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Os filhos de Márcia Adriane de Paula – Maicol, Alex e Yasmin – se divertem com o cartão do Bolsa Família, em
Sete Lagoas (MG)
Rubens Santos
2016 . Ano 13 . nº 88
Criado com o objetivo de garantir renda às famílias em situação de extrema pobreza, o Bolsa Família
unificou programas e virou referência para o mundo ao beneficiar mais de 50 milhões de pessoas.
Mesmo assim, apresenta paradoxos
Há mais de quatro séculos, desde que 5 mil índios famintos fugiram da seca no sertão de Pernambuco e
pediram socorro aos portugueses, em 1583, vem se falando em medidas de combate à fome no Brasil. De lá
para cá, restam registradas nada menos que 41 grandes secas no Nordeste, a última delas, de 2012. A
primeira ação governamental de assistência permanente para resgatar da miséria os flagelados da Bahia e de
Pernambuco é de 1792, a Pia Sociedade Agrícola. Dom Pedro II criou a Comissão de Açudes e Irrigação (1888)
e Nilo Peçanha o Instituto de Obras Contra as Secas (1909). Ainda assim, a cada nova seca, grandes
contingentes humanos têm deixado o sertão para habitar a periferia das metrópoles, muitas vezes
transformando flagelados rurais em miseráveis urbanos. Nesse longo processo que já perdura 430 anos, ora
governos adotam medidas emergenciais contra surtos de fome, ora anunciam políticas públicas de longo prazo
para reduzir a miséria. Mas nunca se conseguiu desenvolver de fato algum programa eficiente de resgate da
pobreza absoluta e de inclusão social em massa.
Nesse contexto, surgiu há dez anos o Programa Bolsa Família, lançado em 2003 pelo então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Era a grande promessa de sua campanha na eleição de 2002. O sucesso foi tamanho
entre as massas excluídas que garantiu sua reeleição em 2006 e ainda pavimentou a vitória de Dilma Rousseff
em 2010. A iniciativa, em suma, unificou quatro diferentes programas sociais do governo federal que já
existiam – Bolsa Escola, Cartão Alimentação, Auxílio Gás e Bolsa Alimentação – como também inovou ao tornar
a mulher beneficiária e titular do cartão. Na prática, o cartão do PBF tornou-se um parceiro para as mães
criarem os filhos. Os números comprovam que o programa contribuiu, efetivamente, para a redução da
miséria.
Internacionalmente, considera-se que estão abaixo da linha da pobreza todos os indivíduos que ganham
menos de 1,25 dólar (R$ 3,00) por dia, ou R$ 90 por mês. Em 2003, o Brasil registrava quase 22 milhões de
pessoas, ou 12% da população, vivendo com menos de R$ 3,00 por dia. Oito anos depois, em 2010, seriam
ainda 11,3 milhões de pessoas, ou 6,1% da população, de acordo com dados do Banco Mundial. Trabalha-se
com a estimativa de que teria caído para 8 milhões em 2012, ou 4,2% do total. Em números redondos, ao
longo dos dez anos de Bolsa Família, o Brasil já resgatou cerca de 14 milhões de brasileiros da miséria.
Obviamente o Bolsa Família não é a única causa dessa mudança. Mas integra um conjunto de fatores, desde o
crescimento econômico global no período, passando pela estabilidade econômica interna, o aumento
significativo das taxas de emprego, até medidas pontuais como a política de ajuste do salário mínimo acima da
inflação.
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26/07/2021 Uma década de Bolsa Família
CANUDOS As estimativas
têm chamado a atenção de
acadêmicos e de estudiosos
da área social. Um dos
exemplos é o trabalho
Programa Bolsa Família:
repercussões nas condições
de vida dos beneficiários no
sertão de Canudos (BA),
elaborado pelas
economistas Luzivane
Souza Cunha e Aline
Pimenta Motta,
apresentado durante a
Conferência do
Desenvolvimento
promovida pelo Ipea, em
2011. O município de
Canudos fica a 410
quilômetros de Salvador,
tem uma população de 16 mil pessoas (IBGE 2010) e é considerado uma das regiões mais pobres da Bahia.
Vale lembrar que se trata da mesma localidade onde, em fins do século XIX, milhares de miseráveis do sertão
juntaram-se ao líder messiânico Antônio Conselheiro acreditando em alguma salvação milagrosa dos flagelos
do clima e da exclusão econômica e social. A pesquisa sobre o Bolsa Família em Canudos, aplicada com 437
beneficiários e mais 36 comerciantes locais, constatou que o benefício vem sendo utilizado como forma de
acesso aos meios básicos de sobrevivência como compra de alimentação, seguido de material escolar e
remédios.
Os entrevistados de Canudos, em sua grande maioria, disseram que não deixaram de exercer seus trabalhos
remunerados por causa do Bolsa Família. Os comerciantes, por sua vez, responderam ter obtido aumento nos
lucros. Como a frequência escolar é uma das condicionantes para continuar recebendo, os pais matriculam e
acompanham a trajetória dos filhos na escola. “O resultado do que está sendo pesquisado é inegável: o
Programa Bolsa Família é bem-sucedido, focalizado, e seus benefícios chegam aos mais pobres, ajudando a
diminuir a pobreza, a desigualdade, a repetência e a evasão escolar”, comenta Pedro Herculano de Souza,
pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea.
O livro da inclusão
No início da gestão de Dilma Rousseff , o orçamento do programa era de R$ 14 bilhões e saltou, em 2013, para
uma previsão de R$ 24 bilhões. Essas quantias são injetadas diretamente na economia das pequenas cidades
graças aos recursos oriundos do programa. Fato que tem gerado efeito multiplicador na economia local e
contribuído para a emancipação das mulheres beneficiárias. De acordo com a ministra Tereza Campello, “os
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26/07/2021 Uma década de Bolsa Família
gastos básicos com alimentos, medicamentos e material escolar das mães que recebem o Bolsa Família criam
um movimento dinamizador na economia, gerando novos consumidores”.
O certo é que, ao longo dos últimos dez anos, o Programa Bolsa Família tem sido bem avaliado aqui e no
exterior. No Brasil, já se sabe que 70% dos beneficiários adultos do programa estão trabalhando. Porém,
continuam dependentes do benefício por não obterem o valor suficiente para sustentar suas famílias. No plano
externo, o programa tem merecido atenção por ter perfil e resultados capazes de produzir um movimento
mundial (ver reportagem na página 22). O vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante visita ao
Brasil, lembrou que o programa vem sendo copiado ao redor do mundo. O presidente da Colômbia, Juan
Manuel Santos, diz que se inspirou no modelo brasileiro para implantar os programas sociais vigentes em seu
país. Um deles é o Mais Famílias em Ação, com previsão de atender 2,8 milhões de famílias, em 2013, cujo
valor da bolsa é de R$ 157. A Colômbia já saiu da lista dos dez países mais desiguais do mundo.
O Programa Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria, com foco de atuação nos 16
milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais. O programa possui
três eixos principais, todos no conceito da transferência de renda. No primeiro, promove o alívio
imediato da pobreza. No segundo, as condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais
básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. Por fim, as ações e programas
complementares objetivam o desenvolvimento das famílias para que os beneficiários superem a
situação de vulnerabilidade.
Desde que foi lançado, o programa tem evoluído em número de projetos, aumentado o valor
real das transferências e, principalmente, multiplicado o número beneficiários. O governo Lula
herdou 10 milhões de famílias beneficiárias de diferentes programas sociais, como o Bolsa
Escola e o Vale Alimentação. O maior deles era o Auxílio Gás, com 6,7 milhões de beneficiários.
Também herdou um cadastro e uma malha de distribuição iniciada pela Comunidade Solidária de
Ruth Cardoso.
Assim que assumiu, em 2003, o então presidente Lula lançou o Fome Zero. Em outubro de
2003, Lula criou o Bolsa Família, unificando os principais programas e criando o Cadastro Único.
Começou com 3,6 milhões de beneficiários e a meta de 11 milhões. Em 2006 atingiu a meta. Em
2009, subiu para 12,3 milhões. No governo Dilma Rousseff, o programa multiplicou por quatro
os beneficiários, chegando a 42,5 milhões em 2011. O Ministério do Desenvolvimento Social
estima que seriam hoje 50 milhões de famílias beneficiárias.
Quanto aos valores, os benefícios e reajustes evoluíram em três fases importantes. A primeira
fase ocorreu no período 2003-2006, quando os valores pagos ficaram entre R$ 50 e R$ 100. No
segundo ciclo, 2006-2009, os valores mínimo e máximo foram, respectivamente, de R$ 60 e R$
120. Por fim, de 2009 a 2012, registrou-se o marco atual de R$ 70 e R$ 140.
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