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Justiça Juvenil Restaurativa no Contexto Brasileiro.

Autor: Antonio Renato Gonçalves Pedrosa1


Co-autora: Lastênia Soares de Lima2

Resumo
A justiça restaurativa no Brasil nasce no âmbito dos direitos da infância e juventude. É
nesta área que ganha mais adeptos e vem senso consolidada há mais de 10 anos de sua
implementação. O seu paradigma inclui atenção às vítimas diretas e indiretas,
responsabilização e reparação, sempre que possível com a participação de todos os
envolvidos. O seu espaço de atuação é amplo: desde a prevenção de conflitos e violência, no
âmbito do sistema de justiça juvenil e na execução das medidas socioeducativas aplicadas ao
adolescente autor de ato infracional. O presente artigo trata da Justiça Juvenil Restaurativa no
contexto brasileiro, a partir do vínculo e experiências que os autores detém pelo trabalho
desenvolvido no Instituto Terre des hommes Lausanne no Brasil, instituição com 38 anos de
trabalho, no Brasil, na promoção dos direitos da infância e juventude e que desde 2008
desenvolve projetos na temática justiça juvenil e atualmente com atuação nacional.

Palavras-Chave: Justiça Juvenil Restaurativa; círculos de justiça restaurativa e construção de


paz; enfoque restaurativa; educação, novo paradigma; adolescente em conflito com a lei;
Justiça Juvenil.

Abstract: The present article discuss about Restorative Juvenile Justice on brazilian context,
starting from the author’s experiences with the work developed on Terre des hommes
Lausanne Brasil Institute. This institution has 38 years of work in Brazil, promoting children
and adolescent’s rights and, since 2008, develops projects in juvenile justice area with
national reach.

Keywords: restorative juvenile justice; restorative justice and peacemaking circle, restorative
approach; education; new paradigm, adolescent in conflict with the law, juvenile justice.

1
Advogado, com graduação em Direito, MBA em Civil e Processo Civil, Especialista em Mediação de conflitos
e co-autor de diversas publicações em justiça juvenil restaurativa. Atualmente é Diretor Geral do Instituto Terre
des hommes Lausanne no Brasil
2
Psicóloga, Mestre em Educação, Especialista em Mediação de Conflitos. Instrutora em Justiça Juvenil
Restaurativa e co-autora de diversas publicações na temática. Atualmente é Diretora de Programa de Justiça
Juvenil do Instituto Terre des hommes no Brasil
2

Sumário:

1. Introdução................................................................................................................................2
2. Justiça Juvenil Restaurativa: Contexto Brasileiro .................................................................. 3
3. A Justiça com Enfoque Restaurativo ...................................................................................... 5
5. Justiça Juvenil Restaurativa na Educação..............................................................................13
6. Conclusões.............................................................................................................................16
7.Referências ............................................................................................................................ 18

1. Introdução

A Justiça Juvenil Restaurativa no Brasil já vem sendo implementada há mais de 10


anos e suas experiências foram reconhecidas com a inclusão no ordenamento jurídico
brasileiro em 2012, através de Lei Federal N° 12.594 que trata da execução das medidas
socioeducativas aplicadas ao adolescente autor de ato infracional.
As experiências em Justiça Juvenil Restaurativa foram ampliadas com a Resolução do
Conselho Nacional de Justiça que institui a Justiça Restaurativa como política judiciária,
estimulando outras instituições públicas par sua realização, não somente o judiciário, e
incluindo a terminologia enfoque restaurativo para a aplicabilidade deste modelo de justiça
em diversos âmbitos e sobre a qual os autores abordarão em capítulo próprio neste artigo.
No contexto brasileiro, a metodologia mais utilizada para concretizar a justiça juvenil
restaurativa são os círculos de justiça restaurativa e construção de paz, que promovem
encontros circulares, em um ambiente acolhedor, seguro, buscando fortalecer vínculos,
empoderamento, reparação de danos e atenção às vítimas. No presente trabalho, os autores
abordarão sobre alguns tipos de círculos e locais onde estão sendo aplicados no Brasil.
A aplicabilidade da Justiça Restaurativa não é exclusiva ao judiciário. A educação
brasileira vem sendo uma das políticas públicas que também implementam os valores e
princípios da Justiça Juvenil Restaurativa, resolvendo conflitos e atos de violência a partir de
procedimentos protetivos e restaurativos e envolvendo as pessoas direta ou indiretamente
envolvidas nestas situação, incluindo o enfoque restaurativo na proposta pedagógica.
O conteúdo do artigo perpassa as experiências dos autores em contextos diversos onde
a Justiça Juvenil Restaurativa pode ser aplicada. Muitos dos relatos foram construídos a partir
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das suas vivências e acompanhamentos nos projetos que são desenvolvidos pela instituição
que encontram-se vinculados.

2. Justiça Juvenil Restaurativa: Contexto Brasileiro

Aos adolescentes em conflito com a Lei, pessoas entre doze e dezoito anos de idade
incompletos , o Estatuto da Criança e do Adolescente normatiza seis modalidades de medidas
socioeducativas que poderão ser aplicadas, exclusivamente, mediante a prática de ato
infracional, sempre levando em conta sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a
gravidade da infração. Essas medidas, de forma cogente são aplicadas isolada ou
cumulativamente, em sentença judicial fundamentada e, de acordo com a Lei Federal 8.069,
de 13 de julho de 1990, podem ser aplicadas:
Art. 112 - Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência, II - obrigação de reparar
o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção
em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII -
qualquer uma das medidas previstas no art. 101, I a VI.” (Estatuto da Criança e do
Adolescente, 2017, p.41)

Após 22 anos, através da Lei Federal N° 12.594, de 18 de janeiro de 2012, conhecida


como Sistema Nacional de Atendimento socioeducativo, houve a regulamentação da execução
destas medidas socioeducativas. Foi através desta lei federal que a Justiça Restaurativa no
Brasil foi incorporada no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente em seu artigo 35,
II e III, in verbis:
Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes
princípios: II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas,
favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas ou
medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das
vítimas.

Em 2016, quatro anos depois da inclusão da Justiça Restaurativa como princípio da lei
de execução das medidas socioeducativas em meio aberto o Conselho Nacional de Justiça,
que tem a competência do controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário
brasileiro, tornou a Justiça Restaurativa como Política Nacional no âmbito do Poder
Judiciário, através da Resolução 225/2016. Esta Resolução possibilitou maior segurança
jurídica para operacionalização da Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, que a
assim a compreende:
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Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de


princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os
fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por
meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de
modo estruturado na seguinte forma: I – é necessária a participação do ofensor, e,
quando houver, da vítima, bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no
fato danoso, com a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente
atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos; II – as práticas
restaurativas serão coordenadas por facilitadores restaurativos capacitados em técnicas
autocompositivas e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça
Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado
por entidades parceiras; III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das
necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que
contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o
empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da
recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o
futuro.

A concepção e aplicação da Justiça Restaurativa adotada pelo Poder Judiciário é


ampla, o que coaduna com o contexto em que ela vem sendo aplicada pelo país afora, pelo
Ministério Público, Defensoria Pública, unidades de atendimento socioeducativo, seja em
meio aberto e em meio fechado; escolas, associações comunitárias e, inclusive, por grupo de
jovens, dentre outros. Porém, é na área da infância e juventude que sua implementação vem
ganhando mais força e concretude.
Para o Poder Judiciário brasileiro a aplicação dos procedimentos restaurativos podem
ocorrer, seja de forma alternativa ou concorrente ao processo convencional, podendo ser
aplicado em qualquer fase processual, pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério
Público, da Defensoria Pública, das partes, dos seus advogados e dos Setores Técnicos de
Psicologia e Serviço Social.
A referida resolução tem fundamentação e seguem as recomendações da Organização
das Nações Unidas, expressas nas Resoluções 1999/26, 2000/14 e 2002/12, dentre elas, o
prévio, livre e espontâneo, consentimento de todos os seus participantes; o reconhecimento
pelas partes, ainda que em ambiente confidencial incomunicável com a instrução penal, de
que os fatos essenciais são verdadeiros, sem que isto implique admissão de culpa em eventual
retorno do conflito ao processo judicial, além de garantido o direito de solicitar orientação
jurídica em qualquer estágio do procedimento.
Ainda em 2016, o Conselho Nacional de Justiça incluiu entre suas metas o
fortalecimento da Justiça Restaurativa, terminando o ano com 78,31% da meta cumprida, que
consistia em requisitos que verificavam se o tribunal implementou práticas de Justiça
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Restaurativa. Dos 24 tribunais de justiça estaduais, 17 conseguiram cumprir integralmente a


Meta. Destes, 67% dos tribunais estaduais implementaram formalmente programa para a
realização de procedimento de Justiça Restaurativa, 81% com espaço físico adequado e 83%
afirmaram disponibilizar condições materiais para a prática enquanto 81% dos tribunais
ofereceram recursos humanos.
A Justiça Restaurativa no Brasil tem sua origem na área da infância e juventude e é
nesta área que atualmente tem a sua maior expansão nas cinco regiões geográficas do
território brasileiro.

3. A Justiça com Enfoque Restaurativo

A Resolução 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além das diretrizes


para implantação da justiça restaurativa regulamentou um novo conceito fortemente difundido
pelo Instituto Terre des hommes Lausanne no Brasil, através de capacitações e intercâmbios
de experiências com consultores internacionais, contribuindo para sua inserção na Resolução:
o conceito de Enfoque restaurativo. Abaixo, o teor do Art. 1º, §1º, V desta inovadora
Resolução:
Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de
princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os
fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por
meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de
modo estruturado na seguinte forma: ...§ 1º Para efeitos desta Resolução, considera-se:
V – Enfoque Restaurativo: abordagem diferenciada das situações descritas no caput
deste artigo, ou dos contextos a elas relacionados, compreendendo os seguintes
elementos: a) participação dos envolvidos, das famílias e das comunidades; b) atenção
às necessidades legítimas da vítima e do ofensor; c) reparação dos danos sofridos;
d) compartilhamento de responsabilidades e obrigações entre ofensor, vítima, famílias
e comunidade para superação das causas e consequências do ocorrido.

Assim, pela Resolução e pela experiência que o Instituto vem desenvolvendo


principalmente no Brasil e outros países da América Latina, a exemplo do Peru e Equador, o
Enfoque restaurativo se caracteriza por quatro elementos fundamentais: 1) participação
ativa de todos os envolvidos na situação ocorrida; 2) atenção as necessidades legítimas
da vítima, 3) reparação dos danos sofridos 4) compartilhamento de responsabilidades e
obrigações; tudo isto cercado com uma série de princípios que garantem uma justiça que
promove a reparação e cria ambiente para paz social. Não se configurando como uma prática
restaurativa e mais precisamente do encontro entre as partes envolvidas em um conflito,
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violência ou ato infracional, o enfoque restaurativo se configura sempre que a atenção às


necessidades dos envolvidos, com fins de responsabilização, reparação do dano e a
restauração de vínculos sociais é cuidada através da escuta dos envolvidos e de sua
participação na construção de respostas adequadas para uma mudança assertiva e sustentável.
O primeiro elemento, a reparação do dano enquanto princípio é uma das preocupações
centrais da Justiça Restaurativa, com fins de dar especial atenção às vítimas de um crime/ ato
infracional . Nesse sentido, a reparação de dano inclui, mas não se resume, ao dano material,
mas inclui formas de reparar danos emocionais, sentimentais, sociais e relacionais.
O segundo elemento, o cuidado com as necessidades legítimas da vítima e do ofensor
obedece à lógica da Justiça Restaurativa, em que a violação às pessoas antecede a violação à
lei; sendo muito importante estar atento às necessidades que surgem para as pessoas a partir
do dano provocado pelo crime/ato infracional. Para a vítima, seus familiares, a comunidade e
o próprio autor o crime/ato infracional gera consequências nefastas que precisam ser cuidadas.
Terceiro elemento, a participação da comunidade – compreendida aqui como aquela
parcela das pessoas que convivem com autor e vítima e que, direta ou indiretamente, sentem
as consequências do crime/ato infracional, ou ainda, pessoas que por terem vivenciado
experiência semelhante ou por sua capacidade técnica e papel institucional, podem auxiliar na
superação do conflito/ato infracional - também é essencial para a lógica da Justiça
Restaurativa, tanto por ser ela vítima indireta das ações do autor do crime/ato infracional
quanto por ser corresponsável pela construção de um contexto social que pode ser violento ou
não.
Nesse duplo sentido, a comunidade tanto tem necessidades legítimas a serem atendidas
quanto responsabilidades que precisa assumir no apoio à vítima e autor na superação do
crime/ato infracional. A participação da comunidade, na Justiça Restaurativa, é um elemento
democratizador do fazer justiça, além de fortalecer a capacidade de estabelecimento de laços
sociais através da responsabilidade compartilhada.
Um quarto elemento que caracteriza o enfoque restaurativo é a responsabilização
restaurativa. Não existe Justiça Restaurativa sem responsabilização, é muito importante
lembrar disso, justamente para que ela não seja a ferramenta de promoção de impunidade de
que a acusam seus detratores. A responsabilização restaurativa, entretanto, não se dá através
de um castigo, mas do comprometimento com ações que reparem o dano e atendam às
necessidades legítimas das pessoas afetadas pelo ato infracional, na ótica dos princípios
anteriormente citados.
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Responsabilidade restaurativa, segundo a Teoria das Janelas da Disciplina Social de


Paul McCold e Ted Wachtel, é a forma de responsabilização em face de atos infracionais,
violência ou conflitos que equilibra medidas de apoio com medidas de controle/limite ao
comportamento que gera o conflito, a violência ou o ato infracional. As posturas de controle
são aquelas ligadas à ideia de limites de comportamento, de sanção e estabelecimento de
normas, ao passo em que as posturas de apoio dizem respeito à assistência, suporte e
preocupação com bem estar.
Além destes princípios, o enfoque restaurativo recupera os valores educativos e
pedagógicos de toda ação penal: o valor da participação social e comunitária, o valor da
responsabilidade e o valor da reparação. Além disto, é muito importante ressaltar que o
enfoque restaurativo, em âmbito do sistema de justiça juvenil brasileiro, torna-se efetivamente
real quando se cumprem os objetivos das execução das medidas socioeducativas previstas em
lei, isto é, a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato
infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; a integração social do
adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de
seu plano individual de atendimento; e desaprovação da conduta infracional, efetivando as
disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de
direitos, observados os limites previstos em lei.
Uma Justiça assim concebida, com um Enfoque Restaurativo, se aproximaria,
portanto, do que Pallamolla identifica com um modelo maximalista de Justiça Restaurativa,
ou Modelo Centrado nos Resultados (outcome-focused model). Nessa perspectiva, a própria
atuação do Sistema de Justiça se transforma de forma que o processo judicial abandona o
paradigma retributivo, passando a atuar de forma restaurativa, ou seja, aplicando, via
sentença, sanções com caráter restaurativo. O Sistema de Justiça atuaria, ainda, como
guardião das práticas restaurativas, para evitar abusos (ofensor que não coopera, vítima muito
punitiva, facilitador muito interveniente) (Pallamolla, 2009, ps. 79 e 80).
Observe-se que a lei do SINASE, ao priorizar, em seu art. 35, “práticas ou medidas
que sejam restaurativas”, está claramente reconhecendo a possibilidade de aplicação da
Justiça Restaurativa para além da prática, posicionando-se, portanto, pelo modelo maximalista
de Justiça Restaurativa.
Capistrol e Herrero afirmam que a Justiça com Enfoque Restaurativo pode ser
entendida como uma forma diferente de se olhar a justiça juvenil, que envolve autor, vítima e
comunidade, além de uma abordagem humanista das instituições que formam o Sistema de
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Justiça. Não só o adolescente autor de ato infracional mas também a vítima, na lógica
restaurativa, são comopreendidos como Sujeitos de Direitos e garantias, adquirindo um papel
chave no processo de responsabilização. Tal responsabilização observa as necessidades
legítimas de ambos, propondo uma resposta de fato ao conflito social, não apenas a resposta
formal da sanção penal ordinária. A comunidade, por fim, colabora com seus recursos
institucionais, sociais e individuais, no apoio à vítima e ao autor e na reparação da tecitura
social (Terre des hommes, 2016, ps. 9-10).
Os elementos integrantes do enfoque restaurativao faz presente não somente no âmbito
do processo judicial. Sua operacionalização pode ocorrer na prevenção da violência, no
atendimento inicial ao adolescentes, no atendimento na Polícia, no Ministério Público, na
Defensoria Pública e nas instituições e espaços que acompanham os adolescentes na execução
de medidas socioeducativas, seja em meio aberto ou em meio fechado. É na abordagem
cotidiana realizada por diferentes pessoas que realizam atendimento aos adolescentes que o
enfoque restaurativo acontece. Para isto, a exemplo da execução das Medidas Socioeducativas
em meio aberto com Enfoque Restaurativo necessita de uma organização específica não só na
adoção de metodologias baseadas nos princípios da Justiça Restaurativa, implicando, também,
na reorganização do programa de execução das medidas segundo uma lógica restaurativa. Ou
seja, é preciso implementar um Modelo de Gestão de Medidas Socioeducativas com Enfoque
Restaurativo.
O Modelo de Gestão desenvolve diferentes funções, funcionando como pacto para
estabelecimento do Sistema Socioeducativo local, no qual cada ator entende seu papel,
estando em permanente comunicação com os demais atores; padronizando os fluxos de
atendimento e comunicação; servindo, para os gestores, como instrumento de
acompanhamento do serviço, uma vez que estabelece parâmetros para avaliar se o Sistema
está funcionando corretamente e ainda, em caso de falha, identificar rapidamente em que
ponto do Sistema ela se deu; além de funcionar como suporte procedimental e metodológico
para os profissionais, ao estabelecer os passos da execução das medidas, oferecendo
orientações metodológicas de como – mas principalmente, de porque – desenvolver cada
passo.
Na publicação em espanhol, da Declaração Iberoamericana de Justiça Juvenil
Restaurativa, no capítulo acerca do marco conceptual do enfoque restaurativo, o Professor
Atilio Álvarez, Defensor Público de crianças e adolescente e incapacitados na Argentina,
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afirma que a justiça com enfoque restaurativo, dentre outros, pode ser assim compreendida, a
partir de tradução livre:
 um olhar que aborda de maneira integral e respeitosa o adolescente; as vítimas
diretas ou indiretas e a comunidade;
 que proprõe uma nova visão humanística das instituições que formam a parte do
sistema de justiça e seus operadores;
 que torna o adolescente vísivel, tornando-o sujeito de direitos e garantias;
 que torna o processo criminal essencialmente um processo de abordagem
educacional e pedagógica visando alcançar a responsabilizaçâo;
 que entende a responsabilidade não somente do ponto de vista jurídico penal, mas
também como um processo de crescimento pessoal que permite levar os
adolescentes a compreenderem as consequências de seus atos e que promove a
empatia com aquelas vítimas que foram afetadas com suas ações;
 que as vítimas são entendidas como sujeitos de direitos e garantias e sâo partes
chaves na resolução dos conflitos;
 que seus interesses legítimos e suas necessidades serão atendidas e de que igual
modo vão evitar o estígma e a revitimização.
 que através deste enfoque serão levadas em consideração a participação da
comunidade, de seus recursos institucionais, sociais e individuais;
 O enfoque restaurativo promove e propõe sempre a reparação e a paz social, como
objetivo principal frente ao conceito de retribuiçâo. (Declaração Iberoamericana de
Justiça Juvenil Restaurativa, 2017, p.9)

4. Os Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz

Os Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz resgatam formas ancestrais de


congregar pessoas e criar vínculos, através de encontros circulares, em um ambiente seguro e
respeitoso, entre pessoas diretas e indiretamente envolvidas em situação de conflito, violência
e ato infracional, voluntárias e dispostas a buscar a resolver os problemas ocasionados e/ou
buscar encontrar uma alternativa sustentáveis diante destas situações. Os círculos também
promovem fortalecimentos de relacionamentos e de comunidades.
Os Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz seguiram a concepção
amplamente difundida pela especialista norte americana Kay Pranis (PRANIS, 2010) a partir
de sua aplicação inicial pelo juiz norte-americano Barry Stuart.
A segurança, no círculo, é garantida pelo reconhecimento e fortalecimento do vínculo
entre as pessoas, de forma que, metodologicamente, o círculo se organiza do momento de
menor vínculo (e, portanto, menor segurança) para o de maior vínculo (e maior segurança),
abordando primeiro o que nos une antes de falar do que nos afasta.
Para tanto, o Círculo de Justiça Restaurativa e Construção de Paz utiliza alguns
elementos estruturantes: cerimônias de abertura e encerramento (textos, dinâmica ou música
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para demarcar, cerimonialmente, o início e o fim do círculo); Objeto da Palavra ou Bastão da


Fala, para dar a oportunidade de fala e escuta para todos os participantes, na medida em que
gira, da direita para esquerda ou vice-versa, sem nunca voltar ou cruzar o círculo, de forma
que quem o segura pode falar, silenciar ou passá-lo adiante; Peça de Centro ou Centro do
Círculo, com objetos relevantes para o grupo e para o tema, colocados no centro do círculo,
que ajudam a manter o foco e o centramento; Norteadores cocconstruídos (valores e
diretrizes/compromissos compartilhados estabelecidos coletivamente para manter a segurança
do espaço, permitindo a comunicação profunda; Construção de Consenso, as decisões
construídas coletivamente que, se não atendem as necessidades de todas as pessoas,
minimamente são confortáveis para todas, não causando dano a ninguém; e Facilitador ou
Guardião do Círculo, a pessoa formada na facilitação de círculos de paz cuja função é
conduzir a prática restaurativa, garantindo que ela seja um espaço seguro para que os
participantes se sintam à vontade para expressarem seus sentimentos e necessidades.
No Brasil, tanto Terre des hommes quanto seus parceiros têm utilizado Círculos de
Justiça Restaurativa e Construção de Paz na intervenção junto ao adolescente em conflito com
a lei, em diversas modalidades e diversos objetivos, com resultados bastante favoráveis:
a) Círculos Restaurativos como Alternativa ao Processo Judicial: utilizados
ainda antes da promulgação de sentenças condenatórias, em qualquer fase do processo judicial
de conhecimento, em que se apura se o adolescente efetivamente cometeu ou não o ato
infracional. Os círculos aplicados assim visam construir a responsabilidade não a partir da
violação da lei e da força do Estado, mas a partir da compreensão das consequências do ato
infracional não só para a vítima, como também para o autor, para a família do autor e a
família da vítima, na perspectiva da reparação do dano. Experiências assim vem sendo
desenvolvidas no Rio Grande do Sul, no Maranhão, no Piauí, no Pará e Ceará, dentre outros
estados.
Embora as estatísticas ainda sejam poucas e esparsas, os números existentes têm
apontado no sentido de que a reincidência entre adolescentes que passam por uma prática
restaurativa é menor do que a de adolescentes responsabilizados via processo judicial, e que
os atos daqueles que reincidem são menos gravosos que o ato original. Por outro lado, o
índice de satisfação das pessoas – incluídas as vítimas – que participam de um círculo alcança
a casa dos 90%. A experiência tem apontado que, para além dos critérios técnicos
(voluntariedade, facilitador habilitado, viabilidade de acordo), não existe limitações para o
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uso das práticas restaurativas, senão aqueles estabelecidos pela Vara de Justiça que
implementa essa metodologia.
b) Círculos Restaurativos na Resolução de Conflitos: utilizados, sobretudo em
face da execução de medidas socioeducativas, para lidar com os conflitos vivenciados pelos
adolescentes, quer seja com suas famílias, com outros adolescentes ou com os próprios
técnicos da execução. Além do objetivo óbvio de auxiliar o adolescente em seus conflitos
interpessoais, o Círculo assim aplicado pode fortalecer o próprio cumprimento da medida,
tanto por construir o sentido de responsabilidade em relação aos próprios atos em face da
abordagem pedagógica do conflito, quanto por ajudar a administrar conflitos que, de outra
maneira, poderiam enfraquecer ou mesmo impedir o cumprimento da medida. No Ceará, por
exemplo, Tdh foi acionada certa vez para auxiliar na resolução de um conflito entre neta e
avó, em face da agressão que a adolescente cometeu contra sua responsável. Por conta da
agressão, a socioeducanda deixou de frequentar a medida socioeducativa de prestação de
serviço à comunidade, pois dependia de sua avó para chegar à instituição em que prestaria
serviço. O Círculo conseguiu reverter essa situação, resgatando o contato entre as duas. Em
Santarém, na privação de liberdade, um adolescente em vias de ser liberado por cumprimento
da medida agrediu, violentamente, outro com quem tinha uma dívida. Instaurado inquérito
administrativo, o próprio agressor procurou a equipe técnica para assumir o ato e pedir um
círculo de paz. O processo todo foi conduzido com muito cuidado, pois o agredido estava
cumprindo medida por homicídio e era tido como perigoso. Foi possível realizar o círculo
com segurança, criando um acordo que cuidou do autor e da vítima, que havia se sentido
desrespeitada e reduzida em sua “moral” com os outros adolescentes.

c) Círculos de Acolhida nas Medidas em Meio Aberto: realizados no Estado do


Ceará, tais círculos de diálogo têm por tema a própria medida socioeducativa, com o objetivo
de melhor acolher o adolescente e seus responsáveis no início da medida, já deixando claro o
objetivo da responsabilização pelo ato infracional, mas esclarecendo também questões quanto
à garantia de direitos. Observou-se, quando da aplicação dessa metodologia, maior interação
dos adolescentes durante o momento de acolhida, bem como estabelecimento de vínculos
mais fortes com a equipe de atendimento. Tanto entre os responsáveis quanto entre os
adolescentes, houve falas no sentido de perguntar quando um momento como aquele
aconteceria de novo, demonstrando interesse pelo momento.
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d) Círculos de Celebração de Cumprimento da Medida: utilizados para


comemorar a superação de fases difíceis e reconhecer os esforços daqueles que contribuíram
para tanto, esses Círculos são usados tanto no Meio Aberto quanto em Meio Fechado para
celebrar o cumprimento das medidas socioeducativas pelos adolescentes. Nestes círculos, as
atividades (cerimônia de abertura, check-in, etc.) são orientadas no sentido de passar
mensagens de superação e fortalecimento, ao passo que as perguntas refletem as vivências
positivas e aprendizagens que se deram no decorrer do cumprimento da medida, bem como
nas mudanças em relação ao início da medida. Relatos dos profissionais da Assistência Social,
do Estado de Fortaleza, no Ceará, reportam que o Círculo de Celebração tem sido positivo não
só para os adolescentes e suas famílias, como encerramento do processo de superação do ato
infracional, mas também para os próprios profissionais dos CREAS reconhecerem os
impactos positivos e sucessos de sua intervenção.

e) Círculos de Compromisso: nesse tipo de círculo, o objetivo é firmar um


acordo que não se presta a superar um conflito, mas a estabelecer pactos sobre uma situação
que está por vir. Em Santarém, no Estado do Pará, esses círculos têm sido utilizados quando
da transição do adolescente do meio fechado para o meio aberto, para estabelecer os termos
em que aquela transição se dará, bem como na transição do meio fechado para a liberdade, em
vista do cumprimento da medida. A experiência tem demonstrado que os adolescentes que
passam por esse círculo tendem a não retornar ao meio fechado.

A crescente difusão da Justiça Restaurativa e dos Círculos de Paz no Brasil tem levado
a novas e criativas formas de se utilizar os Círculos de Paz no fortalecimento do Sistema
Socioeducativo: Círculos de Apoio, ainda no Judiciário, para preparar os adolescentes para a
privação de liberdade despois de uma sentença condenatória; Círculos de Integração, para
resgatar os laços de adolescentes privados de liberdade com suas famílias e comunidades de
origem depois de um longo tempo de afastamento devido à internação; Círculos de
Compromisso para a pactuação do Plano Individual de Atendimento, entre outros usos.
Dentre as várias metodologias aplicadas para tornar realidade a justiça juvenil
restaurativa, os círculos de construção de paz, certamente, é a metodologia com o maior
número de pessoas capacitadas, distribuídas em todas as regiões brasileiras. A norte
americana Kaz Pranis vem anualmente ao Brasil para capacitar novos profissionais, além de
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supervisionar os círculos de justiça restaurativa e construção de paz que vem ocorrendo em


unidades educacionais, socioeducativas, na Defensoria Pública, no Poder Judiciários, no
Ministério Público e, principalmente, nas comunidades, agregando os próprios adolescentes
na condução destes processos circulares promotores da paz social.

5. Justiça Juvenil Restaurativa na Educação

Terre des hommes Lausanne no Brasil tem um saber-fazer acumulado desde 2013 na
implementação da Justiça Juvenil Restaurativa na educação, culminando a elaboração de um
Manual para realização de práticas restaurativas nestes espaços educacionais, intitulado
“Modelo de Ação de Prevenção à Violência Escolar e Implantação de Práticas Restaurativas”.
Tal modelo de ação resulta do trabalho desenvolvido junto a escolas do Ceará, em parcerias
estabelecidas com o Ministério Público do Ceará e as secretarias estaduais e municipais de
educação.
O trabalho envolve a participação efetiva desses atores, buscando construir de forma
coletiva a adoção de estratégias para fazer-se um espaço seguro, com base nos princípios da
justiça restaurativa e de técnicas de gestão positiva de conflitos, tais como os Círculos de
Construção de Paz e a mediação de conflitos. Ademais, há a orientação e o apoio às
instituições educativas para a implementação de procedimentos de proteção de crianças e
adolescentes de qualquer tipo de violência no espaço escolar.
O Modelo de Ação objetiva construir espaços de proteção no ambiente escolar, ao
adotar procedimentos de prevenção da violência e fortalecimento de uma cultura educacional
pela paz. Também é norteador para se estruturar ações quando crianças e adolescentes são
autores da violência. Por isso, o modelo de ação para as escolas tem objetivos específicos, tais
como:
a) ajudar crianças e adolescentes a se protegerem de suas próprias violências e,
para isso, propor ações que promovam o fortalecimento das competências infanto-juvenis,
apoiando-lhes a aprender a gerenciar positivamente seus conflitos, resolvendo-os de modo
não violento, ou fazendo uso de práticas que efetivamente lhes ajudem a responsabilizarem-se
diante daqueles que sofreram com seu ato para, desse modo, restaurar vínculos fragilizados
por causa do fato ocorrido;
b) dar subsídios teóricos e metodológicos, de acordo com as normativas
nacionais, para que as escolas compreendam e se empoderem para, sempre que possível, tratar
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os conflitos e casos de violência ou atos infracionais leves 3 sem fazer uso de medidas
punitivas ou encaminhando para o Sistema de Justiça Juvenil (Delegacia, Ministério Público,
Judiciário); e
c) apoiar as escolas a promoverem a integração de adolescentes que se encontram
em cumprimento de medida socioeducativa que, muitas vezes, estão evadidos do espaço
escolar. Além disso, tal modelo orienta a execução de quatro passos sendo eles: 1.
sensibilização e parceria; 2. conhecendo o contexto escolar; 3. formação, aplicação das
práticas restaurativas e acompanhamento das escolas; 4. monitoramento e avaliação.
Para tanto, atingir tais objetivos requer inclinar-se a seguir as seguintes ações centrais
em termos de orientação: 1. análise situacional da escola; 2. plano de ação para proteção de
crianças e adolescentes e prevenção contra a violência; 3. formação da comunidade escolar
(incluindo os próprios adolescentes e jovens)4; 4. política institucional para proteção de
crianças e adolescentes; 5. medidas disciplinares restaurativas; 6. articulação com a rede de
apoio; e por último, porém não menos importante, o monitoramento dos resultados alcançados
com base em indicadores qualitativos e quantitativos previamente definidos na análise
situacional realizada.
Duas práticas metodológicas são amplamente trabalhadas junto às escolas,
especialmente os círculos restaurativos e a mediação de conflitos. A mediação de conflitos é
um procedimento voluntário, pacífico e extrajudicial, que visa proporcionar um espaço de
diálogo e análise dos conflitos e das motivações dos participantes, de modo a alcançar uma
clara compreensão das divergências e dos reais interesses a serem satisfeitos. O foco dado não
é o de construção de acordos, mas oportunizar que as pessoas tenham a experiência do
diálogo, saindo da posição de adversários para que, de forma colaborativa, compreendendo os
sentimentos e necessidades de cada um, tomem, de forma autônoma, as decisões que melhor
atendam suas necessidades.
Os círculos de construção de paz promove o encontro entre vítima, ofensor e a
comunidade, implicando tanto os que indiretamente foram afetados pelo fato ocorrido como
os que podem ajudar as partes diretamente envolvidas a restabelecer o equilíbrio, a reparação
do dano e a convivência comunitária e social de maneira saudável, podendo incluir serviços
de assistência social, conselhos tutelares, lideranças comunitárias, amigos, professores, entre

3
Xingamento, dano ao patrimônio, ameaça, calúnia, furto, entre outros, de acordo com a lei 12594/12
do sistema nacional de atendimento socioeducativo e a Lei 8.069/90.
4
Em Terre des hommes se desenvolve formações específicas para adolescentes e jovens entre elas o
Curso de Facilitadores em Círculos de Construção de Paz
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outros. E assim como na mediação, o encontro só ocorre depois de uma preparação prévia das
partes, por meio dos pré-círculos.
O trabalho desenvolvido por Terre des hommes evidenciou algumas lições aprendidas
que se manifestaram desde a mudança de posturas e cotidiano da escola, a contextos mais
amplos em âmbito da política pública de educação, afirmando como é vasta e enriquecedora a
experiência.
 redução da violência nesses espaços e no fortalecimento da proteção dos
adolescentes, em 65% dos encaminhamentos relacionados com conflitos e
violência na Escola Matias Beck, 17,6%, na Escola Murilo Borges, 78,11%, na
Escola Santo Amaro, e 32,3% dos casos registrados na Escola Osires Pontes.
 O trabalho articulado em parcerias é uma estratégia de intervenção e de
incidência política que potencializa ações, racionaliza recursos, difunde
informações, mobiliza a sociedade e gera vontade política indispensável para as
mudanças.
 É preciso ter as condições básicas para implantação de práticas restaurativas e de
mediação de conflitos: fluxo de atendimento, espaço físico definido, consenso
entre os atores envolvidos, indicadores, profissionais para realizar a mediação e
formações continuadas.
 É importante ouvir e considerar as falas das crianças e adolescentes, antes e
durante a execução do projeto, ajuda para o fortalecimento, a pertinência e a
continuidade das ações e metas.
 Fazendo uso de metodologias de educação para a paz e de gestão positiva de
conflitos, os diretores compreendem outra forma de fazer gestão, de estabelecer
disciplina e garantir o aprendizado, pois se aprende que é possível manter a
ordem sem a exclusão.
 É preciso constituir grupos de referência tanto dos parceiros envolvidos no
projeto como em cada escola gera autonomia para sustentabilidade das ações de
um projeto.
 Estabelecer acordos de parcerias com poder executivo que extrapolem seu
mandato de gestão, com vistas à incorporação do projeto como política pública.
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 As diversidades de metodologias – mediação, práticas restaurativas – tornam-se


riquezas no ambiente escolar, pois permitem que as escolas utilizem as
metodologias de acordo com suas realidades.
 Quanto mais o gestor escolar se envolve, mais o projeto tem a força de abordar
os conflitos através do diálogo.
A educação brasileira, progressivamente, vem fazendo uso das metodologias da justiça
juvenil restaurativa. Ainda não existem pesquisas sistematizadas, mas pode-se afirmar, a
partir da experiência desenvolvida por Terre des hommes no Brasil que inúmeros conflitos
que poderiam chegar no âmbito da justiça formal foram resolvidos nas escolas, a partir do
enfoque restaurativo: com a participação efetiva dos participantes, sua responsabilização,
atenção aos interesses legítimos da vítima e a reparação dos danos.

6. Conclusões

A experiência que somam-se mais de uma década na sensibilização e fortalecimento


da justiça juvenil restaurativa no Brasil demonstram que as suas práticas promovem uma
atenção diferenciada e alto grau de satisfação das vítimas nos processos que participam.
Levam as comunidades, incluindo adolescentes e jovens, a construírem habilidades para
tratarem os conflitos e/ou violência na perspectiva restaurativa e não na perspectiva de
propagação de mais violência.
A justiça juvenil restaurativa não é para o adolescente, para os operadores do sistema
de justiça juvenil ou somente para vítimas. Ela não tem dono e nem instituição detentoras dos
paradigmas. É uma justiça essencialmente da comunidade. Ela nasce e tem solo fértil nestes
ambientes onde os adolescentes nasceram, cresceram e vão se desenvolver. Talvez por isto,
apesar das adversidades de parte do sistema educacional público brasileiro, que a justiça
juvenil restaurativa vem conquistando cada vez mais espaços comunitários, principalmente
nas escolas, pois estas estão no seio da comunidade sendo ainda uma instituição valorizada e
respeitada por ela.
A implementação da justiça juvenil restaurativa é bem similar ao seu próprio contexto,
diverso e rico, com múltiplas possibilidades: possui inúmeras metodologias, âmbitos de
aplicação; projetos realizados por organizações da sociedade civil, pelo Poder Judiciário,
Ministério Público, Defensoria Pública e unidades de execução as medidas socioeducativas,
seja em âmbito da privação de liberdade e em meio aberto. São micros organismos
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restaurativos que ainda pouco dialogam entre si, mas tem um poder forte para mobilizar e
promover uma cultura do diálogo e da paz.
Os círculos de justiça restaurativa e construção de paz é a metodologia que mais se
dissemina no território brasileiro, pelo seu baixo custo, praticidade e empatia que promove
nas pessoas capacitadas e que a multiplicam pelo país afora. É uma rede restaurativa de
pacificação social que existe em todas as regiões geográficas do Brasil. O desafio é manter a
coesão e os procedimentos que fundamentam a sua existência.
O enfoque restaurativo vem ganhando forças e o Instituto Terre des hommes Lausanne
no Brasil, com sede em Fortaleza, no Ceará, tem sido um de seus pioneiros. O enfoque
restaurativo também cuida das necessidade legítimas das vítimas, busca a responsabilização e
a participação ativa da comunidade no processo.
No presente artigo apresentou-se também, e em linhas gerais, o enfoque restaurativo
no âmbito da educação. Uma experiência que trouxe excelentes e promissoras lições
aprendidas e que foi possível demostrar efeitos duradouros no ambiente escolar, a exemplo da
redução da violência; ambiente protetivos e acolhedor, inclusão de procedimentos
restaurativos na gestão escolar e participação efetiva dos próprios alunos.
A Justiça Juvenil Restaurativa no Brasil tem uma pluralidades de êxitos , lições
aprendidas e um potencial enorme para ser trabalhado, estudado e aprimorado. E já vem
demonstrando que pode contribuir para uma justiça que possibilita atenção à vítima, reparar
danos e envolver a comunidade como promotora da paz social.
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7. Referências

Conselho Nacional de Justiça; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Justiça


Infantojuvenil: Situação Atual e Critérios de Aprimoramento. Brasília: CNJ: Ipea, 2012.
GRAVIELIDES, Theo. RESTORATIVE PRACTICES: From Early Societies to
the 1970s. Internet Journal of Criminology. ISSN 2045-6743 (Online). 2011.
GRAVIELIDES, Theo. RESTORATIVE PRACTICES THEORY AND
PRACTICE: Addressing the Discrepancy. Helsinki, Finlândia: Academic Bookstore. 2007.
MAXWELL, Catherine; VITTO, Renato C. P. de; PINTO, Renato Gomes de (org).
JUSTIÇA RESTAURATIVA: Coletânea de artigos. Brasília, DF: Ministério da Justiça e
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2005.
TERRE DES HOMMES. Responsabilização com Restauração: práticas
restaurativas com adoslecentes em conflito com a lei. GUIA 1, Fortaleza, 2013.
TERRE DES HOMMES. Responsabilização com Restauração: práticas
restaurativas com adoslecentes em conflito com a lei. GUIA 3, Fortaleza, 2013.
ZHER, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São
Paulo: Palas Athena, 2008.
Relatório Metas Nacionais do Poder Judiciário, 2016. Disponível em:
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/04/ad0802bb34e1a61b001d00d8c52ecff9.p
df. Acesso em 29 de abril de 2018.

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