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PSICODIAGNÓSTICO-

CUNHA, Jurema Alcides.

Psicodiagnóstico é uma avaliação psicológica feita com propósitos clínicos, visando


identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, com um foco na existência ou
não de psicopatologia. O fim do século XIX e começo do séc. XX foi marcado pelos trabalhos
de Galton, que introduziu o estudo das diferenças individuais, Cattell, a quem se devem as
primeiras provas designadas como testes mentais, e Binet, que propôs a utilização do exame
psicológico, por meio de medidas intelectuais, como coadjuvante da avaliação psicológicas.
A esses três autores é atribuída a paternidade do psicodiagnóstico.

Embora a psicometria (difundida pelas escalas de Binet) tenha sido fundamental para a
garantia de cientificidade dos instrumentos do psicólogo, é importante estabelecer a
diferença entre o psicometrista e o psicólogo clínico: o primeiro tende a valorizar os aspectos
técnicos da testagem, visando obter dados, enquanto no psicodiagnóstico há a utilização de
testes e outras estratégias, para avaliar o sujeito de forma sistemática e cientifica, visando a
resolução de problemas.

Kraepelin, no século XIX, se notabilizou por seu sistema de classificação dos transtornos
mentais, especialmente seus estudos diferenciais entre esquizofrenia e psicose maníaco-
depressiva. Assim também Freud, que contribuiu decisivamente para caracterizar a diferença
entre estados neuróticos e psicóticos, dentre os transtornos classificados como funcionais
(não-orgânicos). Logo em seguida, o teste de associação de palavras, de Jung, completou o
lastro para o lançamento posterior das técnicas projetivas. O psicodiagnóstico surgiu, assim,
como conseqüência do advento da psicanálise, que ofereceu novo enfoque para o
entendimento e classificação dos transtornos mentais.

Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes


psicológicos, em nível individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos
teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu
curso possível. O plano de avaliação é estabelecido com base nas perguntas ou hipóteses
iniciais, definindo-se não só os instrumentos necessários, mas como e quando utilizá-los.
Selecionada e administrada uma bateria de testes, obtêm-se dados que devem ser
interrelacionados com as informações da história clínica, pessoal e outras, a partir do elenco
das hipóteses iniciais, para permitir uma seleção e uma integração, norteada pelos objetivos
do psicodiagnóstico.

a) Classificação simples – comparação entre sujeitos (ex. nível intelectual).

b) Descrição – além da classificação, interpreta diferenças de escores, identificando


forças e fraquezas e descrevendo o desempenho do sujeito.
c) Classificação nosológica – há testagem das hipóteses iniciais, tomando-se como
referência critérios diagnósticos (uso preferencial de um modelo categórico para
análise psicopatológica).

d) Diagnóstico diferencial – são investigadas irregularidades ou inconsistência do


quadro sintomático, para diferenciar alternativas diagnósticas, níveis de
funcionamento ou a natureza da patologia.

e) Avaliação compreensiva – é determinado o nível de funcionamento da


personalidade, funções do ego e de insight e sistema de defesas, para a indicação de
recursos terapêuticos e possível resposta aos mesmos.

f) Entendimento dinâmico – há uma integração dos dados anteriores com base teórica,
permitindo a explicação de aspectos comportamentais nem sempre acessíveis na
entrevista, assim como a antecipação de fontes de dificuldades na terapia e a
definição de focos terapêuticos (entendimento da problemática do sujeito numa
dimensão mais profunda, na perspectiva histórica do desenvolvimento).

g) Prevenção – identifica problemas precocemente, avalia riscos, faz uma estimativa de


forças e fraquezas do ego e sua capacidade para enfrentar situações difíceis.

h) Prognóstico – determina o curso provável do caso.

i) Perícia forense – fornece subsídios para questões relacionadas com “insanidade”,


competência para o exercício das funções de cidadão, avaliação de incapacidades ou
patologias que podem se associar com infrações da lei etc.

Resumidamente, os passos do diagnóstico com base em um modelo psicológico de natureza


clínica são: a) levantamento de perguntas relacionadas com os motivos da consulta e
definição das hipóteses iniciais e dos objetivos do exame; b) planejamento, seleção e
utilização de instrumentos de exame psicológico; c) levantamento quantitativo e qualitativo
dos dados; d) integração de dados e informações e formulação de inferência pela integração
dos dados, tendo como pontos de referência as hipóteses iniciais e os objetivos do exame; e)
comunicação de resultados e orientação sobre o caso.

O problema

Um problema é identificado quando são reconhecidas alterações ou mudanças nos padrões


de comportamento comum, que podem ser percebidas como sendo de natureza quantitativa
ou qualitativa. Pode-se falar em alterações autolimitadas, verificadas pela presença de um
exagero ou diminuição de um padrão de comportamento usual, observadas na atividade
(motora, fala, pensamento), no humor (depressão, euforia), em outros afetos
(embotamento, excitação) etc. Se a intensidade dos sintomas for desproporcional às causas
e/ou persistir além da vigência normal dos efeitos das mesmas (no luto patológico, p. ex.), já
há significação clínica.

Quando as mudanças percebidas são de natureza qualitativa, chamam a atenção por seu
cunho estranho, bizarro, idiossincrásico, inadequado ou esquisito e geralmente são
associadas com dificuldades mais sérias. No entanto, um comportamento ou experiência
subjetiva definidos como sintomáticos em um contexto podem ser aceitáveis em outro,
devendo-se observar que um sintoma único não tem valor diagnóstico em si, sendo
necessário que o paciente apresente um certo número de características sintomatológicas,
durante um certo período de tempo, para se chegar a uma decisão diagnóstica.

Na avaliação da existência de psicopatologia, têm sido destacado o uso de dois modelos: o


modelo categórico, de enfoque qualitativo, exemplificado pelo julgamento clínico sobre a
presença ou não de uma configuração de sintomas significativos (mais utilizado pelos
psiquiatras); e o modelo dimensional, de enfoque quantitativo, exemplificado pela medida
da intensidade sintomática (mais utilizado pelos psicólogos), embora na maioria das vezes
esses enfoques sejam associados.

Transtorno mental pode ser conceituado como uma síndrome ou padrão comportamental
ou psicológico clinicamente importante, que ocorre no indivíduo, associado com sofrimento
ou incapacitação.

Na tarefa do psicodiagnóstico, o psicólogo sofre inúmeras pressões e pode ter dificuldades


em reconhecer percepções e experienciar sentimentos de raiva e intolerância que, se não
forem conscientizados, podem interferir e até invalidar o processo avaliativo.

Shafer se refere a algumas necessidades inconsciente e permanentes (constantes)


mobilizadas no psicólogo-pessoa durante a testagem:

a) aspecto voyeurista – o psicólogo examina e perscruta o paciente, enquanto se


mantém preservado pela neutralidade e curta duração do vínculo;

b) aspecto autocrático – na medida em que diz ao paciente o que deve fazer, de que
forma e quando;

c) aspecto oracular – quando procede como se tudo soubesse, conhecesse e pudesse


prever (dono da verdade);

d) aspecto santificado – quando assume o papel de salvador do paciente;

O autor aponta também algumas constantes do paciente na interação clínica:

a) auto-exposição sem confiança/intimidade violada – o paciente se sente vulnerável,


exposto ao psicólogo;

b) perda de controle sobre a situação – por se sentir à mercê do psicólogo, o paciente passa
a adotar uma postura defensiva;

c) perigo de autoconfrontação – ao mesmo tempo querendo ajuda e receando o confronto


de aspectos rechaçados, a testagem implica ataque aos seus processos defensivos;

d) tentação de reagir de forma regressiva – pela dificuldade de aceitação das próprias


dificuldades;
e)ambivalência diante da liberdade – pois tem que enfrentar o risco de se expor

A entrevista clínica

Em psicologia a entrevista clínica é um conjunto de técnicas de investigação, de tempo


delimitado, dirigido por um entrevistador treinado, com o objetivo de descrever e avaliar
aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social), em um
processo que visa fazer recomendações, encaminhamentos ou propor intervenção em
benefício do entrevistado. A entrevista é a única técnica capaz de testar os limites de
aparentes contradições e de tornar explícitas características indicadas pelos instrumentos
padronizados, dando a eles validade clínica.

O entrevistador deve estar atento aos processos no outro, e a sua intervenção deve orientar
o sujeito a aprofundar o contato com sua própria experiência. Todos os tipos de entrevista
têm alguma forma de estruturação, na medida em que a atividade do entrevistador
direciona a entrevista no sentido de alcançar os seus objetivos, sendo dele a
responsabilidade pela condução do processo.

Os tipos de entrevista podem ser classificados (no geral) a partir de dois eixos: quanto a
forma (estrutura) e segundo o objetivo. Quanto ao aspecto formal, as entrevistas podem ser
divididas em estruturadas, semi-estruturadas e de livre estruturação. As primeiras
privilegiam a objetividade e geralmente se destinam ao levantamento de informações
específicas, definidas pelas necessidades de um projeto (ex. entrevista epidemiológica).

A grande maioria das técnicas de entrevista divulgadas em psicologia clínica enquadram-se


como de livre estruturação, no entanto as técnicas de entrevista vêm sendo gradativamente
especificadas, de modo que sua estrutura pode ser mais claramente definidas. As entrevistas
semi-estruturadas são assim denominadas porque o entrevistador tem clareza de seus
objetivos, que tipo de informação é necessária para atingi-los, como essa informação deve
ser obtida, em que seqüência e em que condições deve ser investigada e como deve ser
considerada (critérios de avaliação). Além de estabelecer um procedimento que garante a
obtenção da informação necessária de modo padronizado, ela aumenta a confiabilidade ou
fidedignidade da informação obtida e permite a criação de um banco de dados úteis à
pesquisa, ao estabelecimento da eficácia terapêutica e ao planejamento das ações de saúde.

Quanto aos objetivos, deve-se considerar primeiramente que a finalidade maior de uma
entrevista é sempre a de descrever e avaliar para oferecer alguma forma de retorno,
requerendo sempre uma etapa de apresentação da demanda, de reconhecimento da
natureza do problema e da formulação de alternativas de solução e encaminhamento. Além
desses objetivos-fins, existem objetivos instrumentais, que são muitos e variados (p. ex.,
quando se pretende avaliar um quadro psicopatológico, é necessário um exame detalhado
dos sintomas; na entrevista psicodinâmica, é importante a investigação do desenvolvimento
psicossexual etc). Por isso, estratégias diferentes de avaliação podem ser utilizadas para
atingir os objetivos de cada situação, ou combinadas, para atingir objetivos diversos, além
de considerar as variações de abordagem, de problemas apresentados e da clientela
atendida.

Alguns tipos de entrevistas quanto à sua finalidade, no entanto, devem ser ressaltados: de
triagem, de anamnese, diagnósticas (sindrômicas ou dinâmicas), sistêmicas e de devolução.

a) entrevista de triagem – tem por objetivo avaliar a demanda do sujeito e fazer um


encaminhamento, sendo geralmente utilizada em serviços de saúde pública ou
clínicas sociais, onde é necessário avaliar a adequação da demanda em relação ao
encaminhamento pretendido. A triagem também é fundamental para avaliar a
gravidade da crise, identificando a necessidade de apoio medicamentoso.

b) entrevista de anamnese - objetiva o levantamento detalhado da história de


desenvolvimento da pessoa, principalmente na infância, podendo ser estruturada
cronologicamente. Fazer uma anamnese irá facilitar ao clínico a apreciação de
questões desenvolvimentais importantes na história do paciente.

c) Entrevista diagnóstica – exame e análise cuidados de uma condição na tentativa de


compreende-la, explica-la e possivelmente modifica-la. Pode priorizar aspectos
sindrômicos (descrição de sinais, como baixa auto-estima e sentimentos de culpa, e
de sintomas, como humor deprimido e ideação suicida) para a classificação de um
quadro ou síndrome, ou aspectos psicodinâmicos (descrição e compreensão da
experiência ou modo particular de funcionamento do sujeito, tendo em vista uma
abordagem teórica). Essas duas perspectivas devem ser vistas como
complementares. É comum a existência de sinais e sintomas isolados ou subclínicos,
que não são suficientes para dar configuração a uma síndrome, mas são importantes
por sugerir uma dinâmica e indicar um modo particular de adoecer.

d) Entrevista sistêmica – focalizam a avaliação da estrutura ou da história relacional ou


familiar e também aspectos importantes da rede social de pessoas e famílias.

e) Entrevista de devolução – tem por finalidade comunicar ao sujeito o resultado da


avaliação e também permitir ao sujeito expressar seus pensamentos e sentimentos
em relação às conclusões e recomendações do avaliação e ainda a reação do sujeito
a elas. Destaca-se a importância de ajudar o sujeito a compreender as conclusões e
recomendações e a remover distorções ou fantasias contraproducentes em relação a
suas necessidades.

A entrevista tem o potencial de modificar a maneira como o paciente se percebe (auto-


estima), percebe seu futuro pessoal (planos, desejos, esperanças) e suas relações
significativas. Assuntos importantes, afetivamente carregados e associados a experiências
dolorosas, muitas vezes aparecem nas entrevistas clínicas, devendo o entrevistador
desenvolver a capacidade de tolerar a ansiedade e de falar abertamente sobre temas
difíceis.
Vale ressaltar que a observação do comportamento , da comunicação não-verbal e do
material latente do paciente contribui de maneira especial para elucidações importantes
sobre o entrevistados. Restringir o âmbito do interpretável somente ao conteúdo explícito
da comunicação pode acarretar perda de informação clínica significativa.

Ser capaz de compreender seus processos contratransferenciais é um dos recursos mais


importantes do clínico. Reconhecer como os processos mentais e afetivos são mobilizados
em si mesmo e ser capaz de relacionar esse processo ao que se passa na relação imediata
com o sujeito fornece ao entrevistador uma via inigualável de compreensão da experiência
do outro.

História clínica

Pretende caracterizar a emergência de sintomas ou de mudanças comportamentais, numa


determinada época, e a sua evolução até o momento atual (ocasião em que o exame foi
solicitado). As queixas, os motivos explícitos e até a não admissão de sintomas fornecem um
ponto de partida, procurando-se localizar no tempo o aparecimento de mudanças
sintomáticas, associa-los com as circunstâncias de vida no momento, analisando o seu
impacto e repercussão em atividades e relações.

História pessoal ou anamnese

Pressupõe uma reconstituição global da vida do paciente, devendo ser enfocada conforme
os objetivos do exame e dependendo do tipo e da idade do paciente. De acordo com a
problemática e a estrutura de personalidade do paciente, certas áreas e conflitos deverão
ser mais explorados do que outros, com atenção em certos pontos que possam indicar
explicações para a emergência e o desenvolvimento do transtorno atual. Alguns tópicos
podem servir de referência: contexto familiar, primeira infância (até 3 anos), infância
intermediária (3 a 11 anos), pré-puberdade, puberdade e adolescência, idade adulta e fontes
subsidiárias (familiar ou familiares, exames anteriores etc).

Avaliação dinâmica

Geralmente integrada com a história, busca-se relação entre os problemas específicos atuais
e as experiências passadas da pessoa, colocando a problemática numa perspectiva histórica
que permita compreender o transtorno dentro de um processo vital, em um contexto
temporal, afetivo e social, com base num quadro referencial teórico. Partindo-se de queixas,
são identificados conflitos e causas, interrelacionados conteúdos, reunidos e integrados
informações que embasam o entendimento dinâmico no fluxo da história do paciente.

Exame do estado mental do paciente


No que diz respeito à ordenação metodológica do exame do estado mental, há um consenso
de que as principais alterações envolvem sinais e/ou sintomas nas seguintes áreas da
conduta humana: atenção, sensopercepção, memória, orientação, consciência, pensamento,
linguagem, inteligência, afetividade e conduta.

Atenção – é um processo psíquico que permite concentrar a atividade mental sobre um fato
determinado, sendo importante considerar a capacidade de concentração; quanto tempo é
mantida a atenção (persistência/fatigabilidade); em quantos objetos é capaz de estar focada
simultaneamente (distribuição; quanto tempo demora para começar a efetiva atenção
(excitabilidade). São considerados transtornos de atenção a aprosexia (ausência de atenção),
hipoprosexia (atenção diminuída), hiperprosexia (atenção exagerada) e distraibilidade
(atenção inconstante). A distração, entendida como a impossibilidade de manter constante
atenção e também quando o indivíduo estão tão concentrado que não percebe o que se
passa ao seu redor, é chamada de desatenção seletiva.

Sensopercepção – é a capacidade de captar as sensações, através do receptores sensoriais, e


transforma-las em imagens ou sensações no SNC. Os transtornos mais freqüentes são as
ilusões (percepções deformadas de um objeto) e as alucinações (percepções sem objeto,
podendo ser produzidas em relação a qualquer qualidade sensorial).

As ilusões podem ser causadas por peculiaridades do sistema de refração; limitações


naturais dos órgãos do sentido; alterações da consciência (turvação ou obnubilação da
consciência, gerando as ilusões metamorfósicas – macroscopia, microscopia e porropsia1);
falta de atenção; catatimias (influência exercida pela afetividade na percepção, na atenção,
no julgamento e na memória, resultando em deformação da realidade em relação aos
objetos que cercam); erros de julgamento (delírios); reconhecimento deficiente.

As alucinações podem ser visuais, auditivas, gustativas, olfativas, táteis, térmicas,


cenestésicas (sensibilidade dos órgãos viscerais) e cinestésicas ou motoras (falsa percepção
de movimentos). Costuma-se falar também em alucinose, quando há todas as características
da imagem alucinatória, menos a convicção da realidade ou participação da pessoa no
processo (termo frequentemente empregado para designar delirium alucinatório por causa
orgânica). Nas pseudoalucinações (alucinações psíquicas) falta também a convicção que
caracteriza as alucinações, mas não há uma patologia orgânica comprovada (p. ex. visão do
duplo).

Memória – é a função que garante o elo temporal da vida psíquica. Costuma ser analisada
em três dimensões: a fixação, a evocação e o reconhecimento.A fixação é a capacidade de
gravar os dados; a evocação é a capacidade de atualizar os dados já fixados (esquecimento é

1
Sensação de distanciamento e diminuição dos objetos que se movem. È um dos fenômenos de alteração
perceptiva observados na epilepsia, onde os objetos parecem retroceder no espaço, sem modificar
aparentemente o seu tamanho.
a impossibilidade de evocar); e reconhecimento é a capacidade de recordar uma imagem
(engrama).

As alterações da memória quanto à fixação são a amnésia (abolição da memória);


hipomnésia (enfraquecimento da memória); hipermnésia (exagero patológico da evocação);
dismnésia (designação geral das perturbações da fixação e/ou evocação). É freqüente o uso
de expressões hipmnésia anterógrada, retrógrada e retroanterógrada, correspondentes ao
déficit de memória para os fatos ocorridos antes, depois ou antes e após o fator
desencadeante do quadro. Há também ocorrência de amnésia lacunar nos estados
crepusculares epilépticos (anterógrada) e amnésia lacunar histérica (retrógrada, explicada
pela repressão).

As disfunções do reconhecimento mais habituais são as agnosias (transtorno do


reconhecimento da imagem, quando o objeto é familiar ao paciente); paramnésias
(alucinações da memória: trata-se de imagens criadas pela fantasia e tidas como recordações
de acontecimentos reais – fenômenos do déjà vu e jamais vu).

Orientação – é uma das expressões da lucidez psíquica pela qual se identifica a capacidade
de consciência temporo-espacial. Examina-se a orientação autopsíquica, relativa à
identidade pessoal e as relações com o grupo social, e a orientação alopsíquica, referente à
consciência do lugar, do tempo e da situação. As desorientações são classificas em seis tipos:
apática (falta de interesse); amnésica (alterações da memória); confucional (turvação da
consciência); delirante (ajuizamento patológico da realidade); histriônica (desorientação
temporo-espacial limitada) e oligofrênica (dificuldade de aprender ou entender).

Consciência – capacidade de o indivíduo dar conta do que ocorre dentro e ao seu redor. O
estado de consciência é suscetível de alterar-se quanto à sua continuidade, amplitude e
claridade, nos estados de obnubilação (ou turvação); estados de coma; estados de
estreitamento da consciência (epilépticos) e estados de dissociação da consciência (casos de
histeria).

Pensamento – traduz a aptidão do indivíduo para elaborar conceitos (aptidão de relacionar a


palavra com seu significado e relacionar os significados entre si), articular esses conceitos em
juízos (capacidade de relacionar conceitos entre si) e, com base nisso, construir raciocínios
(capacidade de concluir por indução, do particular para o geral, por dedução, do geral para o
particular, e por analogia, do conhecimento particular para o particular).

As manifestações qualitativas do pensamento incluem os conceitos, juízos e raciocínios,


cabendo analisar as operações racionais: análise e síntese; generalização e sistematização;
abstração e concreção e comparação.
Nas manifestações quantitativas avalia-se a velocidade de associação das idéias ou o fluxo
das idéias. De modo geral, a análise clínica do pensamento é baseada nos distúrbios de
produção, curso e conteúdo do pensamento.

Quanto à produção, costuma-se distinguir o pensamento mágico (predominância de idéias


primitivas, selvagens ou infantis) e o pensamento lógico.

No curso do pensamento observa-se as seguintes alterações: fuga de idéias (aceleração do


pensamento, com exuberância e incontinência verbal); inibição do pensamento (oposto do
anterior, podendo chegar ao mutismo); perseveração / verbigeração (persistência obstinada
em determinados temas; pronúncia de frases ou palavras inúmeras vezes, sem relação
identificável com a realidade); desagregação (perda da capacidade de estabelecer relações
conceituais), bloqueio/interceptação ou detenção (bloqueio abrupto do curso do
pensamento). No exame do conteúdo do pensamento encontram-se os delírios, as idéias
supervalorizadas e o delirium.

Os delírios podem ser classificados conforme a sua temática (de desconfiança, de


perseguição, de influência, de prejuízo, de referência, de autopreferência, de ciúme, de
grandeza, de descendência, de invenção, de transformação, de prestígio, de missão divina,
de reforma social, de possessão diabólica ou divina, de culpa etc; quanto ao grau de
elaboração (sistematizados e não-sistematizados) e conforme o curso evolutivo (agudos e
crônicos).

As idéias supervalorizadas são causadas por perturbação da capacidade de ajuizar e


constituem uma tendência determinada mais por valores afetivos, passando a determinar a
conduta do indivíduo. Quando tais manifestações se tornam irredutíveis e o indivíduo perde
a capacidade de estabelecer o confronto entre o objetivo e o subjetivo, já se fala em juízos
delirantes.

Emprega-se o termo delirium para caracterizar uma alteração da consciência-vigilância de


natureza orgânica, com a presença de delírios (ex. delirium tremens, delirium febril).

Linguagem – os principais quadro patológicos da linguagem falada de causa orgânica são:

a) disartria - dificuldade de articular palavras; em grau extremo é anartria).

b) disfasia - dificuldade ou perda da capacidade de compreender o significado das


palavras e/ou incapacidade de se utilizar dos símbolos verbais; em grau extremo é
afasia. Existem três tipos básicos de afasia: 1) afasia de Werbucke (afasia nominal),
essencialmente de compreensão, resultante da incapacidade de entender os
símbolos verbais, falados ou escritos, resultando em fala incompreensível; 2) afasia
de Broca (afasia mista), quando todas as modalidades de linguagem estão afetadas;
e 3) afasia motora pura, em que o paciente pode entender o que lhe é dito, pode ler
e escrever, só não pode falar.
c) disfonia – defeito da fala que resulta em alteração da sonoridade das palavras, de
causa periférica (traquéia, aparelho respiratório).

d) dislalia – quando a linguagem resulta defeituosa, sem que haja lesão central.

Os principais quadros patológicos da linguagem falada de causa predominantemente


psíquica são:

a) mutismo;

b) logorréia – fluxo incessante, com comprometimento da coesão lógica (o estado mais


grave é a fuga de idéias, quando a velocidade do fluxo do pensamento ultrapassa as
possibilidades de expressão);

c) jargonofasia – as palavras são pronunciadas corretamente, mas não combinam de


forma lógica (salada de palavras);

d) parafrasia – quando são inseridas numa frase correta uma ou mais palavras sem
correspondência com as demais.

e) neologismo – palavra nova utilizada em lugar de outra, cujo significado somente o


paciente sabe qual é.

f) coprolalia – uso incontrolável de linguagem obscena fora de contexto adequado.

g) Verbigeração ou estereotipia verbal – repetição de sílabas, palavras ou frases de


forma incontrolável e monótona.

h) Pararrespostas – respostas não correspondentes à pergunta feita.

Inteligência – diz-se que um indivíduo será tanto mais inteligente: 1) quanto melhor, mais
rápido e mais facilmente compreenda: 2) quanto maior, mais extenso e variado for o
número de enlaces e associações que estabeleça entre os dados da compreensão; 3) quanto
mais pronta e espontaneamente elabore novas e originais idéias; 4) quanto melhor saiba
ajuizar com segurança e raciocinar com lógica; 5) quanto melhor se adapte às exigências das
situações vitais. As patologias mais freqüentes são os estados deficitários, congênitos ou
adquiridos da atividade intelectual e os métodos utilizados para aferição são feitos por
testes específicos.

Afetividade – revela a sensibilidade interna da pessoa frente à satisfação ou à frustração de


suas necessidades (tendências que impulsionam o indivíduo a praticar um ato ou a buscar
uma categoria determinada de objetos). Os fenômenos afetivos mais elementares são as
emoções (respostas afetivas resultantes da satisfação ou frustração das necessidades
primárias, ou seja, biológicas ou orgânicas) e os sentimentos (vivências relacionadas com a
satisfação ou frustração das necessidades superiores (de natureza estética, ética e moral).
Fala-se em afeto para tipificar uma explosão incontida de emoções ou sentimentos, como
medo, ira, alegria, angústia, paixão, desde que a lucidez de consciência seja mantida.

As alterações patológicas mais freqüentes do humor são:


1. distimia – alteração tanto no sentido de exaltação quanto inibição. Os graus mais
comuns são a distimia depressiva (hipotímica ou melancólica) e a distima hipertímica
(expansiva ou eufórica);

2. disforia – tonalidade do mau humor (irritabilidade, desgosto e agressividade);

3. hipotimia/hipertimia – tristeza e/ou alegria patológica (imotivada ou inadequada).

As alterações mais freqüentes das emoções e dos sentimentos são:

a) ansiedade – é a tensão expectante, que varia da apreensão à aflição. Há uma


vivência de perigo iminente, de origem indeterminada, e um sentimento de
impotência e insegurança diante do perigo, podendo chegar ao pânico;

b) angústia – ocorre quando a ansiedade é acompanhada de sintomas físicos (sudorese,


taquicardia, variação da pressão etc.);

c) apatia – indiferença afetiva;

d) fobia – medo patológico de um objeto específico, com reações inadequadas ao


objeto amedrontador;

e) ambivalência afetiva – sentimentos opostos em relação ao mesmo objeto;

f) labilidade afetiva – mudança rápida e imotivadas das emoções e sentimentos.

Conduta – refere-se a um padrão habitual de comportamento num determinado contexto.


Os transtornos de conduta são classificados por alguns autores em:

a) Alterações patológicas das pulsões (tendências) instintivas, divididas em:

1) perturbações da tendência natural de conservação: condutas suicidas, automutilações,


auto-agressões.

2) perturbações da tendência natural do sono: insônia, hipersonia, cataplexia2.

3) perturbações da tendência de alimentação: anorexia, bulimia, polidipsia3, dipsomania4,


mericismo5, pica6.

4) perturbações da tendência de expansão motora (impulso natural de poder, impulso


agressivo), caracterizadas pelo exagero do impulso agressivo: crueldade (infligir ou mostrar-
se indiferente ao sofrimento alheio); agressividade auto ou heterodirigida (geralmente sob a
forma de sintomas psicossomáticos). Formas particulares de agressividade são o furor
epiléptico, o furor catatônico e o furor maníaco. Esses estados são frequentemente

2
Rigidez provocada por espanto; paralisia causada por espanto. Em sentido amplo, desmaio passageiro
provocado por vivência emocional.
3
Ressecamento incômodo da boca; sede compulsiva, frequentemente de origem psicológica.
4
Abuso periódico do álcool (bebedeira trimestral).
5
Consiste em regurgitar repetidamente o alimento ingerido, voltando a mastigar para voltar a engolir.
6
Gosto perverso. Prazer de comer coisas esquisitas e estranhas (ex. giz).
associados a episódios de agitação psicomotora em pacientes oligofrênicos7, portadores de
quadros demenciais e portadores de afecções do lobo frontal e temporal.

5) perturbações da tendência sexual: impotência, frigidez, ejaculção precoce,


sadomasoquismo, promiscuidade.

6) perturbações da higiene corporal: incontinência fecal e/ou urinária; gatismo8.

b) Alterações patológicas das necessidades ditas superiores (não-primárias): avareza,


prodigalidade, cleptomania, hedonismo9, colecionismo patológico, imediatismo sociopático,
egoísmo, narcisismo.

A ENTREVISTA CLÍNICA ESTRUTURADA PARA O DMS-IV – SCID – é hoje o mais atual e


abrangente para o diagnósticos dos transtornos mentais. Todas as versões da SCID são
compostas por uma série de módulos, cada um destino à avaliação de conjuntos de
categorias diagnósticas agrupadas nos mesmos padrões do DSM-IV.

Os módulos estão organizados hierarquicamente, segundo uma ordem ou seqüência lógica


(denominada algoritmo), que representa o raciocínio clínico completo, considerando as
alternativas que possam (ou devam) ser antecipadas. Os algoritmos diagnósticos são
integrados à estrutura da entrevista, de modo que as várias hipóteses diagnósticas são
sucessivamente testadas. As questões que investigam cada quadro patológico estão
organizadas em hierarquias, assim, a maioria das perguntas só é formuladas se o contexto é
adequado. O primeiro módulo da SCID é a avaliação preliminar, destinada a obter
informações gerais e facilitar o rapport.

Um dos diagnósticos diferenciais mais difíceis de se estabelecer é o da depressão dupla, que


ocorre quando há sobreposição de um Transtorno Depressivo Maior (TDM) à Distimia. Neste
caso, é essencial para o diagnóstico final não só a gravidade dos sintomas, mas também o
seu padrão temporal. Ou seja, o reconhecimento das variações dos quadros
psicopatológicoas, levando em consideração outras informações relevantes, irá ajudar a
desenvolver uma compreensão e uma terapêutica mais adequadas a cada situação.

ENTREVISTA MOTIVACIONAL – EM (ou INTERAÇÃO MOTIVACIONAL) – tem como objetivo


auxiliar nos processos de mudanças comportamentais, trabalhando a resolução da
ambivalência, tendo sido delineada para ajudar na decisão de mudança nos
comportamentos considerados aditivos, como transtornos alimentares, tabagismo, abuso de
álcool e drogas, jogo patológico e outros comportamentos compulsivos. Inspira-se em várias

7
Oligofrenia – deficiência congênita ou precoce de qualquer origem. Idiotia. Debilidade mental.
8
9
O prazer como causa e fim último.
abordagens, como a terapia cognitivo-comportamental, terapia sistêmica, terapia centrada
na pessoa, combinando elementos diretivos e não-diretivos.

De acordo com Heather (1992) os transtornos aditivos são essencialmente problemas


motivacionais, sendo a motivação para a mudança a chave do problema comportamental. O
conflito motivacional (por que mudar?), presente no problema, instala a ambivalência.
Assim, trabalhar a ambivalência nos comportamentos aditivos é trabalhar a essência do
problema, pois nas concepções das terapias pós-comportamentais, a ambivalência não é
considerada um traço de personalidade, mas uma interação dinâmica entre o paciente e
uma situação aguda, imediata e com dimensões interpessoais e intrapessoais.

Na EM os clientes são estimulados a articular para si mesmos suas razões para mudar, por
meio de técnicas de aconselhamento, de feedback adequado e de análise de custo-benefício,
entre outros. A balança decisional é uma estratégia fundamental, utilizada para mostrar os
dois lados do conflito. Outro princípio norteador da EM é o modelo transteórico, composto
por vários conceitos teóricos destinados a descrever os processos demudança do
comportamento humano, baseado na premissa de que a mudança comportamental é um
processo e que as pessoas têm diversos níveis de motivação, de prontidão para mudar. Este
modelo está atualmente sendo empregado nos comportamentos sadios, na área de
educação e da promoção da saúde.

ENTREVISTA LÚDICA

Freud foi o primeiro estudioso que refletiu sobre a função e o mecanismo psicológico da
atividade lúdica infantil. É na situação do brinquedo que a criança procura se relacionar com
o real, experimentando-o a seu modo, procurando construir e recriar sua realidade. Graças
ao processo de projeção dos perigos internos sobre o mundo externo, ela domina a
realidade e realiza seus desejos. O brinquedo é, então, um meio de comunicação; é a ponto
que permite ligar o mundo externo e o interno, a realidade objetiva e a fantasia. Assim,
Freud estabeleceu os marcos referenciais da técnica do jogo, demonstrando que brincar não
é só um passatempo prazeroso, mas também uma maneira de elaborar circunstâncias
traumáticas.

Para Melanie Klein, o brincar é a linguagem típica da criança, equiparada à associação livre e
aos sonhos dos adultos, portanto a neurose de transferência desenvolve-se da mesma
maneira. Anna Freud, ao contrário, afirmava que a criança não possui consciência de sua
doença, pelo que não pode estabelecer uma neurose de transferência com o terapeuta.
Embora divergentes, o trabalho de ambas muito contribuiu para o desenvolvimento da
psicoterapia infantil.
Arminda Aberastury, por sua vez, afirma que a criança não estabelece uma transferência
positiva com o psicoterapeuta, como também é capaz de estruturar, através dos brinquedos,
a representação de seus conflitos básicos, suas principais defesas e fantasias de doença e
cura. Evidenciou, assim, o valor diagnóstico da entrevista lúdica, considerando que qualquer
tipo de brinquedo oferece possibilidades projetivas.

A hora do jogo diagnóstica, fundamentada num referencial teórico psicodinâmico, é um


recurso técnico que o psicólogo utiliza dentro do processo psicodiagnóstico, que tem
começo, desenvolvimento e fim em si mesmo, operando com unidade para o conhecimento
inicial da criança, devendo interpreta-la como tal, e cujos dados serão ou não confirmados
com a testagem. A primeira hora do jogo terapêutico é apenas um elo dentro de um
contexto maior, onde irão surgir novos aspectos e modificações estruturais em função da
intervenção ativa do terapeuta.

Uma entrevista lúdica consiste em oferecer à criança oportunidade para brincar, como
deseje, com todo o material lúdico disponível na sala, esclarecendo sobre o espaço onde
poderá brincar, o tempo disponível, os papéis dela e do psicólogo, bem como sobre os
objetivos dessa atividade, que possibilitará conhecê-la mais para posteriormente ajudá-la.

A entrevista lúdica refletirá o estabelecimento de um vínculo transferencial breve. Nos


brinquedos oferecidos pelo psicólogo, a criança deposita parte dos sentimentos,
representante de distintos vínculos com objetos de seu mundo internos. Assim, muitos
fenômenos que não seriam obtidos pela palavra poderão ser observados através do brincar.

Uma análise detalhada da hora do jogo permite: a) conceitualização do conflito atual do


paciente; b) evidenciar seus principais mecanismos de defesa e ansiedades; c) avaliar o tipo
de rapport que pode estabelecer a criança com o terapeuta e o tipo de ansiedade que
contratransferencialmente pode despertar nele; d) manifestar a fantasia de doença e cura.
Não existe um roteiro padronizado para analisar a entrevista lúcida, mas são proposto oito
indicadores para orientar a análise com fins prognósticos e diagnósticos, especialmente para
o nível de funcionamento da personalidade: 1. escolha de brinquedos e jogos; 2. modalidade
do brinquedo; 3. motricidade; 4. personificação; 5. criatividade; 6. capacidade simbólica; 7.
tolerância à frustração e 8. adequação à realidade.

1. escolha de brinquedos e jogos – relaciona-se com o momento evolutivo emocional e


intelectual em que a criança se encontra.

2. modalidade de brinquedo – baseia-se nas formas de manifestação simbólica de seu


ego e de seus traços de funcionamento psíquico. Entre as principais modalidades
estão a plasticidade (fantasia expressa através de brincadeiras organizadas, com
seqüência lógica, utilizando brinquedos que podem modificar a sua função de
acordocom a sua necessidade de expressão), a rigidez (fixação de certos
comportamentos ou ações lúdicas para expressar uma mesma fantasia; dificuldades
para aproveitar ou modificar os atributos dos brinquedos), a estereotipia (falta de
resposta afetiva e presença de maneirismos e movimentos estereotipados, assim
como ações auto-agressivas, evidenciando desconexão com o mundo externo) e a
perseveração (idem).

3. motricidade – manejo adequado das possibilidades motoras, referente à integração


do esquema corporal, organização da lateralidade e estruturação espaço-temporal,
possibilitando à criança o domínio do mundo externo e satisfação de suas
necessidades com autonomia.

4. personificação – capacidade da criança para assumir e desempenhar papéis no


brinquedo, mostrando o equilíbrio – ou não – entre o superego, o id e a realidade, e
também a capacidade de fantasia na definição de determinados papéis.

5. criatividade – processo mental de manipulação do ambiente do qual resultam novas


idéias, formas e relações.

6. capacidade simbólica – expressa pela habilidade no uso de uma variedade de


elementos para se expressar no brinquedo; o simbolismo habilita a criança a
transferir interesses, fantasias e ansiedades para outros objetos.

7. tolerância à frustração e (8) adequação à realidade são indicadores que têm relação
com a aceitação ou não de limites, do próprio papel e do papel do outro, assim como
das possibilidades egóicas e do princípio de prazer e realidade.

PASSOS DO PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO

1) ‘Formulação das perguntas básicas

2) Contrato de trabalho

3) Estabelecimento de um plano de avaliação (bateria de testes padronizadas e/ou não-


padronizadas)

4) Administração de testes e técnicas: particularidades da situação da interação com e


examinando e do manejo clínico.

5) Levantamento, análise, interpretação e integração dos dados.

6) Diagnóstico e prognóstico (classificação diagnóstica cf. CID 10 e DSM-IV).

7) Comunicação dos resultados.

Roteiro:

- Motivos de encaminhamento

- Descrição

- Plano de avaliação

- Observação
- História clínica

- Integração e seleção dos dados

- Entendimento dinâmico

- Discussão sobre os achados nas técnicas e testes, em função das hipóteses e perguntas
iniciais

- Fundamentação das hipóteses diagnósticas

- Laudo psicológico

AVALIAÇÃO INTER E TRANSGERACIONAL DA FAMÍLIA

Todo psicólogo solicitado a intervir num dado problema, deverá, em primeiro lugar, situar o
ponto do ciclo vital em que o solicitante se encontra. Esse ciclo é constituídos pelos
momentos mais significativos da vida pessoal/familiar, onde existem zonas de estabilidade
e/ou inestabilidade, correspondentes a mudanças na organização pessoal/familiar,
geradoras tanto de equilíbrio como de desequilíbrios.

A organização da família está formada por uma rede de relações que é preexistente ao
sujeito. O ser humano mantém vinculação com seus semelhantes, para uma adequada
satisfação de suas necessidades múltiplas e diferenciadas e cada família desenvolve uma
estrutura característica, um padrão de regras e papéis, dentro dos quais seus membros
funcionam. São as regras ou normas estabelecidas pela família que nortearão a conduta de
seus membros. Os ritos são moldados pelas regras estabelecidas pela família, cujos hábitos
são exteriorizados através de ritos e ancorados nas regras por ela definidas.

Os ritos são produtos da tradição, transmitidos culturalmente e sancionados pelo consenso


grupal, e exigem, como condição básica, a crença em sua eficácia e a repetição constante.
Tanto os mitos quanto os ritos são a expressão do aparelho psíquico da família e expressam
sua dinâmica, sendo que eles podem ser tanto altamente criadores quanto destruidores,
caso se tornem rígidos. (Bucher, 1985)

Cf. Vilhena (1988), a família não é apenas entidade grupal ou social mas também uma
entidade psíquica, onde os mecanismos de projeção são constantes e maciços, sendo as
projeções múltiplas próprias do sistema, do grupo familiar. A família elabora uma imagem
interiorizada, comum ao grupo, unindo seus membros em um projeto comum. Assim sendo,
a perspectiva intergeracional considera os problemas individuais como familiares – com sua
raiz em fatos passados, constituindo a história natural da família – transmitidos de geração
em geração, por meio de condutas repetitivas.
A abordagem intergeracional, desta forma, procede a uma análise da transmissão dessa
cultura familiar, de uma geração para outra e entre os membros da mesma geração,
identificando padrões, costumes, segredos, mitos e problemas que determinam o
funcionamento pessoal/familiar. Assim, o psicólogo trabalha em dois eixos, o vertical, ou
transgeracional, onde são identificados papéis e funções característicos da família, bem
como o nível de autonomia e diferenciação de cada elementos face à sua família de origem;
e o eixo horizontal, que inclui o estudo dos padrões da interação pessoal e familiar, bem
como o modo como o indivíduo e/ou grupo familiar lida com as dificuldades da vida.

O genetograma é um instrumento clínico de investigação inter e transgeracional, baseado na


teoria sistêmica familiar de Murray Bowen, cujo formato padronizado registra informações a
respeito dos membros da família e de seu relacionamento ao longo de três gerações, tendo
como pilar de sustentação o retrato gráfico de como os diferentes membros de uma família
estão biologicamente e legalmente relacionados uns com os outros, de uma geração para a
outra. A identificação dos diferentes padrões de interação entre os membros da família,
assim como os papéis de cada um deles e o traçado das mudanças que ocorreram ao redor
dos diversos eventos e transições proporcionam indícios para a formulação de hipóteses a
respeito do estilo adaptativo ou não da família.

As avaliações dos padrões de funcionamento e relacionamentos, principalmente após


determinados eventos e/ou transições, fornecem pistas sobre regras familiares, padrões de
organização e fontes de recursos ou de resistência da família. Os princípios interpretativos
do genetograma têm como base a teoria geral dos sistema e, nessa, a perspectiva que
considera as relações familiares como determinantes da saúde emocional de seus membros.

AVALIAÇÃO PROSPECTIVA: O EXAME PRECOCE DA CRIANÇA

O modelo baseia-se em uma perspectiva de articulação cruzada dos procedimentos de


avaliação com os de intervenção. À medida que é possível constatar os resultados da
avaliação, vão sendo formuladas e aplicadas as estratégias de intervenção decorrentes, e
seus resultados, por sua vez, consequentemente avaliados, configurando-se fases
(avaliação/intervenção) até a conclusão do estudo.

Entende-se por avaliação a compreensão do momento evolutivo da criança nas suas


diferentes áreas do seu desenvolvimento, especificando aspectos significativos e suas
interrelações com o ambiente sócio-familiar em que ela vive. Compreende as ações de
compilar, analisar, interpretar e integrar dados que possam conduzir ao efetivo
conhecimento das condições em que se apresenta o desenvolvimento da criança, inclusive
seu progresso e limitações. Nessa atividade elaboram hipóteses que serão aceitas ou
rejeitadas, identificam fatores de risco e proteção, manifestações de resiliência e indicadores
da probabilidade prospectiva (sinais de alerta).
O processo de intervenção tem por finalidade proporcionar à criança condições apropriadas
ao seu desenvolvimento, incluindo desde pequenas mudanças no ambiente até a
implementação de programas completos.

AVALIAÇÃO PSICOMÉTRICA

Em psicologia é usual a construção de escalas para medir variáveis, conceitos ou constructos


teóricos não diretamente observáveis, como inteligência, depressão, traços de
personalidade etc. O objetivo é que essas medidas sejam o mais precisas possível
(fidedignidade e validade). A maioria das escala de medidas em ciências do comportamento
são escalas aditivas, obtidas a partir da soma de vários itens selecionados. A construção de
escalas aditivas é normalmente feita a partir de marcos teóricos estabelecidos e de
resultados empíricos de pesquisas já realizados ou adaptadas de outros países para o
contexto local. O processo de verificação da fidedignidade e de validação das escalas de
medida segue alguns critérios.

Os conceitos principais de fidedignidade de um teste dizem respeito ao problema de


estabilidade no tempo e ao problema de consistência interna da escala. Diversos métodos
para obter a fidedignidade são sugeridos, como:

a) Método do teste-reteste – baseia-se na repetição de mensurações em condições


constantes, i.é, pode-se estimar fidedignidade repetindo a aplicação da escala ou
teste sobre a mesma pessoa usando os mesmos métodos.

b) Método das formas paralelas – versões supostamente equivalentes da escala são


dadas aos mesmos indivíduos e os resultados correlacionados.

c) Método das metades – é utilizado quando uma única forma do teste ou escala foi
aplicada numa única sessão. O conjunto de itens do teste é dividido em duas
metades e os escores para as duas metades são correlacionados.

d) Coeficientes de consistência interna – a consistência interna do instrumento será


maior quanto maior for a homogeneidade do conteúdo expresso através dos itens.

PERÍCIA PSICOLÓGICA NA ÁREA FORENSE

Sempre que questões de decisão judicial são colocadas, elas se referem a capacidades
individuais físicas, mentais e/ou sociais, relacionada à vida passada, corrente ou futura do
sujeito. As decisões na área criminal ou cível relacionam-se com a avaliação de competências
legais. O objetivo é atribuir ou não ao sujeito um status de debilidade ou insuficência, que é
percebido como comprometedor do bem-estar do indivíduo ou da sociedade. A construção
dos limites da competência está ligada aos valores da sociedade e serve para reforçar ou
restringir os direitos das pessoas para determinados propósitos.

O papel do psicólogo junto ao pedido de uma avaliação forense pode se dar: a) como perito
oficial, quando designado pelo juiz no decorrer do processo; b) em função de seu
desempenho profissional, em uma instituição pública; c) a pedido de uma das partes
litigantes, quando é conhecido como perito assistente. A legitimação do papel do psicólogo
como perito se encontra no Decreto-lei 53.664, de 21 de janeiro de 1964. O cliente do
psicólogo poderá ser tanto o sujeito (periciado) como o sistema mais amplo (sociedade).

Na área penal o trabalho do psicólogo pode dar-se em dois momentos do andamento


processual: primeiro, num período anterior à definição da sentença, quando se verificará a
responsabilidade penal (imputabilidade) do acusado, ou durante a fase de execução da
pena, através do exame criminológico. O exame para verificação de responsabilidade penal é
realizado por peritos médicos (psiquiatras), estando o psicólogo em posição auxiliar
(testagens). Esse exame tem por objetivo verificar se o culpado de um delito o cometeu em
estado mental idôneo (capacidade para discernir sobre o seu ato). O exame criminológico
visa a investigação da dinâmica do ato criminoso, de suas causas e dos fatores a ele
associados, com o objetivo de determinar uma maior ou menor probabilidade de
reincidência. (no Brasil este tem se restringido à concessão de benefícios, como o livramento
condicional).

Na área do direito de família, o trabalho do psicólogo envolve as questões familiares de


maus-tratos, guarda de filhos, destituição do pátrio poder e interdições. O psicólogo atua
também na avaliação de danos psíquicos para ressarcimento (dano moral ou psicológico).

AVALIAÇÃO RETROSPECTIVA: AUTÓPSIA PSICOLÓGICA PARA CASOS DE SUICÍDIO

Objetiva identificar comunicações prévias da intenção de se matar de um indivíduo,


possibilitando observar pistas diretas ou indiretas relacionadas àquele comportamento letal
que estava por vir. A autópsia psicológica busca compreender os aspectos psicológicos de
uma morte específica, esclarecendo o modo da morte e a intenção letal ou não do morto,
identificando motivação, intencionalidade, letalidade e precipitadores e/ou estressores.

TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA


Bender (B-G) – Teste Gestáltico Visomotor – possibilita tanto uma exploração nomotética
como idiográfica do indivíduo. Possibilita 1) medida de inteligência de crianças de 4 a 12
anos ou de adolescentes e adultos, com idade mental correspondente; 2) medida de
maturação visomotora ou perceptual, investigação de alterações do desenvolvimento
neurológico e problemas de ajustamento; 3) triagem de disfunção cerebral e alguns tipos de
lesão cerebral; 4) avaliação de déficits cognitivos etc.

Binet – escala Binet-IV – Medida da capacidade intelectual global.

CAT (Children Apperception Test) – Indicação do estádio de desenvolvimento infantil;


indicação de necessidade de intervenção terapêutica e acompanhamento da evolução do
processo terapêutico.

Columbia (Escala de Maturidade Mental) – avaliação da capacidade de raciocínio geral em


crianças normais ou com problemas de ordem motora; teste de triagem intelectual.

Desenho da figura humana (Goodenough)– medida de desenvolvimento cognitivo.

Desenho da figura humana (Machouver) – Avaliação da personalidade; identificação de


indicadores emocionais e psicopatológicos.

EFE – Entrevista Familiar Estruturada – avaliação das relações familiares facilitadoras ou não
de saúde emocional.

Escala de Desesperança de Beck (BHS) – avaliação do pessimismo ou expectativas negativas


frente ao futuro em pacientes psiquiátricos; triagem de atitudes pessimistas em
adolescentes e adultos normais.

Escala de Ideação Suicida de Beck (BSI) – identificação da presença ou não de ideação suicida
ou intensidade (gravidade) da ideação.

ESCALAS WECHSLER – avaliação do QI.

Figuras complexas de Rey – avaliação neuropsicológica de funções de percepção e memória.

HTP – avaliação da personalidade e de suas interações com o ambiente.


IDATE – avaliação da ansiedade, como estado e como traço.

INV – Teste de Inteligência Não-Verbal – medida de inteligência geral; avaliação do nível


intelectual em analfabetos, sujeitos de língua estrangeira, surdos e sujeitos com problemas
de linguagem; investigação de déficits neuropsicológicos.

IFP – Inventário Fatorial de Personalidade – medida de variáveis da personalidade normal

MMPI – Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade – criada para uso em grupos


para identificar sintomas, comportamentos e características da personalidade

PMK – Teste Psicodiagnóstivo Miocinético – avaliação clínica da personalidade,


especialmente quanto à agressividade, emocionalidade, tônus psicomotor e aspectos
psicopatológicos: avaliação de condições para orientação e seleção profissional.

PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS (D-E) – investigação da dinâmica inconsciente da


personalidade

RAVEN – Teste de Matrizes Progressivas – medida de inteligência; avaliação da capacidade


de exatidão e clareza de raciocínio lógico com poder de discriminação nos níveis mais altos
de inteligência.

RORSCHACH – Diagnóstico de personalidade, em clínica, planejamento terapêutico, seleção


profissional e na área forense. Detecção da dinâmica interpessoal e planejamento da terapia
familiar na forma consensual. Prognóstico.

TAT – Thematic Aperception Test (Teste de Apercepção Temática) – avaliação da


personalidade, principalmente a natureza dos vínculos afetivos, identificação de conflitos e
mecanismos de defesa. Subsídios sobre a função cognitiva de planejamento e capacidade de
organização e manutenção de idéias.

TESTE DAS FÁBULAS – método projetivo para investigação de conflitos inconscientes

WARTEGG – avaliação da personalidade, em clínica, na área escolar e organizacional.


DESIDERATIVO – avaliação dinâmica (hierarquia de desejos, condições de integridade do ego
diante da morte etc.).

WAIS – medida de inteligência geral, de indícios psicopatológicos e avaliação


neuropsicológica.

WAIS III – medida de inteligência geral; identificação de forças e fraquezas no


funcionamento cognitivo; avaliação do impacto de problemas psicopatológicos sobre o
funcionamento cognitivo.

WAIS-R NI – avaliação neuropsicológica; triagem para avaliação mais completa.

WISCONSIN – medida do pensamento abstrato; flexibilidade na resolução de problemas;


déficits neuropsicológicos.

ZULLIGER (Z-Teste) – técnica projetiva de avaliação da personalidade, recomendada para fins


de seleção ou classificação de pessoal e de pesquisa.

HISTÓRIA DO PSICODIAGNÓSTICO

1 – Introdução:

A palavra diagnóstico origina-se do grego diagõstikós e significa discernimento, faculdade de


conhecer, de ver através de. Este seria o sentido mais amplo, e desta forma o diagnóstico é
inevitável. Em sentido mais restrito, utiliza-se o termo diagnóstico para referir-se à
possibilidade de conhecimento que vai além daquela que o senso comum pode dar, ou seja,
a possibilidade de significar a realidade fazendo uso de conceitos, noções e teorias
científicas.

O diagnóstico psicológico busca uma forma de compreensão situada no âmbito da


Psicologia. Em nosso país, é uma das funções exclusivas do psicólogo garantidas pela Lei nº
4119 de 27/08/62, que dispõe sobre a formação em Psicologia e regulamenta a profissão de
psicólogo.

Quando nos dispomos a realizar um psicodiagnóstico, presumimos possuir conhecimentos


teóricos, dominar procedimentos e técnicas psicológicas. Devemos nos lembrar que devido
ao grande número de teorias existentes, a atuação do psicólogo varia consideravelmente.
Com isso o próprio uso do termo varia e muitas vezes, ao invés de “diagnóstico psicológico”
encontra-se “psicodiagnóstico”, “diagnóstico da personalidade”, “estudo de caso” ou
“avaliação psicológica”.

Segundo Trinca (1984) na avaliação psicológica houve uma procura de integração das
diversas abordagens e quando olhamos concretamente para a Psicologia Clínica, verificamos
grandes variações de conhecimentos e atuações, e, portanto, na prática do psicodiagnóstico,
temos também várias formas de atuação, muitas das quais não podem ser consideradas
decorrentes de exclusivamente uma ou outra abordagem.

Atualmente, todas as correntes em Psicologia concordam, embora partindo de pressupostos


e métodos diferentes, que, para se compreender o homem é necessário organizar
conhecimentos que digam respeito à sua vida biológica, intrapsíquica e social não sendo
possível excluir nenhum desses horizontes.

Segundo Ocampo (1981) o processo Psicodiagnóstico era considerado, anteriormente, como


uma situação em que o psicólogo aplicava um teste em alguém. Ele então cumpria uma
solicitação seguindo os passos e utilizando os instrumentos indicados por outros
profissionais, quase sempre da área médica (psiquiatra, pediatra, neurologista). Assim o
psicólogo atuava como alguém que aprendeu a aplicar testes e esperava que o paciente
colaborasse docilmente.

O psicólogo trabalhou durante muito tempo com um modelo similar ao do médico clínico
que, para proceder com eficiência e objetividade, toma a maior distância possível em relação
a seu paciente a fim de estabelecer um vínculo afetivo que não lhe impeça de trabalhar com
a tranqüilidade e objetividade necessárias. Ocampo (1981) atribui este fato à falta de uma
identidade sólida por parte do psicólogo, que lhe permitisse saber quem era e qual era seu
verdadeiro trabalho dentro das ocupações ligadas à saúde mental. Neste momento os testes
eram utilizados no psicodiagnóstico como se eles constituíssem em si mesmos o objetivo do
psicodiagnóstico e como escudo entre o profissional e o paciente, para evitar pensamentos e
sentimentos que mobilizassem afetos.

Observamos aqueles profissionais que buscaram uma aproximação autêntica com o


paciente, mas para isso tiveram que abandonar o modelo médico sem estarem preparados
para isso. Com a difusão da Psicanálise os psicólogos optaram por aceitá-la como modelo de
trabalho, o que trouxe progressos e ao mesmo tempo uma nova crise de identidade no
psicólogo, uma vez que este se esqueceu que a dinâmica do processo psicanalítico era muito
diferente da dinâmica do processo psicodiagnóstico.

Assim podemos perceber, como nos mostra Ocampo (1981), que o psicólogo teve que
percorrer as mesmas etapas que um indivíduo percorre em seu crescimento. Buscou figuras
boas para se identificar, aderiu ingênua e dogmaticamente a certa ideologia e identificou-se
com outros profissionais, até que pôde questionar-se sobre a possibilidade de não ser como
eles. Por fim entrou em um período de maturidade ao perceber que utilizava uma “pseudo” -
identidade que distorcia sua identidade real, conseguindo assim uma maior autonomia de
pensamento e prática.

A palavra diagnóstico origina-se do grego diagõstikós e significa discernimento, faculdade de


conhecer, de ver através de

O diagnóstico psicológico busca uma forma de compreensão situada no âmbito da


Psicologia. Em nosso país, é uma das funções exclusivas do psicólogo garantidas pela Lei nº
4119 de 27/08/62, que dispõe sobre a formação em Psicologia e regulamenta a profissão de
psicólogo

2 - FUNDAMENTOS DO PSICODIAGNÓSTICO E SEU HISTÓRICO


“Os psicólogos, hoje em dia, não apenas administram testes; eles realizam avaliações”.
Segundo Jurema Cunha e colaboradores “os psicólogos realizam avaliações; psicólogos
clínicos, entre outras tarefas, realizam psicodiagnósticos”. A avaliação psicológica é um
conceito muito amplo. O psicodiagnóstico é um capítulo dentro da avaliação psicológica,
realizado com propósitos clínicos e, portanto não abrange todos os modelos de avaliação
psicológica das diferenças individuais. Testagem é um método de avaliação psicológica.
Psicodiagnóstico pressupõe a utilização de outros instrumentos, além dos testes, para
abordar os dados psicológicos de forma sistemática, científica, orientada para a resolução de
problemas.

O psicodiagnóstico nasceu (derivou) da Psicologia Clínica que foi criada sob a tradição da
psicologia acadêmica e da tradição médica e é um ramo da Psicologia que tem por finalidade
básica o desenvolvimento e a aplicação das técnicas de diagnóstico e psicoterapêuticas para
a identificação e tratamento de distúrbios do comportamento. Entre essas técnicas ¾
usualmente designadas pelo nome de método clínico ¾ salientam-se as entrevistas, os
testes, as técnicas projetivas e a observação diagnóstica.

Pode-se dizer que as primeiras sementes do psicodiagnóstico foram lançadas no final do


século XIX e no início do século XX, através dos trabalhos de Galton que introduziu o estudo
das diferenças individuais, de Cattell, a quem se devem as primeiras provas, designadas
como testes mentais, e de Binet, que propôs a utilização do exame psicológico (através da
mensuração intelectual) como coadjuvante da avaliação pedagógica. Por tais razões, foi
atribuída a paternidade do psicodiagnóstico a esses três autores: Galton, Cattell e Binet.

A tradição psicométrica (medida quantitativa dos fenômenos psíquicos) foi desta maneira
fundada e ficou sedimentada pela difusão das escalas de Binet que em 1905 apresenta um
teste de inteligência para separar crianças com retardo mental, seguidas pela criação dos
testes do exército americano em 1906 que foi o primeiros teste coletivos para selecionar
recrutas.

Por outro lado, na medicina, após a reabilitação moral dos casos psiquiátricos (abolição dos
métodos terapêuticos brutais ¾ eletrochoque), iniciada por Philippe Pinel, a necessidade de
compreender o doente mental, obrigou o meio médico a estudar a doença mental. Como
seria de esperar, as causas da doença mental foram buscadas no organismo e, em especial,
no sistema nervoso, e, como decorrência disso, “os pacientes psiquiátricos, não mais
considerados lunáticos, se tornaram ” nervosos “ou” neuróticos “.

Desta época, data a divisão dicotômica dos transtornos psiquiátricos em “orgânicos” e


“funcionais”. Foi nessa escala pré-dinâmica da psiquiatria que surgiu Emil Krapelin, que se
notabilizou por seu sistema de classificação dos transtornos mentais e, especialmente, por
seus estudos diferenciais entre esquizofrenia e psicose maníaco-depressiva. Em
conseqüência, as classificações nosológicas e o diagnóstico diferencial ganharam ênfase.

É importante lembrar que ao mesmo tempo Freud publica “A interpretação dos sonhos”,
que provinha da melhor tradição neurofisiológica, mas que representou o primeiro elo de
uma corrente de conteúdo dinâmico, logo em seguida com o aparecimento do teste de
associação de palavras, de Jung, fornecendo a base para o lançamento, mais tarde, das
técnicas projetivas.

A expressão psicodiagnóstico é utilizada pela primeira vez por Hermann Rorschach quando
publica em 1921 seu teste de manchas de tinta. O teste passou a ser utilizado como um
passo essencial (e, às vezes, único) do processo psicodiagnóstico. A grande popularidade
alcançada nas décadas de quarenta e cinqüenta é atribuída ao fato de que os dados gerados
pelo método eram compatíveis com os princípios básicos da teoria psicanalítica.

Esse foi o tempo áureo das técnicas de personalidade. Embora o teste de Rorschach e o
Teste de Apercepção Temática (Apercepção ¾ a partir da apresentação de um estímulo em
forma de tema por exemplo, leva o sujeito a aperceber nele necessidades e motivos que
existiam no seu inconsciente e que projeta no tema, assim facilitando o diagnóstico de seus
ajustamentos e desajustamentos) fossem os instrumentos mais conhecidos, começaram a se
multiplicar rapidamente as técnicas projetivas, como o teste da figura humana, o Szondi
(protótipo do BBT: teste de fotos de profissões) e tantos outros. Entretanto, a partir de
então, as técnicas projetivas começaram a apresentar certo declínio em seu uso, por
problemas metodológicos, pelo incremento de pesquisas com instrumentos alternativos,
como o MMPI e outros inventários de personalidade, por sua associação com alguma
perspectiva teórica, novamente a psicanalítica e pela ênfase na interpretação intuitiva
apesar de esforços para o desenvolvimento de sistemas de escores. Apesar disso, essas
técnicas ainda são bastante utilizadas, embora com objeções por parte dos psicólogos que
lutam por avaliações de orientação condutista (behaviorista) e biológica.

Atualmente, há indiscutível ênfase no uso de instrumentos mais objetivos e entrevistas


diagnósticas mais estruturadas, notadamente com o incremento no desenvolvimento de
avaliações computadorizadas de personalidade que vêm oferecendo novas estratégias neste
campo.

Também, as necessidades de manter um embasamento científico para o psicodiagnóstico,


compatível com os progressos em outros ramos da ciência, têm levado ao desenvolvimento
de novos instrumentos mais precisos, especialmente após o advento do DSM-IV e de
baterias padronizadas, que permitem nova abordagem na área diagnóstica da
neuropsicologia, constituída pela confluência da psicologia clínica e da neurologia
comportamental

Por outro lado, pode-se afirmar, que “o campo da avaliação psicológica da personalidade
tem feito contribuições vitais para a teoria, prática e pesquisa clínica”.

Mas alguns autores propõem uma questão: terá o psicodiagnóstico o impacto que merece?

Neste sentido, algumas pesquisas foram desenvolvidas, uma delas com 70 pacientes,
encontrando concordância entre as recomendações diagnósticas do psicólogo e do
psiquiatra, em 94% dos casos, mesmo quando havia ocorrido uma discordância inicial.
Considera que o reconhecimento da qualidade do psicodiagnóstico tem que ver, em primeiro
lugar, com um refinamento dos instrumentos e, em segundo lugar, com estratégias de
marketing de que o psicólogo deve lançar mão para aumentar a utilização dos serviços de
avaliação pelos receptores de laudos.

Também se levantou outra questão: observando que muitas vezes psicólogos competentes
acabam por “fornecer uma grande quantidade de informações inúteis para as fontes de
encaminhamento”, por falta de uma compreensão adequada das verdadeiras razões que
motivaram o encaminhamento ou, em outras palavras, por desconhecimento das decisões
que devem ser tomadas com base nos resultados do psicodiagnóstico.
As sugestões apontadas, de conhecer as necessidades do mercado e de desenvolver
estratégias de conquistas desse mercado, parecem se fundamentar na pressuposição de que
o psicólogo, sobrecarregado com suas tarefas, não está avaliando a adequabilidade de seus
dados ao público consumidor.

Mas que público é este? Que profissionais ou serviços podem ter necessidade de solicitar
psicodiagnósticos? Primeiramente, vejamos onde costuma trabalhar um psicólogo que lida
com psicodiagnósticos. Mais comumente exerce suas funções numa instituição que presta
serviços psiquiátricos ou de medicina geral, num contexto educacional ou legal ou numa
clínica ou consultório psicológico, em que o psicólogo recebe encaminhamento
principalmente de psiquiatras, de outros médicos (pediatras, neurologistas, etc.), da
comunidade escolar (de orientadores, professores, etc.), de juízes ou de advogados, ou
atende casos que procuram espontaneamente um exame, ou são recomendados por algum
familiar ou amigo.

A questão básica com que se defronta o psicólogo é que, embora um encaminhamento seja
feito, porque a pessoa necessita de subsídios para basear uma decisão para resolver um
problema, muitas vezes ela não sabe claramente que perguntas levantar ou, por razões de
sigilo profissional, faz um encaminhamento vago para uma “avaliação psicológica”. Em
conseqüência, uma das falhas comuns do psicólogo é a aceitação silenciosa de tal
encaminhamento, com a realização de um psicodiagnóstico, cujos resultados não são
pertinentes às necessidades da fonte de solicitação.

É, pois, responsabilidade do clínico manter canais de comunicação com os diferentes tipos


de contextos profissionais para os quais trabalha, familiarizando-se com a variabilidade de
problemas com que se defrontam e conhecendo as diversas decisões que os mesmos
pressupõem. Mais do que isto: deve determinar e esclarecer o que dele se espera, no caso
individual. Esta é uma estratégia de aproximação, que lhe permitirá adequar seus dados às
necessidades das fontes de encaminhamento, de forma que seus resultados tenham o
impacto que merecem e o psicodiagnóstico receba o crédito a que faz jus.

“Os psicólogos, hoje em dia, não apenas administram testes; eles realizam avaliações”.

O psicodiagnóstico é um capítulo dentro da avaliação psicológica, realizado com propósitos


clínicos e, portanto não abrange todos os modelos de avaliação psicológica das diferenças
individuais. Testagem é um método de avaliação psicológica. Psicodiagnóstico pressupõe a
utilização de outros instrumentos, além dos testes, para abordar os dados psicológicos de
forma sistemática, científica, orientada para a resolução de problemas.

3 - O PSICODIAGNÓSTICO CLÍNICO NA ATUALIDADE

Segundo Arzeno (1995), o psicodiagnóstico está recuperando-se de uma época durante a


qual poderíamos dizer que havia caído no descrédito da maioria dos profissionais da saúde
mental.

É imprescindível revalorizar a etapa diagnóstica no trabalho clínico, e um bom diagnóstico


clínico está na base da orientação vocacional e profissional, do trabalho com peritos
forenses ou trabalhistas, etc.
Se o psicólogo é consultado é porque existe um problema, alguém sofre ou está incomodado
e deve indagar a verdadeira causa disso.

Fazer um diagnóstico psicológico não significa necessariamente o mesmo que fazer um


psicodiagnóstico. Este termo implica automaticamente a administração de testes e estes
nem sempre são necessários ou convenientes.

Um diagnóstico psicológico tão preciso quanto possível é imprescindível por diversas razões:

• Para saber o que ocorre e suas causas, de forma a responder ao pedido com o qual
foi iniciada a consulta.

• Porque iniciar um tratamento sem o questionamento prévio do que realmente


ocorre representa um risco muito alto. Significa, para o paciente, a certeza de que se
pode “curá-lo” (usando termos clássicos). E o que ocorre se logo aparecem
patologias ou situações complicadas com as quais o psicólogo não sabemos lidar,
que vão além daquilo que podemos absorver, através de supervisões e análises?
Buscaremos a forma de interromper (consciente ou inconscientemente) o
tratamento com a conseguinte hostilidade ou decepção do paciente, o qual terá
muitas duvidas antes de tornar a solicitar ajuda.

• Para proteger o psicólogo, que ao iniciar o tratamento contrai automaticamente um


compromisso em dois sentidos: clínico e ético. Do ponto de vista clínico, deve estar
certo de poder ser idôneo perante o caso sem cair em posturas ingênuas nem
onipotentes. Do ponto de vista ético, deve proteger-se de situações nas quais está
implicitamente comprometendo-se a fazer algo que não sabe exatamente o que é.
No entanto, a conseqüência do não cumprimento de um contrato terapêutico é, em
alguns países, a cassação da carteira profissional.

Por estas razões explica-se a importância da etapa diagnóstica, sejam quais forem os
instrumentos científicos utilizados na mesma. Freud já falava da importância desta etapa, à
qual ele dedicava os primeiros meses do tratamento. Coloca que ela é vantajosa tanto para o
paciente quanto para o profissional, que avalia assim se poderá ou não chegar a uma
conclusão positiva.

Quando se dedica muito tempo ao diagnóstico acaba-se estabelecendo uma relação


transferencial muito difícil de dissolver caso a decisão de interromper o processo for
tomada. Além do mais, dispomos na atualidade de muitos recursos que permitem solucionar
as dúvidas em um tempo menor.

Vejamos agora, segundo Arzeno (1995) com quais finalidades pode ser utilizado o
psicodiagnóstico.

1) Diagnóstico. Conforme o exposto acima é óbvio que a principal finalidade de um estudo


psicodiagnóstico é a de estabelecer um diagnóstico. E cabe esclarecer que isto não equivale a
“colocar um rótulo”, mas a explicar o que ocorre além do que o paciente pode descrever
conscientemente.

Durante a primeira entrevista elaboramos certas hipóteses presuntivas. Mas a entrevista


projetiva, mesmo sendo imprescindível, não é suficiente para um diagnóstico
cientificamente fundamentado.

Lembremos o que diz Karl Meninger, no prefácio do livro de David Rapaport:


Durante séculos o diagnóstico psiquiátrico dependeu fundamentalmente da observação
clínica. Todas as grandes obras mestras da nosologia psiquiátrica foram realizadas sem a
ajuda das técnicas de laboratório e de nenhum dos instrumentos de precisão que atualmente
relacionamos com o desenvolvimento da ciência moderna. Tanto a psiquiatria do século XIX
como a da primeira parte do século XX, era uma psiquiatria de impressões clínicas, de
impressões colhidas graças a uma situação privilegiada: a do médico capacitado para
submeter o paciente a exame. Mas esse exame à sua disposição não era de modo algum
uniforme ou estável; e tampouco poderia ter sido padronizado de forma que fosse possível
comparar os diferentes dados obtidos. Com o advento dos modernos métodos de exame
psicológico através de testes, a psiquiatria atingiu a idade adulta dentro do mundo científico.
Sem medo de exagerar pode-se afirmar que é o campo da ciência mental que tem tido o
maior progresso relativo nos últimos anos.

Meninger foi durante muitos anos chefe da clínica que leva seu nome. Ele apoiou e animou a
criação e o desenvolvimento dos testes tanto projetivos como objetivos. Cada paciente que
ingressava na clínica era submetido a uma bateria completa de testes.

Ainda hoje esse modelo de trabalho é eficiente, porque a entrevista clínica não é uma
ferramenta infalível, a não ser quando em mãos de grandes mestres, e às vezes, nem mesmo
nesses casos. Os testes tão pouco o são. Mas se utilizarmos ambos os instrumentos de forma
complementar há uma margem de segurança maior para chegar a um diagnóstico correto,
especialmente se incluirmos testes padronizados.

Além do mais, a utilização de diferentes instrumentos diagnósticos permite estudar o


paciente através de todas as vias de comunicação: pode falar livremente, dizer o que vê em
uma lâmina, desenhar, imaginar o que gostaria de ser, montar quebra cabeças, copiar algo,
etc. Se por algum motivo o domínio da linguagem verbal não foi alcançado (idade, doença,
casos de surdos-mudos, etc.) os testes gráficos e lúdicos facilitam a comunicação.

A bateria de testes utilizada deve incluir instrumentos que permitam obter ao máximo a
projeção de si mesmo. Por isso, se pedirmos ao paciente que desenhe uma figura humana,
sabemos que haverá uma projeção, mas muito mais se lhe pedirmos que desenhe uma casa
ou uma árvore, já que ele não pode controlar totalmente o que projeta.

Como dito antes, é importante incluir testes padronizados porque nos dão uma margem de
segurança diagnóstica maior.

Outro elemento importante que nos é dado pelo psicodiagnóstico refere-se à relação de
transferência-contratransferência.

Ao longo de um processo que se estende entre três e cinco entrevistas, aproximadamente, e


observando como o paciente se relaciona diante de cada proposta e o que nós sentimos em
cada momento, podemos extrair conclusões de grande utilidade para prever como será o
vínculo terapêutico (se houver terapia futura), quais serão os momentos mais difíceis do
tratamento, os riscos de deserção, etc.

Porém, nem todos os psicólogos, psicanalistas e psicólogos clínicos concordam com esse
ponto de vista. Alguns reservam a utilização do psicodiagnóstico para casos nos quais
surgem dúvidas diagnósticas ou quando querem obter uma informação mais precisa, diante,
por exemplo, de uma suspeita de risco de suicídio, dependência de drogas, desestruturação
psicótica, etc. Em outras ocasiões o solicitam porque têm dúvidas sobre o tratamento mais
aconselhável, se a psicanálise ou uma terapia individual ou vincular. Finalmente, existe outro
grupo de profissionais que não concordam em absoluto com este ponto de vista e
prescindem totalmente do psicodiagnóstico. Ainda mais, não concedem valor científico
algum aos testes projetivos. Alguns vão mais longe, dizendo que de forma alguma é
importante fazer um diagnóstico inicial, que isso chega com o tempo, ao longo do
tratamento.

Todas as posições são respeitáveis, porém devem ser fundamentadas cientificamente e, até
o momento, não foram encontradas demonstrações, baseadas na teoria da projeção e da
psicologia da personalidade, que os testes projetivos carecem de validade.

2) Avaliação do tratamento. Outra forma de utilizar o psicodiagnóstico é como meio para


avaliar o andamento do tratamento. É o que se denomina “re-testes” e consiste em aplicar
novamente a mesma bateria de testes aplicados na primeira ocasião. Havendo suspeita de
que o paciente lembre perfeitamente o que fez na primeira vez e se deseje variar, pode-se
criar uma bateria paralela selecionando testes equivalentes.

Algumas vezes isto é feito para apreciar os avanços terapêuticos de forma mais objetiva e
também para planejar uma alta. Em outras palavras é para descobrir o motivo de um
“impasse” no tratamento e para que, tanto o paciente como o terapeuta possa falar sobre
isso, estabelecendo, talvez, um novo contrato sobre bases atualizadas. Em outros casos
ainda, é porque existe disparidade de opiniões entre eles. Um deles acredita que pode dar
fim ao tratamento, enquanto que o outro se opõe.

Estes casos representam um trabalho difícil para o psicólogo, pois passa a ocupar o papel de
um árbitro que dará a razão a um dos dois. É então conveniente esclarecer ao paciente que o
psicodiagnóstico não será realizado para demonstrar-lhe que estava enganado, mas, como
um fotógrafo, ele registrará as situações para depois comentá-las. O mesmo esclarecimento
deve ser dado ao terapeuta. Obviamente, é conveniente que a entrevista de devolução seja
feita por aquele que realizou o estudo, tendo um cuidado muito especial em mostrar uma
atitude imparcial e fundamentando as afirmações no material dado pelo paciente.

Nos tratamentos particulares, o terapeuta é que decide o momento adequado para um novo
psicodiagnóstico (ou, talvez, para o primeiro). No entanto, nos tratamentos realizados em
instituições públicas ou privadas, são elas que fixam os critérios que devem ser levados em
consideração. Algumas deixam isto a critério dos terapeutas, outras, decidem pautá-lo
considerando tanto a necessidade de avaliar a eficiência de seus profissionais quanto a de
contar com um banco de dados úteis, por exemplo, para fins de pesquisa. Assim, é possível
que o primeiro psicodiagnóstico seja indicado quando o paciente entra na instituição, e o
outro de seis a oito meses após, dependendo isto do período destinado a cada paciente.

3) Como meio de comunicação. Existem pacientes com dificuldades para conversar


espontaneamente sobre sua vida e seus problemas. Outros, como é o caso de crianças muito
pequenas, não podem fazê-lo. Outros emudecem e só dão respostas lacônicas e esporádicas.
Favorecer a comunicação é favorecer a tomada de insight, ou seja, contribuir para que
aquele que consulta adquira a consciência de sofrimento suficiente para aceitar cooperar na
consulta. Também provoca a perda de certas inibições, possibilitando assim um
comportamento mais natural.

Não se trata de cair em atitudes condescendentes, mas de realizar a tarefa dentro de um


clima ideal de comunicação, na medida do possível. Procura-se também respeitar o timing
do paciente, ou seja, o seu tempo. Alguns estabelecem rapport imediatamente, enquanto
que para outros, isso pode exigir bastante tempo.

Por isso seria grotesco ficar em silêncio por um longo período, apoiando-se no princípio de
que a entrevista é livre e é o cliente que deve falar. Como seria também grotesco
interrompê-lo enquanto está relatando algo importante para impor-lhe a tarefa de
desenhar.

O psicodiagnóstico possui um fim em si mesmo, mas é também um meio para outro fim:
conhecer esta pessoa que chega porque precisa de nós. A finalidade é conhecê-la de forma
mais profunda possível. Para isso o bom rapport é imprescindível.

4) Na investigação. No que se refere à investigação devemos distinguir dois objetivos: um é a


criação de novos instrumentos de exploração da personalidade que podem ser incluídos na
tarefa psicodiagnóstica. Outro objetivo é o de planejar a investigação para o estudo de uma
determinada patologia, algum problema trabalhista, educacional ou forense, etc. Neste caso,
usa-se o psicodiagnóstico como uma das ferramentas úteis para chegar a conclusões
confiáveis e, portanto, válidas.

Um exemplo do primeiro caso é o que fez o próprio Hermann Rorschach quando criou as
manchas e selecionou entre milhares aquelas que demonstravam ser mais estimulantes.
Para dar validade a este teste mostrou as lâminas a um grupo de pacientes selecionados
aleatoriamente e, após, a outro grupo já diagnosticado com o método da entrevista clínica
(esquizofrênicos, fóbicos, etc.). Assim pôde estabelecer as respostas populares (próprias da
maioria estatística selecionada aleatoriamente) e as diferentes “síndromes” ou perfil de
respostas típico de cada quadro patológico.

Da mesma forma procedeu Murray, criador do T.A.T. (Thematic Apperception Test). As


respostas estatisticamente mais freqüentes foram denominadas “populares”. Os desvios
dessas respostas populares eram considerados significativos tanto no aspecto enriquecedor
e criativo como no sentido oposto, ou seja, no aspecto patológico, podendo proceder do
mesmo modo que Rorschach.

A criação de um teste não é uma tarefa fácil. Não podem ser colhidos alguns registros e deles
extraídas conclusões com a pretensão de que sejam válidas para todos. É necessário
respeitar aquilo que a psicoestatística indica como modelo de investigação para que as suas
conclusões sejam aceitáveis.

Também é necessário um conhecimento abrangente e o trabalho em equipe para a correta


interpretação dos resultados. Assim, por exemplo, se se pretende criar um teste que avalie a
inteligência em crianças surdas-mudas, será imprescindível a presença de um especialista
dessa área. Se a intenção é criar um teste para pesquisar determinados conflitos emocionais
em crianças pequenas, é indispensável que alguém conheça perfeitamente como é o
desenvolvimento normal da criança a cada idade e da criança do grupo étnico ao qual
pertence o pesquisador, já que, não sendo assim, se a pesquisa tratasse de estudar o mesmo
aspecto, mas em crianças suecas ou japonesas, sem a presença de um antropólogo e um
psicólogo, conhecedores da matéria, como integrantes da equipe pesquisadora, poderiam
ser tiradas conclusões incorretas.

Em relação ao segundo objetivo, trata-se em primeiro lugar de definir claramente o que se


deseja pesquisar. Suponhamos que a finalidade é descobrir se existe um perfil psicológico
típico dos homossexuais, dependentes de drogas ou claustrofóbicos. O primeiro passo deve
ser selecionar adequadamente os instrumentos a serem utilizados, a ordem que será
seguida, as ordens que serão dadas, o material (tamanho do papel, número do lápis, etc.) e
os limites dentro dos quais podemos admitir variações individuais. Isto é chamado de
padronizar a forma de administração do psicodiagnóstico. Se cada examinador trabalhasse à
sua maneira, seria impossível comparar os registros colhidos e, portanto, não poderíamos
pretender tirar deles conclusões cientificamente válidas.

Logo após, administraremos este psicodiagnóstico assim planejado: por um lado, a uma
amostra de homossexuais, dependentes de drogas, etc., e, por outro lado, o mesmo
psicodiagnóstico, a outra amostra chamada de controle, que não registra a mesma patologia
do grupo em estudo. Em uma terceira

etapa, serão buscadas as recorrências e convergências em ambos os grupos, para poder-se


assim chegar a conclusões válidas. Por exemplo, é significativo que os homossexuais
desenhem primeiro a figura do sexo oposto, já que na amostra de controle a pessoa desenha
primeiro a do seu próprio sexo, no Teste das Duas Pessoas.

Foram usados exemplos simples com a finalidade de transmitir claramente em que consiste
essa tarefa. A utilidade destas pesquisas varia muito e as mais importantes são aquelas que
permitem identificar indicadores que servirão para detectar precocemente problemas
clínicos, trabalhistas, educacionais, etc., com a conseqüente economia de sofrimento,
problemas e até complicações institucionais.

O psicodiagnóstico inclui, além das entrevistas iniciais, os testes, a hora de jogo com
crianças, entrevistas familiares, vinculares, etc. As conclusões de todo o material obtido são
discutidas com o interessado, com seus pais, ou com a família completa, conforme o caso e o
sistema do profissional.

Os testes realizados individualmente são reservados, geralmente, para a entrevista


individual com essa pessoa, para a entrega dos resultados. Porém o que tem sido feito e
conversado entre todos pode ser mostrado ou assinado para exemplificar algum conflito que
os clientes minimizam ou negam.

Um diagnóstico psicológico tão preciso quanto possível é imprescindível por diversas razões:
Para saber o que ocorre e suas causas;
Porque iniciar um tratamento sem o questionamento prévio do que realmente ocorre
representa um risco muito alto;
Para proteger o psicólogo, que ao iniciar o tratamento contrai automaticamente um
compromisso em dois sentidos:
clínico e ético.

Finalidades do psicodiagnóstico:
diagnóstico, avaliação do tratamento;
meio de comunicação;
investigação.

O psicodiagnóstico possui um fim em si mesmo, mas é também um meio para outro fim:
conhecer esta pessoa que chega porque precisa de nós.
A finalidade é conhecê-la de forma mais profunda possível.

4 - CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO

Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes


psicológicos, a nível individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos
teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos ou para classificar o caso e prever seu
curso possível, comunicando os resultados. (CUNHA, 2000)

O Psicodiagnóstico é caracterizado como um processo científico porque deve partir de um


levantamento prévio de hipóteses que serão confirmadas ou anuladas através de passos
predeterminados e com objetivos precisos.

A avaliação psicológica é mais ampla que o psicodiagnóstico, e seu objeto de estudo pode
ser um sujeito, um grupo, uma instituição, uma comunidade, daí a importância dos trabalhos
interdisciplinares já que o objeto a avaliar é sempre um sistema complexo, integrado por
subsistemas diversos: biológico, psicológico, social, cultural, em interação permanente.

O psicodiagnóstico está mais vinculado com a clínica, está vinculado com temas de interesse
clínicos, tais como nosologias psicopatólogicas, critérios de saúde psíquica, enfoques
patogênicos e saudáveis. Logo, diagnosticar supõe situarmo-nos no plano do processo
saúde-enfermidade e poder determinar em que medida se está ou não em presença de uma
patologia ou transtorno que necessita de um determinado tipo de intervenção.

O processo psicodiagnóstico é limitado no tempo porque ele é baseado num contrato de


trabalho entre paciente ou responsável e o psicólogo, tão logo os dados iniciais permitam,
deve estabelecer um plano de avaliação e, portanto, uma estimativa do tempo necessário
para sua realização (número aproximado de sessões de exame).

O plano de avaliação é estabelecido com base nas perguntas ou hipóteses iniciais, definindo-
se não só quais os instrumentos necessários, mas como e quando utilizá-los.

Pressupõe-se, evidentemente, que o psicólogo saiba que instrumentos são eficazes, isto é,
quais instrumentos podem ser eficientes, se aplicados com propósitos específicos, para
fornecer respostas a determinadas perguntas ou testar certas hipóteses. Por este grande
motivo, é que o psicólogo deve conhecer os diferentes instrumentos de avaliação
psicológica.

Depois da administração de uma bateria de testes, nós obtemos dados que devem ser
articulados com as informações da história clínica, da história pessoal ou com outras, a partir
do elenco das hipóteses iniciais, para permitir uma seleção e uma integração, rodeada pelos
objetivos do psicodiagnóstico, que determinam o nível de inferências que deve ser
alcançado.

Para Ocampo (1981) o processo psicodiagnóstico pode ser visto como uma situação com
papéis bem definidos e com um contrato no qual o cliente pede uma ajuda, e o psicólogo
aceita o pedido e se compromete a satisfazê-lo na medida de suas possibilidades. Ela ainda
caracteriza o processo como

uma situação bi-pessoal, de duração limitada, cujo objetivo é conseguir uma descrição e
compreensão, o mais profunda e completa possível, da personalidade total do paciente ou
do grupo familiar. Enfatiza também a investigação de algum aspecto em particular, segundo
a sintomatologia e as características da indicação. Abrange os aspectos passados, presentes
(diagnóstico) e futuros (prognóstico) desta personalidade, utilizando para alcançar tais
objetivos certas técnicas. (pg.17)

Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza técnicas e testes


psicológicos, a nível individual ou não, seja para entender problemas à luz de pressupostos
teóricos, identificar e avaliar aspectos específicos ou para classificar o caso e prever seu
curso possível, comunicando os resultados. (CUNHA, 2000)

Para Ocampo, o psicodiagnóstico é uma situação bi-pessoal, de duração limitada, cujo


objetivo é conseguir uma descrição e compreensão, o mais profunda e completa possível, da
personalidade total do paciente ou do grupo familiar. Enfatiza também a investigação de
algum aspecto em particular, segundo a sintomatologia e as características da indicação.
Abrange os aspectos passados, presentes (diagnóstico) e futuros (prognóstico) desta
personalidade, utilizando para alcançar tais objetivos certas técnicas.

5 - OBJETIVOS DO PSICODIAGNÓSTICO

Segundo Cunha (2000) o processo psicodiagnóstico pode ter um ou vários objetivos,


dependendo das perguntas ou hipóteses inicialmente formuladas. Mais comumente envolve
vários objetivos, que norteiam e delimitam o elenco das hipóteses. Dependendo da
simplicidade ou da complexidade das questões propostas, variam os objetivos.

• Classificação simples (descritivo);

• Classificação nosológica;

• Diagnóstico diferencial;

• Avaliação compreensiva;

• Entendimento dinâmico;

• Prevenção;

• Prognóstico;

• Perícia forense.

As perguntas mais elementares que podem ser formuladas em relação a uma capacidade,
um traço, um estado emocional, seriam: “Quanto?” ou “Qual?” Aqui, o objetivo seria de
classificação simples. Um caso comum de exame com este objetivo seria o de avaliação do
nível intelectual. O examinando é submetido a testes, adequados à sua idade e nível de
escolaridade. São levantados escores (valor quantitativo obtido pela soma ou total de
pontos creditados a um indivíduo em situação de prova ou teste), consulta de tabelas e os
resultados são fornecidos em dados quantitativos, classificados sinteticamente
(resumidamente).

Mas, é raro que um exame psicológico se restrinja a este objetivo, uma vez que os resultados
dos testes, os escores dos subtestes e as respostas intratestes praticamente nunca são
regulares e as diferenças encontradas são susceptíveis de interpretação. Pode-se, então,
identificar forças e fraquezas, dizer como é o desempenho do paciente do ponto de vista
intelectual. Neste caso, o objetivo do psicodiagnóstico é descritivo.

É também descritivo, o exame do estado mental do paciente que é um tipo de recurso


diagnóstico que envolve a exploração da presença de sinais e sintomas, eventualmente
utilizando provas muito simples, não padronizadas, para uma estimativa sumária de algumas
funções, como a atenção e memória. Este constituiria um exame subjetivo de rotina em
clínicas psiquiátricas (o exame subjetivo se baseia em informações dadas pelo paciente e em
observações de seu comportamento), muitas vezes completado por um exame objetivo.

Freqüentemente dados resultantes desse exame, da história clínica e da história pessoal


permitem atender ao objetivo de classificação nosológica. A avaliação com tal objetivo é
realizada pelo psiquiatra e, também, pelo psicólogo quando o paciente não é testável.
Quando está sob a responsabilidade do psicólogo, sempre que possível, além desses
recursos o mesmo deverá lançar mão de outros instrumentos psicológicos, como testes e
técnicas, para poder testar cientificamente as suas hipótese. A classificação nosológica,
além de facilitar a comunicação entre profissionais, contribui para o levantamento de dados
epidemiológicos de uma população.

Outro objetivo do psicodiagnóstico é o do diagnóstico diferencial, praticamente associado ao


objetivo de classificação nosológica. O psicólogo investiga irregularidades e inconsistências
do quadro sintomático e/ou dos resultados dos testes para diferenciar categorias
nosológicas, níveis de funcionamento mental. Naturalmente, para trabalhar neste objetivo
(diagnóstico diferencial), o psicólogo, além de experiência e de sensibilidade clínica, deve ter
conhecimentos avançados de psicopatologia e de técnicas sofisticadas de diagnóstico.

O objetivo de avaliação compreensiva considera o caso numa perspectiva mais global,


determinando o nível de funcionamento da personalidade, examinando funções do ego
(controle da percepção e da mobilidade; prova da realidade; antecipação, ordenação
temporal; pensamento lógico, coerente, racional; elaboração das representações pela
linguagem, etc), em especial quando há insight, para indicação terapêutica ou, ainda, para
estimativa de progressos ou resultados de tratamento. Não chega necessariamente à
classificação nosológica, embora esta possa ocorrer subsidiariamente (auxiliar), uma vez que
o exame pode revelar alterações psicopatólogicas. Mas, de qualquer forma, envolve algum
tipo de classificação, já que a determinação do nível de funcionamento (compreensão o
funcionamento psíquico do paciente) é especialmente importante para a indicação
terapêutica, definindo limites da responsabilidade profissional.

Basicamente, podem não ser utilizados testes. A não utilização de testes é um objetivo
explícito ou implícito nos contatos iniciais do paciente com psiquiatras, psicanalistas e
psicólogos de diferentes linhas de orientação terapêutica. Ao passo que, se o objetivo é
atingido através de um psicodiagnóstico, obtêm-se evidências mais objetivas e precisas, que
podem, inclusive, servir de parâmetro para avaliar resultados terapêuticos, mais tarde,
através de um reteste.

O objetivo do psicodiagnóstico como entendimento dinâmico, em sentido lato


(amplo/restrito), pode ser considerado como uma forma de avaliação compreensiva, já que
enfoca a personalidade de maneira global, mas pressupõe um nível mais elevado de
inferência clínica (dedução, conclusão, julgamento clínico). Através do exame, se procura
entender a problemática de um sujeito, com uma dimensão mais profunda, na perspectiva
histórica do desenvolvimento, investigando fatores psicodinâmicos, identificando conflitos e
chegando a uma compreensão do caso com base num referencial teórico.

Um exame deste tipo requer entrevistas muito bem conduzidas, cujos dados nem sempre
são consubstanciados pelos passos específicos de um psicodiagnóstico, portanto, não sendo
um recurso privativo do psicólogo clínico. Freqüentemente, se combina com os objetivos de
classificação nosológica e de diagnóstico diferencial. Porém, quando é um objetivo do
psicodiagnóstico, leva não só a uma abordagem diferenciada das entrevistas e do material
de testagem, como a uma integração dos dados com base em pressupostos psicodinâmicos.

Um psicodiagnóstico também pode ter um objetivo de prevenção. Tal exame visa a


identificar problemas precocemente, avaliar riscos, fazer uma estimativa de forças e
fraquezas do ego, bem como da capacidade para enfrentar situações novas, difíceis,
conflitivas ou ansiogênicas. Em sentido lato, pode ser realizado por outros profissionais de
uma equipe de saúde pública.

Não obstante, num exame individual, que pode requerer uma dimensão mais profunda,
especialmente envolvendo uma estimativa de condições do ego frente a certos riscos ou no
enfrentamento de situações difíceis, seria indicado um psicodiagnóstico.

Outro objetivo é o prognóstico, que depende fundamentalmente da classificação nosológica


e, neste sentido, não é privativo do psicólogo.

Por fim, o psicodiagnóstico com o objetivo de perícia forense. Com esta finalidade, o exame
procura resolver questões relacionadas com “insanidade”, competência para o exercício de
funções de cidadão, avaliação de incapacidade ou de comprometimentos psicopatológicos
que etiologicamente (na sua origem) possam se associar com infrações da lei, etc.

Geralmente, é colocada uma série de quesitos (interrogações) que o psicólogo deve


responder para instruir um determinado processo. Suas respostas devem ser claras, precisas
e objetivas. Portanto, deve haver um grau satisfatório de certeza quanto aos dados dos
testes, o que é bastante complexo, porque,

... os dados descrevem o que uma pessoa pode ou não fazer no contexto da testagem, mas o
psicólogo deve ainda inferir (concluir, julgar, deduzir) o que ele acredita que ela (pessoa)
poderia ou não fazer na vida cotidiana. (Groth-Marnat, 1984, p.25).

As respostas fornecem subsídios para instruir decisões de caráter vital para o indivíduo.
Conseqüentemente, a necessidade de chegar a inferências que tenham tais implicações pode
se tornar até certo ponto ansiogênica para o psicólogo.

Na realidade, comumente o psiquiatra é nomeado como perito e solicita o exame psicológico


para fundamentar o seu parecer. Não obstante, muitas vezes o psicólogo é chamado para
colocar com a justiça, de forma independente.

Ocampo (1981) afirma que a investigação psicológica deve conseguir uma descrição e
compreensão da personalidade do paciente, onde é importante explicar a dinâmica do caso
tal como aparece no material recolhido, integrando-o num quadro global. Uma vez
alcançado um panorama preciso e completo do caso, incluindo os aspectos patológicos e os
adaptativos, trataremos de formular recomendações terapêuticas adequadas.

O processo psicodiagnóstico pode ter um ou vários objetivos:


- Classificação simples (descritivo);
- Classificação nosológica Diagnóstico diferencial;
- Avaliação compreensiva;
- Entendimento dinâmico;
- Prevenção; Prognóstico;
- Perícia forense

6 - PASSOS DO PSICODIAGNÓSTICO

Segundo Cunha (2000), de forma bastante resumida, os passos de um diagnóstico, utilizando


um modelo psicológico de natureza clínica, são os seguintes:

• Levantamento de perguntas relacionadas com os motivos da consulta e definição das


hipóteses iniciais;

• Seleção e utilização de instrumentos de exame psicológico;

• Levantamento quantitativo e qualitativo dos dados;

• Formulação de inferências pela integração dos dados, tendo como pontos de


referências as hipóteses iniciais e os objetivos do exame; e

• Comunicação de resultados e enceramento do processo.

Já no enfoque da Ocampo (1981) reconhecemos os seguintes passos:

• Primeiro contato e entrevista inicial com o paciente.

• Aplicação de testes e técnicas ordenadas e selecionadas de acordo com o caso.

• Encerramento do processo: devolução oral ao paciente e aos pais.

• Informe escrito para o requerente.

Como foi dito anteriormente, o psicodiagnóstico é um estudo profundo da personalidade, do


ponto de vista fundamentalmente clínico. Quando o objetivo do estudo é outro (trabalhista,
educacional, forense, etc.) o psicodiagnóstico clínico é anterior e serve de base para as
conclusões necessárias nessas outras áreas.

A concepção usada da personalidade parte da base de que a esta possui um aspecto


consciente e outro inconsciente; que tem uma dinâmica interna que foi descrita muito bem
pela psicanálise; que existem ansiedades básicas que mobilizam defesas mais primitivas e
outras mais evoluídas (como colocaram Melanie Klein e Anna Freud, respectivamente); que
cada individuo possui uma configuração de personalidade única e inconfundível, algo assim
como uma gestalt pessoal; que tem um nível e um tipo de inteligência que pode manifestar-
se segundo existam ou não interferências emocionais, que há emoções e impulsos mais
intensos ou mais moderados que o indivíduo pode controlar adequada ou
inadequadamente; que existem desejos, inveja e ciúmes entrelaçados constantemente com
todo o resto da personalidade; que impulsos libidinosos e tanáticos lutam para ganhar a
primazia ao longo da vida; que o sadismo e o masoquismo estão sempre presentes em maior
ou menor escala; que o nível de narcisismo pode ser baixo demais, adequado ou
excessivamente alto, e isto incide no grau de submissão, maturidade ou onipotência que
demonstre;
E ainda, que as qualidades depressivas ou esquizóides que predominarem como base da
personalidade, podem ser razoáveis ou sofrer um aumento até transformarem-se em um
conflito que atrapalha ou altera o desenvolvimento do indivíduo; que as defesas que o
mesmo tem usado ao longo da vida podem ou não ser benéficas dependendo do contexto,
sem que o sejam em si mesmas; que sobre a estrutura de base de predomínio esquizóide ou
depressivo instalam-se outras estruturas defensivas de tipo obsessivo, fóbico ou histérico;
que os fatores hereditários e constitutivos desempenham um papel muito importante, razão
pela qual não é recomendável trabalhar exclusivamente com a história do indivíduo e o fato
desencadeante da consulta, mas estar aberto à possibilidade de incluir outros estudos
complementares (médico-clínicos, neurológicos, endocrinológicos, etc.). Isto significa levar
em consideração a hipótese das séries complementares de Freud.

Além do mais, conforme as últimas pesquisas, o contexto sócio-cultural e familiar deve


ocupar um lugar importante no estudo da personalidade de um indivíduo, já que é de onde
ele provém. Portanto, o estudo da personalidade é, na realidade, um estudo de pelo menos
três gerações, que se desenvolveram em um determinado contexto étnico-sócio-cultural.

Por isso, é muito importante saber claramente qual é o objetivo do psicodiagnóstico que
vamos realizar.

Quando o cliente chega dizendo: “Me mandaram...” sabemos em primeiro lugar que o que
está sendo dito não é verdade, pois ninguém consulta exclusivamente por esse motivo. Em
algum recanto de si mesmo existe o desejo de fazer a consulta. Em segundo lugar, a
motivação é muito inconsciente e não a percebe, por isso a colocação soa muito superficial.

De forma que, antes de iniciar a tarefa, o psicólogo deve esclarecer com o cliente qual é o
motivo manifesto e mais consciente do estudo e intuir qual seria o motivo latente e
inconsciente do mesmo. É importante dedicar a isto todo o tempo que for necessário e não
iniciar a tarefa se o cliente insistir na idéia de que o faz por mera curiosidade, já que se
refletira negativamente no momento da devolução de informação.

Vejamos mais algumas informações sobre as etapas do processo psicodiagnóstico apontadas


por Arzeno (1995) e Cunha (2000).

O primeiro passo ocorre desde o momento em que o cliente ou seus responsáveis fazem a
solicitação da consulta até o encontro pessoal com o profissional.

O segundo passo ocorre na ou nas primeiras entrevistas nas quais tenta-se esclarecer o
motivo latente e o motivo manifesto da consulta, as ansiedades e defesas que a pessoa que
consulta mostra (e seus pais ou o resto da família), a fantasia de doença, cura e análise que
cada um traz e a construção da história do indivíduo e da família em questão.

Foi deixado totalmente de lado o tipo de inquérito exaustivo e entediante, tanto para o
profissional como para os clientes, e vamos nos guiamos na entrevista mais pelo que vai
surgindo conforme o motivo central da consulta.

Para Cunha (2000), é nesse momento que devemos fazer o contrato de trabalho, que
envolve um comprometimento de ambas as partes em cumprir certas obrigações formais.

O psicólogo compromete-se a realizar um exame, durante certo número de sessões, cada


uma com duração prevista, em horários predeterminados, definindo com o paciente ou
responsável os tipos de informes necessários e quem terá acesso aos dados do exame. Esse
contrato deve envolver certo grau de flexibilidade, devendo ser revisto sempre que o
desenvolvimento do processo tiver de sofrer modificações, seja porque novas hipóteses
precisam ser investigadas, seja por ficar obstaculizado por defesas do próprio paciente.

O paciente ou seus responsáveis, por sua vez, se comprometem a comparecer nas horas
marcadas, nos dias previstos e implicitamente a colaborar para que o plano de avaliação seja
realizado sem problemas.

O terceiro momento é o que dedicamos a refletir sobre o material colhido anteriormente e


sobre nossas hipóteses iniciais para planejar os passos a serem seguidos e os instrumentos
diagnósticos a serem utilizados. Segundo Cunha (2000), o processo psicodiagnóstico é um
processo científico e, como tal, parte de perguntas específicas, cujas respostas prováveis se
estruturam na forma de hipóteses que serão confirmadas ou não através dos passos
seguintes do processo.

Geralmente, temos um ponto de partida que é o encaminhamento. Qualquer pessoa que


encaminha um paciente o faz sob a pressuposição de que ele apresenta problemas que têm
uma explicação psicológica e todas as alternativas de explicação são hipóteses, que serão
testadas através do psicodiagnóstico. O esclarecimento e a organização das questões
pressupostas num encaminhamento são tarefas da responsabilidade do psicólogo. Ainda
segundo a mesma autora, os objetivos do psicodiagnóstico dependem das perguntas iniciais.

Com o plano de avaliação pronto, procuramos identificar recursos que permitam estabelecer
uma relação entre as perguntas iniciais e suas possíveis respostas. O plano de avaliação
consiste em traduzir as perguntas em termos de técnicas e teste, isto é, consiste em
programar a administração de uma série de instrumentos adequados ao sujeito específico e
especialmente selecionados para fornecer subsídios para que se possa chegar às respostas
para as perguntas iniciais. Os dados resultantes, portanto, devem possibilitar confirmar ou
infirmar as hipóteses, com um grau satisfatório de certeza.

O elenco de hipóteses deve ser norteado e delimitado pelo objetivo do psicodiagnóstico. Isto
significa que nem todas as hipóteses levantadas devem necessariamente testadas, sob pena
de o processo se tornar inusitadamente longo ou interminável.

Conseguindo selecionar as técnicas e os testes adequados, deve-se distribui-los conforme as


recomendações inerentes à natureza e ao tipo de cada um, considerando, ainda, o tempo de
administração e as características específicas do paciente. Como se pode pressupor, o plano
de avaliação envolve a organização de uma bateria de testes.

Bateria de testes é a expressão utilizada para designar um conjunto de testes ou de técnicas,


que podem variar entre dois e cinco ou mais instrumentos, que são incluídos no processo
psicodiagnóstico para fornecer subsídios que permitam confirmar ou infirmar as hipóteses
iniciais, atendendo o objetivo da avaliação.

A bateria de testes é utilizada por duas razões principais. Primeiramente, considera-se que
nenhum teste, isoladamente, pode proporcionar uma avaliação abrangente da pessoa como
um todo. Em segundo lugar, o emprego de uma série de testes envolve a tentativa de uma
validação intertestes dos dados obtidos, a partir de cada instrumento em particular,
diminuindo, dessa maneira, a margem de erro e fornecendo melhor fundamento para se
chegar a inferências clínicas.
Há dois tipos principais de baterias de testes: as baterias padronizadas para avaliações
específicas e as não padronizadas, que são organizadas a partir de um plano de avaliação.

No primeiro caso, a bateria de testes não resulta de uma seleção de instrumentos de acordo
com as questões levantadas num caso individual, pelo psicólogo responsável pelo
psicodiagnóstico, a não ser quando se trata de bateria padronizada especializada.

Na prática clínica, é tradicional o uso da bateria não-padronizada. No plano de avaliação, são


determinadas as especificidades e o número de testes que são programados
seqüencialmente, conforme sua natureza, tipo, propriedades psicométricas, tempo de
administração, grau de dificuldade, qualidade ansiogênica e características do paciente
individual. Embora a bateria não-padronizada deva atender, então, a vários requisitos, ela é
organizada de acordo com critérios mais flexíveis do que a bateria padronizada. Os números
de testes eventualmente podem ser modificados para mais ou para menos.

Em razão da variedade de questões propostas inicialmente e adequadas aos objetivos do


psicodiagnóstico, freqüentemente a bateria de testes inclui testes psicométricos e técnicas
projetivas. Neste caso, sua seqüência e distribuição relativa, na bateria de testes, devem ser
cuidadosamente consideradas, levando em conta o tempo necessário para a administração,
o grau de dificuldades das mesmas, sua qualidade ansiogênica e as características específicas
do paciente.

Ocampo e colegas (1981) dão primordial importância à questão da mobilização ou não da


ansiedade na distribuição seqüencial das técnicas. Dessa maneira recomenda prioridade
para instrumentos não-ansiogênicos.

O quarto momento consiste na realização da estratégia diagnóstica planejada. Muitas vezes


age-se de acordo com este plano, em outras, no entanto, são necessárias modificações
durante o percurso. Por isso, insistimos em que não pode haver um modelo rígido de
psicodiagnóstico que possa ser usado em todos os casos, sendo que a melhor orientação
para cada caso virá da experiência clínica e nível de análise pessoal do profissional.

Cunha (2000) propõe algumas questões básicas relacionadas a administração de testes e


técnicas assim como as particularidades da situação da interação com o examinando e do
manejo clínico que devem ser consideradas:

1. Revisar particularidades referentes aos instrumentos e as características do paciente.

2. Estar suficientemente familiarizado com o instrumento

3. Organizar todo o material que pretende utilizar antes da chegado do cliente.

4. Ter em mente os objetivos para a inclusão de cada técnica da bateria.

O quinto momento é aquele dedicado ao estudo do material para obter um quadro o mais
claro possível sobre o caso em questão. É um trabalho árduo que freqüentemente desperta
resistências, mesmo em profissionais de boa formação e que trabalham com seriedade. É
necessário buscar recorrências e convergências dentro do material, encontrar o significado
de pontos obscuros ou produções estranhas, correlacionar os diferentes instrumentos
utilizados, entre si e com a história do indivíduo e de sua família. Se forem aplicados testes,
eles devem ser tabulados corretamente e deve-se interpretar estes resultados para integrá-
los ao restante do material.
Não se trata de um tratado mecânico de montar um quebra-cabeça, mesmo tendo alguma
semelhança com essa tarefa. É mais uma busca semelhante à do antropólogo e do
arqueólogo ou à de um interprete de uma língua desconhecida pelo paciente e sua família
cuja tradução ajuda a desvendar um mistério e reconstruir uma parte da história que
desconhecem a nível consciente, mas que se refere a quando foi gerada a patologia.

Independente das informações dos testes, nesse momento, o psicólogo já possui um acervo
de observações que constitui uma amostra do

comportamento do paciente durante as várias sessões que transcorreu o processo


diagnóstico, desde o contato inicial até a última técnica utilizada. Em resumo, é capaz de
descrever o paciente.

O mais difícil nesse momento do estudo é compreender o sentido da presença de algumas


incongruências ou contradições e aceitá-las como tais, ou seja, renunciar a onipotência de
poder entender tudo. É justamente a presença de elementos ininteligíveis que vai nos alertar
acerca de algo que será entendido muito mais adiante, no decorrer do tratamento, quando a
comunicação entre o sistema consciente e inconsciente tenha-se tornado mais porosa e o
indivíduo estiver, então, em melhores condições para suportar os conteúdos que vierem à
tona. Esses elementos não deverão ser desprezados, pelo contrário, deverão ser colocados
no laudo que enviarmos a quem solicitou o estudo para deixá-lo de sobreaviso. No entanto,
pode ser imprudente incluí-los na devolução ao paciente, pois isso poderá angustiá-lo muito
e provocar uma crise, um ataque ao psicólogo ou uma deserção.

Chegamos assim ao sexto momento do processo psicodiagnóstico: a entrevista de devolução


de informação. Pode ser somente uma ou várias. Geralmente é feita de forma separada:
uma com o indivíduo que foi trazido como protagonista da consulta e outra com os pais e o
restante da família. Se a consulta foi iniciada como familiar, a devolução e nossas conclusões
também serão feitas a toda a família.

Esta última entrevista está impregnada pela ansiedade do paciente, da sua família e, por que
não dizê-lo, muitas vezes também pela do psicólogo, especialmente nos casos mais
complexos.

O psicólogo não deve assumir a posição daquele que “sabe” diante dos que não “sabem”.
Primeiro, porque isso não é verdade. Segundo, porque essa posição contém muita
onipotência e dá lugar a reações que atrapalham o trabalho. É insustentável afirmar que em
umas quantas entrevistas tenhamos esgotado o conhecimento de um indivíduo e, ainda
mais, de um casal ou família. Mas é possível dizer que conseguimos desvendar, com a maior
certeza possível, o motivo que provoca o sintoma que dá origem à consulta.

Às vezes o próprio indivíduo ou seus pais podem assumir o papel daquele que pergunta e
esperar que todas as suas dúvidas sejam respondidas, como se o profissional tivesse uma
“bola de cristal”. Nesse caso é necessário reformular os respectivos papéis, especialmente o
do profissional, que não é propriamente um vidente.

O profissional irá gradualmente aventando suas conclusões e observando as reações que


estas produzem nele ou nos entrevistados. A dinâmica usada deve favorecer o surgimento
de novos materiais. Assim como evitamos o tédio no inquérito da primeira entrevista,
evitaremos também agora transformar a transmissão de nossas conclusões em um discurso
que não dê espaço para que o interlocutor inclua suas reações. Ao contrário, as mesmas
serão de grande utilidade para validar ou não nossas conclusões diagnósticas.

Os sujeitos ou seus pais podem não ter mencionado algo que surge no material registrado, e
aproveitaremos essa entrevista para perguntar. Muitas vezes esta informação pode mudar
radicalmente as hipóteses levantadas pelo profissional, e sua presença é um bom sinal
porque aumenta o grau de sinceridade e confiança do cliente.

Além do mais, em alguns casos específicos, especialmente em uma família com crianças,
dependendo do que tenhamos percebido na ou nas entrevistas familiares diagnósticas, pode
ser adequado realizar a entrevista de devolução com uma técnica lúdica que se alterne com
a verbal, especialmente naqueles casos nos quais o indivíduo ou a família são movidos mais
por códigos de ação que de verbalização.

Finalmente, o sétimo passo do processo consiste na elaboração do informe psicológico, se


solicitado.

Segundo Cunha (2000), de forma bastante resumida, os passos de um diagnóstico, utilizando


um modelo psicológico de natureza clínica, são os seguintes: Levantamento de perguntas
relacionadas com os motivos da consulta e definição das hipóteses iniciais; Seleção e
utilização de instrumentos de exame psicológico; Levantamento quantitativo e qualitativo
dos dados; Formulação de inferências pela integração dos dados, tendo como pontos de
referências as hipóteses iniciais e os objetivos do exame; e Comunicação de resultados e
enceramento do processo.

As etapas do processo psicodiagnóstico apontadas por Arzeno (1995) e Cunha (2000):


O primeiro passo ocorre desde o momento em que o cliente ou seus responsáveis fazem a
solicitação da consulta até o encontro pessoal com o profissional.
O segundo passo ocorre na ou nas primeiras entrevistas nas quais tenta-se esclarecer o
motivo latente e o motivo manifesto da consulta.
O terceiro momento é o que dedicamos a refletir sobre o material colhido anteriormente e
sobre nossas hipóteses iniciais para planejar os passos a serem seguidos e os instrumentos
diagnósticos a serem utilizados .
O quarto momento consiste na realização da estratégia diagnóstica planejada.
O quinto momento é aquele dedicado ao estudo do material para obter um quadro o mais
claro possível sobre o caso em questão.
O sexto momento do processo psicodiagnóstico: a entrevista de devolução de informação.
Finalmente, o sétimo passo do processo consiste na elaboração do informe psicológico, se
solicitado.

7 - TESTES E TÉCNICAS PSICOLÓGICAS

Segundo Scheeffer (1968), o teste psicológico pode ser definido como uma situação
padronizada que serve de estímulo a um comportamento por parte do examinando; esse
comportamento é avaliado, por comparação estatística com o de outros indivíduos
submetidos à mesma situação, permitindo assim sua classificação quantitativa e qualitativa.

Ocampo (1981) nos chama atenção: no planejamento da bateria temos que pensar que o
processo psicodiagnóstico deve ser suficientemente amplo para compreender bem o
paciente, mas ao mesmo tempo, não se deve exceder porque isto implica uma alteração no
vínculo psicólogo - paciente.

Para planejar uma bateria é necessário pensar em testes que captem o maior número
possível de condutas (verbais, gráficas e lúdicas), de maneira a possibilitar a comparação de
um mesmo tipo de conduta, provocada por diferentes estímulos ou instrumentos e
diferentes tipos de conduta entre si. É muito importante discriminar a seqüência em que
serão aplicados os testes escolhidos. Ela deve ser estabelecida em função de dois fatores: a
natureza do teste e a do caso em questão. O teste que mobiliza uma conduta que
corresponde ao sintoma nunca deve ser aplicado primeiro. Utilizar estes testes em primeiro
lugar supõe colocar o paciente na situação mais ansiógena ou deficitária sem o prévio
estabelecimento de uma relação adequada. Recomendamos como regra geral reservar os
testes mais ansiógenos para as últimas entrevistas.

Os testes gráficos são os mais adequados para começar um exame psicológico, por diversas
razões, entre elas por abarcarem os aspectos mais dissociados, menos sentidos como
próprios, e permitirem que o paciente trabalhe mais aliviado, além de serem econômicos
quanto ao tempo gasto em sua aplicação, ou seja é uma tarefa fácil.

Consideramos necessário incluir, entre os testes gráficos, diferentes conteúdos em relação


ao tema solicitado, começando pelos de temas mais ambíguos até chegar aos mais
específicos.

Numa bateria - padrão, segundo Ocampo (1981), devem ser incluídos, entre os testes
projetivos, aqueles que promovam condutas diferentes. Portanto, a bateria projetiva deve
incluir testes gráficos, verbais e lúdicos. Quanto aos testes de inteligência, sua inclusão na
seqüência da bateria não pode ser arbitrária, o momento exato de sua inclusão deve ser
decidido de acordo com o caso.

No planejamento da bateria temos que pensar que o processo psicodiagnóstico deve ser
suficientemente amplo para compreender bem o paciente, mas ao mesmo tempo, não se
deve exceder porque isto implica uma alteração no vínculo psicólogo - paciente.

Numa bateria - padrão, segundo Ocampo (1981), devem ser incluídos, entre os testes
projetivos, aqueles que promovam condutas diferentes. Portanto, a bateria projetiva deve
incluir testes gráficos, verbais e lúdicos. Quanto aos testes de inteligência, sua inclusão na
seqüência da bateria não pode ser arbitrária, o momento exato de sua inclusão deve ser
decidido de acordo com o caso.

7.1 – ALGUMAS SUGETÕES DE MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADAS

1. Quanto ao método quantitativo: são utilizados testes psicométricos (tabelas


padronizadas para uma dada população), como: testes de inteligência, técnicas
expressivo-gráficas psicométricas, Inventários de personalidade, inventário de traços
ou estados afetivos, inventários de sintomas específicos, Escala de maturidade Viso-
Motora.

2. Quanto ao método clínico propriamente dito: entrevistas de vários tipos, técnicas de


associação, técnicas de construção, técnicas de complemento, técnica expressivo-
gráficas, técnicas expressivo-lúdicas, técnicas de ordenação, etc.
3. Quanto ao método organizacional: observação livre ou sistemática de várias
situações, diretamente ou com a utilização de recursos técnicos.

8 - AS ENTREVISTAS

8.1 - DEFINIÇÃO E TIPOS DE ENTREVISTAS

Em psicologia, a entrevista clínica pode ser entendida como um conjunto de técnicas de


investigação, que tem o seu tempo delimitado e é direcionada por uma profissional
treinado, que vai utilizar conhecimentos psicológicos, com o objetivo de descrever e avaliar
os aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social) do
entrevistado, em um processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou propor
algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas.

Examinando os elementos dessa definição podemos dizer que técnica é entendida como
uma série de procedimentos que possibilitam investigar os temas em questão. A
investigação possibilita alcançar os objetivos primordiais da entrevista, que são descrever e
avaliar, o que pressupõem o levantamento de informações, a partir das quais se torna
possível relacionar eventos e experiências, fazer inferências, estabelecer conclusões e tomar
decisões. Essa investigação se dá dentro de domínios específicos da psicologia clínica e leva
em consideração conceitos e conhecimentos amplos e profundos nessas áreas. Esses
domínios incluem, por exemplo, a psicologia do desenvolvimento, a psicopatologia, a
psicodinâmica, as teorias sistêmicas. Aspectos específicos em cada uma dessas áreas podem
ser priorizados como, por exemplo, o desenvolvimento psicossexual, sinais e sintomas
psicopatológicos, conflitos de identidade, relação conjugal, etc.

Afirmamos ainda que a entrevista é parte de um processo. Este deve ser concebido,
basicamente como um processo de avaliação, que pode ocorrer em apenas uma sessão e ser
dirigido a fazer um encaminhamento, ou a definir os objetivos de um processo
psicoterapêutico. Muitas vezes, o aspecto avaliativo de uma entrevista inicial confunde-se
com a psicoterapia que se inicia, devido ao aspecto terapêutico intrínseco a um processo de
avaliação e ao aspecto avaliativo intrínseco à psicoterapia. Outras vezes, o processo de
avaliação é complexo e exige um conjunto diferenciado de técnicas de entrevistas e de
instrumentos e procedimentos de avaliação, como, por exemplo, além da entrevista, os
instrumentos projetivos ou cognitivos, as técnicas de observação, etc. A importância de
enfatizar a entrevista como parte de um processo é poder vislumbrar o seu papel e o seu
contexto ao lado de uma grande quantidade possível de procedimentos em psicologia.

A entrevista clínica é um procedimento poderoso e, pelas suas características, é o único


capaz de adaptar-se à diversidade de situações clínicas relevantes e de fazer explicitar
particularidades que escapam a outros procedimentos, principalmente aos padronizados. A
entrevista é a única técnica capaz de testar os limites de aparentes contradições e de tornar
explícitas características indicadas pelos instrumentos padronizados, dando a eles validade
clínica, por isso, a necessidade de dar destaque à entrevista clínica no âmbito da avaliação
psicológica.

Definimos ainda a entrevista clínica como tendo características de ser dirigida. Afirmar que a
entrevista é um procedimento pode suscitar alguns questionamentos. Mesmo nas chamadas
entrevistas “livres”, é necessário o reconhecimento, pelo entrevistador, de seus objetivos.
Como afirmamos antes, os objetivos de cada tipo de entrevista definem as estratégias
utilizadas e seus limites. É no intuito de alcançar os objetivos da entrevista que o
entrevistador estrutura suas intervenção. O entrevistador precisa estar preparado para lidar
com o direcionamento que o sujeito parece querer dar à entrevista, de forma a otimizar o
encontro entre a demanda do sujeito e os objetivos da tarefa. Em síntese, concluímos que
todos os tipos de entrevista têm alguma forma de estruturação na medida em que a
atividade do entrevistador direciona a entrevista no sentido de alcançar seus objetivos.

Entrevistador e entrevistado têm, nesse processo, atribuições diferenciadas de papéis. A


função específica do entrevistador coloca a entrevista clínica no domínio de uma relação
profissional. É dele a responsabilidade pela condução do processo e pela aplicação de
conhecimentos psicológicos em benefício das pessoas envolvidas. É responsabilidade dele
dominar as especificidades da técnica e a complexidade do conhecimento utilizado. Essa
responsabilidade delimita (estrutura) o processo em seus aspectos clínicos. Assumir essas
responsabilidades profissionais pelo outro tem aspectos éticos fundamentais, significa
reconhecer a desigualdade intrínseca na relação que dá uma posição privilegiada ao
entrevistador. Essa posição lhe confere poder e, portanto, a responsabilidade de zelar pelo
interesse e bem-estar do outro. Também é do entrevistador a responsabilidade de
reconhecer a necessidade de treinamento especializado e atualizações constantes ou
periódicas.

A complexidade dos procedimentos específicos de cada tipo de entrevista clínica, dos


conhecimentos psicológicos envolvidos e dos aspectos relativos à competência do
entrevistador, necessário para sustentar uma relação interpessoal de investigação clínica,
requerem treinamento especializado. O resultado de uma entrevista depende largamente da
experiência e da habilidade do entrevistador, além do domínio da técnica.

Supõe-se que a entrevista clínica deve ter como beneficiário direto as pessoas entrevistadas.
Por outro lado, isso nem sempre é claro nos dias de hoje, quando os psicólogos têm que se
haver, cada vez mais, com terceiros envolvidos, como juízes, empregados, empresas de
seguros, etc. Nesse sentido é necessário o psicólogo definir em que sentido quem é o cliente
(empresa ou empregado, por ex.) e que demandas são apropriadas ou não.

As necessidades de delimitação temporal são claras e essa delimitação não requer,


necessariamente, um único encontro. Mesmo quando o processo requer mais de uma
ocasião, no processo de entrevista, não há um contrato de continuidade como em um
processo terapêutico, embora, freqüentemente, a entrevista clínica resulte em um contrato
terapêutico. A delimitação temporal tem a função de explicitar as diferenças de objetivos
dos dois procedimentos e dos papéis diferenciados do profissional nas duas situações. Essa
delimitação define o setting e fortalece o contrato terapêutico, que pode ser consolidado
como conclusões das entrevistas iniciais. Essas recomendações, o encaminhamento ou a
definição de um setting e contrato terapêutico podem ocorrer integrados como parte de
uma única sessão de entrevista ou podem se reservados para uma entrevista designada
exclusivamente para este fim (entrevista de devolução), demarcando, de maneira mais
precisa, o término do processo de avaliação.

Adrados (1982) afirma que a entrevista é tida como uma técnica, dentre outras de extrema
relevância, principalmente porque subexiste ao dia-a-dia tornando-se cada vez mais
eficiente e imprescindível, constituindo-se como ponto fundamental para o alcance de uma
visão global e conseqüentemente de uma conclusão diagnóstica, a respeito do cliente.

Existem diversos tipos de entrevistas, que irão se diferenciar de acordo com seu objetivo
principal e com o trabalho que está sendo realizado. Para cada processo há um tipo de
entrevista, que podem ser classificadas de várias maneiras: segundo o seu aspecto formal,
segundo os objetivos e segundo a estruturação.

Quanto ao aspecto formal, as entrevistas podem ser divididas em estruturadas, semi-


estruturadas e de livre estruturação. As entrevistas estruturadas são de pouca utilidade
clínica. A aplicação desse tipo de entrevista é mais freqüente em pesquisas. Sua utilização
raramente considera as necessidades ou demandas do sujeito avaliado – usualmente ela se
destina ao levantamento de informações definidas pelas necessidades de um projeto.
Privilegiam a objetividade – as perguntas são quase sempre fechadas ou delimitadas por
opções previamente determinadas e buscam respostas específicas a questões específicas.

É tradição se referir à entrevista de livre estruturação com entrevista livre ou não


estruturada ou ainda, aberta. Nesse tipo de entrevista, o paciente é convidado a falar
livremente sobre aquilo que quiser. Cunha (2000) argumenta que mesmo assim, a entrevista
tem alguma estruturação.

As entrevistas semi-estruturadas são assim denominadas porque o entrevistador tem clareza


de seus objetivos, de que tipo de informação é necessária para atingi-los, de como essa
informação deve ser obtida, quando ou em que seqüência, em que condições deve ser
investigada e como deve ser considerada. Além de modo padronizado, ela aumenta a
confiabilidade ou fidedignidade da informação obtida.

Quanto a classificação das entrevistas a partir dos seus objetivos podemos dizer que há uma
grande variedade. Dentre as mais estudadas vamos citar:

1. Entrevista de triagem: tem por objetivo principal avaliar a demanda do sujeito e


fazer um encaminhamento. Geralmente, é utilizada em serviços de saúde pública ou
em clínicas sociais, onde existe a procura contínua por uma diversidade de serviços
psicológicos, e torna-se necessário a adequação da demanda em relação ao
encaminhamento pretendido.

2. Entrevista de anamnese: tem por objetivo o levantamento detalhado da história de


desenvolvimento da pessoa, principalmente na infância. A anamnese é uma técnica
de entrevista que pode ser facilmente estruturada cronologicamente.

3. Entrevistas diagnósticas: Pode priorizar os aspectos sindrômicos ou psicodinâmicos.


O primeiro visa a descrição de sinais e sintomas para a classificação de um quadro ou
síndrome. O diagnóstico psicodinâmico visa à descrição e a compreensão da
experiência ou do modo particular de funcionamento do sujeito, tendo em vista uma
abordagem teórica. É um tipo de entrevista que visa a modificação de um quadro
apresentado em benefício do sujeito.

4. Entrevistas sistêmicas: focalizam a avaliação da estrutura ou da história relacional ou


familiar. Podem também avaliar aspectos importantes da rede social de pessoas e
famílias.

5. Entrevista de devolução: tem por finalidade comunicar ao sujeIto o resultado da


avaliação. Em muitos casos, essa atividade é integrada em uma mesma sessão, ao
final da entrevista. Em outras situações, principalmente quando as atividades de
avaliação se estendem por mais de uma sessão, é útil destacar a entrevista de
devolução do restante do processo.
Em psicologia, a entrevista clínica pode ser entendida como um conjunto de técnicas de
investigação, que tem o seu tempo delimitado e é direcionada por uma profissional
treinado, que vai utilizar conhecimentos psicológicos, com o objetivo de descrever e avaliar
os aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social) do
entrevistado, em um processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou propor
algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas.

A entrevista é a única técnica capaz de testar os limites de aparentes contradições e de


tornar explícitas características indicadas pelos instrumentos padronizados, dando a eles
validade clínica, por isso, a necessidade de dar destaque à entrevista clínica no âmbito da
avaliação psicológica.

Existem diversos tipos de entrevistas, que irão se diferenciar de acordo com seu objetivo
principal e com o trabalho que está sendo realizado. Para cada processo há um tipo de
entrevista, que podem ser classificadas de várias maneiras: segundo o seu aspecto formal,
segundo os objetivos e segundo a estruturação.

Quanto ao aspecto formal, as entrevistas podem ser divididas em estruturadas, semi-


estruturadas e de livre estruturação

É tradição se referir à entrevista de livre estruturação com entrevista livre ou não


estruturada ou ainda, aberta. Nesse tipo de entrevista, o paciente é convidado a falar
livremente sobre aquilo que quiser.

As entrevistas semi-estruturadas são assim denominadas porque o entrevistador tem clareza


de seus objetivos, de que tipo de informação é necessária para atingi-los, de como essa
informação deve ser obtida, quando ou em que seqüência, em que condições deve ser
investigada e como deve ser considerada.

Quanto a classificação das entrevistas a partir dos seus objetivos podemos dizer que há uma
grande variedade. Dentre as mais estudadas vamos citar: triagem, anamnese, diagnóstica,
sistêmicas e devolução.

8.2 - Competências do avaliador para as entrevistas e a qualidade da relação:

O bom uso da técnica deve ampliar o alcance das habilidades interpessoais do entrevistado e
vice-versa. Para levar uma entrevista a termo de modo adequado, o entrevistador deve ser
capaz de:

1. Estar presente, no sentido de estar inteiramente disponível para o outro naquele


momento, e poder ouvi-lo sem a interferência de questões pessoais;

2. Ajudar o paciente a se sentir à vontade e a desenvolver uma aliança de trabalho;

3. Facilitar a expressão dos motivos que levaram a pessoa a ser encaminhada ou a


buscar ajuda;

4. Buscar esclarecimentos para colocações vagas ou incompletas;


5. Confrontar esquivas e contradições, mas de forma gentil;

6. Tolerar a ansiedade relacionada aos temas evocados na entrevista.

7. Reconhecer defesas e modos de estruturação do paciente, especialmente quando


elas atuam diretamente na relação com o entrevistador (transferência);

8. Compreender seus processos contratransferênciais;

9. Assumir a iniciativa em momentos de impasse;

10. Dominar as técnicas que utiliza.

8.3 - Objetivos e requisitos da primeira entrevista em avaliação

No caso de ser a primeira consulta que os pais (ou paciente adulto) fazem, a primeira
entrevista é o primeiro passo do processo psicodiagnóstico e deve reunir certos requisitos
para cobrir seus objetivos, tais como: no começo ser muito livre, não direcionada, de forma
que possibilite a investigação do papel que cada um dos pais desempenha, entre eles e
conosco; o papel que cada um parece desempenhar com o filho, a fantasia que cada um traz
sobre o filho, a fantasia de doença e cura que cada um tem, a distância entre o motivo
manifesto e o latente da consulta, o grau de colaboração ou de resistência com o
profissional, etc.

Para isso, serão levados em consideração tanto elementos verbais como não verbais da
entrevista, a gesticulação dos pais, seus lapsos, suas ações, como por exemplo, ir ao
banheiro, esquecer algo ao partir, segurar uma bolsa ou pasta o tempo todo, fazer
comentários profissionais, fazer alguma queixa (mesmo parecendo justificada pode estar
encobrindo uma queixa de outra natureza), desencontro do casal ao chegar para a primeira
entrevista, trocar o horário por engano, trazer uma lista escrita com dados excessivamente
detalhados, olhar o teto o tempo todo, pedir um conselho rapidamente, etc.

Contratransferencialmente, deveremos escutar de maneira constante aquilo que sentimos e


as associações que fazemos à medida que eles vão relatando a sua versão do que ocorre.
Assim, ficaremos com uma imagem desse filho, a imagem que eles nos transmitiram, cada
um a sua, e a que fica conosco, que nem sempre é o reflexo fiel do que os pais têm tentado
nos passar.

Quando conhecermos o filho, o passo seguinte do processo, já poderemos comparar essa


imagem que temos dele com a que realmente estamos recebendo.

Foi dito antes que o primeiro requisito da entrevista projetiva é de que seja livre. Um
segundo requisito é que em um outro momento, quando for mais oportuno, segundo o
julgamento do profissional que está fazendo o trabalho, seja bastante dirigida de forma a
poder elaborar uma história clínica completa do paciente. Deve-se solicitar dados, colher
informação exaustiva sobre a história do sintoma e também deixar estabelecido um contrato
para esta etapa do trabalho diagnóstico. Por exemplo, quantas entrevistas serão feitas,
quem deve participar, em que horário, que ordem será dada ao filho, quais serão os
honorários, qual o objetivo de todo o estudo, em que vamos centrá-lo, qual é o motivo mais
profundo, que destino terá a informação que obtivermos (se será transmitida a eles ou ao
filho, ou além deles ao pediatra, à professora, a um juiz, etc.).
É importante detectar na primeira entrevista, seja com os pais, com o filho, com o
adolescente ou com o adulto que chegam pela primeira vez, o nível de angústia, o nível de
preocupação que provoca isso que está ocorrendo com eles. É necessário e saudável que se
produza num momento determinado da entrevista, quando o paciente ou seus pais tenham
insight de que o que ocorre é triste, preocupa ou assusta, notar que surja neles algum indício
de tais sentimentos, pois se não for assim pode predominar um clima de negação parcial da
verdadeira importância do conflito, ou um clima maníaco de negação total e projeção, como
quando tudo parece ser preocupação da professora ou do pediatra, mas não dos pais.

É importante ainda ressaltar que em um processo diagnóstico é fundamental trabalhar com


um nível de ansiedade instrumental, ou seja, saudável. Isto é importante porque o nível de
ansiedade e o modo como regem o paciente, os pais e a família para contê-la ou manejá-la é
um dado diagnóstico e prognóstico muito significativo.

Não tem o mesmo significado que os pais de uma criança entrem numa crise da qual nós
dificilmente poderemos tirá-los, que se vemos que eles mesmos são capazes de conter a
própria angústia ou um deles é capaz de conter a angústia do outro, também o é se eles
reagem positivamente à ação moderadora do psicólogo.

Quando isso ocorre, essa criança tem um respaldo, uma contenção muito mais forte que
aquela que os pais negadores oferecem, ou aqueles que estão atravessando sua própria crise
de angústia. Nestes casos, também eles deverão receber uma ajuda pertinente, porque não
há alguém capaz de resgatar o grupo familiar da situação angustiante. Existe um nível de
angústia ou ansiedade cujo aparecimento é saudável, mas exacerbação é negativa, pois o
paciente entra numa crise de angústia da qual não consegue se afastar, e não podemos de
maneira alguma pensar em aplicar algum teste; podendo isto ser, inclusive, uma conduta
pouco humana, absurda e iatrogênica. Ocorre frequentemente sob algum comando, ou
diante de determinada lâmina de algum teste que o paciente as associa automaticamente
com alguma morte ou com algum acontecimento que desencadeou o seu conflito. Nestes
casos pode ocorrer um bloqueio total, uma crise de choro ou uma rejeição violenta, talvez se
negando a realizar a tarefa. Todas estas reações têm importância diagnóstica, porque
indicam quais são as reações do paciente quando tocamos seus pontos mais vulneráveis e
dolorosos. É provável que nesses casos tenhamos que suspender a tarefa, escutar o que ele
precisa nos contar, o que lembrou ou associou, sendo que nesse momento teremos então
uma nova etapa de entrevista aberta, mesmo já estando na fase de aplicação de algum
teste.

Cabe aqui uma recomendação. Não devemos esquecer que estamos desde o início incluindo
aspectos transferenciais da relação do paciente ou dois pais conosco, e também (mesmo se
não as verbalizamos) contratransferenciais. Não devemos esquecer também que aquilo que
se reestrutura, seguindo a teoria da Gestalt, é um campo no qual cada um dos integrantes
(no qual nós incluídos) terá uma constante mobilidade dinâmica, de tal modo que o que vier
a ocorrer é algo além do mero somatório de condutas individuais.

Se os pais forem um casal bem estruturado, os sentiremos unidos e haverá uma distância
ideal entre eles e nós. Se o casal não estiver bem unido poderemos notar que um deles quer
excluir o outro e fazer uma aliança conosco. Ou então, que um deles se exclui desce o início,
não vindo à entrevista, ou tentando ser uma presença ausente (por exemplo, olhando para o
teto o tempo todo), fazendo que o outro não tenha outra solução que falar conosco
constantemente. Pode ocorrer também que não queiram vir juntos. No caso de já existir a
separação, devemos aceitar esta situação, mas deveremos tentar de todas as formas
possíveis que assistam juntos à entrevista final para que tomem uma decisão conjunta, pois
trata-se de compreender o que está acontecendo com o filho e decidir o seu futuro. Parecem
consultar com a finalidade de desqualificá-lo repetidamente e não buscando a sua ajuda.

A diferença entre uma entrevista clínica habitual e aquela que é o ponto de partida para um
estudo psicodiagnóstico com os testes projetivos é que nesta deveremos manter um duplo
papel: no início, um papel de não intervenção ativa, limitando-nos a sermos um observador
da situação que está se desenvolvendo no campo do qual estamos participando. Tentaremos
manter o nosso papel de observador que escuta e registra (através do material do paciente e
dos efeitos contratransferenciais).

A posteriori e gradualmente, iremos intercalando perguntas ou tentando dirigir o diálogo.


Devemos considerar o momento mais oportuno, adotar em papel mais ativo, tal como
intervir, investigar, e inclusive enfrentar os pais com suas próprias contradições, falta de
recordações ou falta de sensibilidade para registrar a seriedade da sintomatologia e os riscos
que o filho está correndo.

Na entrevista com um adulto ocorreria o mesmo. Tecnicamente, isto pode ser feito
simplesmente assinalado alguns pontos, sem fazer interpretações, o que não é
recomendável na primeira entrevista. Mas o grau de permeabilidade é muito variável.
Alguns pais (ou adolescentes ou adultos) vêm com muito insight e possibilitam-nos trabalhar
desde o primeiro contato, de uma maneira muito mais ágil e terapêutica. Isso, no entanto,
não é o usual, e às vezes ocorre totalmente o contrário.

Nessa entrevista inicial, usa-se o enquadre de uma entrevista aberta projetiva,


fundamentalmente no início. Mas logo, essa deve ser dirigida para colher todos os dados
necessários ou enfrentar os pais, mostrando-lhes situações que observamos muito negadas,
deslocadas ou dissociadas.

Com crianças, o equivalente á entrevista projetiva inicial é a hora do jogo diagnóstico. Tanto
com eles quanto com adolescentes e adultos, continuaremos logo com os testes, e na
maioria dos casos teremos que fazer os respectivos inquéritos. Espera-se que o mesmo
modelo se repita: no início colheremos a produção espontânea do paciente e logo faremos
um inquérito para especificar detalhar das respostas (solucionar ambigüidades ou
contradições, completar, esclarecer, etc.) e isso exige de nós ma atitude abertamente
dirigida.

É por isso que dizemos que a atitude do profissional que realiza o estudo da personalidade
com testes projetivos, é composta: não é totalmente de laissez faire, nem tampouco uma
atitude absolutamente fechada ou de dirigismo rígido. E é bastante difícil esgotar todas as
possibilidades, porque cada caso é um psicodiagnóstico único e que não se repete, devido a
que, como já se disse, não pode existir um modelo único e rígido. A atitude do psicólogo
deve ser ao mesmo tempo plástica, aberta, permeável e concretamente precisa e
centralizada em um objetivo que não podemos ignorar ou perder de vista em momento
algum. Ficarmos com uma resposta ambígua significa não podermos chegar às conclusões
necessárias para realizar o diagnóstico ou prognóstico, nem tomar uma decisão ou dar
sugestões quanto à estratégia terapêutica confeccionando um bom informe.

Por essa razão, se um paciente resiste a realizar uma tarefa determinada, podemos trocá-la
por outra equivalente, mas não omiti-la. Podemos encontrar outro teste paralelo ou propor-
lhe uma outra atividade. Podemos, inclusive, não aplicar nenhum teste no momento,
simplesmente dedicar horas de jogo com uma criança, ou realizar entrevistas com um
adolescente ou adulto, mas isso não significa que deixaremos de fazê-lo mais adiante, no
momento mais oportuno.

No caso em que estivermos fazendo um psicodiagnóstico grupal, não há uma primeira


entrevista inicial individual ou, se ela existe, é muito breve. Nesses casos, deve-se iniciar
convocando o grupo para a aplicação de uma série de provas coletivas (ou seja, cada um fará
o seu trabalho simultaneamente ao trabalho dos outros) ou grupais (nas quais, entre todos,
vão elaborar uma resposta a uma solicitação nossa). Nestes casos, a informação que viermos
a obter será algo como uma mera discriminação entre os que possuem e os que não
possuem um requisito determinado.

Nestes casos pode acontecer que não se inclua o contato individual nem a relação
transferência-contratransferência, ou seja, o campo dinâmico que é criado em uma
entrevista individual. Tudo isso é excluído para poder-se obter informações sobre um grupo
muito maior no menor tempo possível. Se estivermos trabalhando em escolas, por exemplo,
é muito importante detectar patologias sérias e posteriormente, seriam convocados os
indivíduos cujo material apresenta o que é chamamdo de indicadores de conflito ou de
patologia. Será então necessário entrevistar os pais e fazer um estudo mais minucioso e
individual de cada um. Não podemos esquecer que objetivo de uma pesquisa assim realizada
é ajudar um número grande de pessoas, detectando precocemente a patologia, e esta é uma
técnica extremamente útil.

Se a primeira entrevista cumpriu sua finalidade, terminaremos a mesma com:

• Uma imagem do conflito central e seus derivados;

• Uma história da vida do paciente e da situação desencadeadora;

• Alguma hipótese inicial sobre o motivo profundo do conflito, a qual será ratificada
ou modificada, segundo o material projetivo dos testes e da entrevista de devolução;

• Uma estratégia para usar determinados instrumentos diagnósticos seguindo uma


determinada ordem, de modo que sirvam para ratificar e ampliar as nossas
hipóteses prévias ou para retificá-las.

8.3 - O PRIMEIRO CONTATO NA CONSULTA

Apesar de ter afirmado que o processo psicodiagnóstico consta de vários passos (e estes de
fato ocorrem), nunca se pode afirmar que um vem antes e o outro vem depois de uma forma
mecânica, fixa e estática. Tudo depende de diversas razões.

Esses diferentes passos já foram anteriormente abordados. Vamos relembrar:

O primeiro consiste na primeira tomada de contato. Isto significa que nessa primeira etapa
teremos recebido o telefonema do paciente ou o pedido de um profissional para realizar o
estudo de um paciente determinado. Se quem nos solicita o estudo é o terapeuta que vai se
encarregar do tratamento, nosso papel ficara restrito basicamente à aplicação de testes
pertinentes.

Nestes casos é necessário tomar cuidado para não interferir demais na relação transferencial
que o paciente já tenha estabelecido com seu terapeuta. Numa consulta dessa natureza
tentaremos reduzir a entrevista inicial ao mínimo possível. Em alguns casos é bom trabalhar
praticamente às cegas, com dados mínimos de identidade do grupo familiar, motivo da
consulta, e muito especificamente o motivo que levou o terapeuta a solicitar o estudo. Seria
preferível que a devolução (que é um dos passos finais do processo) fosse feita pelo próprio
terapeuta na medida e no momento que considerasse adequado, e somente seria feita pelo
profissional que realizou o psicodiagnóstico se aquele o considera mais conveniente,
explicitando a razão.

O informe que enviaremos a esse profissional tem uma relevância especial, pois ali deve
estar contida toda a informação que ele necessita. Devemos então realiza-lo com dedicação
especial para poder cumprir com a finalidade a que se destina o estudo.

Se não for possível atingir os objetivos, será importante continuar com mais uma entrevista.
Isto acontece frequentemente com os pais de uma criança, pois cinqüenta minutos podem
ser insuficientes para todo esse trabalho. Podemos então prolongá-la ou fazer mais de uma
entrevista inicial.

Se o nível de ansiedade (persecutória, depressiva ou confusional) dos pais tornar difícil


manter um clima adequado, torna-se aconselhável chamá-los novamente, pois geralmente
na segunda entrevista estão mais tranqüilos, menos tensos, menos defensivos, mais
recuperados e melhor situados.

No caso contrário, a situação é pouco promissora e seria aconselhável pensar que a terapia
individual do filho exclusivamente não é o mais adequado. Deve ser complementado com
orientação dos pais, ou indicação de terapia de casal, familiar, vincular, etc.

Concluímos então que a “primeira entrevista” é um conceito referente à primeira etapa


diagnóstica, que tem um objetivo específico, mas não significa que deve ser só uma nem que
deve ser realizada obrigatoriamente no início do processo diagnóstico. Em circunstâncias
especiais podemos obter dados após a aplicação dos testes, e não no início da consulta.

A “primeira entrevista” é um conceito referente à primeira etapa diagnóstica, que tem um


objetivo específico, mas não significa que deve ser só uma nem que deve ser realizada
obrigatoriamente no início do processo diagnóstico. Em circunstâncias especiais podemos
obter dados após a aplicação dos testes, e não no início da consulta.

9 - O ENQUADRE NO PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO

Em todas as atividades clínicas, e entre elas se inclui o psicodiagnóstico, é necessário partir


de um enquadre.

O enquadre pode ser mais estrito, mais amplo, mais permeável ou mais plástico, conforme
as diferentes modalidades do trabalho individual ou conforme as normas da instituição na
qual se trabalhe. Varia de acordo com o enfoque teórico que serve como marco referencial
predominante para o profissional, conforme a sua formação, suas características pessoais e
também conforme as características do cliente.

Alguns profissionais afirmam que trabalham sem enquadre. Esta afirmação, no entanto,
encerra uma falácia, pois essa posição de não-enquadre já é por si mesma uma forma de
enquadre, em todo caso do tipo laissez-faire.
Cada profissional assume um sistema de trabalho que o caracteriza, além das variáveis que
possa introduzir no caso.

A qualidade e o grau da patologia do cliente nos obrigam a adaptar o enquadre a cada caso.
Não é possível trabalhar da mesma forma com um paciente neurótico, com um psicótico ou
com um psicopata grave. Cada caso implica diferentes graus de plasticidade. Uma pessoa
absolutamente dependente exigirá esclarecimentos permanentes do que deve ou não fazer,
enquanto que outros sentirão nossas intervenções como interferências desagradáveis. Um
psicopata precisa ser limitado constantemente. O psicótico exige de nossa parte uma total
concentração. Precisa ser limitado, mas também cuidado e protegido e também precisamos
proteger-nos.

A idade do paciente também influi no enquadre escolhido. Com uma criança pequena,
sentaremos para brincar no chão se ela assim solicitar. Com adolescentes, sabemos que
precisamos ser mais tolerantes quanto à sua freqüência, sua pontualidade e suas
resistências para realizar certos testes dos quais “não gostam”. Talvez queiram antes acabar
de escutar uma música em seu mp3. Deixamos escutá-la até ele dizer que podemos começar.
Talvez também fizéssemos o mesmo com uma criança ou com um adulto psicótico.

Conclusão: é impossível trabalhar sem um enquadre, mas não existe um único enquadre.

Quando questionados sobre o enquadre que usamos, muitas vezes acontecerá que a
reflexão vem a posteriori da prática clínica. Em primeiro lugar, agimos, e depois refletiremos
sobre como e por que trabalhamos daquela forma. Bion recomenda trabalhar com absoluta
atenção flutuante e liberdade, e depois de terminada a sessão, então sim, é aconselhável
tomar notas e pensar sobre o ocorrido. No psicodiagnóstico isto se aplica principalmente à
entrevista inicial. Nas seguintes já é necessário agir de outra forma para atingir nosso
objetivo.

Seja com um adolescente, com um adulto ou com os pais de uma criança, a primeira
entrevista nos dará subsídios que facilitarão o enquadre a ser escolhido. Seu
comportamento, seu discurso, suas reações, são indicadores que nos ajudam a resolver que
tipo de enquadre usaremos, se mais estrito ou mais permissivo.

O enquadre inclui não somente o modo formulação do trabalho, mas também o objetivo do
mesmo, a freqüência dos encontros, o lugar, os horários, os honorários e, principalmente, o
papel que cabe a cada um.

O papel do psicólogo não é o de quem sabe, enquanto que o do paciente é o de quem não
sabe. Ambos sabem algo e ambos desconhecem muitas coisas que irão descobrindo juntos.
O que marca a assimetria de papéis é que o psicólogo dispõe de conhecimentos e
instrumentos de trabalho para ajudar o paciente a decifrar os seus problemas, a encontrar
uma explicação para os seus conflitos e para aconselhá-lo sobre a maneira mais eficiente de
resolvê-los.

Quando alguém chega pela primeira vez, perguntamos: “Em que posso ajudá-lo?” e com a
resposta obtemos a primeira chave sobre a forma de encarar o caso. Se a resposta for:
“Venho porque estou preocupado, estou muito nervoso, não consigo dormir, não me
concentro no trabalho e não sei porque isso acontece”, não nos provoca a mesma reação do
que se o indivíduo respondesse: “Não sei, foi o médico que me mandou porque estou com
úlcera e ele diz que é psicológico”. Perguntaríamos: “mas você, o que pensa. Acha que o
médico esta certo?” sua resposta pode ser afirmativa, o que abre uma perspectiva mais
favorável, ou pode responder: “Não, eu não acredito nessas coisas”. Essa resposta deixa
pouquíssima margem para encarar qualquer tipo de trabalho. Se o médico nos enviou seu
paciente e espera receber um informe psicológico, devemos explicar-lhe que mesmo que ele
não acredite faremos alguns testes para poder enviar ao médico uma resposta conforme o
que ele espera de nós.

Não sendo assim, é muito difícil realizar o psicodiagnóstico e, quase é conveniente colocar
que, o prorrogaremos até que ele sinta a necessidade de fazê-lo, até que esteja convencido
de que seu médico esta com razão. Do contrário, mesmo que ele faça de boa vontade o que
lhe pedirmos, as conclusões que obtivermos não terão valor nenhum para ele, e a entrevista
de devolução poderia tornar-se uma espécie de desafio no qual queremos convencê-lo de
algo que ele se nega a aceitar.

Alguns autores afirmam que existem certos aspectos do enquadre que permanecem
“mudos” até que alguma circunstância nos obriga a rompê-los, e então aparecem com
clareza.

Suponhamos que o terapeuta tenha sido sempre pontual, até que um dia um problema no
trânsito o obriga a chegar vinte minutos mais tarde. O paciente está esperando furioso,
quase o insulta e grita “porque o senhor deve estar aqui quando eu chego”. Se não houvesse
surgido esta “ruptura” do enquadre, essa reação teria permanecido sempre encoberta pela
seriedade do comportamento do terapeuta.

Sabemos em que tanto o profissional como o paciente, trazem para o encontro um aspecto
mais infantil e outro mais maduro. Se o contrato do psicodiagnóstico é feito sobre a base dos
aspectos infantis de ambos, os resultados serão negativos e perigosos.

Bleger, citado por Arzeno (1995), coloca em seu artigo La entrevista psicológica (publicação
interna da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires):

Para obter o campo particular da entrevista que descrevemos, devemos contar com um
enquadre fixo que consiste na transformação de certo conjunto de variáveis em constantes.
Dentro deste enquadre inclui-se não somente a atitude técnica e o papel do entrevistador
como o temos descrito, mas também os objetivos, o lugar e a duração da entrevista. O
enquadre funciona como um tipo de padronização da situação estímulo para ele, mas que
deixe de oscilar como variável para o entrevistador. Se o enquadre sofre alguma modificação
(por exemplo, porque a entrevista é realizada em um lugar diferente) essa modificação deve
ser considerada como uma variável sujeita à observação, tanto como o próprio entrevistado.
Cada entrevista possui um contexto definido (conjunto de constantes e variáveis) devido ao
qual ocorrem os emergentes e estes só fazem sentido e são significativos em relação e
devido a esse contexto. O campo da entrevista também não é fixo, mas dinâmico, o que
significa que está sujeito a uma mudança permanente, e a observação deve se estender do
campo específico existente a cada momento à continuidade e sentido dessas mudanças...
Cada situação humana é sempre única e original, sendo assim também o será a entrevista,
mas isso não se aplica somente aos fenômenos humanos, mas também aos fenômenos da
natureza, o que já era do conhecimento de Heráclito. Esta originalidade de cada
acontecimento não impede o estabelecimento de constantes gerais, ou seja, das condições
em que os fatos se repetem com maior freqüência. O individual não exclui o geral nem a
possibilidade de introduzir abstração e categorias de análise... a forma de observar bem é ir
formulando hipóteses enquanto se observa, e no transcurso da entrevista verificar e retificar
as hipóteses durante o seu próprio transcurso em função das observações subseqüentes
que, por sua vez, vão ser enriquecidas pelas hipóteses previas. Observar, pensar e imaginar
coincidem totalmente e fazem parte de um único processo dialético.

Como vemos, Bleger enfatiza a importância do enquadre para manter o campo da entrevista
de forma que uma série de variáveis (aquelas que dependem do entrevistador) se
mantenham constantes. Isso contribui para uma melhor observação.

Segundo Bleger, o enquadre seria o fundo ou a base, e o processo psicodiagnóstico, a


imagem do que, unindo ambos os conceitos (enquadre e processo) configurariam a situação
terapêutica. O enquadre seria o fator constante, o que não é processo. O processo seria
aquilo que é variável, o que se modifica. Isto é o que explica de que forma vai se
desenvolvendo o processo terapêutico. No caso de um psicodiagnóstico podemos fazer uso
destes conceitos. A situação não é a terapêutica. Mas, da mesma forma, precisamos
observar o indivíduo para fazer um diagnóstico correto. Devemos ter certeza de que aquilo
que surgir será material do paciente (variáveis por ele introduzidas) e não nosso.

Como colocamos anteriormente, tanto o terapeuta como o paciente, trazem um lado infantil
e ou outro mais maduro. O enquadre, ponto de partida de importância decisiva para o
processo psicodiagnóstico, tanto como para o terapêutico, se torna ainda mais complicado
quando consideramos que cada um dos pais e filhos também trazem ambos os aspectos. Por
isso, advertimos sobre o risco de que se estabeleçam situações nas quais são colocadas em
jogo as partes infantis (primitivas e onipotentes) de cada um, inclusive do próprio
profissional.

Perto do final da primeira entrevista, costumamos explicar ao paciente (ou aos seus pais)
que deverá fazer alguns desenhos, inventar algumas histórias, etc. e que logo após nos
reunimos para conversar sobre os resultados. Quando estiver prevista uma entrevista
familiar, devemos também adverti-lo com o tempo. Geralmente não há resistência quando é
dito que desejamos conhecer como é a família quando estão todos juntos.

Durante a hora do jogo diagnóstico e das entrevistas familiares diagnósticas, nosso papel
será o de um observador não participante. O mesmo acontece no momento de aplicar os
testes. Somente após colher a produção espontânea do indivíduo deveremos intervir mais
ao fazer algum inquérito e inclusive algum exame de limites.

Nosso papel é muito mais ativo durante a entrevista final, na qual o esperado é justamente
que demos a nossa opinião sobre o que ocorre. A recomendação da estratégia terapêutica
mais adequada deve ser formulada e devidamente fundamentada pelo profissional, dada a
autoridade que o seu papel lhe confere. Quando, para o paciente, é muito difícil assimilar
toda a informação que temos para dar-lhe, é aconselhável marcar mais de uma ou duas
entrevistas.

É muito difícil definir o papel do psicólogo no momento da devolução de informação. Com


alguns adultos ou adolescentes poderemos trabalhar com elasticidade e plasticidade,
enquanto com outros deveremos ser mais drásticos.

Apesar da intervenção drástica, a ética profissional orienta-nos a dizer a verdade, porque


para isso somos consultados, e se em determinados casos precisarmos posicionar-nos dessa
maneira, é imprescindível fazê-lo, tanto pelos pais quanto pelo filho, e também por nós
mesmos.
Muitas vezes o processo psicodiagnóstico não acaba com a aceitação fácil de nossas
conclusões. Os clientes ou seus responsáveis precisam de tempo para pensar, para assimilar
o que lhes foi dito. Muitas vezes também, nós precisamos de tempo para ratificar e retificar
as nossas hipóteses. De modo que algumas vezes é necessário modificar o enquadre inicial
no que se refere ao número de entrevistas e deixar mais espaço para concluir o processo
com maior clareza.

Agora vamos dedicar um breve espaço ao enquadre no âmbito institucional.

Cada instituição pode (e deve) fixar os limites dentro dos quais vai se desenvolver o trabalho
do psicólogo. Por exemplo, a duração de cada entrevista, o tipo de diagnóstico que se
espera, o modo de deixar registrado e arquivado o material, o tipo de informe final, etc. Mas
o tipo de bateria a ser usada e a sua seqüência é de responsabilidade exclusiva dos
psicólogos. Eles decidirão de comum acordo o modus operandi. Do contrário, podem ocorrer
situações ridículas, iatrogênicas e até legalmente objetáveis.

Em todas as atividades clínicas, e entre elas se inclui o psicodiagnóstico, é necessário partir


de um enquadre.

Seja com um adolescente, com um adulto ou com os pais de uma criança, a primeira
entrevista nos dará subsídios que facilitarão o enquadre a ser escolhido. Seu
comportamento, seu discurso, suas reações, são indicadores que nos ajudam a resolver que
tipo de enquadre usaremos, se mais estrito ou mais permissivo.

O enquadre inclui não somente o modo formulação do trabalho, mas também o objetivo do
mesmo, a freqüência dos encontros, o lugar, os horários, os honorários e, principalmente, o
papel que cabe a cada um.

O tipo de bateria a ser usada e a sua seqüência é de responsabilidade exclusiva dos


psicólogos

10 - Algumas contribuições úteis para a realização da primeira entrevista com o cliente

A primeira entrevista é a primeira etapa do processo psicodiagnóstico, que possui diversos


objetivos. Isto não significa que deva necessariamente ser uma só.

Como já dissemos anteriormente, se o nível de ansiedade dos pais ou de um adulto for


muito alto ao chegar para a primeira entrevista (seja essa ansiedade persecutória,
depressiva ou confusional), torna-se difícil manter um clima ideal de trabalho. Talvez o
objetivo desse primeiro encontro seja, para eles, conhecer-nos e comprovar que não iremos
acusá-los de seus fracassos e erros.

Nesses casos, a primeira entrevista pode ser mais curta e centralizada na descrição daquilo
que causa preocupação no momento. Uma segunda consulta pode ser o mais indicado para
encontrar os indivíduos menos tensos e mais colaboradores. Se isso não ocorrer, a situação
será menos alentadora. Talvez tenham passado por uma experiência anterior muito
negativa, ou realmente não acreditem que possam ser ajudados por um psicólogo. Este é um
ponto no qual devemos deter-nos todo o tempo necessário, evitando assim que o estudo
precise ser interrompido mais adiante.

Uma vez que sabemos da presença constante da transferência positiva e da transferência


negativa no psicodiagnóstico, devemos tomar cuidado para que esta última não seja tão
intensa ao ponto de impedir o nosso trabalho.

No se trata de negar ou diluir a transferência negativa, mas e mantê-la controlada para


facilitar um clima de rapport aceitável. Em geral, bastam alguns assinalamentos ou
comentários para consegui-lo.

Quando se trata de um paciente de outro profissional, a primeira entrevista pode-se ter uma
breve conversa sobre dados de filiação, constelação familiar primária e atual, profissão, etc.
Se o cliente tem conhecimento do motivo pelo qual foi enviado e se já fez algo semelhante
antes. Esse momento deve levar entre dez e quinze minutos, e devemos evitar que se
transforme em um relato detalhado e prolongado da história da vida do paciente, já que é
isso que tende a estabelecer um vínculo transferencial que interfere naquele estabelecido
previamente com o seu terapeuta, confundindo o paciente. Nestas circunstâncias, o
psicólogo deve controlar a sua curiosidade e manter uma distância ideal que possibilite um
clima agradável para trabalhar, sem fomentar falsas expectativas no sentido de criar um
vínculo que muito brevemente será interrompido.

Retomando agora o assunto da primeira entrevista, tal como ela é realizada em termos
gerais, ou seja, depois de um primeiro contato telefônico com alguém que inicia a consulta
diretamente conosco.

Uma forma delicada e adequada de “abrir” essa entrevista, após as respectivas


apresentações, pode ser a seguinte pergunta: “Em que posso ajudá-lo?” e adequar-se à
resposta recebida para decidir a estratégia seguinte.

A palavra estratégia não se refere a um plano rígido nem a uma dinâmica de entrevista
previamente planejada. Ao contrário, refere-se a resposta a essa pergunta que vai dar uma
pauta que dirigirá a nossa atenção para um ou outro caminho, dando-nos a possibilidade de
fazermos novas perguntas. Estabelece-se assim um diálogo e não um monólogo.

No início da primeira entrevista, nossas perguntas devem ser mínimas, para dar mais
liberdade ao sujeito ou casal de pais, mas à medida que formos elaborando hipóteses
presuntivas sobre o que estiver ocorrendo será imprescindível fazer comentários e perguntas
pertinentes.

O motivo da consulta vai guiar a nossa busca, e é conveniente explorar detalhadamente


todas as áreas com ele relacionadas, deixando para uma entrevista ulterior, outras
perguntas que vierem a surgir, para não transformar o primeiro encontro em um inquérito
tão entediante quanto persecutório.

Será considerado o motivo manifesto da consulta a resposta da nossa primeira pergunta


nessa entrevista inicial.

É aquilo que está mais próximo da consciência e o que o indivíduo prefere mencionar em
primeiro lugar. Talvez, ao ter mais confiança, venha a mencionar outros motivos de
preocupação mais difíceis de comunicar. Estes são chamados de motivo latente ou
inconsciente da consulta, que poderá surgir à medida que formos realizando o estudo, e será
ou não transmitido ao paciente dependendo das circunstâncias.

Como já foi colocado anteriormente, chamaremos provisoriamente “sintoma” àquilo que o


paciente traz como motivo manifesto da solicitação de psicodiagnóstico.

Quanto ao motivo manifesto da consulta e consciência de doença poderíamos estabelecer


um paralelo entre ambos os conceitos.

A preocupação do paciente, o que ele considera sintoma preocupante, e assim o coloca


deste o início, deveria ser considerado como consciência da doença: ele sabe que algo esta
mal e o descreve como pode. Se ele não registrar nenhum desconforto, poderemos falar
sobre a não consciência da doença.

Para sermos bem precisos, devemos esclarecer que existe uma distância enorme entre o
grau de consciência de doença com o qual o paciente chega para a primeira entrevista e
aquele que é obtido no início do tratamento, ou quando este já está bem adiantado. É nesse
momento que o paciente, a criança, o adolescente ou adulto, poderá falar de seus conflitos,
depois de tornar consciente o que era inconsciente, ou seja, quando à consciência de doença
original tenham sido incorporados aspectos importantes que pertenciam ao plano mais
inconsciente.

No que se refere a consciência de doença e fantasia inconsciente de doença, Arzeno aponta


que são dois conceitos distintos. Uma grande parte das discussões entre Anna Freud e
Melanie Klein sobre a criança tem ou não consciência de doença foi devido ao fato de que
elas falavam de duas idéias diferentes. Anna Freud estava certa, já que a maioria das
crianças respondem que estão bem e não sabem o que ocorre com elas. É excepcional que
possam relatar sintomas e mostrar preocupação ou sofrimento pelos mesmos. Geralmente
são os pais que fazem essa parte. Mas estamos falando de “consciência de doença”. As
crianças (e os outros também) só conseguem falar de seus conflitos quando já entraram na
etapa final do tratamento, e isso é um dos elementos que indicam justamente o êxito do
mesmo e a proximidade de seu fim.

Isto significa que todo aquele que consulta percebe, mesmo a nível inconsciente, que há algo
mal e causa dor, mal-estar, etc. dramatizando-o ou visualizando-o como um sonho,
justamente para detectar este matéria.

Sobre o motivo latente da consulta e fantasia de doença e cura observamos que já na


primeira hora de jogo a criança dramatiza, associa, desenha, modela e brinca, mostrando,
sem saber, qual é a sua fantasia de doença e cura. Talvez isso não apareça exatamente na
primeira hora de jogo e pode ser necessária outra hora para isso. Isso fica, no entanto, a
critério do profissional. Com crianças, essa atividade pode ser complementada com o
Desenho Livre.

Poderíamos agora acrescentar que não somente o sujeito que consulta tem a sua própria
fantasia inconsciente de doença, mas também cada um dos pais e o psicólogo possuem as
suas.

A fantasia inconsciente de doença é aquilo que o sujeito sente, sem dar-se conta disso, o que
passa por baixo do nível consciente. Tem relação com o sentimento de responsabilidade e
compromisso com o sintoma descrito consciente e se refere ao que está mal e à sua causa.
Se o paciente diz que: “Estou me sentindo mal porque não consigo me concentrar” e nós
perguntarmos o que ele acha sobre esse problema de não conseguir concentrar-se,
estaremos a caminho de descobrir algo sobre a sua fantasia inconsciente de doença.

A fantasia inconsciente de doença está correlacionada com o conceito de fantasia de cura,


que implica aquilo que o sujeito poderia imaginar como a solução para os seus problemas.

A fantasia inconsciente de análise é um terceiro conceito que juntamente com os dois


anteriores, configuraria uma espécie de tripé de grande importância quando se pretende
iniciar um trabalho terapêutico com um sujeito.

O desfecho dos testes projetivos verbais com histórias é um elemento que dá uma
informação valiosa a respeito, e por isso é imprescindível incluir alguns deles na bateria de
testes.

Como dito anteriormente, a fantasia de doença é um núcleo enquistado, com o qual a


pessoa mantém um determinado tipo de relação.

Poderíamos dizer, em geral, que as fantasias iniciais de cura possuem um marcante toque
mágico onipotente que vão adquirindo características mais realistas e menos onipotentes à
medida que o sujeito amadurece.

Geralmente, o objetivo primordial da primeira entrevista é conhecer a história do sujeito e


de sua família. Porém, mais importante que o registro cronológico dos fatos de três gerações
é a reconstrução do “romance familiar” com seus mitos, seus segredos, suas tradições, etc.

Mesmo tendo que fazer uso do inquérito, principalmente sobre fatos que os pais ou o
próprio sujeito nos relataram, tentando fazer com que estes sejam amenos e,
principalmente, que mantenha certa lógica em relação ao assunto que está sendo tratado.

Uma vez conhecido o motivo manifesto da consulta, faremos perguntas sobre tudo o que
possa estar relacionado com ele. Por exemplo, se os pais dizem que a criança de sete anos
ainda molha a cama à noite, perguntaremos se ele tem um sono muito pesado, se bebe
muito liquido antes de dormir, qual é a atitude deles diante desse acontecimento, se o
menino está preocupado ou não com a sua enurese e aos poucos iremos entrando em níveis
mais profundos. Perguntaremos então se na família há algum membro enurético. Se tiverem
mencionado que o levam para a cama do casal porque assim ele não urina, perguntaremos
se isto interfere ou não nas relações sexuais do casal e finalmente indagaremos se, pelo
contrário, o levam para a sua cama para preencher um vazio que existe no casal e essa
super-estimulação provoca o sintoma. Se assim for, isso explicaria por que não consultaram
antes. Mas se agora, quando o menino se queixa de que assim não pode acampar nem
dormir na casa de algum amigo, a vergonha do menino encobre os seus sentimentos de
culpa por ser um terceiro incluído no casal ao qual realmente separa. Aqui, aparece então, o
motivo manifesto e o motivo latente da consulta. Ao mesmo tempo, os pais trazem como
motivo a enurese do filho, mas logo a seguir colocam as suas próprias cartas sobre a mesa. É
como se nos dissessem: “Viemos devido aos nossos conflitos sexuais”.

É essencial que o profissional esgote todas as perguntas que possam ter relação com este
assunto. Por exemplo, como foi a infância de cada um, que lembranças têm do vínculo com
os seus pais e irmãos, etc. Todo o resto é importante, mas deve ser perguntado como
complemento o assunto anterior.
Poderíamos, assim, dirigir nossas perguntas lembrando o seguinte:

1. O sintoma apresenta um aspecto fenomenológico: nesse sentido devemos perguntar


minuciosamente tudo àquilo que se refere ao mesmo, sem dar nada por sabido. Os pais
dizem, “é teimoso”, mas ao pedir descrições podemos descobrir, talvez, que seja uma
conduta de reafirmação muito madura de um menino que não se submete a seus pais,
excessivamente rígidos e obsessivos.

2. O sintoma apresenta um aspecto dinâmico: mostra e esconde ao mesmo tempo um desejo


inconsciente que entra em oposição com uma proibição do superego. Por isso é importante
perguntar como a criança ou o adolescente reagem diante dos sintomas descritos pelos pais.
A vergonha, a repulsa e o pudor são elementos que indicam a existência de um conflito
intrapsíquico, que o sujeito irá cooperar no trabalho do psicodiagnóstico e no tratamento
posterior, e que a patologia é predominantemente neurótica.

3. Todo sintoma causa um beneficio secundário, sendo importante então calcular o que esse
sujeito obtém nesse sentido e o que ele perderia no caso de que abandonasse o sintoma.
Isso nos ajudará a medir as resistências que ele colocará para a superação do mesmo.

4. Sintoma expressa algo no nível familiar: a entrevista familiar diagnóstica nos dará maior
informação em relação a esse aspecto do que a entrevista inicial, mas mesmo assim,
deveremos estar alertas para captar sinais referentes a isso, desde o início.

Também os psicanalistas decidiram usar esse novo enfoque, familiar, de maneira que o
psicólogo dispõe agora de vários esquemas referenciais entre os quais poderá escolher o
mais convincente, sem omitir essa perspectiva tão importante na atualidade.

Seguindo esse enfoque, torna-se imprescindível interrogar, durante a primeira entrevista,


sobre o nome e sobrenome de cada progenitor, idade atual, se o pai e a mãe vivem ou são
falecidos (quando e por qual motivo), se os encontros com esses são freqüentes ou não e
como é a relação. Também serão feitas perguntas sobre os irmãos de cada um e as suas
idades, assim como a história e todos os detalhes do ou dos nomes escolhidos para o filho
que foi trazido para consultar, ou para o adulto que está consultando.

O sintoma esta expressando algo que não foi dito, ele ocupa o lugar dessa verdade não dita,
surge com e para outro. Seria inútil, então procurar a etiologia da doença exclusivamente
dentro do sujeito. Devem também ser explorados o contexto atual e a história familiar
dentro dos quais ela surgiu.

A Escola Francesa nos proporciona também outra hipótese de grande valor para
compreender o gênese de muitos problemas: o qual é o lugar do filho no desejo de seus pais:
é um prolongamento narcisístico ou falo da mãe? Ou é reconhecido como um-Outro com
autonomia e vontade próprias? Isso não pode ser objeto de um inquérito direto. É mais fácil
que seja observado nas entrevistas familiares. Se tivermos dúvidas, é indicado realizar uma
entrevista vincular mãe-filho e outra para pai-filho, além da familiar, para registrar fatos que
nos tragam informações a esse respeito.

5. Todo sintoma implica o fracasso ou a ruptura do equilíbrio intrapsíquico prévio. O


momento no qual os pais de uma criança, adolescente ou adulto consultam, é quando é
quando o sintoma já não mantém o equilíbrio familiar ou não basta, e a estrutura familiar
balança.
Recordando o esquema freudiano, poderemos utilizá-lo como um guia ideal pra saber quais
as informações devemos colher na entrevista inicial e nas posteriores.

1. Herança e constituição (ou seja, a história dos seus antepassados);

2. História prévia do sujeito (seja ela real ou fantasiada);

3. Situação desencadeante (individual e familiar).

Estes fatores contribuem para a criação de um conflito interno que provoca angústia e
mobiliza defesas. O sujeito entra então num quadro neurótico com formação e sintomas, os
quais, como afirmamos anteriormente, serão o motivo tanto manifesto como latente da
consulta.

Em relação aos recursos de que dispõe o psicólogo para registrar tudo o que é necessário
desde a entrevista inicial, cabe resumir o seguinte:

1. Sem dúvida, a comunicação verbal é a via essencial para tal objetivo.

2. O registro do não verbal também é essencial e por isso o psicólogo deve ser um
ouvinte atento a gestos, lapsos, atuações, etc., que possuem um valor inestimável,
pois não são produtos de um discurso planejado, mas de um discurso do
inconsciente. Neste momento não é o inquérito, mas a observação atenta que serve
ao psicólogo como fonte de coleta de dados.

3. Finalmente, existe outro nível de registro com o qual o psicólogo pode contar: seu
registro contratransferencial. Para que ele seja confiável, o psicólogo deve ter
realizado uma boa psicanálise de forma a não confundir aquilo que ele registra como
algo do outro com efeitos das suas intervenções em áreas não resolvidas e si mesmo.

No encerramento da primeira entrevista, que é o momento da despedida desse primeiro


encontro entre os pais ou o adulto e o psicólogo, é indicado combinar os passos que serão
seguidos, os horários das consultas posteriores, assim como esclarecer também quais serão
os honorários e a forma de pagamento dos mesmos.

Presente ou passado, por onde começar?Se o psicólogo aplicar mecanicamente a técnica


habitual do inquérito, cairá no erro de começar pelo passado. Por exemplo: foi um filho
desejado? Como foi a gravidez? E o parto? Foi com fórceps ou não? Foi com anestesia? Entre
outros. Se os pais (ou o adulto), chegarem muito angustiados por algum fato recente, isso
seria contraproducente e até poderíamos pensar que é uma defesa do profissional para
impedir a sua angústia.

Por isso, assinalamos que o mais conveniente é começar pelo motivo manifesto da consulta
passando por todas as áreas que possam ter conexão com o mesmo, para logo investigar as
outras cautelosamente sem descartá-las sob nenhuma hipótese, já que podem surgir dados
muito valiosos.

Quando o sujeito ou os pais chegam angustiados demais pelo presente, é contraproducente


remetê-los ao passado. Também pode ocorrer o posto: ficam presos à primeira infância e
parece impossível que consigam descrever o filho como o vêem nesse momento. Quando
tratamos com um adulto, notamos a facilidade com que ele responde às perguntas sobre o
que está acontecendo no presente.
Quando notarmos que é impossível para o paciente desprender-se do passado ou do
presente, devemos deixar essa etapa da história, que ficou incompleta, para uma próxima
entrevista, evitando assim a pressão para obter uma informação que possivelmente acabara
chegando mais adiante.

Será considerado o motivo manifesto da consulta a resposta da nossa primeira pergunta na


entrevista inicial. Já conteúdos mais difíceis de comunicar são chamados de motivo latente
ou inconsciente.

Lembrar:
O sintoma apresenta um aspecto fenomenológico;
O sintoma apresenta um aspecto dinâmico;
Todo sintoma causa um beneficio secundário;
Sintoma expressa algo no nível familiar;
Todo sintoma implica o fracasso ou a ruptura do equilíbrio intrapsíquico prévio.

11 - REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ADRADOS, Isabel. Manual de Psicodiagnóstico e diagnóstico diferencial. Petrópolis:


Vozes,1982.

ARZENO, Maria Esther Garcia. Psicodiagnóstico Clínico: novas contribuições. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1995.

CUNHA, Jurema Alcides. Psicodiagnóstico V. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

KNOBEL, Maurício. Psiquiatria Infantil Psicodinâmica. Buenos Aires: Paidós, 1977.

OCAMPO, Maria Luiza Siquier e Col. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São
Paulo: Martins Fontes, 1981.

RAPAPORT, David. Testes de Diagnóstico Psicológico. Buenos Aires: Paidós, 1959.

TRINCA, Walter. Diagnóstico psicológico: a prática clínica. São Paulo: EPU, 1984.

WECHSLER, Solange Muglia. Princípios éticos e deontológicos na avaliação psicológica. In:


PASQUALI, Luiz. Técnicas de Exame Psicológico – TEP: manual. São Paulo; Casa do Psicólogo /
Conselho Federal de Psicologia, 2001

PSICOMETRÍA

A psicometria fundamenta-se na teoria da medida em ciências para explicar o sentido que têm
as respostas dadas pelos sujeitos a uma série de tarefas e propor técnicas de medida dos
processos mentais. Neste artigo são apresentados os conceitos e modelos da psicometria
moderna e discutidos os parâmetros de validade e precisão dos testes.

A medida em ciências psicossociais

Etimologicamente, psicometria representa a teoria e a técnica de medida dos processos


mentais, especialmente aplicada na área da Psicologia e da Educação. Ela se fundamenta na
teoria da medida em ciências em geral, ou seja, do método quantitativo que tem, como
principal característica e vantagem, o fato de representar o conhecimento da natureza com
maior precisão do que a utilização da linguagem comum para descrever a observação dos
fenômenos naturais.

Historicamente, a psicometria tem suas origens na psicofísica dos psicólogos alemães Ernst
Heinrich Weber e Gustav Fechner. O inglês Francis Galton também contribuiu para o
desenvolvimento da psicometria, criando testes para medir processos mentais; inclusive, ele é
considerado o criador da psicometria. Foi, contudo, Leon Louis Thurstone, o criador da análise
fatorial múltipla, que deu o tom à psicometria, diferenciando-a da psicofísica. Esta foi definida
como a medida de processos diretamente observáveis, ou seja, o estímulo e a resposta do
organismo, enquanto a psicometria consistia na medida do comportamento do organismo por
meio de processos mentais (lei do julgamento comparativo).

A medida em ciências tem provocado diatribes entre os pesquisadores, particularmente na


área das ciências sociais. Contudo, a definição mais aceita de medida foi dada por Stanley
Smith Stevens em 1946, quando dizia que: medir consiste em assinalar números a objetos e
eventos de acordo com alguma regra(1). As regras de assinalar tais números são definidas na
proposta do mesmo autor sobre os quatro níveis de medida ou escalas de medida: nominal,
ordinal, intervalar e de razão. A medida nominal sendo aquela que aplica os números aos
fenômenos da natureza, salvando somente os axiomas de identidade do número, ou seja, o
número é utilizado somente como numeral ou símbolo gráfico. Ao utilizar o número, a escala
ordinal já salva os axiomas de ordem, ou seja, a característica mais marcante do número, isto
é, a magnitude - um número é por definição maior ou menor que outro, não somente
diferente, ou melhor, um número é diferente do outro precisamente porque é maior ou
menor que outro. As outras escalas salvam também axiomas de aditividade. Essa história dos
axiomas foi detalhada por Whitehead e Russell em 1910 a 1913 e 1965, no livro Principia
Mathematica, onde descrevem os famosos 27 axiomas do número matemático(2).

PSICOMETRIA: CONCEITUAÇÃO E MODELOS

A psicometria moderna tem duas vertentes: a teoria clássica dos testes (TCT) e a teoria de
resposta ao item (TRI). A TCT foi axiomatizada por Gulliksen(3) e a TRI foi inicialmente
elaborada por Lord(4) e por Rasch(5) e, finalmente, axiomatizada por Birnbaum(6) e por Lord(7).

De um modo geral, a psicometria procura explicar o sentido que têm as respostas dadas pelos
sujeitos a uma série de tarefas, tipicamente chamadas de itens. A TCT se preocupa em explicar
o resultado final total, isto é, a soma das respostas dadas a uma série de itens, expressa no
chamado escore total (T). Por exemplo, o T em um teste de 30 itens de aptidão seria a soma
dos itens corretamente acertados. Se for dado 1 para um item acertado e 0 para um errado, e
o sujeito acertou 20 itens e errou 10, seu escore T seria de 20. A TCT, então, se pergunta o que
significa este 20 para o sujeito? A TRI, por outro lado, não está interessada no escore total em
um teste; ela se interessa especificamente por cada um dos 30 itens e quer saber qual é a
probabilidade e quais são os fatores que afetam esta probabibilidade de cada item
individualmente ser acertado ou errado (em testes de aptidão) ou de ser aceito ou rejeitado
(em testes de preferência: personalidade, interesses, atitudes). Dessa forma, a TCT tem
interesse em produzir testes de qualidade, enquanto a TRI se interessa por
produzir tarefas (itens) de qualidade. No final, então, temos ou testes válidos (TCT) ou itens
válidos (TRI), itens com os quais se poderão construir tantos testes válidos quantos se quiser
ou o número de itens permitir. Assim, a riqueza na avaliação psicológica ou educacional,
dentro do enfoque da TRI, consiste em se conseguir construir armazéns de itens válidos para
avaliar os traços latentes, armazéns estes chamados de bancos de itens para a elaboração de
um número sem fim de testes.

O modelo da TCT foi elaborado por Spearman e detalhado por Gulliksen(3), o modelo é o
seguinte:

T=V+E

Onde,

T = escore bruto ou empírico do sujeito, que é a soma dos pontos obtidos no teste;

V = escore verdadeiro, que seria a magnitude real daquilo que o teste quer medir no sujeito e
que seria o próprio T se não houvesse o erro de medida;

E = o erro cometido nesta medida.

Dessa forma, o escore empírico é a soma do escore verdadeiro e do erro e, conseqüentemente,


E = T - V, bem como, V = T - E.

A Figura 1 mostra a relação entre estes vários elementos do escore empírico, onde se vê que
este é a união do escore verdadeiro (V) e do erro (E), ou seja, o escore empírico ou bruto do
sujeito (T – resultado no teste, conhecido como o escore tau – τ) é constituído de dois
componentes: o escore real ou verdadeiro (V) do sujeito naquilo que o teste pretende medir e
o erro (E) de medida, este sempre presente em qualquer operação empírica. Em outras
palavras, estamos aqui assumindo que, diante do fato de que o escore bruto do sujeito difere
do seu escore verdadeiro, esta diferença é devida ao erro ou, melhor, esta diferença é o
próprio conceito de erro.
Assim, a grande tarefa da TCT consiste em elaborar estratégias (estatísticas) para controlar ou
avaliar a magnitude do E. Os erros são devidos a toda uma gama de fatores estranhos,
detalhados por Campbell e Stanley(8), tais como defeitos do próprio teste, estereótipos e vieses
do sujeito, fatores históricos e ambientais aleatórios.

Por outro lado, o modelo da TRI trabalha com traços latentes e adota dois axiomas
fundamentais:

1) O desempenho do sujeito numa tarefa (item do teste) se explica em função de um conjunto


de fatores ou traços latentes (aptidões, habilidades etc.). O desempenho é o efeito e os traços
latentes são a causa;

2) A relação entre o desempenho na tarefa e o conjunto dos traços latentes pode ser descrita
por uma equação monotônica crescente, chamada de CCI (Função Característica do Item ou
Curva Característica do Item) e exemplificada na Figura 2, onde se observa que sujeitos com
aptidão maior terão maior probabilidade de responder corretamente ao item e vice-versa (θi é
a aptidão e Pi(θ) a probabilidade de resposta correta dada ao item).
Concretamente, a TRI está dizendo o seguinte: você apresenta ao sujeito um estímulo ou uma
série de estímulos (tais como, itens de um teste) e ele responde aos mesmos. A partir das
respostas dadas pelo sujeito, isto é, analisando as suas respostas aos itens especificados, pode-
se inferir sobre o traço latente do sujeito, hipotetizando relações entre as respostas
observadas deste sujeito com o nível do seu traço latente. Estas relações podem ser expressas
por meio de uma equação matemática que descreve a forma de função que estas relações
assumem.

De fato, pode-se imaginar um número ilimitado de modelos matemáticos que podem


expressar esta relação, dependendo do tipo de função matemática utilizada e/ou do número
de parâmetros que se quer descobrir para o item. Uma preciosa vantagem sobre a teoria
clássica que a TRI tem quanto aos modelos que usa consiste em que os modelos utilizados pela
TRI permitem desconfirmação. Na verdade, a demonstração da adequação do modelo aos
dados (model-data goodness-of-fit) é um passo necessário nos procedimentos desta teoria.
Para trabalhar com a TRI são necessários pacotes estatísticos especializados, que já existem
em abundância no mercado(ª).

OS PARÂMETROS DOS TESTES: VALIDADE E PRECISÃO

Tanto na TCT quanto na TRI, os dois parâmetros mais importantes de legitimidade de uma
medida ou teste são a validade e a precisão.

A validade dos testes

A validade constitui um parâmetro da medida tipicamente discutido no contexto das ciências


psicossociais. Ela não é corrente em ciências físicas, por exemplo, embora haja nessas ciências
ocasiões em que tal parâmetro se aplicaria. Nestas últimas ciências, a preocupação principal na
medida se centra na questão da precisão, a dita calibração dos instrumentos. Esta é
importante também na medida em ciências psicossociais, mas ela não tem nada a ver,
conceitualmente, com a questão da validade. A razão disto está no fato de que a validade diz
respeito ao aspecto da medida ser congruente com a propriedade medida dos objetos e não
com a exatidão com que a mensuração, que descreve esta propriedade do objeto, é feita. Em
Física, o instrumento é um objeto físico que mede propriedades físicas; então parece fácil se
ver que a propriedade do objeto mensurante é ou não congruente com a propriedade do
objeto medido. Tome, por exemplo, o caso da propriedade comprimento do objeto. O
instrumento que mede esta propriedade (comprimento), isto é, o metro, usa a sua
propriedade de comprimento para medir a comprimento de outro objeto; então estamos
medindo comprimento com comprimento, tomados estes termos univocamente. Não há
necessidade de provar que a propriedade comprimento do metro seja congruente com a
mesma propriedade no objeto medido; os termos são unívocos, eles são conceitualmente
equivalentes, aliás, idênticos.

O caso já se torna menos claro quando, por exemplo, o astrônomo mede a


propriedade velocidade galáctica de aproximação ou afastamento via efeito Doppler, onde a
aproximação/afastamento das linhas espectrais da luz da galáxia seria o instrumento da
medida. Aqui já temos, na verdade, um problema de validade do instrumento de medida, a
saber, é verdade ou não que as distâncias das linhas espectrais têm a ver com a velocidade das
galáxias? Pode-se fazer tal suposição, mas ela tem que ser demonstrada empiricamente, de
alguma maneira, isto é, pelo menos em suas conseqüências, em hipóteses dela derivadas ou
deriváveis e verificáveis. Neste caso específico, o problema da precisão da medida diz respeito
à quão exata pode ser feita a mensuração das distâncias entre as linhas espectrais no
osciloscópio, ao passo que o de validade diz respeito a se esta medida das distâncias das linhas
espectrais, por mais exata e perfeita que ela possa ser, tem algo a ver ou não com a velocidade
de afastamento da galáxia. Em outras palavras, a validade em tal caso diz respeito à
demonstração da adequação (legitimidade) da representação ou da modelagem da velocidade
galáctica via distâncias das linhas espectrais.

Este caso da astronomia ilustra o que tipicamente acontece com a medida em ciências
psicossociais e, conseqüentemente, torna a prova da validade dos instrumentos nestas
ciências algo fundamental e crucial, ou seja, é uma condição sine qua non demonstrar a
validade dos instrumentos nestas ciências. Isto é particularmente o caso nos enfoques que, em
Psicologia, trabalham com o conceito de traço latente, onde se deve demonstrar a
correspondência (congruência) entre traço latente e sua representação física (o
comportamento). Não causa estranheza, portanto, que o problema de validade tenha tido, na
história da Psicologia, uma posição central na teoria da medida, constituindo-se, na verdade,
no seu parâmetro fundamental e indispensável.

Nos manuais de Psicometria, costuma-se definir a validade de um teste dizendo que ele é
válido se de fato mede o que supostamente deve medir. Embora esta definição pareça uma
tautologia, na verdade ela não é, considerada a teoria psicométrica que admite o traço latente.
O que se quer dizer com esta definição é que, ao se medirem os comportamentos (itens), que
são a representação física do traço latente, está-se medindo o próprio traço latente. Tal
suposição é justificada se a representação comportamental for legítima. Esta legitimação
somente é possível se existir uma teoria prévia do traço que fundamente que a tal
representação comportamental constitui uma hipótese dedutível desta teoria. A validade do
teste (este constituindo a hipótese), então, será estabelecida pela testagem empírica da
verificação da hipótese. Pelo menos, esta é a metodologia científica. Assim, fica muito
estranha a prática corrente na Psicometria de se agrupar intuitivamente uma série de itens e, a
posteriori, verificar estatisticamente o que eles estão medindo. A ênfase na formulação da
teoria sobre os traços foi muito fraca no passado; com a influência da Psicologia Cognitiva esta
ênfase felizmente está voltando ou deverá voltar ao seu devido lugar na Psicometria.
Aliás, a Psicometria clássica entende por aquilo que supostamente deve medir como sendo
o critério, este representado por teste paralelo. Assim, este aquilo que é o traço latente na
concepção cognitivista da Psicometria e é o critério (escore no teste paralelo) na visão
comportamentalista.

O processo de validação de um teste

inicia com a formulação de definições detalhadas do traço ou construto, derivadas da teoria


psicológica, pesquisa anterior, ou observação sistemática e análises do domínio relevante do
comportamento. Os itens do teste são então preparados para se adequarem às definições do
construto. Análises empíricas dos itens seguem, selecionando-se finalmente os itens mais
eficazes (i.é., válidos) da amostra inicial de itens(9).

A validação da representação comportamental do traço, isto é, do teste, embora constitua o


ponto nevrálgico da Psicometria, apresenta dificuldades importantes que se situam em três
níveis ou momentos do processo de elaboração do instrumento, a saber, ao nível da teoria, da
coleta empírica da informação e da própria análise estatística da informação.

No nível da teoria se concentram talvez as maiores dificuldades. Na verdade, a teoria


psicológica se encontra ainda em estado embrionário, destituída quase que totalmente de
qualquer nível de axiomatização, resultando disto uma pletora de teorias, muitas vezes até
contraditórias. Basta lembrar de teorias como behaviorismo, psicanálise, psicologia
existencialista, psicologia dialética e outras, que, existindo simultaneamente, postulam
princípios irredutíveis entre as várias teorias e pouco concatenados dentro de uma mesma
teoria ou, então, em número insuficiente para se poder deduzir hipóteses úteis para o
conhecimento psicológico. Havendo esta confusão no campo teórico dos construtos, torna-se
extremamente difícil para o psicometrista operacionalizar estes mesmos construtos, isto é,
formular hipóteses claras e precisas para testar ou, então, formular hipóteses
psicologicamente úteis. Ainda quando a operacionalização for um sucesso, a coleta da
informação empírica não será isenta de dificuldades, como, por exemplo, a definição
inequívoca de grupos critérios onde estes construtos possam ser idealmente estudados.
Mesmo ao nível das análises estatísticas encontramos problemas. Pela lógica da elaboração do
instrumento, a verificação da hipótese da legitimidade da representação dos construtos se faz
por análises do tipo da análise fatorial (confirmatória), que procura identificar, nos dados
empíricos, os construtos previamente operacionalizados no instrumento. Mas, acontece que a
análise fatorial faz algumas postulações fortes que nem sempre se coadunam com a realidade
dos fatos. Por exemplo, a análise fatorial assume que as respostas dos sujeitos aos itens do
instrumento são determinadas por uma relação linear destes com os traços latentes. Há,
ainda, o grave problema da rotação dos eixos, a qual permite a demonstração de um número
sem fim de fatores para o mesmo instrumento(10).

Diante destas dificuldades, os psicometristas recorrem a uma série de técnicas para viabilizar a
demonstração da validade dos seus instrumentos. Fundamentalmente, estas técnicas podem
ser reduzidas a três grandes classes (o modelo trinitário): técnicas que visam a validade de
construto, validade de conteúdo e validade de critério(11-12).

A validade de construto ou de conceito é considerada a forma mais fundamental de validade


dos instrumentos psicológicos e com toda a razão, dado que ela constitui a maneira direta de
verificar a hipótese da legitimidade da representação comportamental dos traços latentes e,
portanto, se coaduna exatamente com a teoria psicométrica aqui defendida. Historicamente, o
conceito de construto entrou na Psicometria por meio da American Psychological Association
Committee on Psychological Tests que trabalhou entre 1950 e 1954 e cujos resultados se
tornaram as recomendações técnicas para os testes psicológicos(12).

O conceito de validade de construto foi elaborado com o já clássico artigo de Cronbach e


Meehl(13) Construct validity in psychological tests, embora o conceito já tivesse uma história
sob outros nomes, tais como validade intrínseca, validade fatorial e até validade aparente
(face validity). Estas várias terminologias demonstram a confusa noção que construto possuía.
Embora tenham tentado clarear o conceito de validade de construto, Cronbach e Meehl ainda
o definem como a característica de um teste enquanto mensuração de um atributo ou
qualidade, o qual não tenha sido definido operacionalmente(13). Reconhecem, entretanto, que
a validade de construto reclamava por um novo enfoque científico. De fato, definir esta
validade do modo que eles a definiram parece um pouco estranho em ciência, dado que
conceitos não definidos operacionalmente não são suscetíveis de conhecimento científico.
Conceitos ou construtos são cientificamente pesquisáveis somente se forem, pelo menos,
passíveis de representação comportamental adequada. Do contrário, serão conceitos
metafísicos e não científicos. O problema está em que, sintetizando a atitude geral dos
psicometristas da época, para definir validade de construto, os autores partiram do teste, isto
é, da representação comportamental, em vez de partir da teoria psicométrica que se
fundamenta na elaboração da teoria do construto (dos traços latentes). O problema não é
descobrir o construto a partir de uma representação existente (teste), mas sim descobrir se a
representação (teste) constitui uma representação legítima, adequada, do construto. Este
enfoque exige uma colaboração, bem mais estreita do que existe, entre psicometristas e
Psicologia Cognitiva(14). A validade de construto de um teste pode ser trabalhada sob vários
ângulos: a análise da representação comportamental do construto, a análise por hipótese, a
curva de informação da TRI(15-16).

A validade de critério de um teste consiste no grau de eficácia que ele tem em predizer um
desempenho específico de um sujeito. O desempenho do sujeito torna-se, assim, o critério
contra o qual a medida obtida pelo teste é avaliada. Evidentemente, o desempenho do sujeito
deve ser medido/avaliado por meio de técnicas que são independentes do próprio teste que
se quer validar.

Costuma-se distinguir dois tipos de validade de critério: (1) validade preditiva e (2) validade
concorrente. A diferença fundamental entre os dois tipos é basicamente uma questão do
tempo que ocorre entre a coleta da informação pelo teste a ser validado e a coleta da
informação sobre o critério. Se estas coletas forem (mais ou menos) simultâneas, a validação
será do tipo concorrente; caso os dados sobre o critério sejam coletados após a coleta da
informação sobre o teste, fala-se em validade preditiva. O fato de a informação ser obtida
simultaneamente ou posteriormente à do próprio teste não é um fator tecnicamente
relevante à validade do teste. Relevante, sim, é a determinação de um critério válido. Aqui se
situa precisamente a natureza central deste tipo de validação dos testes, a saber: (1) definir
um critério adequado e (2) medir, válida e independentemente do próprio teste, este critério.

Quanto à adequação dos critérios, pode-se afirmar que há uma série destes que são
normalmente utilizados quais sejam:

1) Desempenho acadêmico. Talvez seja ou foi o critério mais utilizado na validação de testes de
inteligência. Consiste na obtenção do nível de desempenho escolar dos alunos, seja através
das notas dadas pelos professores, seja pela média acadêmica geral do aluno, seja pelas
honrarias acadêmicas que o aluno recebeu ou seja, mesmo, pela avaliação puramente
subjetiva dos alunos em termos de inteligente por parte dos professores ou colegas. Embora
seja amplamente utilizado, este critério tem igualmente sido muito criticado, não em si mesmo
mas pela deficiência que ocorre na sua avaliação. É sobejamente sabida a tendenciosidade por
parte dos professores em atribuir as notas aos alunos, tendenciosidade nem sempre
consciente, mas decorrente de suas atitudes e simpatias em relação a este ou aquele aluno.
Esta dificuldade poderia ser sanada até com certa facilidade, se os professores tivessem o
costume de aplicar testes de rendimento que possuíssem validade de conteúdo, por exemplo.
Como esta tarefa é dispendiosa, o professor tipicamente não se dá ao trabalho de validar
(validade de conteúdo) suas provas acadêmicas.

Neste contexto, é também utilizado como critério de desempenho acadêmico o nível


escolar do sujeito: sujeitos mais avançados, repetentes e evadidos. A suposição sendo de que
quem continua regularmente ou está avançado academicamente em relação à sua idade
possui mais habilidade. Evidentemente, nesta história não entra somente a questão da
habilidade, mas muitos outros fatores sociais, de personalidade, etc., tornando este critério
bastante ambíguo e espúrio.

2) Desempenho em treinamento especializado. Trata-se do desempenho obtido em cursos de


treinamento em situações específicas, como no caso de músicos, pilotos, atividades mecânicas
ou eletrônicas especializadas, etc. No final deste treinamento há tipicamente uma avaliação, a
qual produz dados úteis para servirem de critério de desempenho do aluno. As observações
críticas feitas ao ponto 1) valem também neste parágrafo.

3) Desempenho profissional. Trata-se, neste caso, de comparar os resultados do teste com o


sucesso/fracasso ou o nível de qualidade do sucesso dos sujeitos na própria situação de
trabalho. Assim, um teste de habilidade mecânica pode ser testado contra a qualidade de
desempenho mecânico dos sujeitos na oficina de trabalho. Evidentemente continua a
dificuldade de levantar adequadamente a qualidade deste desempenho dos sujeitos em
serviço.

4) Diagnóstico psiquiátrico. Muito utilizado para validar testes de personalidade/psiquiátricos.


Os grupos-critério são aqui formados em termos da avaliação psiquiátrica que estabelece
grupos clínicos: normais vs. neuróticos, psicopatas vs. depressivos, etc. Novamente, a
dificuldade continua sendo a adequação das avaliações psiquiátricas feitas pelos psiquiatras.

5) Diagnóstico subjetivo. Avaliações feitas por colegas e amigos podem servir de base para
estabelecer grupos-critério. É utilizada esta técnica, sobretudo, em testes de personalidade,
onde é difícil encontrar avaliações mais objetivas. Assim, os sujeitos avaliam seus colegas em
categorias ou dão escores em traços de personalidade (agressividade, cooperação, etc.),
baseados na convivência que eles têm com os colegas. Nem precisa mencionar as dificuldades
enormes que tais avaliações apresentam em termos de objetividade; contudo, a utilização de
um grande número de juizes poderá diminuir os vieses subjetivos nestas avaliações.

6) Outros testes disponíveis. Os resultados obtidos por meio de outro teste válido, que prediga
o mesmo desempenho que o teste a ser validado, servem de critério para determinar a
validade do novo teste. Aqui fica a pergunta óbvia: para que criar outro teste se já existe um
que mede validamente o que se quer medir? A resposta se baseia numa questão de economia,
isto é, utilizar um teste que demanda muito tempo para ser respondido ou apurado como
critério para validar um teste que gaste menos tempo.
No caso deste tipo de validade, é preciso atender a duas situações bastante distintas.
Primeiramente, quando existem testes comprovadamente validados para a medida de algum
traço, eles certamente constituem um critério contra o qual se pode com segurança validar um
novo teste. Entretanto, quando não existem testes aceitos como definitivamente validados
para avaliar algum traço latente, a utilização desta validação concorrente é extremamente
precária. Esta situação infelizmente é a mais comum. De fato, nós temos testes para medir
praticamente não importa o quê, como atestam os Buro's Mental Measurement Yearbooks,
que são publicados periodicamente com centenas e milhares de testes psicológicos existentes
no mercado. Neste caso, pode-se utilizar estes testes como critérios de validação, mas o risco é
demasiadamente grande, porque se está utilizando como critério testes cuja validade é pelo
menos duvidosa.

Pode-se concluir que a validade concorrente só faz sentido se existirem testes


comprovadamente válidos que possam servir de critério contra o qual se quer validar um novo
teste e que este novo teste tenha algumas vantagens sobre o antigo (como, por exemplo,
economia de tempo etc.). Uma pergunta frustrante fica ao final desta exposição sobre validade
de critério. Se o pesquisador empregou toda a sua habilidade para construir um teste sob as
condições de maior controle possível, por que iria ele validar esta tarefa-teste contra medidas
inferiores, representadas pela medida dos vários critérios aqui apresentados. Justifica-se
validar medidas supostamente superiores por medidas inferiores?(17). Com as críticas de
Thurstone em 1952 e sobretudo de Cronbach e Meehl em 1955(13,18), a validade de critério
deixou de ser a técnica panacéia de validação dos testes psicológicos em favor da validade de
construto. Contudo, estes critérios podem ser considerados bons e úteis para fins de validação
de critério. A grande dificuldade em quase todos eles se situa na demonstração da adequação
da medida deles; isto é, em geral, a medida dos mesmos é precária, deixando, por isso, muita
dúvida quanto ao processo de validação do teste. Entretanto, há exemplos famosos de testes
validados através deste método, como é o caso do MMPI.

A validade de conteúdo de um teste consiste em verificar se o teste constitui uma amostra


representativa de um universo finito de comportamentos (domínio). É aplicável quando se
pode delimitar a priori e com clareza um universo de comportamentos, como é o caso em
testes de desempenho, que pretendem cobrir um conteúdo delimitado por um curso
programático específico(11).

A precisão dos testes

O parâmetro da precisão ou da fidedignidade dos testes vem referenciado sob uma série
elevada e heterogênea de nomes. Alguns destes nomes resultam do próprio conceito deste
parâmetro, isto é, eles procuram expressar o que ele de fato representa para o teste. Estes
nomes são, principalmente, precisão, fidedignidade e confiabilidade. Outros nomes deste
parâmetro resultam mais diretamente do tipo de técnica utilizada na coleta empírica da
informação ou da técnica estatística utilizada para a análise dos dados empíricos coletados.
Entre estes nomes, podemos relacionar os seguintes: estabilidade, constância, equivalência,
consistência interna.

A fidedignidade ou a precisão de um teste diz respeito à característica que ele deve possuir, a
saber, a de medir sem erros, donde os nomes precisão, confiabilidade ou fidedignidade. Medir
sem erros significa que o mesmo teste, medindo os mesmos sujeitos em ocasiões diferentes,
ou testes equivalentes, medindo os mesmos sujeitos na mesma ocasião, produzem resultados
idênticos, isto é, a correlação entre estas duas medidas deve ser de 1. Entretanto, como o erro
está sempre presente em qualquer medida, esta correlação se afasta tanto do 1 quanto maior
for o erro cometido na medida. A análise da precisão de um instrumento psicológico quer
mostrar precisamente o quanto ele se afasta do ideal da correlação 1, determinando um
coeficiente que, quanto mais próximo de 1, menos erro o teste comete ao ser utilizado.

O problema da fidedignidade dos testes era tema preferido da psicometria clássica, onde a
parafernália estatística de estimação deste parâmetro mais se desenvolveu, mas ele perdeu
muito em importância dentro da psicometria moderna em favor do parâmetro de validade. De
qualquer forma, dentro da TCT o coeficiente de fidedignidade, rtt, é definido estatisticamente
como a correlação entre os escores dos mesmos sujeitos em duas formas paralelas de um
teste, T1 e T2. Assim o coeficiente de fidedignidade se define como função da covariância

[Cov(T1,T2)] entre as formas do teste pelas variâncias ( e ) das mesmas, isto é, rtt =

onde,

rtt : coeficiente de fidedignidade

: Variância verdadeira do teste

: Variância total do teste.

Praticamente, existem duas grandes técnicas estatísticas para decidir a precisão de um teste,
ou seja, a correlação e a análise da consistência interna.

A técnica da correlação é utilizada no caso do teste – reteste e das formas paralelas de um


teste. Nestes casos temos os resultados dos mesmos sujeitos submetidos ao mesmo teste em
duas ocasiões diferentes ou respondendo a duas formas paralelas do mesmo teste. O índice de
precisão, neste caso, consiste simplesmente na correlação bivariada entre os dois escores dos
mesmos sujeitos.

Para o caso da análise da consistência interna existe uma parafernália complexa de técnicas
estatísticas, que finalmente se reduzem a duas situações: a divisão do teste em parcelas - mais
comumente em duas metades - com a subseqüente correção pela fórmula de predição de
Spearman-Brown, e as várias técnicas do coeficiente alfa, sendo o mais conhecido o alfa de
Cronbach. Nesses casos, existe a aplicação de somente um teste numa única ocasião; as
análises consistem em verificar a consistência interna dos itens que compõem o teste. Trata-
se, portanto, de uma estimativa da precisão, cuja lógica é a seguinte: se os itens se entendem,
isto é, covariam, numa dada ocasião, então irão se entender em qualquer ocasião de uso do
teste.

CONCLUSÃO

Para assegurar que os testes apresentem os parâmetros de qualidade cientificamente exigidos,


a American Psychological Association (APA) estabeleceu os Standards for Educational and
Psychological Testing, tendo várias edições a partir de 1985.

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18. Thurstone LL.The criterion problem in personality research. Chicago: University of


ChicagoPress; 1952. [ Links ]

PSICOPATOLOGIA
Psicopatologia é um termo que se refere tanto ao estudo dos estados mentais patológicos,
quanto à manifestação de comportamentos e experiências que podem indicar um estado
mental ou psicológico anormal. O termo é de origem grega; psykhé significa alma e patologia,
estudo das doenças, seus sintomas. Literalmente, seria uma patologia da alma.

A psicopatologia enquanto estudo das anormalidades da vida mental é às vezes referida como
psicopatologia geral, psicologia anormal, psicologia da anormalidade e psicologia do
patológico. É uma visão das patologias mentais fundamentada na fenomenologia (no sentido
de psicologia das manifestações da consciência), em oposição a uma abordagem estritamente
médica de tais patologias, buscando não reduzir o sujeito a conceitos patológicos,
enquadrando-o em padrões baseados em pressupostos e preconceitos.

Karl Jaspers, o responsável por tornar a psicopatologia uma ciência autônoma e independente
da psiquiatria, afirmava que o objetivo desta é "sentir, apreender e refletir sobre o que
realmente acontece na alma do homem".

Para Jaspers, a psicopatologia tem por objetivo estudar descritivamente os fenômenos


psíquicos anormais, exatamente como se apresentam à experiência imediata, buscando aquilo
que constitui a experiência vivida pelo enfermo.

A psicopatologia se estabelece através da observação e sistematização de fenômenos do


psiquismo humano e presta a sua indispensável colaboração aos profissionais que trabalham
com saúde mental, em especial os psiquiatras, os psicólogos e os assistentes sociais, dentre
outros.

Autores como Jaspers ("Psicopatologia geral", 1913) e E. Minkowski ("Tratado de


psicopatologia",1966) devem nos inspirar ainda a que estabeleçamos uma ponte possível
entre a psicopatologia descritiva e a fenomenológica. Diferentemente de outras especialidades
médicas, em que os sinais e sintomas são ícones ou índices, a psiquiatria trabalha também com
símbolos. Posto isso, o pensamento, a sensibilidade e a intuição ainda são, e sempre serão, o
instrumento propedêutico principal do psiquiatra, pois que, sem a homogeneidade conceitual
do que seja cada fato psíquico não há, e não haverá, homogeneidade na abordagem clínico-
terapêutica do mesmo. Essa é a nossa tarefa: mergulhar nos fenômenos que transitam entre
duas consciências, a nossa, a do psiquiatra/pessoa e a do outro, a do paciente/pessoa. Deixar
que os fenômenos se fragmentem, que suas partes confluam ou se esparjam, num movimento
próprio e intrínseco a eles. Cabe-nos a leitura da configuração final desse jogo estrutural, sem
maiores pressupostos ou intencionalidade, e com procedimentos posteriores de verificação.
Essa é a tarefa da Fenomenologia.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA

Andrew Sims
"O que a alma é, não nos cabe saber; com o que ela se parece, quais são suas
manifestações, é de grande importância." (Juan Luis Vives - 1538 - De Anima et Vita)

A aplicação precisa da psicopatologia descritiva na prática da psiquiatria é necessária, no


mínimo, pelas três razões seguintes:

1. A psicopatologia descritiva é a ferramenta profissional fundamental do psiquiatra; ela é


possivelmente, a única ferramenta diagnóstica exclusiva do psiquiatra.
2. A psicopatologia descritiva diz respeito mais do que à simples realização de uma entrevista
clínica com o paciente, ou, até mesmo, ter que escutá-lo, embora deva envolver ambos,
necessariamente.
3. A psicopatologia descritiva tem utilidade e aplicação clínica.

É claro que, para a prática racional da psiquiatria, é necessário o conhecimento de


neurociências básicas; o conhecimento factual apropriado da psicologia, da sociologia e da
antropologia social também é necessário. Com estes, há uma necessidade de um
conhecimento operacional abrangente de medicina geral, especialmente neurologia e
endocrinologia. Esta poderia ser considerada a base mínima de conhecimentos, essencial para
a prática da psiquiatria.

As bases acadêmicas fundamentais de psiquiatria, no entanto, não são as descritas aqui, e


sim a epidemiologia psiquiátrica e a psicopatologia descritiva. A epidemiologia é o estudo da
distribuição da doença ou transtorno em uma população definida; na psiquiatria, portanto, ela
refere-se ao conhecimento da incidência e da prevalência de diferentes condições psiquiátricas
dentro de distintos grupos de pessoas. A psicopatologia descritiva, como ferramenta exclusiva
do psiquiatra, pode ser comparada à anamnese e ao exame médico, ferramentas exclusivas do
profissional médico. O psiquiatra acrescenta a essas ferramentas gerais da prática médica, de
anamnese e exame, os conhecimentos únicos adicionais da psicopatologia descritiva.

O que é psicopatologia?

A psicopatologia é o estudo sistemático do comportamento, da cognição e da experiência


anormais; o estudo dos produtos de uma mente com um transtorno mental. Isto inclui as
psicopatologias explicativas, nas quais existem supostas explicações, de acordo com conceitos
teóricos (p. ex., a partir de uma base psicodinâmica, comportamental ou existencial, e assim
por diante), e a psicopatologia descritiva, que consiste da descrição e da categorização precisas
de experiências anormais , como informadas pelo paciente e observadas em seu
comportamento (figura 1.1).

Figura 1.1 - As Psicopatologias.


A psicopatologia descritiva consiste, portanto de duas partes distintas: a observação do
comportamento e a avaliação empática da experiência subjetiva. A observação acurada é
extremamente importante e um exercício muito mais útil do que simplesmente contar os
sintomas; às vezes o uso servil de listas de sintomas, para a verificação de sua presença ou
ausência, tem impedido a observação clinica genuína. A objetividade é crucial, mas existe
também a necessidade de observar-se mais do que apenas o comportamento.

A outra parte da psicopatologia descritiva - e a mais difícil - avalia a experiência


subjetiva. Empatia, como termo psiquiátrico, significa literalmente "sentir-se como". Ela é
usada ocasionalmente por certos profissionais que cuidam de pacientes como um sentimento
caloroso e afável em relação às adversidades de outras pessoas. É louvável sentir-se desta
maneira em relação às dificuldades de nossos pacientes, mas isto não é empatia, mas simpatia,
que significa "sentir com". De certo modo, surpreende-nos saber que no grego moderno
empatia significa "manter seus sentimentos internamente", que significa guardar rancor . Este
não é, absolutamente, o sentido em que o termo é usado na psiquiatria!

Na psicopatologia descritiva o conceito de empatia é um instrumento clínico que precisa


ser utilizado com habilidade para medir o estado subjetivo interno de outra pessoa usando a
capacidade do próprio observador para a experiência emocional e cognitiva como um critério
de medida. Isto é alcançado por um questionamento preciso, pleno de insight, persistente e
informado, até que o médico seja capaz de oferecer um relato sobre a experiência subjetiva do
paciente que este possa reconhecer como sendo realmente seu. Se a descrição do médico
sobre a experiência interna do paciente não é reconhecida por este como sendo sua, o
questionamento deve continuar até que a experiência interna seja reconhecidamente descrita.
Ao longo de todo este processo, o sucesso depende da capacidade do médico como ser
humano, de experimentar algo como a experiência interna de outra pessoa, o paciente; não se
trata de uma avaliação que pode ser realizada por meio de um microfone ou computador. Ela
depende absolutamente da capacidade compartilhada entre médico e paciente para a
experiência e sentimentos humanos.

Fenomenologia e psicopatologia

Um dos métodos mais freqüentes de classificação de doença mental é pela categorização


de experiências descritas por pessoas mentalmente doentes e da definição dos termos
utilizados, tais como "depressão" ou "ansiedade". Para o progresso no prognóstico e no
tratamento, tal classificação é essencial. Ao tentar entender as experiências subjetivas de uma
pessoa que sofre, o terapeuta demonstra um envolvimento e o paciente provavelmente terá
maior confiança no tratamento.

Os sintomas agregam-se em determinados padrões e podemos, portanto, falar de


diferentes doenças mentais ou psiquiátricas. Os métodos precisos de diagnóstico ou a
definição da natureza do problema continuam sendo importantes. Para que a nosologia
psiquiátrica possa ser melhorada, é necessária uma observação acurada dos fenômenos com
os quais nos confrontamos.

O que uma pessoa obviamente afetada por uma doença mental está realmente sentindo?
De que forma suas próprias experiências assemelham-se ou diferem da experiência dos outros
- tanto daqueles que estão bem quanto dos que estão doentes? É importante haver um
esquema para organizar os fenômenos que ocorrem.

A psicopatologia refere-se a toda experiência, cognição e comportamento anormais. A


psicopatologia descritiva evita explicações teóricas para eventos psicológicos. Ela descreve e
categoriza a experiência anormal como relatada pelo paciente e observada pelo seu
comportamento. Em seu contexto histórico, Berrios (1984) a descreve como um sistema
cognitivo constituído por termos, suposições e regras para a sua aplicação - "a identificação de
classes de atos mentais anormais". Fenomenologia é o estudo de eventos , psicológicos ou
físicos, sem "enfeitá-los" com explicação de causa ou função. Quando usada em psiquiatria, a
fenomenologia envolve a observação e categorização de eventos psíquicos anormais, as
experiências internas do paciente e seu comportamento conseqüente. O terapeuta tenta
observar e entender o evento ou fenômeno psíquico para que possa saber por ele mesmo, na
medida do possível, como o paciente provavelmente se sente.

Como podemos usar a palavra observador com relação à experiência interna de outra
pessoa? É exatamente aqui que o processo de empatia torna-se relevante. A psicopatologia
descritiva, portanto, inclui aspectos subjetivos (fenomenologia) e objetivos (descrição do
comportamento).

Preocupa-se com a variedade da experiência humana, mas limita deliberadamente seu


âmbito àquilo que é clinicamente relevante; por exemplo, ela pode não dizer nada sobre a
validade religiosa do que James (1902) chamou de "saintliness" (qualidade relativa ao
indivíduo que leva uma vida pia, com pureza de um santo).

Como isso funciona na prática? A Sra. Jenkins reclama que é infeliz. É tarefa da psicologia
descritiva tanto obter os pensamentos e ações da paciente sem tentar explicá-los quanto
observar e descrever o comportamento da mesma - seus ombros caídos, o tenso retorcer e
remexer de suas mãos. A fenomenologia exige uma descrição muito precisa de como
exatamente ela sente-se internamente - "este horrível sentimento de não existir realmente" e
"não ser capaz de sentir nenhuma emoção".

Alguns psiquiatras consideram a fenomenologia com desdém, vendo-a como um


pedantismo arcaico, exageradamente minucioso, mas a avaliação diagnóstica dos sintomas é
uma tarefa que o psiquiatra omite por conta própria e em prejuízo do paciente. O estudo da
fenomenologia "afia" as ferramentas diagnósticas, aguça a perspicácia clínica e melhora a
comunicação com o paciente. O paciente e suas queixas merecem nossa escrupulosa atenção.
Se "o estudo adequado da humanidade diz respeito ao homem", o estudo correto da sua
doença mental começa com a descrição de como ele pensa e sente-se internamente – “caos
de pensamento e paixão, tudo confuso" (Pope,1688-1744).

Uma negligência desdenhosa da fenomenologia pode ter sérias repercussões para o


cuidado do paciente. Oito pessoas foram enviadas separadamente para 12 unidades de
internação em hospitais psiquiátricos americanos queixando-se que ouviam estas palavras
sendo ditas em voz alta: "vazio, fundo, surdo" (Rosenhan, 1673). Em todos os casos, com
exceção de um, foi diagnosticada esquizofrenia. Após a internação no hospital, eles não
produziram sintomas psiquiátricos posteriores, agindo tão normalmente quanto podiam,
respondendo a questões com sinceridade, exceto pelo fato de ocultarem seu nome e
ocupação. A ética e o bom-senso do experimento podem certamente ser questionados, mas o
que fica claro não é que os psiquiatras devem deixar de fazer um diagnóstico, mas que devem
fazê-lo em uma base psicopatológica sólida. Nem Rosenhan e colaboradores e nem os
psiquiatras deram qualquer informação sobre que sintomas poderiam ser considerados para
fazer um diagnóstico de esquizofrenia ; isto requer um método baseado na psicopatologia
(Wing, 1978). Com o uso adequado da psicopatologia fenomenológica esta falha de
diagnóstico não teria ocorrido.

Jaspers (1963) escreveu: "A fenomenologia, apesar de ser uma das pedras fundamentais
da psicopatologia, é ainda muito tosca". Um dos grandes problemas da utilização deste
método é a natureza confusa da terminologia. Idéias quase idênticas podem receber
diferentes nomes por pessoas de diferentes bases teóricas- por exemplo, a abundância de
descrições acerca de como uma pessoa pode conceituar a si mesma: auto-imagem, percepção
do corpo, catexia, etc.

Há uma confusão considerável a respeito do significado do termo fenomenologia. Berrios


(1992) descreveu quatro significados em psiquiatria : "P1 refere-se ao seu uso clínico mais
comum, como um mero sinônimo para ‘sinais e sintomas’ (como em psicopatologia
fenomenológica); este é um uso que se degenerou e, portanto é conceitualmente
desinteressante. P2 refere-se a um sentido pseudotécnico freqüentemente utilizado em
dicionários e que alcança uma falsa unidade de significado ao simplesmente catalogar usos
sucessivos em ordem cronológica; esta abordagem é equivocada, já que sugere linhas
evolutivas falsas e deixa em aberto questões importantes relacionadas à história da
fenomenologia. P3 refere-se ao uso idiossincrásico iniciado por Karl Jaspers que dedicou seus
primeiros escritos clínicos à descrição de estados mentais de uma maneira que (de acordo com
ele) era empática e teoricamente neutra. Finalmente, P4 refere-se a um sistema filosófico
completo iniciado por Edmund Husserl e continuado por autores coletivamente incluídos no
chamado "Movimento Fenomenológico". Dentre estes significados, este artigo estará voltado
inteiramente para o significado jaspersiano de fenomenologia, o P3 de Berrios. Jaspers em
seus escritos define a fenomenologia talvez 30 a 40 vezes, de maneiras sutilmente distintas,
mas sempre implicando-a ao estudo da experiência subjetiva. Walker (1993) demonstrou, de
um modo muito elegante, que, apesar de Jaspers considerar ter sido influenciado por Husserl e
seu sistema de fenomenologia, tal não é realmente o caso, pois sua psicopatologia é mais por
conceitos kantianos, tais como forma conteúdo.

A fenomenologia é um método empático que evidencia os sintomas, mas que não pode
ser aprendida por meio de livro. Os pacientes são os melhores professores, mas é bom saber o
que se está procurando, os aspectos práticos, clínicos, pelos quais o paciente descreve a si
mesmo, seus sentimentos e seu mundo. O médico tenta interpretar a natureza da experiência
do paciente – entendê-la suficientemente bem e senti-la tão intensamente a ponto de que o
relato de seus achados permita o reconhecimento do paciente. O método fenomenológico em
psiquiatria é inteiramente voltado para idéia de tornar a experiência do
paciente compreensível (esta é uma palavra técnica em fenomenologia; no entanto, aqui
queremos dizer "a capacidade de colocar-se no lugar do paciente"), de modo a permitir
classificá-lo e tratá-lo.

"A barreira ao avanço da psiquiatria não reside na avareza ou no preconceito daqueles


que decidem se um projeto de pesquisa submetido à apreciação deve viver ou morrer; nem
tem sido a falta de habilidade daqueles que estão engajados em pesquisas psiquiátricas: ela
reside na dificuldade inerente dos problemas” (Lewis, 1963). A maior dificuldade na
fenomenologia não é assimilação de fatos obscuros ou acúmulo de epônimos estrangeiros,
embora tais aspectos sejam difíceis. A maior dificuldade está na compreensão do método de
investigação e na capacidade de usar novos conceitos. Na tentativa para evitar o obscuro e o
óbvio, descrevemos alguns desses conceitos aos pares.

SAÚDE NORMAL

Algumas palavras são usadas comumente, mas de um modo inconsistente; portanto,


apesar de sabermos o que pretendemos dizer com elas, somos incapazes de supor que outras
pessoas as utilizam da mesma maneira. Duas dessas palavras são normal e saudável. Em uma
discussão sobre a doença mental elas ocorrem tão freqüentemente que devem ser
examinadas brevemente antes de uma excursão adicional à psicopatologia.

Saúde / Doença

A psicopatologia preocupa-se com a doença da mente. O que é doença, porém? Trata-se


de um tema vasto, que tem sido discutido por filósofos, teólogos, administradores e
advogados, assim como por médicos. Os profissionais que passam a maior parte do tempo de
seu trabalho em meio à saúde e à doença raramente fazem esta pergunta, e com menos
freqüência tentam respondê-la.

1 - A definição da Organização Mundial de Saúde afirma: "Saúde é um estado de completo


bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença ou enfermidade" (1946).
Se o total bem-estar é um requisito, talvez praticamente todos estejamos excluídos.

2 - A doença pode ser considerada em termos físicos, como na afirmação de Griesinger (1845),
de que "doenças mentais são doenças do cérebro". Embora esta alegação ajuste-se aos
estados psiquiátricos orgânicos e possa abranger a deficiência de aprendizagem (retardo
mental), não é muito simples tentar incluir nesta definição todos os transtornos "neuróticos" e
os psicóticos; por outro lado, de forma alguma os transtornos de personalidade não se
encaixam aqui.

3 - De modo semelhante, as doenças podem ser descritas como aquelas condições que o
médico trata. Ao definir isto Kräupl Taylor (1980) declarou: "Para ser paciente é necessário e
suficiente a experiência vivida por uma pessoa ao sentir a necessidade de tratamento, ou, no
seu meio, que deve receber tratamento". Doença mental torna-se, então, um termo para
descrever os sintomas e a condição daquelas pessoas que são encaminhadas a um psiquiatra.
Esta descrição tautológica de doença tem alguma vantagem prática, já que não impede que
ferramentas terapêuticas sejam utilizadas com relação a um amplo espectro de problemas
humanos. Ela apresenta, no entanto, a desvantagem de permitir que a sociedade escolha
quem ela chamará de "doente mental", e, em um sistema social totalitário, o estado pode
decidir quais indivíduos com desvios deverão ser considerados doentes (Bloch e
Reddaway,1977).

4 - A doença pode ser considerada como uma variação estatística da norma, trazendo em si
mesma desvantagem biológica. Isto foi formulado por Scadding (1967) para a doença física e
desenvolvido para a doença psiquiátrica por Kendell (1975). Desvantagem biológica implica
fertilidade reduzida e/ou vida mais curta. Este estado de desvantagem torna-se difícil de
aplicar ao homem moderno, uma vez que ele aprendeu a controlar seu ambiente e sua
reprodução de tal maneira que o próprio termo desvantagem biológica torna-se questionável.
O que é uma vantagem biológica para o indivíduo pode ser uma desvantagem para a espécie, e
vice-versa.

5 - A doença tem implicações legais. Por exemplo, as circunstâncias que resultam em doença
podem dar direito à compensação legal; se o comportamento resulta da doença, isto pode
reduzir a pena. Da mesma maneira, a doença mental é um conceito que pode justificar
detenção compulsória em um hospital (Lei da Saúde Mental, 1983; Blugass, 1983) e criminosos
mentalmente enfermos são tratados pela lei de uma maneira diferente de outros criminosos
(Bluglass e Bowden, 1990).

Esta distinção entre normalidade e doença, saúde e enfermidade, nada tem de trivial.
"Uma grande parte da ética médica e muito de toda a base da política médica atual, privada e
pública, estão baseadas precisamente na noção de doença e normalidade. Por si mesmo, o
médico (dando-se conta ou não) pode fazer seu trabalho muito bem sem uma definição formal
de doença... Infelizmente, o médico não pode trabalhar tranqüilamente usando seu bom-
senso. Ele é atingido por dois ângulos: pelos consumidores vorazes e pelos conselheiros
pretensiosos" (Murphy, 1979).

Normalidade/anormalidade

A palavra normal é usada corretamente no mínimo em quatro sentidos na língua inglesa


(Mowbray, Rodger e Mellor, 1979). Estes consistem das normas de valor, estatística, individual
e tipológica. O termo "normal" passa a ser usado indevidamente quando substitui
injustificavelmente as palavras usual ou usualmente.

A norma de valor tem o ideal como seu conceito de normalidade. Assim, a afirmação "é
normal ter dentes perfeitos" está usando a palavra normal em sentido de valor - na prática, a
maioria das pessoas tem, no mínimo, algum problema com seus dentes.

A norma estatística, naturalmente, é o uso preferencial que a palavra retém no


vocabulário científico. O anormal é considerado aquele que fica fora da faixa média. Se um
inglês normal mede 1m80cm, ter 1m60cm ou 1m90cm é estatisticamente anormal.

A norma individual é o nível consistente de funcionamento que um indivíduo mantém ao


longo do tempo. Após uma lesão cerebral, uma pessoa pode experimentar um declínio na
inteligência, que é certamente uma deterioração de seu nível individual prévio, mas tal
diminuição pode não representar qualquer anormalidade estatística (p.ex; uma diminuição no
QI de 125 para 105).

A anormalidade tipológica é um termo necessário para descrever-se a situação em que


uma condição é considerada como normal em todos os três significados anteriormente citados
e, contudo representa anormalidade, talvez mesmo uma doença. O exemplo dado por
Mowbray e colaboradores é a doença infecciosapinta. As manchas cutâneas causadas por esta
doença são altamente valorizadas pelos índios sul-americanos, a tal ponto que os que não têm
esta doença são excluídos da tribo. Assim, possuir a doença é considerado normal em sentido
de valor, estatístico em individual, e ainda assim é patológico.
Amostra psiquiátrica: população geral

Na discussão de saúde e normalidade, é importante apontar as generalizações perigosas


que surgem quando o psiquiatra, normalmente contra sua vontade, é colocado na posição de
perito na conduta total da vida. Não podemos extrapolar do anormal para o normal; eles
tendem a não estar situados em uma linha contínua, mais em vez disso, são qualitativamente
diferentes. Devido ao conhecimento detalhado dos processos psíquicos anormais e sintomas e
seu manejo, o psiquiatra não é necessariamente, também, um perito em educar filhos ou em
dar uma receita para uma mente tranqüila.

A amostra de pessoas que vai a um psiquiatra é diferente, em muitos aspectos, daquela


que consulta seu médico de família com sintomas psicológicos, sendo que esta população da
clínica geral também difere da população em geral (Goldberg e Huxley,1980). Embora seja
muito necessário concentrar-se no indivíduo e em seus sintomas, é também útil ter em mente
as características do restante da população da qual ele provém. Seu comportamento e seu
entendimento do mundo têm raízes dentro da sua própria psicopatologia individual, mas
também de seu meio social geral.

Normalmente, existe um desejo de se raciocinar do particular para o geral. Com base em


nossa experiência com pacientes esquizofrênicos jovens em um hospital-escola, fazemos
generalizações sobre esquizofrenia. Para sermos capazes de fazer isto devemos saber que os
pacientes que estamos atendendo (nossa amostra da população) são representativos da
população-alvo (esquizofrênicos). Somente poderemos fazer está afirmação se nossa amostra
foi selecionada aleatória na população total dos esquizofrênicos, de modo que todos os
esquizofrênicos tenham tido uma probabilidade conhecida, igual e maior do que zero de entrar
em nossa amostra. Na prática, certamente, isto nunca pode ser feito desta maneira; assim,
devemos restringir nossa população-alvo a um grupo mais limitado (uma amostra). Nossas
alegações sobre o conhecimento a respeito do mesmo também devem ser limitadas. Vale a
pena repetirmos o axioma: diferentes populações têm diferentes características.

O comum/o esotérico

A psicopatologia descritiva às vezes corre o risco de cair no esotérico, com um interesse


excessivo por síndromes raras. A fim de ter uso prático, é necessário que se concentre nas
manifestações de anormalidade que são comuns a muitos pacientes:

1. A observação de um fenômeno sem teoria preconcebida é útil para a conciliação entre


diferentes escolas de psicopatologia.
2. O requisito de uma definição precisa formar uma base para uma pesquisa sólida. Síndromes
raras têm seu valor para o aprendizado de habilidades psicopatológicas, mas o interesse nelas
não deve ocorrer em detrimento de seu uso mais importante – ainda que mais corriqueiro na
prática clínica (Sims, 1982).

COMPREENDENDO SINTOMAS DOS PACIENTES

O entendimento, tanto no sentido cotidiano quanto no fenomenológico, não pode ser


completo, a não ser que o médico tenha um conhecimento detalhado da base cultural do
paciente e de informações específicas sobre sua família e seu ambiente imediato. A
fenomenologia também não pode concentrar-se somente no indivíduo isolado, observado em
um determinado momento de sua vida. Deve-se preocupar com a pessoa em um contexto
social: acima de tudo, a experiência de uma pessoa é amplamente determinada por suas
interações com os outros. Ela também deve considerar o estado mental e o ambiente do
indivíduo antes do evento de interesse imediato e com o que ocorre após o mesmo.

O método fenomenológico facilita a comunicação; seu uso faz com que seja mais fácil
para o médico entender o paciente. Isto também ajuda o paciente a ter mais confiança no
médico, pois percebe que seus sintomas são entendidos e, portanto, aceitos como “reais”. A
descrição precisa e a avaliação dos sintomas auxilia na comunicação entre os médicos.

Sintoma/sinal

A medicina clínica faz uma clara distinção entre sinais e sintomas. O paciente queixa-se
de sintomas, como se sentir agitado e desconfortável no calor, com
hipertireoidismo. Sinais físicos são detectados no exame: um leve bócio com ruído audível,
perda de peso, pulso rápido e exoftalmia.

Esta distinção não é normalmente feita com os fenômenos do estado mental. A descrição
do paciente de um fenômeno mental anormal é geralmente chamada de sintoma, quer ele
queixe-se de algo que o perturba, ou simplesmente descreva sua experiência mental, que
parece patológica para um observador. Em seu relato acerca de suas experiências, ambos são,
portanto, considerados sintomas. Quando agregados, esses sintomas podem ser considerados
como sinais de qualquer diagnóstico indicado.

O sintoma, pois, considerado como incluindo o sinal, pode ser uma queixa (p.ex., um
sentimento de infelicidade) ou um item de descrição fenomenológica que pode não
representar queixa do paciente (p.ex., ouvir vozes que discutem baixinho sobre o paciente,
com perplexidade e admiração). O sentimento de infelicidade pode ser um sinal de doença
depressiva; as alucinações auditivas podem ser um sinal de esquizofrenia. Há, também,
sintomas ou sinais comportamentais, como no paciente que grita para o teto – isto pode ser
considerado como um sinal que sugere alucinação auditiva. Shneider (1959) considera que
um sintoma, na esquizofrenia, é uma “característica freqüente e, portanto, importante, deste
estado”. Para que um sintoma seja usado no diagnóstico, sua ocorrência deve ser típica desta
condição e deve ocorrer com relativa freqüência na mesma.

O método de empatia: o método de observação e experimentação

O método clássico na medicina, de obter informações sobre o paciente, ocorre a partir da


anamnese e do exame físico. O uso da fenomenologia em psiquiatria é uma extensão da
anamnese, no sentido de que amplia a descrição da queixa presente para dar informação mais
detalhada. É, também, um exame, já que revela o estado mental. Não é possível para mim, o
médico, observar a alucinação de meu paciente, nem medi-la de maneira direta. No entanto,
para compreendê-lo, posso utilizar as características humanas que tenho em comum com ele,
isto é, minha habilidade para perceber e usar a linguagem que compartilho com ele. Posso
esforçar-me para criar em minha própria mente uma idéia de como deve ser sua experiência.
Então, testo para ver se estou correto em minha reconstrução de sua experiência, pedindo que
ele confirme ou negue minha descrição. Também utilizo minha observação de seu
comportamento – a expressão triste de seu rosto ou o ato de bater com o punho na mesa –
para reconstruir suas experiências.

Ouvir e observar são cruciais para o entendimento. Deve-se tomar muito cuidado ao se
fazerem perguntas. Os médicos muitas vezes identificam sintomas incorretamente e fazem o
diagnóstico errado pois fizeram perguntas capciosas com as quais o paciente, por meio de sua
submissão ao status do médico e ansiedade para cooperar, está completamente disposto a
concordar.

O método de empatia significa usar a habilidade de sentir-se na situação de outra pessoa,


avançando através de séries organizadas de perguntas; repetindo e reiterando onde for
necessário até que se tenha certeza do que está sendo descrito pelo paciente. A seqüência
poderia ser a seguinte:

Pergunta - “Você diz que seus pensamentos estão mudando; o que acontece com eles?”
Resposta – O paciente descreve seus pensamentos recorrentes sobre matar pessoas e a
afirmação de que isto se origina de uma dor em seu estômago.
Pergunta – (Tentando isolar os elementos de sua experiência) “Como é este seu
pensamento de matar pessoas?” (obsessão, delírio, fantasia, chance de se transformar em
atuação, etc.) “Você acredita que seu estômago afeta seu pensamento?; É diferente de uma
pessoa que sabe que fica irritada quando está com fome?; De que maneira isto é diferente?; O
que causa sua dor no estômago?”
Resposta – O paciente descreve os detalhes, que incluirão, entre o material irrelevante, o
tipo de informação essencial para a determinação dos sintomas presentes.
Pergunta – (O convite à empatia) “Estou certo ao pensar que você está descrevendo uma
experiência na qual raios estão causando dor em seu estômago, e que este, de alguma
maneira bastante independente de você, causa este pensamento que o assusta, de que você
deve matar alguém com uma faca?” Isto é um relato dos sintomas relevantes que ele
descreveu na linguagem que pode reconhecer como sua.
Resposta – “Sim” (nós, então, alcançamos nosso objetivo); “Não” (portanto, devo tentar
evocar novamente os sintomas, experimentá-los por mim mesmo e descrevê-los outra vez ao
paciente).

Para dar exemplos do que isto significa na prática: Como eu, um médico, decido se um
determinado paciente está deprimido ou não? Isto não é feito pela imitação de uma máquina
que poderia registrar unidades de tom vocal ou de expressão facial, chegando a um
diagnóstico de depressão. Para a avaliação clínica, sigo o seguinte processo:

1. Eu sou capaz de sentir-me infeliz, miserável, deprimido e saber como é este sentimento
dentro de mim.
2. Se eu estivesse me sentindo como vejo o paciente se sentindo, falando, atuando, etc,
também me sentiria miserável, deprimido, infeliz.
3. Portanto, eu avalio o humor do paciente como sendo de depressão. É claro que este
processo mental de diagnóstico não é geralmente verbalizado.

Em outro exemplo, um paciente diz: “Os marcianos estão me fazendo dizer palavrões, não
sou eu que estou dizendo isto.” O questionamento empático revela a falsa crença do paciente
de que quando palavrões vêm de sua boca ele acredita que a causa está fora de si mesmo
(marcianos), em vez de dentro de si. O questionamento incluiria: “Você realmente ouve os
marcianos? Como você sabe que são marcianos e ninguém mais?”, etc.

Um outro exemplo não-psicótico seria o de uma garota de 20 anos de idade que desmaia
quando criticada em seu trabalho. O médico precisa colocar-se, mesmo sendo um homem de
55 anos, de uma diferente formação, na posição da paciente, com um conhecimento não
somente de sua história social, mas também da maneira como ela, no presente, percebe a
história. Somente depois disto o desenvolvimento de seus sintomas pode se tornar
compreensível. Quando tomamos conhecimento, por exemplo, de seu pai com abuso de
álcool, das discussões deste com a mãe epiléptica da paciente, da experiência cultural restrita
da família em uma aldeia de pescadores isolada; quando sabemos que a mãe tinha um ataque
quando as discussões com o marido tornavam-se intoleráveis – podemos começar a entender
alguma coisa sobre o desenvolvimento do sintoma da própria paciente. Isto não é alcançado
somente por explicação, como um observador externo, mas pelo entendimento empático e
pela capacidade de experiência subjetiva por parte do médico.

Talvez uma analogia da medicina geral fosse útil aqui. O médico experiente apalpa um rim
aumentado no abdome de seu paciente (Figura 1.2). Ele convida os estudantes de medicina a
apalparem o abdome bimanualmente para que possam aprender a experimentar esta
sensação quase imperceptível, mas ainda assim significativa. O método fenomenológico de
empatia empregado em psiquiatria é mais difícil de ensinar do que este. É como se o médico
tivesse que realizar este exame sem as mãos (Figura 1.3)! Primeiro, ele precisa treinar o
paciente a apalpar seu próprio abdome bimanualmente de maneira correta e, depois,
descrever de forma precisa o que sente. O médico, então, interpreta a descrição do paciente
para decidir se o rim está dilatado sem poder ele próprio colocar a mão no abdome.

Figura 1.2 - Palpação bimanual


Figura 1.3 - Apalpação
para verificação de um rim
bimanual, sem as mãos
aumentado.

A proposta do método fenomenológico, portanto, é a seguinte:


(1) descrever experiências internas;
(2) ordená-las e classificá-las; e
(3) criar uma terminologia confiável.

A empatia também é de grande valor terapêutico no estabelecimento de uma relação com


o paciente. Saber que o médico entende, e que é capaz de compartilhar de seus sentimentos,
dá ao paciente confiança e sensação de alívio. Esta empatia é também útil como uma maneira
de estender o conhecimento mais genericamente no campo da psiquiatria, permitindo o
desenvolvimento de uma terminologia diagnóstica.

O todo não-diferenciado – a parte significativa


Geralmente, uma classificação de qualquer espécie requer o exame detalhado de uma
grande quantidade de material, para a identificação do indício, pequeno, mas significativo. Isto
se aplica à fenomenologia, na qual a parte significativa do material psicológico para avaliação
fenomenológica pode ocorrer dentro de uma longa anamnese e exame, onde a maior parte da
conversa do paciente não revela qualquer evidência de doença. Um paciente falou por vários
minutos sobre várias coisas que considerava bastante estranhas, mas não pude ter certeza
sobre seu estado psicótico. No entanto, quando ele disse: “Eu raspei minhas sobrancelhas
porque eram ruivas, e quando as pessoas viam sobrancelhas ruivas, elas sabiam que eu era
bicha” (na verdade, ele não era homossexual); com isto, ficou óbvio que tinha delírios, e este
sintoma foi explorado em maiores detalhes.

O uso da fenomenologia para a avaliação no estado mental pode ser comparado com o
exame do campo no microscópio. Não se pode esperar extrair algum sentido da amostra de
sangue apenas olhando e focalizando. Deve-se mover a lâmina e conseguir um bom exemplo
para demonstrar o ponto de interesse da massa não-diferenciada. Assim, a conversa do
paciente pode ter demonstrado muitas idéias estranhas e delírios bizarros, mas talvez somente
uma vez o entrevistador possa obter uma descrição totalmente satisfatória de determinado
sintoma psicopatológico de particular importância diagnóstica.

Comportamento aleatório/significado

Um homem andando de bicicleta ao redor de um canal encontrou outro homem, robusto,


caminhando na direção oposta e carregando um tubo de borracha. Este levantou o tubo e o
bateu no ombro do ciclista, quase o empurrando para dentro do canal. Ao chegar na cidade
mais próxima, o ciclista registrou a agressão na polícia local, que prendeu o agressor. A polícia
considerou seu comportamento sem sentido e, portanto, solicitou a opinião de um psiquiatra.
Quando questionado a respeito da razão pela qual havia agredido o ciclista, o homem
respondeu que tinha sentido uma dor em seu estômago e ouviu uma voz dizendo: “Bata no
homem da bicicleta e a dor irá passar”; e foi o que ele fez.

Um leigo qualquer, comentando o “comportamento maluco”, pode dizer que este não
tem sentido; mas, como o significado não é sempre aparente para um observador ou mesmo
para a vítima, não se pode negar que não é real, apesar de psicótico, para o paciente: “Uma
ação é, a princípio, intencional” (Sartre, 1943).

É importante tentar alcançar o significado subjetivo do paciente e não somente ficar


satisfeito porque a resposta é anormal. O significado fenomenológico é, algumas vezes,
revelado no tipo de resposta; por exemplo, quando se pediu a um paciente esquizofrênico que
explicasse a diferença entre uma parede e uma cerca, ele respondeu: “Você pode ver através
de uma cerca, mas as paredes têm ouvidos” (Rawnsley, 1985, comunicação pessoal). Da
mesma maneira que os eventos externos têm causas que podem ser explicadas, os eventos
psicológicos internos podem originar-se uns dos outros em um encadeamento significativo, se
o estado interno do paciente puder ser entendido empaticamente.

Compreensão/explicação

Iniciamos com a premissa de que o comportamento significa algo, isto é , que surge com
consistência interna, a partir de eventos psíquicos. Embora o comportamento de um paciente
possa ser significativo para ele, pode não ser possível para nós, os observadores externos,
entendê-lo. Existem muitos níveis nos quais podemos entender. Por exemplo, podemos ter
algum entendimento das dificuldades sexuais de um exibicionista reincidente ao saber sobre
sua infância perturbada; mas isto ainda não se explica por que ele regularmente repete o
comportamento que o faz entrar em conflito com a lei, prejudicando-o socialmente e à sua
família. Wittgenstein (1953) afirmou: “Nós explicamos comportamentos humanos dando
razões, não causas”.

Jaspers contrastou compressão (verstehen) com explicação (erklären) e mostrou como


estes termos podem ser usados no sentido tanto estático quanto genético. Estático significa
compreender ou explicar a presente situação a partir das informações disponíveis; genético,
como atingiu este estado pelo exame de seus antecedentes. Isto é mostrado na Tabela 1.1.

Tabela 1.1 – Diagrama de entendimento e explicação.

Compreensão Explicação

(3) Observação através da percepção


Estático (1) Descrição Fenomenológica
sensorial externa

(2) Empatia estabelecida a partir do


Genético (4) Causa e efeito do método científico
que emerge

Compreensão é a percepção do significado pessoal da experiência subjetiva do paciente:

1. Se quisermos encontrar significado em um determinado momento no tempo, o método da


fenomenologia é apropriado. A experiência subjetiva do paciente é dissecada formando-se um
quadro estático do que tal pensamento ou tal evento significaram para ele naquele
determinado momento. Não é feito qualquer comentário de como o evento surgiu e nem
alguma previsão ao que acontecerá depois. O significado é simplesmente extraído como uma
descrição do que o paciente está experimentando e o que isto significa para ele agora. Um
homem sente-se zangado: a compreensão estática usa a empatia para descrever em detalhes
exatamente como é para ele sentir-se zangado. Eu, o examinador, já experimentei fenômenos
como estes? Eles são conhecidos por mim pelas experiências que tive em minha vida?

2. A compreensão genética, em oposição à compreensão estática, preocupa-se com


um processo. Entende-se que, quando insultado, este homem reage com violência; quando
esta mulher ouve vozes comentando sobre suas ações, ela fecha as cortinas de sua casa. Para
compreender a maneira como os acontecimentos psíquicos originam-se um dos outros na
experiência do paciente, o terapeuta usa a empatia como um método ou ferramenta.
Ele coloca-se na situação do paciente. Se este primeiro acontecimento tivesse ocorrido com
ele nas circunstâncias totais do paciente, o segundo evento, que foi a reação do paciente ao
primeiro, ocorreu dentro do esperado, com alguma margem de certeza. Ele compreende os
sentimentos atribuídos ao paciente a partir da ação que deles resulta. Então, se eu fosse o
paciente com a mesma história, será que teria as mesmas experiências e o mesmo
comportamento? Um exemplo ajudaria a demonstrar a humanidade desta abordagem e a
universalidade da experiência humana: eu devo me colocar no lugar de uma jovem mulher de
19 anos, criada em uma comunidade pesqueira isolada, a mais velha de oito filhos, que se
torna estuporosa durante sua segunda gravidez. Ela é casada com um homem alcoólatra de 35
anos, e seu pai também é alcoolista. Devo compreender como ela lidou com o comportamento
de seu pai quando criança; o que sua gravidez significou para ela; como ela viu o
comportamento de sua mãe durante suas gestações, etc. A explicação trata do registro de
eventos de um ponto de observação fora destes; a compreensão, de dentro deles.
Compreende-se a raiva de uma pessoa e suas conseqüências; explica-se a ocorrência da neve
no inverno. Explicações também podem ser descritas como estáticas ou genéticas.

3. A explicação estática refere-se à percepção sensorial externa, à observação de um


acontecimento.

4. A explicação genética consiste na descoberta de conexões causais: ela descreve uma cadeia
de eventos e por que eles seguem esta seqüência. Compreender e explicar são partes
necessárias da investigação psiquiátrica.

Jaspers faz uma distinção importante entre o que é significativo e permite empatia, e o
que é, em última instância, incompreensível – a essência da experiência psicótica. Apesar de o
observador possivelmente empatizar com o conteúdo de um delírio de um paciente em
qualquer situação particular, ele não pode compreender ou ver uma conexão significativa na
ocorrência do delírio por si só. O delírio como um evento não é compreensível: para o médico,
parece incompreensível e irreal. Podemos compreender pelo conhecimento do passado da
paciente porque, caso seu pensamento tiver um transtorno na forma, o conteúdo deste
pensamento refere-se à perseguição pelos nazistas – talvez porque seus pais escaparam da
Alemanha em 1937. Mas não podemos compreender a razão pela qual ela deve acreditar em
algo que é claramente falso: que os perseguidores estão colocando uma substância sem gosto
em sua bebida que a faz sentir-se doente. O delírio, em si mesmo, como forma
psicopatológica, é incompreensível. Conexões significativas, então, mostram o vínculo entre
diferentes eventos psicológicos, pela compreensão de como tais eventos surgem um dos
outros, por um processo de empatia.

Primário: secundário

Jaspers discute os diferentes significados que podem ser atribuídos aos


vocábulos primário e secundárioquando aplicados a sintomas. A distinção pode ser em termos
de compreensão, no sentido de que o primário não pode ser reduzido adicionalmente pelo
entendimento; por exemplo, nas alucinações, na medida em que o secundário é o
que surge do primário de uma maneira que possa ser compreendida; por exemplo, a
elaboração delirante que surge da parte saudável da psique em resposta a alucinações que
surgem da parte não-saudável da psique. Novamente, a distinção entre primário e secundário
pode ser feita em termos de causalidade , no sentido de que o que é primário é a causa,
enquanto o que é secundário é o efeito: a afasia sensorial é primária, a perturbação resultante
das relações com outras pessoas é secundária.

Estes dois significados distintos do termo primário obscurecem a distinção crucial entre
conexões significativas e conexões causais. Para evitar dúvidas em física e química, fazemos
observações por meio de experimentos e então formulamos conexões e leis causais, ao passo
que, em psicopatologia, experimentamos outro tipo de conexão, na qual eventos psíquicos
emergem uns dos outros de uma maneira que pode ser compreendida – as
chamadas conexões significativas (Robinson, 1984, comunicação pessoal).

A ANÁLISE DE EXPERIÊNCIA
O que o paciente considera importante ao oferecer a história de seus sintomas e causas
de aflição pode não ser necessariamente idêntico ao que o médico ou examinador considera
importante. O médico pode muito bem estar tentando determinar as entidades
psicopatológicas que estão presentes, talvez para fazer um diagnóstico, enquanto o paciente
está preocupado em comunicar a agonia que vive, sua intensidade e a forma como esta é
percebida como uma ameaça.

Predição/quantificação

Na acusação feita à psiquiatria – de não ser científica por não ser quantificável – existem
duas percepções incorretas. Em primeiro lugar, a quantificação não é fundamental para a
ciência, mas secundária. O fundamental, para o conhecimento fatual ou ciência, é que esta
tenha uma qualidade suficientemente boa para ser preditiva. Por exemplo, saber que a maçã,
solta no ar, cairá, é o princípio essencial da ciência: medir e, portanto, quantificar sua
velocidade depende da observação e da previsão inicial. Em segundo lugar, é possível
quantificar a psicologia subjetiva que tem usado a fenomenologia no estágio de formação de
hipóteses. Exemplos disto serão descritos em maiores detalhes posteriormente, incluindo
auto-avaliações para a depressão, localização do self dentro do espaço semântico na Grade de
Repertório; automedições de peso na anorexia nervosa e assim por diante. São necessários
métodos indiretos e criativos para a quantificação da psicopatologia, mas isto é possível e, com
freqüência, vantajoso.

Popper (1959) introduziu o teste de falsificabilidade para a ciência: uma teoria pode ser
falsificável como um critério de definição. A fenomenologia, a descrição do estado subjetivo do
indivíduo, é falsificável: está disponível para a refutação, e parte do método empático diz
respeito a convidar o paciente a refutar o relato do entrevistador sobre a experiência anterior
do primeiro. Portanto, as teorias fenomenológicas podem ser falsificadas a partir das
argumentações do próprio paciente.

Forma: conteúdo

Como a urdidura e a trama, a forma e o conteúdo são essencialmente diferentes, mas


estão inextricavelmente entrelaçados. É claro que o conceito filosófico de forma e conteúdo
constitui uma ferramenta didática, um auxílio para o entendimento, e não deve ser usado de
uma maneira concreta ou absoluta. O que é forma a um nível de classificação torna-se
conteúdo em outro, como, por exemplo, artefatos de madeirapodem incluir móveis como um
dos muitos “conteúdos”, mas mobília, quando utilizada como uma “forma” pode também
incluir outros artigos diferentes. A forma de uma experiência psíquica é a descrição de sua
estrutura em termos fenomenológicos, como, por exemplo, um delírio. Visto assim,
o conteúdo é o colorido da experiência. O paciente está preocupado pois acredita que estão
roubando seu dinheiro. Sua preocupação é que “pessoas estão tirando meu dinheiro”, não que
“eu mantenho uma falsa crença apoiada em razões inaceitáveis de que pessoas estão tirando
meu dinheiro”. Ele está preocupado com o conteúdo. Claramente, forma e conteúdo são
importantes, mas em contextos diferentes. O paciente está somente preocupado com o
conteúdo, “que estou sendo perseguido por 10.000 tacos de hóquei”. O médico preocupa-se
com a forma e com o conteúdo, mas, como fenomenologista, só com a forma; neste caso, uma
falsa crença de estar sendo perseguido. No que se refere à forma, os tacos de hóquei são
irrelevantes. O paciente, por sua vez, acha este interesse do médico pela forma
incompreensível e um desvio do que ele considera importante, acabando por demonstrar
irritação com o fato.
Uma paciente que disse: “Quando giro a torneira, ouço uma voz sussurrando no cano: ‘Ela
está a caminho da lua. Vamos torcer para que ela faça uma aterrissagem suave’”.
A forma desta experiência é o que exige a atenção do fenomenologista e é útil em termos de
diagnóstico. Ela está descrevendo uma percepção: é uma falsa percepção auditiva e uma
percepção auditiva falsa ou perturbada. Tem as características de uma alucinação e,
especificamente, de uma alucinação funcional. Esta é a forma. Enquanto o psiquiatra
preocupa-se em esclarecer a forma, a paciente fica muito irritada porque “ele não está
anotando nada do que estou dizendo”. Ela está preocupada por talvez ser mandada para a lua.
O que acontecerá quando chegar lá? Como voltará? Portanto, o conteúdo é tudo o que
importa para ela e a preocupação do médico com a forma é incompreensível e frustrante ao
extremo.

A forma depende da doença mental da qual o paciente sofre, constituindo-se, portanto,


uma chave diagnóstica da mesma. Por exemplo, percepções delirantes ocorrem na
esquizofrenia, e quando demonstradas como a forma da experiência elas indicam esta
condição. O achado de uma alucinação visual sugere a probabilidade de uma psicossíndrome
orgânica. A natureza do conteúdo destes dois exemplos é irrelevante para se chegar a um
diagnóstico. O conteúdo pode ser entendido em termos da situação de vida do paciente com
relação à cultura, ao grupo de pares, ao status, à sofisticação, à idade, ao sexo, aos eventos de
vida e à localidade geográfica. Um outro paciente, por exemplo, disse que havia sido enviado à
lua e retornado durante a noite duas semanas após a primeira aterrissagem da descida do
homem na lua. Descrever os pensamentos de uma pessoa como sendo controlados pela
televisão é necessariamente restrito àquelas partes do mundo onde esta invenção é
conhecida. Um colega informou-me que duas semanas após a morte de Elvis Presley, três
reencarnações autoconfessas do famoso cantor formam atendidas em seu setor de
emergência.

A hipocondria é uma doença de conteúdo, mais do que de forma. A forma pode ser
variada. Ela poderia tomar a forma de uma alucinação auditiva, na qual o paciente ouve uma
voz dizendo: “Você tem câncer”; pode ser um delírio, quando ele acredita falsamente e com
evidência delirante que tem câncer; pode ser, também, uma idéia supervalorizada, quando ele
passa a maior parte do dia checando sua saúde, pois acredita que está doente; pode ser uma
anormalidade de afeto, que se manifesta em extrema ansiedade hipocondríaca ou um
desânimo hipocondríaco de fundo depressivo. De modo semelhante, o ciúme mórbido é um
transtorno do conteúdo, no qual a forma expressa-se de várias maneiras: alucinatória,
delirante, através de uma idéia supervalorizada, como um comportamento compulsivo ou um
pensamento obsessivo; mas o conteúdo é compreensível em termos da situação de vida do
paciente.

Subjetivo/objetivo

A objetividade na ciência passou a ser reverenciada como o ideal, de modo que somente o
que é externo à mente é considerado real, mensurável e válido. Trata-se de um erro, porque
necessariamente avaliações objetivas são subjetivamente carregadas de valor naquilo que o
observador escolhe medir; e é possível tornar este aspecto subjetivo mais preciso e confiável.
Há sempre julgamentos de valor associados a avaliações subjetivas e objetivas. O processo de
fazer uma avaliação científica consiste de vários estágios: receber um estímulo sensorial,
perceber, observar (tornar significativas as impressões), anotar, codificar e formular hipóteses.
Este é um processo progressivo de se descartar informações, e é o julgamento subjetivo do
que é válido que determina a pequena quantidade de cada estágio que é retido para
transmissão à próxima parte do processo. “Não existe algo como uma observação sem idéias
preconcebidas” (Popper, 1974).

As avaliações objetivas na psiquiatria têm coberto muitos aspectos da vida. Alguns


exemplos, além das muitas medições fisiológicas, são a medição de movimentos corporais,
expressão facial, escritos do paciente, capacidade de aprendizagem, respostas a um programa
de condicionamento operante, extensão da memória, eficiência ocupacional e avaliação do
conteúdo lógico das afirmações do paciente. Tudo isto pode ser quantificado e analisado
objetivamente. Podem ser feitas análises subjetivas; por exemplo, a partir da expressão facial,
da descrição do paciente sobre si mesmo, de sua própria escrita ou de seus acontecimentos
internos. Quando um médico fala sobre um paciente: “Ela parece triste”, ele não está medindo
objetivamente a expressão facial da mesma em “unidades de tristeza” por algum gabarito
objetivo. Ele segue estes estágios: “Eu associo sua expressão facial com o afeto que reconheço
em mim como um sentimento de tristeza: ver sua expressão faz-me sentir triste”. Rapport é a
qualidade que o paciente estabelece com o médico durante sua entrevista clínica. Para que
isto aconteça, o médico precisa ser receptivo à sua comunicação. Ele deve ser capaz de
estabelecer também um rapport, de ter uma capacidade para o entendimento humano. Esta é
necessariamente uma experiência subjetiva para o médico, mas isto não significa que não seja
real ou mesmo que não possa ser medido. O método fenomenológico tenta aumentar nosso
conhecimento de eventos subjetivos, de modo que possam ser classificados e, finalmente,
quantificados.

Aggernaes (1972) definiu subjetividade e objetividade por experiências diárias imediatas:

Quando alguma coisa vivida tem uma qualidade de “sensação”, diz-se também que tem
uma qualidade de “objetividade” se a pessoa que a vive sente que, sob circunstâncias
favoráveis, ele seria capaz de viver a mesma coisa com outra modalidade de sensação que
aquela que provocou a qualidade de sensação. Quando algo que se experimentou tem uma
qualidade de “ideação”, isto é, não está sendo diretamente percebido no momento, é também
dito que tem uma qualidade de “objetividade” se o experimentador sente que, sob
circunstancias favoráveis, ele seria capaz, ainda assim, de viver a mesma coisa com, no
mínimo, duas ou mais modalidades de sensação.
Algo experimentado tem uma qualidade de “subjetividade” se quem o vive sente que sob
circunstâncias favoráveis ele seria capaz de viver esta coisa com duas ou mais modalidades de
sensação.

Assim, olho para a mesa à minha frente como uma percepção visual ou posso virar minha
cabeça e ainda fantasiá-la como uma imagem visual. Enquanto “vejo a mesa”, em qualquer
destas formas, o fato de eu poder imaginar ouvir um som se eu batesse na mesa com uma
colher e machucar meus dedos se desse um soco nela, confirma sua qualidade de objetividade.
Se eu usar minha imaginação para criar em minha mente uma imagem visual de uma cadeira
que nunca realmente vi, mas que é um composto de objetos e quadros que vi, sei que nunca
serei capaz de sentir ou ouvir esta cadeira de fato – esta é uma imagem subjetiva sem
realidade externa, objetiva.

Processo/desenvolvimento
Da mesma maneira que o entendimento e a explicação dependem da perspectiva do
entrevistador – empaticamente de dentro ou observando de fora - ,
assim processo ou desenvolvimento dependem do modo pelo qual a pessoa vivencia um
acontecimento dentro de seu padrão usual de vida, ou fora do mesmo. O desenvolvimento
significa que uma experiência é compreensível em termos da constituição e da história da
pessoa; transtornos de personalidade seriam vistos como alterações do desenvolvimento. O
processo é visto como a imposição de um evento “de fora”; a epilepsia seria experimentada
como uma ocorrência da doença separada do desenvolvimento normal – o processo da
doença interrompeu o curso normal da vida. De maneira similar, o início de uma doença
esquizofrênica freqüentemente produz uma “ruptura” definitiva na história de vida de um
adolescente.

POSIÇÕES TEÓRICAS DA PSICOPATOLOGIA

Existe uma multiplicidade de psicopatologias. Qualquer explicação para o comportamento


anormal tem o germe de uma teoria da psicopatologia. A psicopatologia descritiva tenta evitar
os inúmeros argumentos etiológicos, satisfazendo-se com uma descrição do que ocorre, sem
solicitar explicações adicionais. Já discutimos o pressuposto de que os fenômenos da doença
mental têm significados próprios. Uma opinião radicalmente oposta afirma que qualquer
experiência subjetiva é desprovida de significados. Pensamentos, incluindo o humor e os
impulsos, são considerados como epifenômenos, isto é, o pensar não tem significado ou
objetivo, sendo como a espuma da cerveja na parte de cima de um copo. Pensamentos são
considerados como subprodutos acidentais das atividades químicas que ocorrem no cérebro:
não são causas de comportamento, mas meros produtos. O significado que a pessoa que
pensa vincula a eles é puramente ilusório. Tal posição extrema nega qualquer possibilidade de
investigação ou tratamento psicológico.

Psicopatologia dinâmica descritiva

A psicopatologia é o estudo dos processos psíquicos anormais. A psicopatologia descritiva


preocupa-se em descrever as experiências subjetivas e também o comportamento resultante
durante a doença mental. Ela não arrisca explicações para tais experiências ou
comportamentos, nem comenta sobre a etiologia ou o processo de desenvolvimento.

Esta abordagem para o fenômeno psíquico anormal contrasta de forma acentuada com
outras molduras teóricas da psicopatologia, como a psicanalítica. Na psicanálise, no mínimo
um de vários mecanismos supostamente ocorre, e o estado mental torna-se compreensível
dentro deste referencial. Explicações do que ocorre no pensamento ou no comportamento
baseiam-se nestes processos teóricos subjacentes, como transferência ou mecanismos de
defesa do ego. Por exemplo, no caso de um delírio, a psicopatologia descritiva tenta descrever
aquilo em que a pessoa acredita, como ela descreve sua experiência de acreditar, que
evidências dá para sua veracidade e qual é o significado desta crença para sua situação de
vida. Tenta-se avaliar se sua crença tem as características exatas de um delírio e, se tiver, de
que tipo de delírio. Após esta avaliação fenomenológica, a informação obtida pode ser
utilizada de maneira diagnóstica, prognóstica e, como conseqüência, terapêutica. Alguns dos
contrastes entre psicopatologia descritiva e dinâmica são resumidos na Tabela 1.2.

Tabela 1.2 – Psicopatologia – descritiva versus psicanalítica.

Descritiva Psicanalítica
Estudo das raízes do comportamento
Avaliação empática da experiência
Resumo atual e experiência consciente por
subjetiva do paciente.
meio de conflitos inconscientes.

Terminologia Descrição de fenômenos. Processos teóricos demonstrados.

Entendimento do estado subjetivo


Associação livre, sonhos,
Métodos do paciente por intermédio da
transferência.
entrevista empática.

1. Faz distinção entre atendimento e


Entendimento em termos de noções
explicação: entendimento pela
de processos teóricos.
observação e empatia.

2. A forma e o conteúdo são


Diferenças na Não é feita distinção; envolvida com o
claramente separados: a forma tem
aplicação prática conteúdo.
importância para o diagnóstico.

3. Processo e desenvolvimento Não é feita distinção; sintomas vistos


diferenciados: o processo interfere como tendo uma base psicológica
com o desenvolvimento. inconsciente.

A psicopatologia analítica ou dinâmica, no entanto, mais provavelmente tentaria explicar


o delírio em termos de conflitos precoces reprimidos no inconsciente e que somente agora são
capazes de ganhar expressão na forma psicótica, talvez com base na projeção. O conteúdo do
delírio seria considerado uma chave importante para a natureza do conflito subjacente que
tem suas raízes no desenvolvimento precoce. A psicopatologia descritiva não tenta dizer por
que um delírio está presente: ela somente observa, descreve e classifica. A psicopatologia
dinâmica ajuda a descrever como o delírio ocorreu e por que se trata deste delírio em
particular, com base nas evidências da experiência no início da vida desta pessoa. Isto está
relacionado com a compreensão genética, conforme descrito, e chamada de entendimento
presciente por Mellor (1985, comunicação pessoal), indicando um suposto conhecimento
prévio sobre como os eventos da vida mental devem se desenrolar, pois eles necessariamente
terão de se adaptar às postulações teóricas.

Consciente/inconsciente

A fenomenologia não pode estar envolvida com o inconsciente, visto que o paciente não
pode descrevê-lo, e, portanto, o médico não pode sentir empatia. A psicopatologia descritiva
não possui uma teoria do inconsciente, nem nega sua existência. A mente inconsciente está
simplesmente fora de seus termos de referência, e eventos psíquicos são descritos sem se
recorrer a explicações que envolvam o inconsciente. Os sonhos, os conteúdos do transe
hipnótico e os deslizes da língua (atos falhos) são descritos de acordo com o modo como o
paciente experienciou-os, isto é, de acordo com a forma como se manifestam na consciência.

Orgânico: sintomático

A psicopatologia é essencialmente uma abordagem não-biológica aos processos mentais


anormais, de modo que, mesmo quando as causas orgânicas de uma condição são conhecidas,
a psicopatologia está envolvida na ordenação dos sintomas e na experiência do paciente, mas
não tem em sua patologia orgânica. Há agora muitas conexões conhecidas entre diferentes
doenças psiquiátricas e uma patologia orgânica identificável. No entanto, não é com estas
ligações que a psicopatologia preocupa-se, e sua utilidade não é dependente da localização de
um delírio ou de qualquer outro evento psíquico no cérebro. No início, psiquiatras de
orientação organicista, como Griesinger e Wernicke, não se preocupavam com o
psicopatológico na psiquiatria, mas muito mais em mapear o cérebro do doente. Isto trouxe
excelentes contribuições, como por exemplo, para a elucidação da natureza e para o
tratamento da sífilis cerebral. De modo similar, os behavioristas modernos geralmente não se
interessam pela fenomenologia. A fenomenologia não trata da patologia orgânica ou do
comportamento em si mesmo, mas da experiência subjetiva do paciente em relação ao seu
mundo.

Não contrastamos orgânico com o funcional de forma convencional, pois funcional é um


termo muito sujeito a confusões. Ele provoca dificuldades conceituais em vez de trazer
esclarecimentos: uma pessoa lógica que desconhece o jargão médico, ficaria perplexa ao saber
que uma perturbação humana decorrente de um problema psicológico é chamada de
funcional, enquanto que uma perturbação similar, causada por uma doença orgânica, não é
mais chamada de funcional. São os elementos sintomáticos da doença que a fenomenologia
pode explorar: a natureza dos sintomas e ao que eles estão associados.

Cérebro/mente

René Descartes (1596 – 1650) examinou, formulou e reafirmou pontos de vista sobre a
separação entre corpo e mente. Ele descreveu “L’âme raisonable” – a alma que pensa está
alojada na máquina, tendo sua sede principal no cérebro. Ele descreveu a alma como o
engenheiro que alterava os movimentos da máquina, o corpo (1649). Descartes foi um homem
de seu tempo, refletindo e desenvolvendo concepções dicotômicas da relação cérebro-mente.
Um exemplo deste dualismo cartesiano, que ocorreu antes mesmo de Descartes, é a seguinte
inscrição obituária para Lady Doderidge, que morreu em 1614:

Como quando um relógio estragado é desmontado


um relojoeiro toma suas pequenas peças
e consertando o que encontra fora de ordem
reúne tudo e o faz novamente operar
também Deus esta dama tomou e suas duas partes separou
demasiado cedo – sua alma e seu pobre corpo mortal
Mas por Sua vontade seu corpo totalmente são
será novamente unido à sua alma agora coroada
Até então, os dois repousam na terra e no céu separados
com o que reuniu tudo o que tem vida nós então nos regozijamos.

Esta clara afirmação de uma absoluta separação entre corpo e alma encontra-se em seu
túmulo, que pode ser visitado na Catedral de Exerter.

É proveniente deste dualismo a nossa tendência de pensarmos em termos do corpo e da


mente – doença mental e física. A disciplina total da psiquiatria aceita tacitamente uma base
dualística para sua própria existência, apesar de se ressentir disto e tentar duramente ensinar
uma medicina da pessoa como um todo. Nossa linguagem continuamente nos leva de volta a
palavras e expressões dualísticas, e estamos constantemente sob o perigo de uma psiquiatria
“descerebrada” ou então “sem mente” (Eisenberg, 1986).
Neste aspecto, o método fenomenológico apresenta a vantagem de ser uma ponte sobre
este abismo, de outro modo intransponível. Uma vez que se preocupa com a experiência
subjetiva, está envolvido com a mente e não com o corpo, mas a mente pode somente
perceber os estímulos que o corpo recebeu, e não pode haver percepção sem a consciência da
mente. “O corpo não é somente um mecanismo causado, mas essencialmente uma
entidade intencional sempre dirigida a um objetivo. O corpo vivido é a experiência de nosso
corpo que não pode ser objetivada” (Gold, 1985; grifos de Gold). O termo mente não pretende
representar algum homúnculo psicológico dentro do homem, talvez virado de cabeça para
baixo, como no córtex cerebral. Ela é puramente uma abstração, que se refere a um aspecto
de nossa humanidade. Como qualquer outro aspecto ou perspectiva, o que é mantido em foco
é razoavelmente claro, mas as margens do campo são indefinidas e, portanto, não podemos
dizer o que, precisamente, quais são os confins da mente, assim como nem podemos
discriminar completamente o corpo e a mente, nem diríamos que a humanidade é
completamente explicável em termos de corpo e mente (Sims, 1994).

Popper e Eccles (1977) desenvolveram o dualismo cartesiano ainda além e elaboraram


um conceito tríplice – mente, corpo e self. As teorias de corpo-mente e suas relações com a
psiquiatria foram bem resumidas por Granville-Grossman (1983). A mente é usada, daqui por
diante, como uma abstração, um modo de observarmos parte dos fenômenos do homem.
Esses temas são abordados resumidamente neste artigo, onde a finalidade foi a de um olhar
sobre a doença, e não a dissecação da mente – “o estudo das características distintivas pelas
quais se manifestam” (Pinel, 1801). Este artigo descreveu o que é a fenomenologia e por que
ela é útil na psiquiatria clínica. O método concentra-se na experiência subjetiva do paciente –
tentar compreender seu próprio estado interno. Várias constelações de idéias foram
discutidas, e os conceitos foram listados em pares, como construtores; assim como o modo
pelo qual a população psiquiátrica difere de uma população normal.

As idéias básicas para o atendimento dos sintomas do paciente são elaboradas usando-se
o método de empatia e significado do comportamento, ou seja, a compreensão e a explicação
dos eventos psíquicos. O comportamento do paciente é analisado, adicionalmente, em termos
de forma e conteúdo, avaliação subjetiva e objetiva. As posições teóricas da psicopatologia
descritiva foram discutidas e comparadas com métodos psicanalíticos e com o enfoque
biológico da doença mental. O conceito de mente foi brevemente discutido.

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