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¢ reo — oo — ——— es Coleco Debates Dirigida por J. Guinsburg umberto eco APOCALIPTICOS E INTEGRADOS ee 4 : Revisio: Geraldo Gerson de Souza; Produgio: Piinio Ay EDITORA PERSPECTIVA i M. Filho Tiulo do origins: Apocalittci e Integra Copyright by Casa Editrice Valentino Bompiont & C. Milano Direitos reservados & EDITORA PERSPECTIVA S.A. Av. Brigadeiro Luis Antinio, 3025, Telefone: 288-8388, 01401 Si Paulo Brasil 179 SUMARIO Prefdcio 7 ALTO, MEDIO, BAIXO. Cultura de Massa e“Niveis” de Cultura 33 A cullura de massa no banco dos réus. — Cahier de doléances, —"Betesa da cultura de masa Uma’ probieniica mal formulada. —°'Critcsdo ude nhs, —Urna possvel ents, ma alge mas froposas de perguia. A Estrutura de Mau Gosto * serene 69 Eilisica do Kisch, — Kitech« culture Jo mann = 0 Miseatt’ —Esrarrs' da mensagem podticn FeaREMBEACHS da. mensageny pottea, es ist come botdnisma, "© Ieoparso ds Ms. sian — Concha. Leitura de “Steve Canyon” fee 129 Auulie da mensagem — A inguagem da evi m quidrnhos, — Guests derivate ¢ 0 delvagem: introdugto pesquisa epi A tarela da critea e da bistoriopratia CULTURA DE MASSA E “NIVEIS" DE CULTURA “Mas a0 chegar a escrita: ‘Esta cidacia, 6 rei, disse Teut; tomaré os egipcios mais sébios ¢ aptos pera recordar, porque este achado € um remédio ail nio s6 para.a meméria, como para o saber”. E disse oei: °O artificiosisimo Teut, uns so habeis em gerar 48 artes, outros em julgar a vantagem ou o deno que pode advir a quem delas estiver para servir-se. E assim ‘uy, como pai das letras, na tua Denevoléncia para com elas, afirmaste o contririo do que podem. Ao dispen- sarem do exercicio da meméria, elas produzirio, em verdade, © olvido na alma dos que as tentam apren- , © assim estes, confiando na escrita, recordario 33 mediante esses sinais externos, € no por si, mediante seu proprio esforgo interior’ ." oye, naturalmente, nfo podemos estar de acordo com 0 rei Tamus; mesmo porque, nesse intervalo-de algumas dezenas de séculos, o répido crescimento do tepert6rio de “coisas” a saber e recordar tomou im- Provivel « utilidade da meméria como énico instru. mento de sabedoria; © por outro lado, 0 comentério de Sécrates ao relato do mito de Teut (“estés disposto 4 rer que cles [os discursos] falem como seres pen antes; mas onde quer que os interrogues, querendo ‘aprender, nfo te respondem mais que uma s6 coisa, € sempre a mesma”) esti supersdo pela consciéac; diversa que a cultura ocidental elaborou do livro, da cscrita © das suas capacidades expressivas, a0 estibe- lecer que, através do uso da palavra escrita, pode tomar corpo uma forma capaz de ressoar no fnimo de quem 4 frua de movios sempre varisdos © mais ricos. Esse trecho do Fedro, no entanto, fora citado Para lembrar-nos que toda modificagio dos instru. mentos culturais, na histéria da humanidade, se apre- Senta como uma profunda colocacio em crise do “mo- delo cultural” preedeate; © seu verdadeiro alcance $6 se manifesta se considerarmos que 0s novos instrumen- {ws agirdo no contexto de uma humanidade profunda- mente modificada, seja pelas cauias que provocaram © aparecimento daqueles instrumentos, seja pelo uso esses mesmos instrumemtos. A invengdo da escrita, embora reconstituida através do mito platénico, € um exemplo disso; a da imprensa, ou a dos novos instru. mentos audio-visuais, outro, Avaliar a funglo da i segundo as medidas ae un ty iene spade edie baseada na comunicagio oral e visual 6 um gestode miopia hist6rica que 140 poucos cometeram; mas 0 rocesso € outro, ¢ o camiaho a seguir € 0 que recen. femente nos mostrou Marshall McLukan com o seu The Gutenberg Galaxy’, onde procura enuclear exata- ‘mente os elementos de um novo “homem gutenber- S"pManuas Meson. The Gumbee Galen, Un ot Te Saoblaeihtis oe at Suman au fey, ey SAEUNone Amanat iy Calne e nrccutnes ek ees Te Aatcks iss BaS ‘ a4 guiano”, com 0 seu sistema de valores, em relagio a0 ual sera apreciada a nova tisionomia assumida pela comunicacio cultural Assim ocorre, em geral, com os mass media: al- guns os julgam cotejando-Ihes o mecanismo e 05 efeitos com um modélo de homem renascentista, que, eviden- ‘temente (no 6 por causa dos mass media, mas também dos feadmenos que tomaram possivel o advento dos ‘mass media), no mais existe. E evidente, no entanto, que seré preciso discutir os varios problemas partindo. da assuncio, a um tempo histérica ¢ antropolégice-cultural, de que, com © adveato da era industrial ¢ 0 acesso das classes su- bbalternas. ao controle da vida associada, estabeleceu-se, ta histéria contempordnea, uma civilizagio dos mass ‘media, cujos sistemas de valores deverdo ser discuti- dos, € em relagio qual seré mister elaborar novos modelos ético-pedagdgicos". Nada disso exclui 0 jul: Bamento severo, a condenacdo, a atitude rigorista: ‘mas aplicados em relagio ao nove modelahumano, & nio em nostélgica referéncia a0 velho. Em outros termos: exige-se, por purte dos homens de cultura, luma atitude de indagario con:trutiva; ali onde hadi tualmente se opta pela atitude mais fécil. E ante o prefigurar-se de um novo panorama humano, do qual & dificil individuarmos os confins, a forma, as ten- dércias de desenvolvimento, maitos. preferem candi- dizar-se como o Rutilio’ Namaziano* da nova 2X aio em bn ten ange Shino ance fino, ont hgh, ro ac) Tanta Chaiken Pata, Ai Seema 2S jo du crue” Gon valves entices’ Porante, nig) areast” es eee mae a ter dono ee eas iflogubcas Poder er encetrada em publengSea cies Ass ute, S000 cidadon ot Bernard Rosensert's Bend Mingey” Woke G), Rule Chudioy Namatians, poeta latho. do seuloV. satan np sul da Gilla de fier tanita be tautendios’ ‘Ee, Y: Bret de “Roma e, manitndove pasto, spre se bei cons els, 'n Godos ela pesermacio de reaidade. "Em Bevredia’ ni, - 22h em pains edo eon orion Yala tera aa, Ghoranda. 2 devigis. oes de pele hate ‘obras e'pacannds''cahtocs tet se fimpio Remane. (N. de 7) 35 transigfo. B 6 I6gico que um Rutilio Namaziano nio sriact mada, tem sempre ito 20 nowo comovide Tespeito, e consegue passar para a histéria sem com- Prometer-se com 0 futuro, A cultura de massa no banco dos réus ‘As acusagdes contra a cultura de massa, quando fustentadas por agudos © ateatos escritores, tém uma fungto dialética propria dentro de uma discussio sobre © fenémeno. Os pamphleis contra a cultura de masse devem ser, portanto, lidos ¢ estudados como do- Cumentos a inserir numa pesquisa equilibrada, Ie- ‘vando-so em conta, porém, os equivocos que, nao raro, thes residem na base. Na verdade, a primeira tomada de posigio sobre & nostalgia de uma época em que os valores da culties gram um apandgio de classe ¢ nio estavam postos, indiscriminadamente, & disposicio de todos”, ‘Mas nem todos os criticos da cultura de massa “Mio classficdveis nesse filio. Sem falarmos em Adorno, cuja Posigio & por demais conhecida para que a te. Sth 9 cries cata de cat tpo 4 poltmea,V. unten ax URSA Der Doc ere pet tn etn, SREY 36 ‘hamos de trazer & baila, pensemos em toda a multidao de radicals norte-americanos que conduzem uma feror polémica contra os elementos de massficacio pre- fentes no corpo social de seu pais; sua critica € in, dubitavelmente progressista nas intengées, e a descon. Fianga em relagdo a cultura de massa para eles, Gesconfianga em relacio 2 uma forma de poder inte, Jectual capaz de levat os cidadios 2 um estado de ‘ujeigio gregaria, terreno fértil para qualquer aventurg autoritéria. Exemplo tipico € o de Dwight MacDonald, ‘We, ‘905 anos 30, formou nas posigses troshistas, ¢ Portanto, pacifistas e andrquicas. Sua critica representa, {avez, © ponto mais equilibrado que se aleangou no Ambito dessa polémi Propriamente dita, erguem-se as manifestagces de ume cultura de massa que nio & tal, e que, por isso, tle nie chama de mass culture, mas ‘de masseult, ede wna cultura média, pequene-burguesa, que ele chama de ©: piores filmes de TV, a0 pasio que 0 midcult 6 sc. retentado por obras i (rs de uma universalidade alegérica e mancirsica), © no mesmo plano, coloca ele Nassa Cidade, de Wilde Esses exemplos esclarecem um dos pontos subs. tancinis da erftica de MacDonald: nfo se censura, 4 cultura de massa a difusio de produtos de infime nivel 37 € nulo valor estético (como poderiam ser algumas ‘st6rias em quadrinhos, as revistas pornogréficas ou 08 rogramss de perguntas © respostas da TV); censu- ‘arse ao midcult o “destrutar” das descobertas da van- guarda © “banalizé-las” reduzindo-as a elementos de consume, Critica essa que acerta no alvo © nos ajuda 4 compreender por que tantos produtos de fécil saida comercial, embors ostentando uma dignidade estlistica exterior, no fim das contas soam falso; mas esta critica, to fim’ das contas, reflete uma concepgio fatalmente penetrar num circuito mais amplo e a inserir-se em no Vos contextos, perderd efetivamente toda sua forca ou conquistaré nova funslo? J4 que héuma funcdo, serd ld fatalmente nogaiva,into'C; serurd agora ¢ estilema,unicamente para maicarar sob uma pitina de novidade formal uma banalidade de atitudes, um com- plexo de idéias, gostos © emocdes passivas ¢ esciero- sadas? Veniilou-sc aqui uma série de problemas que, uma ‘vez impostados teoricamentet deverso submeter-se a lum complexo de verificagées concretas. Mas, diante e certas tomadas de posigiosnasce a suspeita de que © critic constantemente se inspire num modelo hu. mano que, mesmo sem ele o saber, € classista; o modelo de um fidalgo renascentista.culto e meditative 8 guem uma determinada condigo econémica permite cultivar. com amorosa atencio, suas experiéncins fate 7 Fes, preservando-as de Liceis comisties ¢ garantindo V,,Dicondrte Crisco. Comune, Ea att tera, Re eed mee. Wit ps. Ga) 38 ‘esses camunhos, e1s, pelo menos, um dos objetivos. O problema seria diferente se os ‘eriticos da cultura de ssa (e entre esses hd quem pense deste modo, ¢ entio © discurso muda) considerassem como problema fundamental da nossa civilizacio 0 de lever cada membro da comunidade & fruigéo de experiéncias de ordem superior, dando a cada um a possibilidade de chegar a elas. Mas a posigdo de MacDonald € outra hos seus tltimes escrites, confessa ele que, se de uma {eita pendeu para a possibilidade da primeira solugao (clevar as massas 4 “cultura superior”), alirma agora qe a brecha aberte entre as duas culturas ¢ detinitiva, ireversivel, irremediavel. Desgracadamente, a escla. ecer tal atitude, surge, espontinea, uma explicagio bastante melancélica: ‘os intelectusis do tipo de MacDonald haviam-se empenhado, nos anos 20, numa gio progressista de carter politico que a seguir acon= tecimentos internos da politica norte-americana fizeram malograr; dai porque esses homens se retiraram da cri- ‘ica politica para a cultural; de uma critica voltada para a mudanga da sociedade passaram a uma critica aris- tweritica sobre a. sociedade, quase se pondo fora da luta € recusando toda co-responsabilidade. Com isso demonstrando, embora @ revelia, que existe um modo de resolver 0 problema, mas que esse modo nio ¢ apenas cultural, porque implica uma série de operagces oliticas e, de qualquer maneira, uma politica da cul- tara’ Cahier de doléances Das varias eriticas & cultura de massa emergem todavia, algumas “‘pecas de acusagio” que € preciso Tevar em conta: (9) Sein, porta, demas Sim SNE Seman 30, qu scenes pode. ar encore ‘nde om Leo Besa, The dee of Fewsion Nore oes, nase ke 39 g 2) Os mass media dirigem-te 2 um piblico terogéneo, e especificam-se segundo “médias de gosto” evitando as solugdes originais, 5). Neste sentido, difundindo por wio © globe ama-“cultura” de tipo “homogéneo”, destroem as ca- racteristicas culturais préprias de cada grupo émico. ) Os mass media dirigem-se a um publico in. cénscio de si mesmo como grupo social caracterizado, © piiblico, portanto, .néo pode manifestar exigéacias face & cultura de massa, mas deve sofrer-lhe as pro- ostas sem saber que as sofre. 4) Os mass media tendem a secundar o gato cxistente, sem promover renovagies da sensibilidade. Ainda quando parccem romper com tadigdes estilis. ticas, na verdade se adequam a difusio, agora homo. logavel, de estilemas ¢ formas jé de hé muitodifundidos 20 nivel da cultura superior e transferides para nivel inferior. Homologando 0 que jé foi assimilado. desen- volvem funcdes meramente conservadoras. €) Os mass media tendem a provocar emopses inteusas ¢ néio mediatas; em outros termos: a0 invés de simbolizarem uma emogdo, de represeati-la, provocam- ‘0 invés de a sugerirem, entregam-na jé confeccio- nada. -Tipico, nesse sentido, & 0 papel da imagem em telagio 20 conceito; ou entio da miésica, como estimulo de sensagdes mais do que como forma con- tempiével" $) Os mass media, colocaacs dentro de um cir- cuito comercial, estio sujeitos 2 “lei da oferta ¢ Ga procura” Do ao pubiico, portanto, somente o que dle quer, ou, 0 que € pior, seguindo as leis de uma economia baseada no consumo € sustentada pela aio idhioa, 1955 sotovamente ta Industie culture sciet, 0 atigo os hel ee cis cade amee se hw Persuasive da publiidade, sugerem ao patlico o que este deve desejar. 8) Mesmo quando difundem os produtos da cultura superior, difundem-nos nivelados « “conden- sados” a fim de nio provocarem nenhum esforgo por parte do fruidor; o peasamento € resumido em “f6r- mulas”; os produtos ‘da arte so antologizados ¢ co- municados em pequenss doses. ‘n) Em todo 0 caso, também-os produtos da cul- fura superior sio propostes numa situagio de com: ‘Pleto nivelamento com outros produtes de entreteni- thento; num semandrio ilustrado, 2 reportagem sobre lum museu de arte vem equiparada ao mexerico sobre © casamento da cstrcla’. i) Por isso, os mass media encorajam uma visio passiva e acritica do mundo. Desencoraja-se 0 esforco Pessoal pela posse de uma nova experiéncia, i) Os mass media. encorajam uma imensa i formagio sobre o presente (reduzem aos limites de uma erGaica atual sobre 0 presente até mesmo as eventuais teetumagées do passado), © assim entorpecem toda conscigacia histérics Xk) Feitos para o eniretenimento e 0 lazer, sto estudados para empenharem unicdmente o nivel super- ficial da nossa aténgéo. De saida, viciam a nossa a tude, € por isso, mesmo unia sinfonia, ouvida através de um disco ou do radio, seré frufda do modo mais epidérmico, como indicagio de um motivo assobiével, € nio como um organismo estético a ser penetrado em profundidade, mediante uma atengdo exclusiva ¢ fie! 1), Os mass media tendem a impor simbolos & muitos de ficil -universalidade, criando “tipos”*pron- tamente reconheciveis © por isso reduzem a0 minimo @ individualidade © © cardter concreto no s6 de nos- te, Oma ¢ anti, be Re oat Memes ate ee ma 9p. cit. Uma anflise da “c ‘uma’ revista. mi ~ como Beagie BRS Ee Sag ty mt rw GP'S Tar! Comeau we» ste porpen oy o pret a Angus de. masta tax, dow sitalos, =a Giety and Culture", in Culture for the Milions), sas experiéncias como de nossas imagens, atraves day quais deveriamos realizar experiéncias** ‘m) Para tanto, trabalnam sobre opiniSes co- muns, sobre endoxa, ¢ assim funcionam como uma continua reafirmacdo do que jé pensamos. Nesse sen- Yido, deseavolvem sempre uma ago socislmente con- servadora?® n) Por isso se deseavolvem, ainda quando apa- ‘eatam auséncia de preconceitos, sob o signo do mais, absoluto conformismo no campo dos costumes, dos valores culturais, dos princfpics. sociais © religiosos, das tendéncias politicas. Favorecem projegdes orientadas para modelos “oficiais"™, 0) Os mass media apresentam-se, portanto, co- ‘mo o instrumento edueativo tipico de uma sociedade de fundo paternalista mas, na superficie,individualista © democrdtica, © substancialmeate tendente a produzir modelos humanos heterodirigidos, Vistos em maior profundidade, surgem como uma tipica “‘superestrutura de regime capitalista", usada para finsde controle € Blanificagio coata das’consciéncias. Com efcito, apa- Tentemente, eles poem & disposigdo os frutes da cultura superior, mas esvaziados da ideologia e da critica que 05 animava. Assumiem os modos exteriores de uma cultura popular mas, ao invés de crescerem espon- (1 aw fa on a Eo taneamente de baixo, so impostes de cima (¢ da cul tura genuinamente popular ndo possuem nem o-al nem o humor, nem a vitalissima ¢ sa vuigaridade) ‘Como controle das massas desenvolvem uma fungio ‘que, em certas circunstincias histéricas, tem cabido as idcologias religiosas. Mascaram porém, essa sua fun- go de classe, manifestando-se sob 0 aspecto positivo da cultura tipica de uma sociedade do, bem-estar onde todos tém as mesmas oporiunidades de acessoa cul- ture, em condigées de perfeita igualdade'* Cada_uma das proposigdes arroladas & subscri ‘tével © documentével. Cabe perguntar se o panorama da cultura de massa e sua problemética terio sido exauridos por esse rol de imputagdes. E a propésito, seré mister recorrer aos “defensores” do. sistema, Defesa da cultura de massa Cumpre dizer, antes de mais nada, que, dentre os que demonstram a validade da cultura ‘de massa, mui ts sdo os que desenvolvem um discurso simplista, de dentro do sistema, sem nenhuma perspectiva critica. ¢ ‘Go raro ligados aos interesses des produtores, Tipico é © caso de Ernst Dichter, que no seu Estrategia do De- sejo desenvolve uma apaixonada apologia da public- dade, tendo como fundo uma “filosofia” otimista do incremento das experiéncias, que nada mais é que o mascaramento ideolégico de uma estrutura econdmica precisa, fundada sobre 0 consumo, para o consumo" Em outros casos, temos, a0 contririo, estudioses. dos costumes, sacilogos e criticos, zos quaisnao devemes certamente, imputar um otimismo que lhes permila ver mais longe que seus adversirios “apocalipticos”. Se ‘os pomos em guarda contra o fervor de um David Manning White ou de um Arthur Schlesinger (firme em suas posigdes de um reformismo. demasiado ilumi nista), ndo podemos descurar de muitos dos levanta- mentos de Gilber Seldes, de Daniel Bell, de Edward Shllés, Eric I arrabee, Georges Friedmann e outros" Paste’ Presenie, abil ios6"'"" “TY © suture (G5)" ¥" a nota que he reervanc hy ach tna pbc de i p.379 (V note da p. 29) pomo” ‘teral whe 0” bate xo. eenaesFOEOMAN, “Callre pout ler mitionst” "inom 43 oe eee neemee nen eemcneearaarn cee inaanentenesie enna serene meets #8 ne i eA tA > Também aqui, procuramos elaborar um cadastro das ‘Proposigoes. 4) A cultura de massa nio é tipica de um re- feime capitalista. Nasce numa sociedade em que toda ‘a massa de cidadios se vé participando, com diceitos iguais, da vida piblica, dos consunics, da fruigio das cages; nasce inevitavelmente em qualquet so- Giedade de tipo industrial"”. Toda vez que um grupo de poder, uina associagio livre, um organism pelitice ‘ou econfmico se vé na contingéncia de comunicar-ce om a totalidade dos cidadios de um pais, prescindinds dos varios niveis intelectuais, tem que recorrer aos mo. dos de comunicagio de massa, e sofre as regras inevi- ‘Geis da “adequacdo A médis™ A cultura de masca 6 propria de uma democracia popular como a China de Mao, onde as grandes polémicas politicas se deseavol vem por meio de cartazes de estrias em quadrinhos, ‘oda a cultura artistica da Unio Soviética é uma tipica cultura de massa, com todos os défeitos de uma culture de massa, entre os quais o.conservantismo estético, 0 -nivelameato do gosto pela média, a recusa das pro. Postas estilisticas que nao correspondem 20 que 0 pi ‘blico j& espera, a estrutura paternalista da comunicagio dos valores 6) A cxecrada culturade massa de maneira alk ‘fuma tomou o lugar de uma fantasmética cultura supe. ior; simplesmente se difundiu junto a massas enocmes que, tempos atrés, nio tinham acesso aos bens de cul ura. excesso de informacao sobre o presente com Prejuizo da consciéncia hist6rica € recebido por uma Parte da humanidade que, tempos atrés, nio tinha in~ formagées sobre 0 presente (e estava, portanto, alijada e uma inseredo responsvel na vida sssociada) e no era dotada de conhecimentos historicos, a néo ser sob forma de esclerosadas nopies acerca de mitologias tradicionais™ ass", BENIN Rowenwme, “Mass Cute ia Amey, ag 1, Cuaron ian Nm, Sg a ie Mn Sa i a Sct epton ot aa ulin a Cee Sis A Quando imaginamos 0 cidadio de um pafs mo- éerno lendo numa revista ilustrada noticias sobre a ‘estrela de cinema ¢ informagées sobre Miguel Angelo, io devemos compari-lo ao humanisia antigo, maven- do-te com limpida autonomia pelos varios campos do cognosctvel, mas ao trabalhador tracal, ov ao pequeno artesio de alguns séculos atrés, exclutdo da fruigio dos bens culturais. © qual, embora pudesse na igreja_ ov no palécio comunal, contemplar obras de pintura, apreciava-as, contudo, com a mesma superficialidade om que o leitor moderno langa um olhar distraido 3 teproducio em cores da obra célebre, mais interessado ‘os particulares anedéticos do que nos complexos va- lores formais. Portanto, homem que assobia Beethoven, porque o ouviu pelo radio jé € um homem que, embora ao simples nivel da melodia, se aproximou de Beethoven, (nem se pode negar que jé a esse nivel se manifesta, em medida simplificada, a legalidade formal que rege, 0$ outros niveis, harménico, contrapontistica etc., a obra inteira do musicista), a0 paso que uma experién- cia do género era, outrora, privativa das classes abas- tadas, entre cujos representantes, muitissimos, prova- yelmente, embora submetendo-se 20 ritual do concerto, frufam a misica sinfOnica ao mesmo nivel de super- ficialidade, Citam-se, a propésito, as cifras impressio- nantes dé misica vilida difundida, hoje em dia, pelo rédio e pelos discos; e cabe perguntar se essa acumu- lagdo de informagdo musical nao se teré resolvido, em muites casos, em estimulo eficaz para aquisigées cultu- rais autéaticas (quantos de nés ndo realizaram sua formaséo musical justamente através do estimulo dos ‘canais de massa?) ShORT ALES tree Wa ATES elena aint saree ‘dae ae entra "mae SS Fecha inaaos forward popes eT aie demu otimitan mus tumble cheas "Gr bom_ Seb Se "Eat Laaaess “Sh ula teclare ‘dla cra popolre", i L'dmeica ogee des, Mille, Bowpiens ©) B verdade que 0s mass media propéem, ma- ciga e indiscriminadamente, varios elementos de infor- masio, nos quais nio sc distingue 0 dado valido do de pura curiosidade ou de entretenimento; mas negar que esse actimulo de informacdo possa resolver-se em for- magao significa professar uma concepgio um tanto pessimista da natureza humana © nao acreditar que ‘um acdmulo de dados quantitativos, bombardeando de estimules: as inteligéncias de uma ‘grande quantidade de pessoas, nio possa resoiver-se, para algumas, em mutagio qualitativa". Além disso, se género de re- futapdes funciona justamente porque poe a nua ideolo- gia aristocrdtica dos criticos dos mass media;e demons- tra como é ela perigosamente igual i daqueles que la- mentam ver os habitantes do vale doOssola despojados da vetha masseira de lenho robusto eda mondstica mesa que os antiquérios substituiram por uma esquélida mobilia de aluminio © {6rmica,e ni compreendem que esse esquélida mobilia, lavvel e grosstiramente {estiva,leva uma possibilidade de higiene a casas onde antiga mobilia de madeira,pesada e carunchada, nao constituia, de modo algum, um elemento de educacao do gosto;¢ que a valorizacio daquela mobilia tradi- ional nio passa de uma deformagio estética da nossa sensibilidade, que agora considera em termos de apre- clada antiguidade aquilo que, sem o advento da mesa de formica, teria continuado a ser um miseroexemplo de cotidiana indigéncia, 4) A objecao, porém, de que a cultura de massa também difunde produtos de entretenimento que nin- guém ousaria julgar positivos (estorias em quadrinhos de fando erético, cenas de pugilato, programas de TV de perguntas e respostas que representam um apelo ‘0s instintos sédicos do grande piblico), replica-se Divo ave AB sth, aa prin, grea para str do & 46 nfo 9 com Seely er," inti talents de® 25.08 ‘Ses Dr ouaon”Cu'cuce iene ea ee ee ut fo oy Tartan” Bakes (3) ag ea rere yor pci « samt Bi ee see Sul poy ge ane “ADRIANO ‘Le ‘televisione inutile, unit, 1965; a ee al a Felevtuone Cuba, op.“cke'e “IVs a etl Behe ce valent e t'tinedi in Signe, 46 que, desde que 0 mundo € mundo, as multiddes ama- Tam os circenses; © parece natural que, em mudadas condigdes de producio ¢ difuséo, os ducios de gladia ores, as lutas dos ursos et similia tenham sido substi- twos por cutras formas de entretenimento “menores”, que todos vituperam mas que no deveriam ser coe. sideradas como um sinal particular da decadéncia dos costumes". €) Uma homogentizacio do gosto contribuiria, no fundo, para climinar, a cerios niveis, as diferen as de casta,para unificar as sensibilidades nacionais, desenvolveria fuagdes de descongestionamento antico- locialista em muitas partes do globo", 1)_ A. divulgacio dos conceitos sob forma de digest evideatemente teve fungies de estimulo, dado que os nossos tempos astistiram a0 fendmeno definido, na América do Norte, como a “revolugio dos paper. backs", ou seja, a difuséo,em enormes quantidades, de obras culturais.validissimas, a pregos muito bairos ‘em edigéo integral. 8) _E verdade que a difusio dos bens culturais, ‘mesmo os mais vilidos, quando se toma intensiva, em. ota as capacidades receptivas. Trata-se, porém, de um fenémeno de “consumo” do valor estético ov cultural comum a todas as époces, sé que hoje ée realiza em dimensées macrorcépicas. Também no século pastade, quem tivesse ouvido, muitas veses em seguida, ums dada composigio teria acabado por habituar o ouvido a uma recepeio de tipo esquemético ¢ superficial. Nu- ma sociedade dominada pela cultura de massa, toda manifestagdo esté submetida a esse consumo, ea me- shor prova disso € que as proprias eriticas 4 cultura de masse, veiculedas através de livros de grande tira: te at ig By «on Maane sea al aaa at se Mens dae EArt eae corn Amat 3 doce tae tere mae ae See AO eee aoe ae a m, jomnais © revistas, tornaram-se perfeitos produtes ima cultura de massa, sendo repeudas camo slope, comerciadas como bens de consumo © ocasibes de en. tretenimento esnobe (como miiliplos epis6dios conter- ancos de critica & dissipacSo jornalistica, feita straves das colunas dos jornais, tristemente no-lo demonstram) fi) Os mass media olerecem um acervo de it~ formagées ¢ dados acerca do universo sem sugerit critérios de discriminagio; mas, indiscutivelmente, sea- sibilizam 0 homem contemporineo face ao mundo; € na realidade, as massas submetidas a esse tipo de informa;io parecem-nos bem mais sensiveis e parti- ‘cipantes, no bem © no mal, da vida associada, do, que as massas da antiguidade, propensas a reverinci tradicionais face a sistemas de valores estiveis e in- discativeis. Se esta é a época das grandes loucures totaltérias, também nio é a épeca das grandes muta- ‘$6es socials © dos renascimentos nacionais dos povos subdeseavolvidos? Sinal, portanto, de que os grandes ‘canais de comunicagéo difundem informacdes indiseri. minadas, mas provocam subyersées culturais de algum relevo™. 1) " Por fim, no é verdade que os meios de massa Sejam stilstica © culturalente conservadores. Pelo fato mesmo de constituirem um conjunto de novas -guagens, tém introduzido novos modes de falar, novos tstilemas, novos esquemas perceptivos (basta pensar na mecinica de percepyio Ua imagem, nas novas. gramé- ticas do cinema, da transmissio direta, na estéria em quacrinbos, ‘no’ estilo jornalistico. ..): boa ou mé, trata-se de uma renovagéo esilistca, que tem, amidde, constantes repercussdes no plano das artes chamadas superiores, promovendo-Ihes 0 desenvolvimento" Uma problemética mal formulada A defesa des mass media teria numerosos titulos de validade, nfo pecasse ela, quase sempre, cm certo 48 re-cambismo” cultural. Isto é jé se dé de baraio fa idéia de que a circulacéo livre ¢ intensva dos varios, producos culturais de massa, visto que sio indubitiveis, 95 seus aspzctos positives, seja, em si, naturalmente “boa”. Quando muito, avanram-se propostas para um controle pedagégico-politico das manifestacdes mais degradadas (censura sobre estérias em quadrinhos si- ddico-pornograficas) ou dos canais de transmissio (con- tole das redes de televisio). Raramente se leva em conta o fato de que, sendo a cultura de massa,o mais das vezes, produzida por grupos de poder econémico com fins Iverativos, fica submetida a todas at leis econmicas que regulam a fabricagéo, a saida e 0 consumo dos outros produtos industrials: “O produto deve agradar ao fregués”, ndo levantar-Ihe problemas; © fregués deve desejar 0 produto e ser induzido a um recimbio progressivo do produto. Dai as carac~ teristicas aculturais desses_mesmos produtos, ¢ ine- vitivel “relagdo de persuasor para persuadido”, que ¢, indiscutivelmente, uma relacdo paternalista,estabelecida entre produtor e consumidor. Note-se que, até num regime econdmice diverse, a relagao paternalista pode, mtito bem, permanecer inalterada: ‘no c2so, por exemplo,em que a difusio éa cultura de massa permaneca nas maos, nfo mais des grupos de poder econdmico,mas dos grupos de poder politico que empreguemos mesmos meios para fins de Persuasio € dominio. Mas tudo isso serve apenas para provar-nos que 2 cultura de massa‘é um fato industrial ©, como tal, sofre muitos dos condicionamentes t= picos de qualquer atividade industrial © erro dos apologistas € afirmar que @ multipli- ‘cago des produtos da indtistria seja boa em si, segundo tumia ideal homeostase do livre mercado, e nao deva submeter-se a uma critica © a novas orientagies"" © erro dos apocalipticos-aristocréticos é pensar que a cultura de massa seja radicaimente mé, justa- mente por ser um fato industrial,e que hoje se possa ministrarluma cultura subtreida a0 condicionamento industrial. (3) Mes. Sis, experince, sta ‘que hi cmc {Ech noe yetade, aus erie 0 cblena’ nis a Solgke (er esy Sea ase arte) = 0

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