Unidade Teresópolis
Unidade Quitandinha
Videomakers
Direção
Breno Soares
Andrea Capella
Felipe Távora