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Unidade II
5 TOXICOLOGIA OCUPACIONAL E DE MEDICAMENTOS
Este tópico será dividido em duas partes. Na primeira, abordaremos a toxicologia ocupacional, ou
seja, você terá a oportunidade de compreender melhor como pode ocorrer a exposição e a intoxicação
no ambiente de trabalho e também como é possível prevenir a intoxicação do trabalhador. Na segunda,
abordaremos a toxicologia de medicamentos. Como foi possível você compreender, o medicamento
é um agente exógeno e, por conseguinte, depende da forma pela qual o organismo se expõe a ele,
pode haver o rompimento da homeostase e, consequentemente, o aparecimento de sinais e sintomas
de intoxicação. Neste tópico ainda teremos a satisfação de trabalhar juntos a maneira de se realizar
o diagnóstico da intoxicação por alguns medicamentos, bem como apresentar e compreender a
importância dos antídotos no tratamento da intoxicação.
Iremos agora expor algumas informações, para que possamos compreender o raciocínio toxicológico
na esfera ocupacional.
5.1.1 Introdução
Desde os primórdios, houve exposição dos trabalhadores a substâncias químicas, material biológico
ou agentes físicos, mas nem sempre foi dada a devida atenção à saúde do trabalhador. Antes da
Revolução Industrial, a exposição das pessoas a substâncias potencialmente tóxicas estava associada à
própria subsistência. Em vários momentos da história, as atividades profissionais foram realizadas por
escravos, ou seja, pessoas que eram dominadas por outros povos e submetidas a atividades insalubres,
fato que perdurou até o final do século XIX.
Para que você tenha dimensão do que representou a exposição ocupacional a agentes
potencialmente tóxicos, no séc. IV a.C., Hipócrates identificou a intoxicação pelo chumbo na
produção mineradora (SANTOS et al., 2004). Plínio, o Velho (23–79 d.C.), observou que, na tentativa de
reduzir a exposição ao chumbo, trabalhadores utilizavam bexigas do trato urinário de animais como
máscaras (KATO; GARCIA; WÜNSCH FILHO, 2007), e na Europa, a partir do século XII, as universidades
já realizavam experimentos associados à higiene ocupacional, na tentativa de compreender melhor
como aconteciam as intoxicações no ambiente de trabalho e preveni-las (SANTOS et al., 2004).
quando corrosivas, “devorava” os pulmões. Nas minas das montanhas dos Cárpatos, havia mulheres
que se casaram com sete maridos, todos com morte prematura pela exposição à poeira tóxica, nas
mineradoras (HOOVER, 1950).
Bernardino Ramazzini (1633–1714) foi um médico italiano que dedicou praticamente toda sua vida
profissional à medicina ocupacional. Escreveu o livro sobre doenças ocupacionais e higiene industrial,
De morbis artificum diatriba (Doenças dos trabalhadores) (FRANCO; FRANCO, 2001). Em 1767, George
Baker (1722–1809) observou que as epidemias de cólicas saturninas ocorridas durante o século XVII
estavam associadas aos efeitos gastrintestinais causados pela exposição ao chumbo presente na sidra, o
vinho feito de maçã (RIVA, 2012).
Mas você poderia perguntar: e o Brasil, como se posicionava do ponto de vista de legislação ocupacional
nesse momento histórico? O trabalhador era destituído de valor. O trabalho índio foi substituído pelo
escravo negro, e apenas no início do séc. XX o país conseguiu alguma projeção industrial, sobretudo
após as duas grandes guerras.
Esse breve histórico lhe foi trazido à luz para que você tenha uma dimensão temporal de quando a
saúde do trabalhador começou minimamente a ser respeitada, no Brasil. Foi apenas durante o Estado
Novo, em 1943, que houve a Consolidação das Leis do Trabalho, e com ela a Medicina do Trabalho
e a Engenharia de Segurança passaram a ser fundamentais na prevenção das doenças ocupacionais
(MACHADO, 2016).
Saiba mais
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Unidade II
Centro-Oeste
120 Nordeste
Norte
100 Sudeste
Sul
80 Brasil
60
40
20
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Ano
Figura 115 – Coeficiente de incidência (por mil habitantes) dos casos notificados
de intoxicação exógena relacionada ao trabalho no Brasil, por região, de 2007 a 2016
Excetuando-se a região Sul, em todas as demais regiões houve aumento do número de casos de
intoxicação ocupacional, no Brasil, a partir de 2013. Na região Sul, esses números aumentaram a partir
de 2015 (BRASIL, 2018a).
O gênero masculino (veja a tabela a seguir) apresenta prevalência superior ao feminino, em termos
de intoxicação ocupacional, no Brasil.
Características N %
Sexo 43.712
Masculino 28.214 64,5
Feminino 15.498 35,5
Raça/cor da pele 42.539
Branca 19.809 46,6
Preta 2.553 6,0
Parda 13.257 31,2
Ignorada 6.449 15,2
220
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Características N %
Outras 471 1,1
Escolaridade 38.007
Analfabeto 525 1,4
Ensino fundamental completo 3.102 8,2
Ensino fundamental incompleto 11.994 31,6
Ensino médio completo 6.668 17,5
Ensino médio incompleto 3.213 8,5
Ensino superior completo 1.011 2,7
Ensino superior incompleto 634 1,7
Ignorado 10.860 28,6
Lembrete
Deve-se levar em consideração a crescente participação das mulheres no ambiente de trabalho, com
destaque para as lactantes e gestantes. O lactente que é amamentado do leite de uma mãe que se expõe
ocupacionalmente a substâncias químicas de caráter lipofílico pode também estar sendo exposto ao xenobiótico,
pelo leite materno. A exposição vertical pode levar à teratogenicidade, dependendo do período gestacional em
que o feto tiver sido exposto, da quantidade de toxicante ao qual foi exposto e do tempo de exposição.
Quando se avalia a faixa etária e a escolaridade dos trabalhadores, deve-se considerar que é proibido
o trabalho infantil, no Brasil. Ainda assim, a figura a seguir nos traz um gráfico em que é possível
identificar a presença de menores no mercado de trabalho, com risco de intoxicação, nos dias atuais,
risco esse aumentado quando o nível de escolaridade do trabalhador é baixo, uma vez que a atividade
profissional e as medidas de segurança nem sempre são claras, pela dificuldade de leitura ou compreensão
das informações dos que pouco estudaram.
> a 80
Feminino Masculino
n = 42.559 71 a 80
61 a 70
Faixa etária
51 a 60
41 a 50
31 a 40
21 a 30
11 a 20
5 a 13
%
15 10 5 0 5 10 15 20 25
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Unidade II
Você se lembrou que é a ciência que estuda os efeitos nocivos causados por uma substância química
no organismo humano.
Está associado ao ambiente de trabalho, também chamado de laboral. Assim, a toxicologia ocupacional
é a área da toxicologia que estuda os efeitos nocivos causados pelas substâncias químicas produzidas ou
utilizadas no ambiente de trabalho.
Observação
Exemplo de aplicação
Para que se previna a intoxicação do trabalhador, são estabelecidas medidas seguras de exposição
no ambiente de trabalho, e, para deixar caracterizado que elas existam, realizam-se a monitorização
ambiental, a monitorização biológica e a vigilância da saúde.
222
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
O termo monitorização está associado a monitorar, ou seja, medir e comparar o resultado com
uma referência apropriada. Permita-nos fazer uma analogia: para que se saiba se está havendo
aproveitamento, submete-se o aluno a avaliações. Caso as notas obtidas pelo aluno sejam iguais ou
superiores ao limite estabelecido pela instituição de ensino, o aluno é aprovado.
Ficou mais claro para você o conceito de monitorização? No ambiente de trabalho também se realizam
monitorizações. Monitoram-se as substâncias presentes no ambiente de trabalho e no organismo, para
estimar o risco de intoxicação durante toda sua vida laboral.
A primeira situação que tem que ser pensada é identificar e quantificar substâncias químicas
presentes no ar que o trabalhador respira, no ambiente de trabalho, e às quais esse trabalhador possa
se expor diariamente, por toda a vida laboral (de trabalho), sem risco de intoxicação. Esse processo é
denominado monitorização ambiental.
Observação
É possível o trabalhador se expor ao benzeno e, ainda assim, não apresentar efeitos tóxicos? Sim, é
possível! Para isso, faz-se necessário que os limites de exposição ocupacional (LEO) sejam respeitados.
223
Unidade II
Você poderia se perguntar após esse preâmbulo: de onde vêm essas informações, ou seja, se cada
substância química apresenta um LEO diferente, como poderíamos saber qual é o LEO de cada uma das
milhares de substâncias químicas utilizadas ou produzidas no ambiente de trabalho?
Esse é um dos maiores desafios associados à toxicologia ocupacional. Essas informações advêm de
estudos toxicológicos realizados em animais e extrapolados para humanos. Esses ensaios toxicológicos
demandam vários anos para serem realizados e consomem milhões de dólares para cada uma das
substâncias químicas.
Não é qualquer um que realiza esses experimentos! Há a necessidade de uma grande quantidade
de experts para realizá-los. Após esse grande investimento financeiro, conduzido por profissionais com
bastante experiência na sua execução, conclui-se qual é o LEO para cada uma das substâncias químicas
presentes no ambiente de trabalho. Caso o trabalhador apresente alguma lesão por conta da exposição
ocupacional, a empresa empregadora responde por isso, legalmente.
Em instantes veremos quais são as agências internacionais que normalmente realizam esses
ensaios toxicológicos.
Saiba mais
Sugerimos, entusiasticamente, que você leia a obra a seguir:
BUSCHINELLI, J. T. Manual de orientação sobre controle médico ocupacional
da exposição a substâncias químicas. São Paulo: Fundacentro, 2014.
Como a obtenção desses limites de exposição ocupacional demandam anos para serem realizados,
massa crítica e milhões de dólares (para cada substância química!), essas agências ou instituições
permitem que o Brasil compile essas informações, ou seja, as utilize com autorização.
Exemplo de aplicação
Há poucas décadas, quando um parente, amigo ou vizinho se aposentava, não ficávamos muito
felizes. Reflita sobre isso.
Para muitos desses, dependendo de onde trabalhava, a aposentadoria significava que não viveria
muito tempo, diferentemente do que acontece atualmente, pois a expectativa de vida do brasileiro
aumentou significativamente nas últimas décadas.
224
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Mas por que há essa diferença entre os que se aposentavam no Brasil há algumas poucas décadas
e a realidade atual?
Vamos contextualizar para que você compreenda melhor a linha do tempo da aplicação da legislação
trabalhista brasileira e dos princípios toxicológicos no dia a dia das pessoas.
Dependendo das condições de exposição, o asbesto ou amianto pode causar danos ao trabalhador,
como o mesotelioma, câncer característico da exposição a essas fibras. Centenas de trabalhadores foram
intoxicados pelo asbesto em uma fábrica de telhas que utilizava o amianto como matéria-prima na
cidade de Osasco (WÜNSCH FILHO; NEVES; MONCAU, 2001).
Saiba mais
Sugerimos que você leia mais sobre os danos causados pelo asbesto no
organismo humano em:
Consegue entender melhor por que é necessário haver uma legislação trabalhista vigente que aplique
os conceitos toxicológicos? Para evitar perda de produtividade, absenteísmo (ausência no trabalho) e,
principalmente, agravos à saúde e mortes prematuras do trabalhador.
Vamos, agora, entender algumas instituições que realizam ensaios toxicológicos com o cerne
ocupacional.
O TLV ou o PEL utilizados por países que compilam os dados norte-americanos devem atentar à
jornada, ou seja, à carga horária semanal, e utilizar fatores de correção em relação aos números que nos
são disponibilizados. No Brasil, o LEO também é chamado de limite de tolerância (LT).
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Unidade II
O Brasil compila dados da ACGIH, com algumas adaptações, como o fator de correção exposto
anteriormente. Para efeito de legislação, o Ministério do Trabalho publicou a Norma Regulamentadora
n. 15 (NR-15), de 1978.
Observação
Como é virtualmente impossível estabelecer o LEO para todas as substâncias potencialmente tóxicas
utilizadas ou presentes em processos industriais, a OMS sugere que sejam priorizadados os estudos
dessas substâncias.
Observe que, caso haja uma maior exposição ao asbesto em um dia de trabalho, o funcionário da
empresa não morrerá imediatamente por conta disso, ou seja, o problema associado ao asbesto não
se relaciona à exposição aguda, mas, sim, à crônica. Dentro desse contexto, dividem-se os limites de
exposição ocupacional (TLV) segundo o risco de intoxicação.
5.1.2.1 ACGIH-TLV-TWA
Embora possa parecer uma “sopa de letras”, nos permita explicar essas abreviações. ACGIH,
como exposto anteriormente, é a conferência norte-americana que estabelece limites de exposição
ocupacional. O termo TLV tem o mesmo significado que LEO, ou seja, limite de exposição ocupacional,
e o mnemônico TWA advém do inglês time weighted avarage, ou seja, média ponderada pelo tempo.
Observação
226
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Exemplo de aplicação
Por que o trabalhador pode se expor a uma significativa quantidade da substância química ao longo
da jornada e ainda assim não há risco de intoxicação?
Não há risco de intoxicação porque a substância não ultrapassou o TLV-TWA e porque ela não
apresenta importância na toxicidade aguda, mas, sim, na crônica. Conclui-se, assim, que, quando
o toxicante é monitorado pelo TWA (veja a tabela a seguir), significa que pode haver uma ou mais
exposições relativamente elevadas ao longo da jornada, mas, caso a média ponderada da exposição não
ultrapasse o TWA, não há risco de intoxicação, ao menos para a maioria dos trabalhadores.
LEO
LT – MTE – EUA – TLV – EUA – PEL – EU – OELV UK –
Substância
Brasil(*) ACGIH(**) OSHA(***) (****) WEL(*****)
Número (CAS)
Benzeno - 71-43-2 1 ppm (******) 0,5 ppm 1 ppm 1 ppm(a) 1 ppm
Chumbo inorgânico - 0,15 mg/
0,1 mg/m3 0,05 mg/m3 0,05 mg/m3 0,10 mg/m3
7439-92-1 m3 (a)
Clorofórmio - 67-66-3 20 ppm 10 ppm 50 ppm 2 ppm (b) 2 ppm
n-hexano - 110-54-3 - 50 ppm 500 ppm 20 ppm (b) 20 ppm
Tolueno - 108-88-3 78 ppm 20 ppm 100 ppm 50 ppm(b) 50 ppm
(*) Limites de tolerância – Ministério do Trabalho e Emprego, Brasil
(**) Threshold limit values – ACGIH, Estados Unidos (sem valor legal)
(***) Permissible exposure limit – OSHA, Estados Unidos (com valor legal)
(****) Occupational exposure limits value – SCOEL, União Europeia
(*****) Workplace exposure limits – HSE, Reino Unido.
(******) 1 ppm não é o LT, mas o valor de referência tecnológico (VRT) para o setor de petróleo, sendo de 2,5 ppm o
VRT para o setor siderúrgico
(a) LEO binding ou obrigatório
(b) LEO indicative ou indicativo
5.1.2.2 ACGIH-TLV-STEL
Imagine o seguinte cenário: uma pessoa trabalha em uma refinaria de petróleo e, de repente, ouve
uma sirene de alerta sobre vazamento de substâncias químicas potencialmente tóxicas com risco de
intoxicação aguda. Esse trabalhador tem poucos minutos para evacuar a área para que não seja exposto
à substância.
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Unidade II
Imagine se, ao procurar a rota de fuga, esse trabalhador apresente um quadro de torpor, ou seja,
redução da sensibilidade e do movimento, e não consegue reciocinar rapidamente! Como o trabalhador
vai conseguir identificar a rota de fuga e evacuar a área com rapidez se ele não consegue raciocinar e
agir de forma célere?
Também é o caso do dano tecidual irreversível: pode ser que a exposição a essa substância,
dependendo das condições de exposição, possa levar a irritação ou lesão tecidual irreversível. Para
substâncias químicas utilizadas ou produzidas no ambiente de trabalho que possam causar esses tipos
de lesão, o monitoramento ocorre pelo ACGIH-TLV-STEL.
Um substância química pode, portanto, ser monitorada pelo ACGIH-TLV-TWA e pelo ACGIH-TLV-STEL
ao mesmo tempo, ou seja, caso o trabalhador se exponha ocupacionalmente a substâncias químicas que
possam trazer danos ao trabalhador em uma exposição crônica e também a substâncias que possam
levar à narcose, irritação ou lesão tecidual irreversível, há as duas monitorizações.
Você consegue visualizar que, em caso de narcose, além de aumentar o risco de acidente no trabalho,
o deslocamento desse funcionário em situação de evacuação do local pode ficar comprometido? É por
isso que as empresas precisam trabalhar com a monitorização ambiental, para proteger seus funcionários
da exposição excessiva de substâncias químicas com diferentes perfis de toxicidade (VEGA, 2010).
Os controles periódicos e médicos são iniciados a partir do nível de ação (NA), obtido quando se
divide o limite de exposição ocupacional por 2, onde:
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TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
NA = Nível de ação
NA = LEO
2
Exemplo de aplicação
Continue seguindo o raciocínio e reflita sobre a pergunta: se para a mesma quantidade de substância
química presente no ar, no ambiente de trabalho, há um trabalhador que se movimenta bastante e outro
que fica mais sentado realizando outra atividade, sendo que se expõem à mesma atmosfera de trabalho,
ambos apresentam o mesmo perfil de exposição?
229
Unidade II
Como saber se, ainda que a quantidade da substância química presente no ar esteja dentro dos
limites preconizados pela legislação, o trabalhador apresenta maior exposição com consequente
elevação do risco de intoxicação? É dentro desse contexto que se utiliza da monitorização biológica.
Você já sabe que monitorar significa medir algo e comparar esse resultado com uma referência
apropriada. No caso da monitorização biológica, mede-se a substância química presente no organismo
do trabalhador. É uma forma de garantir que, efetivamente, o trabalhador está sendo monitorado e que,
após anos de trabalho, não haverá lesão a esse organismo por conta da exposição ocupacional.
Assim, caso o organismo se exponha ao benzeno, tolueno ou xileno, são essas as substâncias
químicas que devem ser identificadas e quantificadas no organismo, sendo depois comparadas com
uma referência, para saber se o trabalhador apresenta risco de intoxicação?
Como vimos anteriormente, muitas substâncias às quais o organismo se expõe são rapidamente
biotransformadas e, consequentemente, caso as procuremos no organismo, não mais as encontraremos.
Dessa forma, um artifício utilizado para saber se o organismo se expôs ao xenobiótico é determinar a
substância química inalterada, produtos de biotransformação ou alterações bioquímicas precoces, em
diferentes matrizes biológicas.
É por esse motivo que você dedicou grande parte de seu tempo estudando os mecanismos
de biotransformação de um toxicante, nos princípios da toxicologia: para que você tenha condição de
compreender melhor como se aplicam aqueles conceitos teóricos aprendidos anteriormente, na prática.
Observe que até agora não lhe foi exposto o conceito de monitorização biológica. Primeiro, trouxemos
conceitos fundamentais desse tópico e os contextualizamos. Agora vamos lhe trazer à luz esse conceito.
Agora fica muito mais fácil a compreensão desse conceito: você sabe o que é uma substância
química inalterada, um produto de biotransformação, e em poucos instantes iremos apresentar o que
é uma alteração bioquímica precoce. Você sabe que eles podem estar presentes em diferentes matrizes
biológicas (sangue, urina, suor, entre outros) e que, quando são quantificados no organismo, podem ser
comparados com uma referência apropriada. Mas faltam ainda dois importantes conceitos: bioindicador
e referência apropriada.
230
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Bioindicador, indicador biológico de exposição (IBE) ou, em inglês, biological exposure limit (BEI)
é toda substância química inalterada, produto de biotransformação ou alteração bioquímica precoce,
encontrada em diferentes matrizes biológicas como sangue, urina, suor, saliva, ar exalado ou outras
matrizes, que seja capaz de avaliar a exposição e o risco de intoxicação, quando se comparam seus
resultados com uma referência apropriada.
Observação
Referência apropriada
Você se recorda de que o Brasil compila dados da monitorização ambiental da ACGIH? Saiba que nosso
país faz o mesmo para a monitorização biológica. A legislação brasileira que versa sobre a monitorização
biológica é a Norma Regulamentadora n. 7 do Ministério do Trabalho, de 1978 (NR-7/MT), que determina
que, para promover e preservar a saúde dos trabalhadores, toda empresa ou instituição, ao admitir
funcionários, deve implementar e elaborar o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
(PCMSO). A NR-7/1978 nos traz conceitos relevantes como valor de referência (VR), índice biológico
máximo permitido (IBMP) e imediatly dangerous to life and health (IDLH) (BRASIL, 2018b).
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Unidade II
Ao ser absorvida, nem toda a porção da substância que agora está no organismo do trabalhador
atingirá o órgão-alvo. É possível observar na figura a seguir que o afunilamento dessa “pirâmide
invertida” significa que, para toda a substância a que o organismo se expõe, apenas uma menor parte
tende a atingir o órgão-alvo.
Exposição externa
↓
Quantidade alcança macromolécula
↓
Quantidade alcança sítio crítico
↓
Dose biologicamente
efetiva
Alguma vez você já entrou em algum local e sentiu aquele cheiro forte de tinta? Alguns, inclusive,
podem apresentar intensa cefaleia ao acessar um local cujas paredes tenham sido pintadas recentemente.
Esse cheiro forte existe pelas várias substâncias presentes na tinta de parede, inclusive o tolueno.
Para saber, por exemplo, se um trabalhador de uma fábrica de tintas de parede apresenta risco
de intoxicação pela exposição ao tolueno, substância com meia vida biológica curta, determina-se a
presença do ácido hipúrico urinário.
Qual é o melhor momento para se coletar a urina do trabalhador para verificar o nível de exposição
ao tolueno? Pela manhã?
Nesse caso, a coleta da urina coletada deve ser realizada no final da jornada. Existe uma correlação
direta entre a exposição ao tolueno e seu produto de biotransformação, desde que a coleta da amostra
biológica ocorra no final da jornada.
Caso a coleta da urina seja realizada no período da manhã, por exemplo, que é o que a maior parte
das pessoas imagina, não haverá a correlação entre a exposição da substância e o bioindicador de dose
interna, que é o ácido hipúrico. Assim, o momento da coleta é importante para que não haja erros
232
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
pré-analíticos. É por isso que faz-se necessário conhecer a toxicocinética de cada uma das substâncias
químicas a que o trabalhador se expõe.
A amostragem deve ser realizada no último dia da jornada semanal para a exposição ao n-hexano,
tricloretileno ou outras substâncias químicas de meia vida prolongada, que seja de alguns dias, por
exemplo. Essa coleta apresentará uma adequada correlação entre a exposição e a absorção associadas
aos últimos dias de trabalho.
Você poderia questionar: e se a substância química à qual o trabalhador se expõe tiver uma
meia-vida biológica muito elevada, isso afeta o momento da coleta da amostra biológica?
O bioindicador de efeito está relacionado aos efeitos precoces que ocorrem no organismo do
trabalhador após a exposição ao xenobiótico, e a estratégia é avaliar esses efeitos no organismo,
na avaliação de risco do trabalhador (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).
Se está havendo efeito, também não está havendo dano ao organismo do trabalhador?
Vamos compreender melhor esses conceitos. O termo alteração bioquímica precoce está
associado a toda alteração bioquímica que ocorre no organismo causado por uma substância química,
mas que seja reversível e, ao mesmo tempo, possa auxiliar na prevenção da intoxicação. Vamos dar
alguns exemplos clássicos de alteração bioquímica precoce para que você compreenda melhor e
possamos complementar esse conceito.
Gostaríamos que você continuasse interagindo e que se submetesse a seguinte reflexão: você acha
que tem monóxido de carbono no seu sangue, neste momento?
A resposta é sim!
Mais uma reflexão: você está intoxicado pela quantidade de monóxido de carbono presente em
seu sangue?
A resposta é não!
233
Unidade II
Lembrete
Ao mesmo tempo, quando os teores de carboxihemoglobina (HbCO) aumentam, ainda que não haja
intoxicação, sinaliza que está havendo o aumento da exposição do organismo a esse gás, ou seja, inicialmente,
não há dano no organismo, mas indica que, caso a exposição aumente, pode haver intoxicação.
Para você ter dimensão, apenas após 10% de carboxihemoglobinemia é que o organismo
apresenta o primeiro sintoma de intoxicação, que é uma ligeira cefaleia. Valores inferiores a 10% de
carboxihemoglobinemia são assintomáticos. Entretanto, valores de 3,5% de HbCO, ainda que não
causem intoxicação, indicam que o trabalhador está exposto ao gás, acima do limite máximo permitido,
no ambiente de trabalho.
Nenhuma delas é a resposta. É uma alteração bioquímica precoce. Sabe por quê? Porque não é
uma substância química inalterada como chumbo no sangue ou cocaína no cabelo e nem produto de
biotransformação como o TTMA, que é um dos bioindicadores de exposição ao benzeno. Entretanto, o
CO está interagindo com a hemoglobina, impedindo a ligação do oxigênio.
Além disso, é capaz de prever a intoxicação (mede-se o teor de HbCO e compara-se com uma referência)
e é reversível, ou seja, se o trabalhador apresenta níveis de HbCO de 12% e uma ligeira cefaleia, ao afastar
o trabalhador da exposição, os níveis de HbCO tendem a baixar e a cefaleia tende a desaparecer.
Ficou mais clara a diferença entre substância química inalterada, produto de biotransformação e
alteração bioquímica precoce?
Em função da importância das alterações bioquímicas precoces, são necessários mais alguns
exemplos clássicos.
Metemoglobina
Vamos compreender melhor o que é a metemoglobina (MeHb) e quais são os principais sistemas
redutores em humanos.
234
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Agora que nos apropriamos dessas importantes informações, temos condição de compreender que os
agentes metemoglobinizantes são capazes de alterar o estado de oxidação da hemoglogina e impedir
a transferência de oxigênio aos tecidos remotos. Assim, a MeHb é mais um exemplo de alteração bioquímica
precoce e, consequentemente, um bioindicador de efeito (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014).
Ácido Δ-aminolevulínico
Quando o organismo se expõe ao chumbo, há algumas formas de monitorar esse trabalhador. Uma
delas é determinar a presença do ácido Δ-aminolevulínico na urina (Δ-ALA U). O chumbo pode interferir
na síntese da heme na medula óssea por ser inibidor enzimático (inibe a enzima Δ-ALA desidratase).
Quando isso ocorre, há acúmulo do Δ-ALA no organismo, que é excretado pela urina, uma vez que o
Δ-ALA não se transforma em porfobilinogênio.
Assim, o Δ-ALA não é uma substância química inalterada, nem produto de biotransformação, mas
uma alteração bioquímica precoce, uma vez que está havendo uma inibição de enzima que atuaria
235
Unidade II
sobre o Δ-ALA; este se acumula, é excretado na urina e é utilizado para prever a intoxicação. À medida
que se identifica e quantifica o Δ-ALA na urina, compara-se esse resultado com a literatura adequada e
estima-se o risco de intoxicação.
Ainda que eventualmente possa ter havido alguma alteração no organismo por conta da exposição
ao chumbo, como a anemia microcítica hipocrômica, quando se retira o trabalhador do ambiente de
trabalho e, consequentemente, deixa de haver a exposição ao chumbo, o quadro de anemia tende a
desaparecer. Assim, o Δ-ALA U é um bioindicador de efeito.
Metalotioneína
Assim, quando se identifica que há a presença de metalotioneína na urina, significa que o organismo
está se expondo a metais. É mais um exemplo de alteração bioquímica precoce e, consequentemente,
de bioindicador de efeito.
Acetilcolinesterase (AChE)
Atente-se que a inibição da acetilcolinesterase não é uma substância química inalterada, nem um
produto de biotransformação, mas, sim, uma alteração bioquímica precoce, uma vez que está havendo
uma alteração bioquímica (inibição enzimática), que é precoce porque é possível identificar a intoxicação
antes de danos irreversíveis e também é capaz de prever a intoxicação, já que se pode comparar os
resultados com uma referência apropriada e estimar o risco de intoxicação.
O trabalhador deve ser submetido a uma avaliação médica pelo médico do trabalho, com possível
afastamento de sua atividade profissional, e realizar tratamento médico caso seja constatada a correlação
entre efeitos tóxicos e os níveis dos indicadores biológicos de exposição de dose interna ou de efeito, ou
seja, caso haja significado clínico.
236
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Você sabia que fatores ambientais ou até mesmo o alimento pode interferir nos resultados analíticos
envolvendo a toxicologia ocupacional?
Caso uma pessoa more próximo a uma rodovia, por exemplo, inalará monóxido de carbono ao longo
de toda a noite de sono. No dia seguinte, os teores de carboxihemoglobinemia estarão associados à
exposição ambiental (referente ao meio ambiente), quando a pessoa dormiu inalando elevados teores de
monóxido de carbono presente no ar atmosférico, e a ocupacional (trabalha se expondo a essa mesma
substância química).
Para você ter dimensão de como é complexa a monitorização biológica ocupacional, alimentos
como amora, ameixa, morango e até groselha podem interferir no resultado dessa monitorização.
Vamos evoluir no raciocínio para que você tenha elementos bioquímicos para compreender por que
isso acontece.
O
CH3 O OH NH
O OH
HO
NH2
Biotransformação + O
237
Unidade II
Assim, como saber se o ácido hipúrico presente na urina do trabalhador da fábrica de tintas é
proveniente do tolueno ou do morango que o trabalhador comeu no dia anterior?
Observação
O
CH3 O OH NH
O OH
Biotransformação HO
NH2
+ O
H3C H3C
Glicina H3C
Metaxileno Ácido metilbenzoico
Ácido metilhipúrico
Quando o trabalhador se expõe ao xileno, não há uma segunda substância química presente na água
ou alimento que se ingira ou que esteja no ar que o trabalhador respira que poderá interferir na análise da
substância. Dessa forma, não há a necessidade de haver VR para o xileno e há apenas o IBMP (AMORIM, 2003).
Vimos anteriormente que a monitorização do trabalhador tem como objetivo prevenir a intoxicação da
maioria dos trabalhadores. Mas por que mesmo a maioria dos trabalhadores, e não todos os trabalhadores?
Por causa da suscetibilidade de cada um deles. Para as mesmas condições de exposição, organismos
diferentes respondem diferentemente. E por que respondem diferentemente? A condição genética é
uma das possibilidades: cada qual tem a sua.
238
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Observação
A condição genética é apenas uma condição que pode fazer com que
diferentes pessoas respondam de forma distinta à mesma exposição.
Assim, os biomarcadores de suscetibilidade podem indicar que aquele organismo poderá expressar
uma resposta diferente dos demais, pela sua condição genética.
Observação
O trabalhador que apresente, por exemplo, alteração na GST pode ter maior risco de intoxicação
pela exposição aos compostos alifáticos halogenados e ao óxido de etileno, uma vez que pode haver
prejuízo da biotransformação de seus intermediários epóxidos. Os que apresentam alteração na
paroxonase podem ter aumentada a toxicidade dos organofosforados pela redução da atividade da
acetilcolinesterase, e a deficiência da glicose 6-P-desidrogenase reduz (G6PD) a resistência para o
estresse oxidativo de compostos nitroaromáticos.
O médico do trabalho deve ficar atento aos valores da monitorização biológica e realizar a vigilância
da saúde. Os critérios empreendidos para a interpretação dos resultados dos exames médicos e
laboratoriais e o procedimento adotado perante os resultados dos exames devem estar expressos com
clareza no PCMSO.
Para deixar os conceitos aqui apresentados mais claros, serão apresentados exemplos de como
elaborar um PCMSO combinando com a vigilância à saúde e a monitorização biológica de exposição
(BUSCHINELLI, 2014).
Por meio do reconhecimento e controle dos riscos ambientais, bem como de sua antecipação,
deve-se prevenir o aparecimento de doenças e preservar não apenas a saúde, mas também a integridade de
seus funcionários por meio do PPRA, que deve estar vinculado com o PCMSO, previsto na NR-7.
O modelo de análise utilizado para a medição e coleta de amostras deve levar em consideração
quanto tempo será utilizado para a realização da medição, verificar se o escopo da análise é avaliar o
239
Unidade II
perfil de exposição após a atividades realizadas pelos funcionários ou apenas avaliar a característica da
exposição durante a jornada e, também, levar em consideração qual é o volume de ar que o equipamento
analítico é capaz de coletar (BRASIL, 2018b).
Outra situação envolvida é que a monitorização ambiental avalia exclusivamente a exposição pelo
trato respiratório. Entretanto, pode haver exposição ocupacional por outras vias, como pelo trato
gastrintestinal e pela via dérmica. Há situações em que o funcionário se expõe a um xenobiótico pelo
hábito de levar circunstancialmente a mão à boca em alguns momentos da jornada.
É o típico caso de exposição pelo chumbo, que na monitorização ambiental pode apresentar baixos
teores, mas quando se realiza a monitorização biológica, identifica-se sua extensa exposição. Até a
diferença de higiene pessoal entre os funcionários da empresa pode levar a resultados significativamente
distintos entre a monitorização ambiental e a biológica.
Discutiremos neste tópico as intoxicações induzidas pelo uso de medicamentos, suas causas,
grupos farmacológicos e manejo clínico, bem como os variados tratamentos empregados nas
intoxicações medicamentosas.
Algumas das informações iniciais você já conhece, especificamente aquelas relacionadas a alguns
termos e alguns conceitos introdutórios, mas ainda assim faremos uma breve e direta revisão sobre
algumas ocorrências.
Segundo o legado deixado por Paracelsus (1493–1541), toda substância pode ser classificada
como um veneno, o que irá diferenciar essa classificação é a dose. Além desse clássico e importante
conceito deixado por aquele que é considerado o pai da farmacologia e da toxicologia, acrescemos
que as condições de exposição também demonstram papel importante nesse contexto, além da
dose administrada.
240
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Saiba mais
Face a essa constatação, você concluiu que a capacidade que uma substância apresenta em causar
toxicidade é definida pelo perigo que cada toxicante apresenta de forma inata. Esse perigo é definido
como toxicidade intrínseca e pode ser aferido por valores da DL50, que representa a dose necessária
para matar metade de uma população. Além desse perigo, que é algo inerente ao agente tóxico, a
toxicidade relativa também estabelece uma importância preponderante na avaliação dos compostos.
Essa toxicidade é determinada pelo agente tóxico especificamente (tipo), pela dose que foi utilizada,
pela susceptibilidade individual e pelas condições de exposição (tempo e frequência, principalmente).
Para recordarmos o que estudamos, você deve estar lembrado de que a intoxicação é representada
por um conjunto de sinais e sintomas observáveis a partir da interação de um agente tóxico com um
sistema orgânico através de efeitos nocivos que ocorrem em decorrência de um desequilíbrio orgânico
e são manifestados através de sinais e sintomas.
Esse processo depende da interação do agente tóxico ou toxicante com a parte biológica através
de uma interação dele com um alvo biológico que execute mecanismos de reparo ainda que estes
não sejam suficientes para sanar as alterações na homeostasia. Normalmente esses processos, quando
exacerbados, originam doenças ou até mesmo situações fatais irreversíveis, demonstradas através de
sinais e sintomas dependentes de dose e tempo de exposição. Dividimos a intoxicação em quatro fases
distintas, a saber:
• Fase de exposição: está ligada ao contato do agente tóxico com a parte orgânica, representando
a sua disponibilidade química e condições de introdução no modelo biológico. Essa exposição
pode ocorrer por diferentes vias, sendo as mais comuns a oral (intoxicações por medicamentos,
venenos agrícolas etc.), a por via dérmica (contato com praguicidas na lavoura) e a pulmonar,
através do ar inspirado (névoas de praguicidas agrícolas).
• Fase toxicodinâmica: corresponde aos efeitos propriamente ditos do AT pela interação com os
alvos biológicos. Isso porque na maioria das vezes não se trata de uma ação localizada do agente,
mas, sim, disseminada.
Observação
• Fase clínica: nesta fase tem-se as manifestações clínicas dos efeitos pela exposição a um agente
tóxico. É a aparição de sinais e sintomas que caracterizam o efeito tóxico propriamente dito e
evidenciam a presença do fenômeno da intoxicação.
• Efeito secundário: pode surgir em alguns pacientes pelo uso de medicamentos, ainda que em
doses terapêuticas. Exemplo: diarreias induzidas por uso de antimicrobianos pela destruição de
flora normal intestinal.
• Efeito colateral: são efeitos previsíveis, pois estão ligados ao próprio mecanismo de ação da
substância. Exemplo: sono em pacientes que utilizam alguns anti-histamínicos.
• Idiossincrasia: são efeitos que dependem da forma como cada indivíduo responde quando mantém
contato com uma substância. Essas diferentes formas de efeitos demonstráveis normalmente
são relacionadas a situações genéticas e/ou enzimáticas particularmente individualizadas e que
independem da dose administrada. Exemplo: deficiência da aldeído desidrogenase, enzima
que metaboliza o álcool, em orientais, predispondo esses indivíduos a uma maior embriaguez
quando se expõem a essa substância.
• Alergia: as alergias podem ser caracterizadas como reações idiossincrásicas, pois não
dependem da dose, mas, sim, de uma resposta individualizada. Elas passam a ser estudadas
pela imunotoxicologia. Exemplos: crises alérgicas que muitos pacientes demonstram quando se
expõem a antimicrobianos como penicilinas e sulfas.
242
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
• Tolerância: é a condição em que se necessita de doses maiores para se obterem os mesmos efeitos
iniciais do medicamento. Normalmente o aumento das doses não se faz suficiente para a resolução
da situação, exigindo-se uma substituição. Essa tolerância pode ocorrer por dessensibilização de
receptores ou ainda por indução enzimática. Exemplos: pacientes que utilizam morfina, um analgésico
opioide, e que no mesmo período do dia exigem doses maiores para o efeito analgésico.
Observação
Agora que fizemos uma revisão de conceitos previamente estudados e sedimentados, falaremos
sobre intoxicações com medicamentos. Faremos uma introdução e depois conversaremos sobre alguns
medicamentos que estão relacionados a situações de intoxicações.
5.2.1.1 Introdução
Você sabe muito bem que os efeitos dos medicamentos já são conhecidos desde os tempos
remotos, quando nossos antepassados já buscavam a cura de muitas doenças através do uso de
substâncias naturais.
Observação
Ainda que esses medicamentos sejam utilizáveis pretendendo efeitos benéficos, quando mal
empregados e indevidamente utilizados, causam efeitos que podem até chegar à fatalidade. A frequência
de exposição a uma substância medicamentosa está relacionada à sua disponibilidade no mercado, à
243
Unidade II
marca comercial e ao acesso ao produto, às atitudes do médico que os prescreveu, ao farmacêutico que
o dispensa, assim como a quem regulamenta a sua produção, distribuição e utilização.
No Brasil, embora tenhamos normas para o uso racional de medicamentos, não há um sistema de
registro das ocorrências tóxicas pela exposição a medicamentos devidamente implantado, operante e
atualizado. Existem trabalhos que são feitos de forma isolada e regionalizada que permitem conclusões
que seguem essas regiões e não permitem uma leitura global e dinâmica das ocorrências de intoxicação
no país de forma confiável e oficial.
Os registros dos Centros de Assistência Toxicológica são sentinelas, captadores de problemas sociais,
alguns passíveis de atuação da vigilância sanitária. Se o medicamento está sendo utilizado, além de sua
finalidade terapêutica, de forma abusiva ou indevida, a sociedade e o sistema de saúde devem enxergar
esses casos e encontrar formas adequadas para enfrentá-los (GANDOLFI; ANDRADE, 2006).
Como já vimos, o Sinitox, criado em 1980 pelo Ministério da Saúde, com sede na Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), tem como principal atividade coordenar o processo de coleta, compilação, análise e
divulgação dos casos de intoxicação humana registrados no país pela Rede Nacional de Centros de
Controle de Intoxicações, comumente denominada Rede Sinitox (BORTOLETTO; BOCHNER, 1999).
Esses mesmos autores, em um trabalho realizado sobre o impacto dos medicamentos nas intoxicações
humanas no Brasil, concluíram que o medicamento é o principal agente tóxico que causa intoxicação
em seres humanos no Brasil, ocupando o primeiro lugar nas estatísticas do Sinitox desde 1994. Os
benzodiazepínicos, antigripais, antidepressivos e anti-inflamatórios são as classes de medicamentos que
mais causam intoxicações em nosso país (44% foram classificadas como tentativas de suicídio e 40%
como acidentes, sendo que as crianças menores de cinco anos (33%) e adultos de 20 a 29 anos (19%)
constituíram as faixas etárias mais acometidas pelas intoxicações por medicamentos.
Veja na tabela a seguir os principais agentes tóxicos em um levantamento mais atualizado, o que
nos mostra a mesma conclusão sobre os medicamentos, ou seja, eles representam o maior número de
casos de intoxicações agora envolvendo não somente o homem, mas também animais e solicitações
de informações que os centros recebem sobre eles.
244
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Conforme informado no site Milenar (USO..., 2018), para o mesmo período, um levantamento
conduzido pela Unicamp no Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) concluiu que
o uso de medicamentos responde pela maioria dos casos de intoxicação (33,62% das ocorrências),
mais que o dobro, por exemplo, dos atendimentos por picadas de animais peçonhentos e consumo de
produtos químicos (veja a figura a seguir).
Outros
23,86%
Medicamentos
Animais não 33,62%
peçonhentos/
não venenosos
6,09%
Animais
Produtos peçonhentos/
Produtos químicos domissanitários venenosos
residenciais ou 14,08% 16,22%
industriais
6,13%
Ainda que as pesquisas e trabalhos sobre intoxicação por medicamentos sejam regionalizadas
e até específicas em detrimento a isso, os psicofármacos como os benzodiazepínicos (diazepam,
clonazepam, bromazepam), que são substâncias largamente usadas em todo o mundo e no Brasil,
assumem uma posição bem considerável nos casos de intoxicação induzidos por medicamentos,
compreendendo em quase todos os estudos metade das ocorrências. Além dessa, outra metade é
dirigida ao tratamento de problemas diversos músculo-esqueléticos (anti-inflamatórios e analgésicos).
Essas substâncias, ainda que prescritas pelo médico, quando de uma forma não racional, passam a
oferecer uma presença da substância em ambiente doméstico maior, consequentemente aumentando
a incidência de intoxicação por eles.
5.2.1.2.1 Psicofármacos
Veremos neste tópico os medicamentos que atuam sobre o SNC, ou seja, os fármacos que atuam
sobre a “psique”.
Observação
Saiba que muitos fármacos que atuam sobre o SNC podem ser
empregados para torcicolos e crises de enxaqueca.
Estes antidepressivos inibem a recaptação de serotonina (um neurotransmissor que melhora o humor)
no SNC, sistema nervoso periférico e plaquetas, estimulando os receptores serotoninérgicos. Quando
comparados aos antidepressivos tricíclicos, são menos efetivos em bloquear a recaptação de noradrenalina e
antagonizar receptores muscarínicos, histaminérgicos e adrenérgicos. Podem causar depressão do SNC
e síndrome serotoninérgica quando usados em conjunto ou com outras substâncias que aumentam o
246
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Geralmente essas substâncias apresentam alto índice terapêutico. Doses acima de 10 vezes a dose
terapêutica são mais toleradas se comparadas aos antidepressivos tricíclicos. Porém a associação com
outros medicamentos ou drogas de abuso é frequente e aumenta a probabilidade de intoxicação grave.
Lembrete
Acentuemos essa recordação. Isso ocorre porque a distância entre a dose terapêutica e a tóxica é
longa, o que não quer dizer que essas substâncias não possam ofertar um risco.
F
(a) (b) (c)
CF3 CI
O O NH
N HN CI
O
H O
F
NH2
(d) (e)
N O
F3C N
O
O
N
Nível terapêutico
de sinalização
ATC ou ISRS
Legenda: ATC = antidepressivos tricíclicos
247
Unidade II
Observação
Observação
Sobre as manifestações clínicas, as intoxicações podem ser leves a moderadas, casos em que os
pacientes apresentam ataxia (falta de coordenação em movimentos) e letargia (profunda e prolongada
inconsciência), ou graves, em que os pacientes podem apresentar bradicardia, hipotensão, depressão
do SNC e coma. Há também o risco de síndrome serotoninérgica, quando a quantidade ingerida é alta
ou ocorre ingestão em associação com outras substâncias que aumentam o nível de serotonina, como
outros antidepressivos (iMAO) e drogas de abuso.
O que poderia então se fazer para tratamento de intoxicações por essa categoria? Para adoção de
medidas de tratamento das intoxicações, a maioria dos casos de ingestão de ISRS não desenvolvem
sintomas graves, necessitando apenas de medidas de suporte básico de vida, como desobstrução de vias
aéreas, administração de oxigênio, monitorização de sinais vitais, colheita de amostras biológicas para
248
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
posterior envio ao contexto laboratorial ou ainda descontaminação através de lavagem gástrica com
uso de carvão ativado (1 g/kg por VO – via oral).
Observação
Veja que, para essa categoria de agente, não há antídoto específico e não se recomendam medidas
para eliminação.
Antidepressivos tricíclicos
Veja e compare que esses fármacos apresentam um mecanismo muito parecido com os anteriores
discutidos aqui, porém, com um efeito maior sobre outros neurotransmissores como a NA (em maior
grau) e a DA (em menor grau).
Saiba mais
249
Unidade II
N
H
CH
Fármaco R1 R2
CH2 Amitriptilina - CH3 - CH3
Nortriptilina - CH3 -H
CH2
R1 R2
Na intoxicação, os efeitos mais importantes são no SNC (sedação e coma por atividade anticolinérgica
e convulsões por provável inibição da recaptação de catecolaminas cerebrais) e cardiovasculares
(taquicardia e hipertensão por ação anticolinérgica e inibição da recaptação de catecolaminas,
hipotensão pelo bloqueio alfa-adrenérgico, depressão miocárdica e distúrbios da condução cardíaca por
bloqueio dos canais de sódio).
Da mesma forma que fizemos na categoria anterior, seguem algumas informações rápidas sobre a
farmacocinética desses compostos.
São absorvidos, e o início dos efeitos ocorre após uma hora da exposição, com pico de concentração
plasmática entre duas e oito horas. Possuem um Vd de 7 a 78 l/kg e se ligam em proteínas plasmáticas
> 90% com T½ biológica variando entre sete e 58 horas. A biotransformação é hepática e a eliminação
ocorre pela via renal (70%) e pela via fecal (30%).
Na intoxicação aguda leve podem ocorrer sonolência, sedação, taquicardia, alucinações, midríase e
outros efeitos anticolinérgicos, e em casos de intoxicação grave, convulsões, coma, aumento do intervalo
QRS no eletrocardiograma (ECG), arritmias ventriculares, insuficiência respiratória e hipotensão. Podem
ocorrer arritmias graves levando à parada cardíaca e óbito, mesmo em pacientes jovens.
250
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Benzodiazepínicos
Você sabia que essas substâncias são amplamente utilizadas como indutoras de anestesia em
cirurgias? Pois bem, elas são muito empregadas para esse fim, e até o momento no qual o paciente fica
inconsciente, ele apresenta essa fala pastosa e arrastada.
251
Unidade II
Nas intoxicações graves ocorrem coma com depressão respiratória, hipotensão e hipotermia,
principalmente com o uso endovenoso ou em associação com outros depressores do SNC. Depressão
respiratória pode ocorrer em crianças, mesmo com doses terapêuticas.
A interação entre um benzodiazepínico e álcool pode ser fatal, pela depressão do SNC. Isso ocorre em
detrimento ao aumento do GABA, deprimindo excessivamente o SNC e incorrendo em óbito, dependendo
das quantidades associadas das substâncias.
Nas intoxicações por benzodiazepínicos, existe um antídoto para tratamento, chamado flumazenil
(Lanexat®). O flumazenil liga-se com alta afinidade a locais específicos sobre o receptor GABA-A, onde
antagoniza competitivamente a ligação e os efeitos alostéricos dos benzodiazepínicos. Ele é raramente
utilizado, pois as intoxicações isoladas por benzodiazepínicos geralmente não representam risco de vida.
Portanto, o seu uso é reservado para situações envolvendo sedações iatrogênicas ou intoxicações graves
com depressão respiratória.
Esse flumazenil é contraindicado nas ingestões concomitantes de substâncias que diminuem o limiar
para convulsão, como os antidepressivos tricíclicos, e em usuários crônicos de benzodiazepínicos, que
podem desenvolver síndrome de abstinência, caracterizada por tremores, ansiedade, disforia e, em casos
graves, psicose e convulsões. Dessa forma, raramente indica-se o uso de flumazenil em usuários crônicos
de benzodiazepínicos.
A aspirina, considerada o protótipo dos Aines, foi há até pouco tempo um dos fármacos mais
utilizados sem prescrição no tratamento da inflamação. Atualmente, outros Aines com ação terapêutica
e segurança superior vêm substituindo o papel da aspirina.
À semelhança de outros grupos farmacológicos, os Aines são divididos em várias classes químicas,
denominados seletivo e não seletivo para COX. Em geral, os Aines são representados por ácidos fracos
(exceto a nabumetona) e, com exceção da aspirina, são inibidores reversíveis da COX, sendo que a
duração de ação inibitória depende de suas propriedades farmacocinéticas. Nesse sentido, os Aines
podem ser divididos em fármacos de curta (< 6 h) e longa duração (> 10 h).
Essa família imensa de fármacos apresenta uma correlação muito grande com várias situações
de intoxicação envolvendo adultos e crianças, pois não são fármacos submetidos a controle especial
(exceto com os Aines seletivos), o que passa a contribuir enormemente com casos de episódios tóxicos.
Agora que conhecemos um pouco sobre a importância clínica desses medicamentos, iremos conversar
um pouco sobre as questões toxicológicas de uma forma geral.
• Gastrintestinais: esses efeitos são considerados os mais comuns nas terapias com Aines, embora
não seja ocorrente em todos os pacientes de forma absoluta. Esses efeitos decorrem pela inibição
252
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
das PGs gástricas que têm uma função gastroprotetora. Além disso, como a maioria dos elementos
são ácido fracos, passam a oferecer um efeito lesivo direto na mucosa gástrica. Porém, esses
efeitos podem e são observados mesmo quando se emprega um Aines por via parenteral. Isso
ocorrente em menor escala, porém, presente em algumas situações. Existem relatos de incidência
de 15 a 30% de gastrites úlceras gástricas em usuários regulares, assumindo uma postura ainda
superior em pacientes infectados por Helicobacter pylori, naqueles que consomem álcool, ou
ainda no uso de glicocorticoides. Todos os inibidores seletivos de COX-2 são menos propensos a
oferecerem riscos com relação a lesões gástricas (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015).
• Cardiovascular: os inibidores seletivos de COX-2 foram desenvolvidos para serem mais seguros
com relação a danos gástricos induzidos por Aines, porém, experimentos clínicos induzidos com
celecoxiba, valdecoxiba (suspenso) e rofecoxiba (suspenso) relevam uma incidência de aumento
na ocorrência de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e trombose.
Observação
Observação
• Hipersensibilidade: os sintomas ligados à hipersensibilidade com Aines variam desde uma rinite
até um edema de laringe. A intolerância ao ácido acetilsalicílico representa uma contraindicação
ao tratamento com qualquer Aine, devido à sensibilidade cruzada. O tratamento para tal ocorrência
253
Unidade II
segue o protocolo convencional com a administração de adrenalina com suporte de função dos
órgãos vitais.
• Reações cutâneas: após os antimicrobianos, os Aines são as principais causas de reações cutâneas
a drogas. Essas reações podem incluir urticária, angioedema, eritema multiforme, eritema nodoso,
erupções máculo-papulares, reações de fotossensibilidade, eritema pigmentar fixo e vasculite
leucocitoclástica (VARALDA; MOTTA, 2009).
• Toxicidade renal: a toxicidade renal pelo uso de Aines tem sido muito estudada nos últimos
anos. O espectro de nefrotoxicidade inclui necrose tubular aguda, nefrite intersticial aguda,
glomerulonefrite membranosa, síndrome nefrótica por doença de lesão mínima, necrose de
papila renal, insuficiência renal crônica, retenção hidrossalina, hipertensão arterial sistêmica,
hipercalemia e hipoaldosteronismo hiperreninêmico (MELGAÇO et al., 2010).
Os anti-inflamatórios seletivos afetam menos os indivíduos com função renal normal e afetam de
modo semelhante os pacientes com alterações renais prévias; nestes, a gravidade do quadro é diretamente
proporcional ao tempo de terapia. Estudos clínicos recentes mostram que o papel funcional da COX-2 nos
rins está principalmente associado à manutenção da homeostase hidroeletrolítica, enquanto a COX-1
parece estar mais relacionada à manutenção da filtração glomerular normal (MICHELIN et al., 2006).
Melgaço et al. (2010) retrataram em uma revisão de literatura o uso de Aines com danos renais. O
quadro a seguir resume alguns desses efeitos:
254
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Como tanto a COX-1 como a COX-2 estão presentes nos rins, todas as classes de Aines podem causar,
em maior ou menor grau, lesão nesse órgão. Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a toxicidade renal
estava associada apenas aos inibidores da COX-1, devido à maior quantidade dessa enzima nos rins.
Entretanto, recentemente, foram descritos casos de toxicidade renal associada aos inibidores seletivos
da COX-2, como o celecoxibe (BRICKS; DA SILVA, 2005).
O principal mecanismo de ação dos Aines é a inibição das ciclooxigenases, impedindo, assim, a
síntese de prostaglandinas. Inibindo as COXs, os Aines provocam uma série de efeitos colaterais,
abaixo detalhados:
• Impedem o efeito inibitório das prostaglandinas sobre os linfócitos T, permitindo a ativação dessas
células, com consequente liberação de citocinas pró-inflamatórias.
• Deslocam o ácido araquidônico para a via das lipoxigenases, aumentando a síntese de leucotrienos
pró-inflamatórios.
Os anti-inflamatórios geralmente não constituem um risco significativo aos pacientes com função
renal normal. Contudo, em situações em que a perfusão renal encontra-se diminuída (volume efetivo
circulante reduzido), o que é relativamente comum em pacientes críticos, a inibição do potencial
vasodilatador das prostaglandinas, com o uso do Aines, pode comprometer o fluxo sanguíneo renal e
provocar uma lesão isquêmica no órgão (MELGAÇO et al., 2010).
A prescrição dessa classe de drogas deve ser criteriosa, especialmente para os pacientes considerados
de alto risco para desenvolver lesão renal, como idosos, hipertensos, diabéticos, hipovolêmicos ou aqueles
que fazem uso de diuréticos (MELGAÇO et al., 2010).
Como já discutimos, trata-se de uma classe muito importante na terapêutica, mas que merece uma
atenção especial tanto dos profissionais prescritores como dos farmacêuticos que estão diretamente
ligados ao trabalho nobre da atenção farmacêutica na dispensação desses fármacos, prestando à
população um papel informativo crucial.
255
Unidade II
Teremos agora a oportunidade de falar um pouco melhor e de uma forma mais aprofundada sobre
duas categorias de fármacos pertencentes ao grupo dos Aines, mas que não são empregados como
anti-inflamatórios, mas, sim, como analgésicos e/ou antipiréticos e que estão rotineiramente envolvidos
em ocorrências de intoxicações.
Apesar do grande número de analgésicos aos quais a população tem acesso, apenas dois (salicilatos e
paracetamol) são responsáveis por 11,6% das intoxicações por esse grupo de medicamentos: os salicilatos,
por 8,1% (46 casos), e o paracetamol, por 3,5% (20 casos). Além disso, em casos de intoxicações por esses
analgésicos, o laboratório tem grande importância no diagnóstico e tratamento da intoxicação e no
prognóstico do paciente intoxicado. Por isso, quando se fala em intoxicações por analgésicos, esses são os
mais estudados.
Acompanhe o raciocínio, pois essa substância apresenta mecanismos de ação complexos que
envolvem o centro respiratório e o metabolismo.
São usados amplamente, sistemicamente, como analgésicos (no tratamento de vários tipos de dor,
como enxaqueca, artrite, dismenorreia, nevralgias e mialgias), antipiréticos e anti-inflamatórios, estando
presentes em diversas formulações. Estão presentes também em preparações para uso local, sendo um
exemplo o ácido salicílico, usado para remoção de calos e verrugas e no tratamento de epidermofitoses,
e o salicilato de metila, usado em formulações para dores articulares e musculares.
As intoxicações por salicilatos atingem populações de todas as idades, sendo geralmente acidentais
em crianças e propositais em adultos, nas tentativas de suicídio. Doses de 150 a 300 mg/kg de peso
produzem manifestações tóxicas, e com doses de mais de 300 mg/kg a intoxicação pode ser fatal.
• Toxicocinética
Os salicilatos são substâncias ácidas, bem absorvidas no pH estomacal, que atingem o pico plasmático
em seis horas.
Em doses terapêuticas, tem taxa de ligação a proteínas plasmáticas, em torno de 90%, mas em
doses tóxicas ocorre uma diminuição, podendo o teor de ligação decair para 50%, por saturação das
proteínas plasmáticas.
O ácido acetilsalicílico, por hidrólise, origina o ácido salicílico, que se conjuga principalmente com
a glicina e é excretado na forma de ácido salicilúrico. Em doses tóxicas, ocorre depleção de glicina,
levando a um acúmulo de ácido salicílico.
Dessa forma, todas as alterações de cinética decorrentes de doses tóxicas farão com que ocorra um
aumento da biodisponibilidade e da meia vida biológica, que em doses terapêuticas é de duas a quatro
horas, e em doses tóxicas aumenta para 25 a 30 horas (GOLDFRANK et al., 1994).
A diminuição da pCO2 provocará uma diminuição de ácido carbônico (H2CO3), com consequente
diminuição de H+, ocasionando uma elevação no pH sanguíneo (alcalose respiratória).
Em altas doses, numa segunda fase da intoxicação, os salicilatos produzem efeito depressor
vasomotor, levando a uma depressão respiratória.
Apesar da alcalose (que deixa o salicilato na forma iônica, mais hidrossolúvel), como a dose é alta
e os sistemas de biotransformação estão saturados, a quantidade de salicilato que atravessa a barreira
hematoencefálica é alta o suficiente para produzir depressão respiratória, a qual levará a um aumento
de CO2, com diminuição do pH sanguíneo (acidose respiratória).
Além desses episódios que narramos, outras duas situações podem ser observadas com o uso de
AAS. São elas:
— Síndrome de Reye: devido à possível associação à síndrome de Reye, não se aconselha a usar
salicilatos em crianças e em adultos com idade inferior a 20 anos com febre associada à origem
viral. Trata-se de uma encefalopatia grave com evolução que pode induzir a fatalidade. Ocorre
uma disfunção hepática e infiltração gordurosa no fígado e outras vísceras. O paracetamol não
está associado à incidência de síndrome de Reye, sendo, portanto, o fármaco preferido como
antipirético, em detrimento dos salicilatos.
— Asma induzida por aspirina: a asma induzida por aspirina (AIA) é uma doença inflamatória
das vias aéreas, adquirida, contínua e agressiva, associada à exacerbação da asma e rinite
após ingestão de AAS e da maioria dos Aines. Inicialmente foi descrita por Samter e
denominada tríade de Samter (asma, pólipo nasal e reação à aspirina). Atualmente, a maioria
das investigações clínicas inclui sinusite crônica nessa patologia, sendo também denominada
como asma intolerante à aspirina, asma sensível à aspirina e doença respiratória exacerbada
por aspirina. A AIA é amplamente subdiagnosticada na população asmática, e as razões são
a falta de reconhecimento de reações leves induzidas pelos Aines pelos pacientes e a falta de
conhecimento sobre AIA entre os profissionais da saúde.
Como principal causa, tem-se uma produção de leucotrienos, que são bronquioconstrictores,
ocasionada pela inibição do eixo das COXs, conforme a figura a seguir ilustra:
Fosfolipídeos de membranas
Fosfolipase A2
COX-1/2
15-LO/5-LO/FLAP LTA4
TBX
PGD2 Lipoxina LTA4H LTC4S
PGF2a
PGE2
LTB4 LTC4
LTD4
LTE4
Legenda: AINH: Anti-inflamatórios não hormonais; AA: Ácido araquidônico; COX: Ciclooxigenase;
FA2: Fosfolipase A2; FLAP: Proteína ativadora da 5-LO5-LO: 5-lipoxigenase; 15-LO: 15-lipoxigenase;
LTA, B, C, D: Leucotrieno A, B, C, D; LTA4H: Leucotrieno A4 hidrolase; LTC4S: Leucotrieno C4 sintase LX: Lipoxina;
PGD, E, F: Prostaglandina D, E, F; TBX: Tromboxano
258
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
— Intoxicações leves: ardor na boca, esôfago ou abdome, fraca ou moderada hiperpneia, letargia,
vômitos, diminuição na audição e vertigens.
— Intoxicações severas: severa hiperpneia, coma, convulsões, cianose, oliguria, edema pulmonar
e falência respiratória. Reações severas como rinorreia, constricção dos brônquios e colapso
respiratório ocorrem raramente, mais especialmente em asmáticos, após doses de 0,3 a 1 g.
• Tratamento da intoxicação
— Medidas de suporte:
- Induzir emese.
- Proceder lavagem gástrica, que remove quantidades significativas de salicilato até 12 horas
após a ingestão.
- Administrar carvão ativado, seguido de catártico. O carvão ativado deve ser seriado, para
prevenir a reabsorção do salicilato que tem circulação êntero-hepática.
259
Unidade II
- Manter a urina alcalina, com o uso de bicarbonato de sódio, para deixar o salicilato na
forma iônica mais hidrossolúvel.
Lembrete
Observação
• Exames laboratoriais
A regra fundamental no tratamento da intoxicação é remover o material que ainda não foi absorvido,
limitando a absorção e facilitando sua eliminação. O laboratório de análises toxicológicas auxilia no
monitoramento das concentrações plasmáticas do agente tóxico ainda disponíveis. Entre as análises de
urgência mais requisitadas estão as dos salicilatos e paracetamol (KLAASSEN; WATKINS, 2012).
A intoxicação aguda por salicilatos é uma situação potencialmente fatal e de não tão rara ocorrência.
A demora no diagnóstico de uma intoxicação grave, assim como o atraso na adoção de uma terapêutica
adequada, está associada a uma taxa de mortalidade maior do que nos casos em que o diagnóstico é
mais rápido e os pacientes tratados de forma apropriada.
260
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
O laboratório de toxicologia tem importante papel nas intoxicações por salicilatos, e as análises mais
comuns nesses casos são:
— Cromatografia em camada delgada: usa-se como fase estacionária a sílica gel G; como
sistema solvente utiliza-se clorofórmio acetona (9:1); e o revelador é o cloreto férrico (FeCl3).
A cromatografia em camada delgada pode ser usada para triagem ou para confirmar o
resultado do teste rápido.
— Teste rápido: o íon férrico, reagindo com o grupamento fenólico dos salicilatos, produzirá um
cromóforo de cor violeta ou roxa, que indicará a presença de salicilatos na amostra. Como
pode ocorrer de os resultados darem falso-positivos, devido à presença de outras substâncias
com grupamento fenólico, esse teste é apenas indicativo, e não conclusivo da presença de
salicilatos, devendo, assim, ser confirmado por técnicas mais específicas.
261
Unidade II
Grave Moderada
120
100
90 Leve
80
70
60
Salicemia (mg/dl)
50
Assintomática
40
30
20
10
0 12 24 26 48 60
Horas após a ingestão
Veja o nomograma de Done utilizado para que a clínica saiba em qual nível de intoxicação se
encontra o paciente. A partir disso, é possível se instituírem tratamentos adequados para a intoxicação.
Derivados do p-aminofenol
Os derivados do ácido p-aminofenol exibem ações antitérmica e analgésica, com baixa ou nenhuma
ação anti-inflamatória e uricosúrica por uma ação inibitória não seletiva sobre COX. Compõem essa
classe de fármacos a acetanilida, a acetofenetidina (fenacetina) e seu metabólito acetaminofeno
(paracetamol) (DELUCIA et al., 2014).
262
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
de proteínas nos hepatócitos, causando alteração de membrana, morte celular e degeneração do fígado.
Pode ocorrer dano renal pelo mesmo mecanismo, devido ao metabolismo do CYP renal.
A maior parte dos casos fatais ocorre quando da ingestão de doses maiores que 140 mg/kg de peso.
• Toxicocinética
Lembrete
Você deve se lembrar que esse exemplo sobre a interação com álcool já
foi utilizado anteriormente.
Num primeiro estágio, em 48 horas, ocorrem anorexia, náuseas e vômitos, que são inespecíficos,
daí a importância do diagnóstico laboratorial. A seguir, ocorrem aumento de ALT, AST e de bilirrubina,
devido à lesão hepática.
A intoxicação pode ser fatal em até quatro dias se o indivíduo não for tratado.
263
Unidade II
• Tratamento da intoxicação
— Diminuição da absorção:
- Induzir emese.
— Administração de antídotos.
Ocorre lesão hepática grave em 90% dos casos em pacientes, tornando o carvão ativado o melhor
método de descontaminação oral, desde que a administração tenha sido feita em até quatro horas.
• Exames laboratoriais
— Além dos exames toxicológicos, devem ser realizadas dosagens de ALT, AST e bilirrubina.
264
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Conjugação(40-67%)
NAC2
Cisteína e conjugados do
NAPQI Glutationa ácido mercaptopurínico
NAC3
Figura 129 – Vias de biotransformação do paracetamol e proteção feita pela NAC (N-acetilcisteína)
— NAC4: melhora a função de múltiplos órgãos durante a lesão hepática e possivelmente limita
a extensão do dano hepático.
Assim como ocorre na intoxicação por salicilatos, para que o tratamento seja efetivo, confronta-se
o que obteve em laboratório (concentração plasmática) com o nomograma de Rumack-Mattew (veja a
figura a seguir), para avaliação da severidade da intoxicação e a administração de antídoto.
265
Unidade II
4 6 8 10 12 14 16
2000 300
1800 250
1600 Alto risco, tratar
1400 200
1200 175
1000 150
800 125
700
Paracetamol (micromol/L)
100
600
Paracetamol (mg/L)
500 80
400 60
Provável 50
300 risco
Fatores de risco 40
250 presentes
200 30
4 6 8 10 12 14 16
Tempo decorrido desde a exposição
Nas intoxicações, temos várias síndromes que passam a ser agrupadas segundo seus agentes
causadores e sintomas. Falaremos, portanto, sobre algumas dessas síndromes, e a importância que elas
passam a ter para o manejo de tratamento das diferentes intoxicações. Segundo o Manual de Toxicologia
Clínica do estado de São Paulo (HERNANDEZ; RODRIGUES; TORRES 2017) e Schvartsman e Schvartsman
(1999), a toxíndrome ou síndrome tóxica pode ser definida como um complexo de sinais e sintomas
produzido por doses tóxicas de substâncias químicas que, apesar de diferentes, têm um efeito mais ou
menos semelhante.
Na história, quando o tóxico for conhecido, deve-se fazer uma estimativa da quantidade em contato
com o organismo, do tempo decorrido desde o acidente até o atendimento, da sintomatologia inicial, do
tipo de socorro domiciliar e dos antecedentes médicos importantes. Quando o tóxico for desconhecido,
266
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
são dados suspeitos: início agudo da sintomatologia, idade entre 1 e 5 anos, pica, problemas domésticos,
estado mental alterado, quadro clínico estranho ou complexo, excesso de medicamentos no domicílio e
informações dos parentes ou dos companheiros.
O exame físico deve detalhar, além dos sinais usuais, características da pele e das mucosas
(temperatura, coloração, odor, hidratação), do hálito, da boca (lesões corrosivas, odor, hidratação), dos
olhos (conjuntiva, pupila, movimentos extraoculares), do sistema nervoso central (nível de consciência,
escala do coma, estado neuromuscular), do sistema cardiocirculatório (frequência e ritmo cardíaco,
pressão arterial, perfusão) e do sistema respiratório (frequência, movimentos respiratórios, ausculta).
Uma intoxicação suspeita ou confirmada deverá ser tratada como uma situação clínica
potencialmente grave, pois mesmo pacientes que não apresentam sintomas inicialmente podem
evoluir mal. Dessa forma, a abordagem inicial deve ser feita de forma rápida e criteriosa. Neste tópico
faremos um estudo sobre os princípios e condutas básicas para o atendimento de um paciente com
suspeita de intoxicação. Vamos juntos nessa?
Nas intoxicações, de uma forma geral, existem os procedimentos gerais, para a manutenção e
estabilização do paciente, e as medidas específicas, que são dependentes do agente causador e exigem
uma conduta.
• estabilização;
• descontaminação;
• administração de antídotos;
• tratamento sintomático.
Tais etapas, embora aplicáveis e aceitas pela maioria dos autores e clínicos, apresentam, dependendo
do local, controvérsias que às vezes causam conflito nas informações acerca da sua prática ou não.
• sinais vitais;
• oximetria de pulso;
Também deve-se:
• obter acesso venoso calibroso (nesse momento, podem ser coletadas amostras para exames
toxicológicos).
Observação
269
Unidade II
• Condições respiratórias: distúrbios que representam risco de vida e que exigem atenção imediata;
incluem obstrução das vias aéreas, apneia, bradipneia ou taquipneia intensa, edema pulmonar e
insuficiência respiratória aguda.
Observe que, quando as condições permitirem, a avaliação poderá ser ampliada incluindo outros
dados, tais como pele e anexos, temperatura, estado de hidratação, entre outras.
Utiliza-se a estratégia dos 5 Ws para se obterem os dados relacionados ao paciente (Who? – Quem?),
à substância utilizada (What? – O quê?), horário da exposição (When? – Quando?), local da ocorrência
(Where? – Onde?) e motivo da exposição (Why? – Por quê?).
Veja que, nas emergências, muitas informações podem ser distorcidas ou omitidas, principalmente
quando há tentativas de suicídio ou homicídio envolvidas, uso de drogas ilícitas, abortamento ou
maus-tratos. Dessa forma, sugere-se uma conduta geral em situações dessa ordem, para que os vieses
sejam os menores possíveis e a identificação do agente tóxico seja a mais precisa possível.
Observe algumas condutas que separamos como sendo de importância para um manejo clínico:
• Agente tóxico: procurar saber qual foi a substância utilizada e a quantidade. Sempre que possível,
deve-se solicitar para os acompanhantes trazerem os frascos ou embalagens e questionar se pode
ser um produto clandestino.
• Tempo: verificar qual foi o horário da exposição e por quanto tempo a substância foi utilizada,
nos casos de exposições repetidas. Também deve-se questionar se houve algum sintoma prévio
à exposição.
270
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
• Local: saber onde ocorreu a exposição e se foram encontrados frascos, embalagens, seringas ou
cartelas de comprimidos próximos ao paciente. É necessário, ainda, verificar quais medicamentos
são utilizados pelos familiares ou pelas pessoas onde o indivíduo foi encontrado. Também é útil
saber se foi encontrada alguma carta ou nota de despedida em casos de tentativa de suicídio.
É importante que o exame físico do paciente seja realizado verificando os principais sinais e sintomas
descritos a seguir:
• Odores característicos: são exemplos hálito etílico (uso de álcool) e odor de alho
(organofosforados).
Esses sinais e sintomas descritos, quando agrupados, podem caracterizar uma determinada
síndrome tóxica.
Lembrete
271
Unidade II
5.2.3.4 Tratamento
5.2.3.4.1 Descontaminação
Esse procedimento visa à remoção do agente tóxico com o intuito de diminuir a sua absorção.
Durante o procedimento, a equipe de atendimento deverá tomar as precauções para se proteger da
exposição ao agente tóxico.
• Cutânea: retirar roupas impregnadas com o agente tóxico e lavar a superfície exposta com água
em abundância.
• Ocular: instilar uma ou duas gotas de colírio anestésico no olho afetado e proceder a lavagem com
SF 0,9% ou água filtrada, sempre da região medial do olho para a região externa, com as pálpebras
abertas durante pelo menos cinco minutos. É necessário solicitar avaliação oftalmológica.
Descontaminação gastrintestinal
272
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
• nos casos envolvendo agentes que diminuam o trânsito intestinal (anticolinérgicos, fenobarbital,
etc.) ou de substâncias de liberação prolongada, a indicação da descontaminação pode ser
mais tardia.
• Lavagem gástrica (LG): consiste na infusão e posterior aspiração de soro fisiológico a 0,9%
(SF 0,9%) através de sonda nasogástrica ou orogástrica, com o objetivo de retirar a substância
ingerida. Deve-se sempre avaliar criteriosamente a relação risco x benefício antes de iniciar o
procedimento, pois há grande risco de aspiração.
— Deve-se utilizar sonda de grande calibre (adultos, calibre de 18 a 22; crianças, de 10 a 14),
mantendo o paciente em decúbito lateral esquerdo para facilitar a retirada do agente tóxico e
diminuir a velocidade do esvaziamento gástrico para o intestino.
• Carvão ativado (CA): é um pó obtido da pirólise de material orgânico, com partículas porosas com
alto poder adsorvente do agente tóxico, que previne a sua absorção pelo organismo. Geralmente
é utilizado após a LG, mas pode ser utilizado como medida única de descontaminação GI. Nesses
casos, a administração pode ser por via oral sem necessidade da passagem de sonda nasogástrica.
Na maioria das vezes deverá ser utilizado em dose única, porém pode ser administrado em
doses múltiplas como medida de eliminação, em exposições a agentes de ação prolongada ou
com circulação entero-hepática, como fenobarbital, carbamazepina, dapsona, clorpropramida,
entre outros.
- Pacientes que ingeriram cáusticos ou solventes ou que estão com obstrução intestinal.
- Pacientes intoxicados com substâncias que não são efetivamente adsorvidas pelo carvão,
como os ácidos, álcalis, álcoois, cianeto e metais como lítio, ferro, entre outros.
273
Unidade II
Lavagem intestinal
Anamnese
Suspeita de intoxicação
Suspeita de Triagem
intoxicação
274
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Intoxicações exógenas definem-se como as consequências clínicas que uma substância química
pode desencadear, entre elas o medicamento. A toxicologia clínica representa a parte médica voltada
ao tratamento do paciente exposto ao agente tóxico, com a finalidade de prevenir e diagnosticar a
intoxicação ou aplicar, se necessário, uma medida terapêutica específica para seu tratamento.
Lembrete
Na fase clínica, o médico passa a ter acesso aos sintomas do paciente intoxicado ou mesmo a
algumas alterações laboratoriais que esses agentes tóxicos possam induzir, lembrando que uma mesma
substância pode induzir a um quadro tóxico vários órgãos em um mesmo momento ou em momentos
distintos, e um único órgão pode ser atingido por várias substâncias diferentes.
• Efeitos imediatos ou agudos: aparecem imediatamente após uma exposição aguda, ou seja,
exposição única ou que ocorre, no máximo, em 24 horas. Em geral são efeitos intensamente
graves, e a evolução pode levar o paciente à morte ou causar lesões persistentes.
• Efeitos crônicos: são aqueles que surgem de uma exposição crônica, ou seja, exposição a
pequenas doses, durante vários meses ou anos.
• Efeitos retardados: são aqueles que só ocorrem após um período de latência, mesmo quando
já não mais existe a exposição. Exemplo: efeitos carcinogênicos que têm uma latência de
20 a 30 anos. Esses efeitos podem advir de uma exposição aguda ou crônica e são dependentes
do agente tóxico, da dose exposta e das condições de exposição.
Não se pode confundir efeitos agudos e crônicos com exposição aguda e crônica, pois através de uma
exposição aguda é possível se ter um efeito crônico, dependendo, como já mencionado, da substância,
da sua dose e das condições às quais ela foi exposta.
Cada classe ou cada medicamento dentro de uma classe exige uma conduta específica com relação aos
tratamentos, ou aplicação quando possível e pertinente de antídotos, para se contraporem aos efeitos
nocivos dos medicamentos. Destaca-se nesse contexto a importância do laboratório de toxicologia,
que muitos hospitais (principalmente os de grande porte) possuem, os quais têm a incumbência de
identificar os medicamentos e as suas classes nas mais variadas matrizes biológicas.
Observação
Convém notar que os resultados das análises toxicológicas de urgência são importantes
por permitirem:
• um diagnóstico preciso de uma intoxicação ou até mesmo a sua exclusão, permitindo até uma
reavaliação clínica;
• a identificação do agente tóxico que irá auxiliar o clínico no uso de uma terapêutica mais específica
e adequada ao paciente;
• a monitorização das intoxicações graves (falaremos melhor com você a seguir sobre monitorização
terapêutica), como aquelas causadas por ferro e metanol;
Aqui fazemos um destaque ao papel relevante do analista toxicologista, pois, além da capacidade
de realizar as análises propriamente ditas, apresenta plenas condições da interpretação dos resultados.
Observação
Dos milhares de agentes capazes de provocar intoxicação, um laboratório tem habilidade para
detectar somente cerca de um décimo desse total e de quantificar dezenas deles nas diversas matrizes
biológicas disponíveis.
Um dos instrumentos mais valiosos de que se dispõe para assegurar uma terapia com máxima
eficácia e efeitos tóxicos mínimos, em casos de tratamentos prolongados, é a monitorização terapêutica.
Dessa forma, torna-se possível, ao prescrever uma dose, medir sua concentração no local de ação e,
consequentemente, prever a intensidade do efeito.
Observação
A TDM é uma prática instituída para um pequeno número de fármacos, para os quais há uma
relação direta entre a sua concentração e o efeito farmacológico no local de ação, o que por sua vez
se reflete de forma previsível na resposta. Para esses fármacos está descrita uma margem estreita de
concentrações, acima das quais se observa toxicidade e, abaixo, ineficácia. Tratando-se de um intervalo
de confiança, a noção de margem terapêutica é um conceito probabilístico que representa uma gama de
concentrações do fármaco para as quais existe uma probabilidade relativamente elevada de obter
a resposta clínica desejada e uma probabilidade relativamente baixa de se observar uma toxicidade
inaceitável. No entanto, alguns doentes respondem abaixo da margem terapêutica, enquanto outros
necessitam de concentrações acima dela. De igual modo, há doentes que manifestam reações tóxicas
com concentrações dentro da margem terapêutica (SCHUMACHER, 1995).
A TDM é uma área de farmacocinética clínica que visa a individualização posológica e a otimização
dos tratamentos farmacológicos, com o objetivo de alcançar a máxima eficácia terapêutica com a
mínima incidência de efeitos adversos. Foi proposta pela primeira vez em 1950, aplicada ao tratamento
de arritmias cardíacas com quinidina. A sua utilização vulgarizou-se desde a segunda metade da década
de 1960, com a evolução das técnicas analíticas e dos fundamentos farmacocinéticos da ação dos
fármacos. Atualmente, a melhoria dos cuidados de saúde cria situações clínicas complexas, que tornam
a TDM relevante na decisão e gestão terapêutica (MARTIN et al., 2012).
• Critérios clínicos: consiste na necessidade de existir uma margem terapêutica bem definida e o
conhecimento dos fatores que alteram o comportamento farmacocinético do fármaco, de forma
a permitir a correta interpretação das concentrações.
Alguns fatores que alteram a farmacocinética dos fármacos podem também contribuir para a
necessidade da execução da TDM (BURTON et al., 2006), entre os quais: variabilidade inter e intraindividual,
estados patológicos, fatores genéticos, interações medicamentosas e alterações na distribuição dos
medicamentos na obesidade, gravidez ou mesmo com a permeabilidade da barreira hematoencefálica
(SCHUMACHER, 1995).
Não há necessidade e nem exigência clínica para se executar monitorização terapêutica para todos os
fármacos, destacando-se algumas classes como antibióticos (gentamicina, tobramicina), antiepilépticos
(carbamazepina, fenobarbital), lítio, digoxina, imunossupressores (ciclosporina) e antidepressivos
(amitriptilina, imipramina).
Assim como não há uma exigência para todos os fármacos, também não se faz necessário executar a
monitorização para todos os pacientes. As exigências são maiores para alguns grupos, como as crianças
(recém-nascidos), os idosos, os politraumatizados e os doentes, que, por sua condição diferenciada,
exigem um acompanhamento mais rigoroso da terapêutica, para se otimizarem os efeitos e reduzirem
as reações adversas. Além disso, a TDM aplica-se muito bem a pacientes refratários a medicamentos,
como os antipsicóticos.
5.2.4.2 Antídotos
Como o nosso objetivo inicial não é o de fornecer especificamente condutas e tratamentos acerca dos
medicamentos envolvidos nas intoxicações, trazemos aqui informações gerais sobre o uso de antídotos.
279
Unidade II
Ressaltamos que para cada substância pode haver uma conduta e que tais condutas serão
apropriadas e aplicáveis dependendo dos níveis plasmáticos dos medicamentos no meio sistêmico,
sendo essa tarefa de fundamental importância na toxicologia analítica, ou seja, a partir da descoberta
do agente causador da intoxicação (qual medicamento), é possível quantificá-lo e correlacionar esses
níveis plasmáticos com valores de faixa terapêutica de normalidade (MANUAL, 2017).
Os antídotos são substâncias que agem no organismo, atenuando ou neutralizando ações ou efeitos
de outras substâncias químicas. A administração desses medicamentos não é a primeira conduta a ser
tomada na maioria das situações. A maior parte das intoxicações pode ser tratada apenas com medidas
de suporte e com tratamentos sintomáticos. Entretanto, algumas situações exigem a administração de
antídotos e, às vezes, de medicamentos específicos. A disponibilidade dessas substâncias é estratégica
do ponto de vista de saúde pública. Devem estar disponíveis seja para uso imediato, no primeiro
atendimento, em ambulâncias ou nas unidades de emergência, seja em poucas horas para uso hospitalar
ou em serviços de referência.
Apresentaremos aqui algumas medidas que podem ser empregadas para reduzir a intoxicação e logo
a seguir falaremos sobre os antídotos propriamente ditos.
Medidas de eliminação
São utilizadas para potencializar a eliminação do agente tóxico. As principais medidas utilizadas são:
280
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Poderíamos aqui dispor de inúmeras tabelas contendo antígenos empregados, mas preferimos
elencar alguns destes que comprovadamente demonstram efetividade clínica (SCHVARTSMAN;
SCHVARTSMAN, 1999).
• Atropina: é um antagonista dos estímulos colinérgicos nos receptores muscarínicos com pouco
efeito nos nicotínicos. Sua principal indicação, sobre a qual existem evidências suficientes, é o
tratamento da intoxicação por inseticidas organofosforados e carbamatos. As doses usuais para
crianças são de 0,01 a 0,05 mg/kg, preferencialmente por via intravenosa, repetidas em intervalos
de minutos até a melhora do quadro clínico ou o aparecimento de sinais de intoxicação atropínica.
• Azul de metileno: medicamento que age como transportador de elétrons, ativando a via da
hexose monofosfato eritrocitária, na qual a G-6-PD (glicose 6-fosfato desidrogenase) é enzima
básica, permitindo a redução da metemoglobina em hemoglobina. É indicado no tratamento das
metemoglobinemias tóxicas, particularmente as induzidas por derivados da anilina e nitritos. Em
indivíduos com deficiência de G-6-PD, seus efeitos são menos evidentes.
• BAL ou dimercaprol: é um quelante cujos grupos sulfidrila competem com os das enzimas
teciduais na ligação com metais pesados. Existem evidências suficientes demonstrando sua eficácia
no tratamento da intoxicação por arsênico e ouro e na encefalopatia saturnina (juntamente com
o EDTA). Como é um medicamento de difícil manuseio, que somente pode ser aplicado por via
intramuscular em injeção muito dolorosa, apresentando além disso importantes efeitos colaterais,
há atualmente uma tendência para uso de outras alternativas.
• Deferoxamina: é um agente quelante com especial afinidade pelo ferro, com o qual forma um
complexo hidrossolúvel rapidamente eliminado. Pode ser usado na intoxicação aguda, mas é mais
indicado no tratamento da sobrecarga crônica de ferro. As doses devem ser individualizadas,
utilizando-se genericamente 75 mg/kg/dia, por via intramuscular ou intravenosa.
281
Unidade II
dose usualmente recomendada para crianças é de 5 a 10 mg, por via oral, repetida várias vezes
por dia. Por via intramuscular, a dose costuma ser de 1 a 5 mg.
Tratamentos sintomáticos
Veja que, além dos antídotos, é possível se empregar substâncias como tratamentos sintomáticos,
que atenuam os episódios e sintomas agudos.
• Tratamento da crise alérgica: prometazina, disponível para uso oral e parenteral, deve ser usada
na dose de 0,5 mg/kg. Ciproeptadina, 0,25 mg/kg/d, por via oral, pode ser usada como alternativa.
Nos casos mais graves, recomenda-se epinefrina 1:1000, na dose de 0,01 ml/kg, por via subcutânea,
repetida se necessário, até três vezes, e cortiscosteroides, como hidrocortisona ou dexametasona.
• Tratamento da dor: o tipo de analgésico depende de sua intensidade. Na leve ou moderada, são
recomendados acetaminofeno, ácido acetilsalicílico ou dipirona. Dores intensas podem exigir
analgésicos narcóticos, particularmente morfina, na dose de 0,2 mg/kg para crianças e 5 a 20 mg
para adultos, por via subcutânea, intramuscular e, se necessário, intravenosa; codeína, 0,3 a 0,5 mg/kg
para crianças e 15 a 60 mg para adultos, por via oral ou parenteral. Alguns casos (picada de animais
peçonhentos, por exemplo) podem exigir anestesia local ou bloqueio anestésico.
6 TOXICOLOGIA SOCIAL
Segundo Oga, Camargo e Batistuzzo (2003), a toxicologia social é a área da toxicologia que estuda
os efeitos nocivos decorrentes do uso não médico de fármacos ou drogas, causando danos não somente
ao indivíduo, mas também à sociedade.
Você deve se lembrar, inclusive de outras disciplinas, que por fármaco entende-se uma substância de
estrutura química definida e que quando em contato ou introduzida em um organismo vivo, consegue
modificar uma ou mais funções, e que possuem um emprego benéfico; já droga é a matéria-prima
de origem mineral, vegetal ou animal que contém um ou mais fármacos. A partir desses conceitos,
entendemos que a lidocaína e benzocaína (importantes anestésicos) representam fármacos e que as
folhas de Erythroxylon coca (folhas de coca) representam droga.
283
Unidade II
Observação
Atualmente, entretanto, a primeira ideia que a palavra droga implica é a do uso ilícito, sendo este
um problema social marcante na nossa sociedade e que obriga governos do mundo a gastarem valores
extremamente expressivos em virtude da dependência a várias drogas e substâncias ilícitas como
maconha, cocaína, crack, anfetaminas, entre outras. Além disso, existem gastos com consequências
médicas referentes ao uso dessas substâncias, perda de emprego, crimes e acidentes diretamente
ligados ao seu uso.
Você não deve deixar de considerar que muitas substâncias lícitas, como álcool, nicotina (cigarro) e
cafeína (café), além de serem largamente consumidas em muitos países, às vezes acabam por implicar
efeitos tão deletérios como as substâncias ilícitas.
Apenas para ilustrarmos o quanto o aspecto cultural é decisivo para classificar uma substância como
lícita ou não, um exemplo que você pode observar é o Marrocos, país islâmico que segue o que disse
o Profeta aos seus seguidores: que se abstivessem de libações (ato ou efeito de beber), bem como de
tudo o que nubla, ou seja, deturpa a mente. A história dos muçulmanos com o álcool se desenvolveu em
vários relacionamentos, e o Marrocos não é uma exceção, pois trata-se de um país onde, entre os bons
muçulmanos, vivem e descansam muitos europeus com suas ricas tradições alcoólicas. Ou seja, o país
não apresenta um relacionamento com as bebidas embriagantes de forma lícita, como ocorre na Europa
e em muitos países do mundo, entre os quais o Brasil.
Outro exemplo que podemos usar é um país próximo do Brasil, o Uruguai, onde o uso e cultivo
da Cannabis é estipulado como legal tanto de forma recreacional como medicinal. O mesmo
ocorre no Canadá.
Observação
Neste início de tópico é importante que você se familiarize com algumas terminologias que serão
extremamente úteis para que possamos dar sequência e para que você siga uma linha de raciocínio
bem aplicada.
Entende-se como uso não médico de alguma substância a exposição a uma droga ou fármaco
pelo uso ocasional, frequente ou mesmo compulsivo, aceitos ou não pelos padrões de uma sociedade,
284
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
enquanto uso abusivo representa o uso de uma droga ou fármaco, geralmente por autoadministração,
de forma tal que se desvie de padrões médicos e ou socioculturais.
Observação
6.1 Farmacodependência
Depois de entendermos um pouco melhor alguns conceitos iniciais, falaremos sobre o fenômeno da
farmacodependência.
Antes de prosseguirmos, é muito importante que você entenda bem o que significa e a
representatividade do que seja reforço.
Observação
285
Unidade II
Pois bem, a farmacodependência não é uma condição do tipo tudo ou nada. Há graus variáveis de
dependência, que vão desde o grau mais leve até o mais intenso. Especificamente nos casos mais intensos,
onde há um interesse médico e legal, empregam-se termos de literatura inglesa, como addiction.
Em língua portuguesa, empregávamos o termo vício para designarmos uma dependência extrema,
porém, esse termo adquiriu um sentido pejorativo e foi eliminado do vocabulário técnico. Embora não
tenhamos um vocábulo equivalente a addiction, temos na língua portuguesa o termo adicto, que
significa aficionado. Na verdade, o adicto vive uma condição em que as atividades relacionadas com a
droga, como a aquisição, a administração, a experimentação dos seus efeitos e a condição de suportar os
efeitos negativos quando deixa de usá-la, assumem uma superioridade sobre todas as outras atividades,
embora haja muitas consequências adversas que esse uso possa lhe acarretar. Ocorre, portanto, uma
completa perda do controle voluntário da autoadministração da droga ou substância.
É importante frisar que o uso de uma droga psicoativa não leva necessariamente à dependência. Há
uma grande maioria de pessoas que conseguem controlar o uso dessas substâncias.
Observação
Outra coisa muito importante sobre a farmacodependência é o fato de que ela não se instala de
um momento para outro: há diversas fases entre o início do uso até a dependência propriamente
dita e extrema. Para tal, há uma dependência da substância (droga) e também uma dependência do
indivíduo, sendo necessário um conhecimento sobre ela para que consigamos determinar em que fase
ela se encontra.
Saiba que os mecanismos neurobiológicos subjacentes, bem como o prognóstico, podem ser
diferentes em cada uma das fases.
É importante frisarmos que a aquisição da dependência se dá, em geral, com um dado tipo de droga,
mas há a tendência de expansão para outros tipos de substâncias. A primeira droga, geralmente, é o
tabaco, o álcool ou até mesmo inalantes, seguida da maconha, de substâncias sedativo-hipnóticas,
286
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
psicoestimulantes e, finalmente, opioides. Claro que essa sequência não é fixa, sendo ela passível das
mais variadas formas, dependendo de disponibilidade, custo, aprovação no subgrupo social e até
personalidade do usuário.
Observação
Em algumas situações, uma droga é empregada para contrabalancear os efeitos negativos de outra.
Observação
Lembrete
No reforço positivo, o organismo age para obter diretamente uma recompensa, que gera prazer. Isso
não é válido apenas para drogas ou fármacos: também aplicamos isso ao nosso dia a dia, por exemplo,
no prazer que temos quando ingerimos água.
Já no reforço negativo, o organismo age para evitar um mal-estar ou dor. Na falta da substância,
ocorrem os sintomas de abstinência, sensações desagradáveis que levam o indivíduo a repetir o uso da
droga para aliviar esses sintomas.
Veja na figura a seguir a relação entre o reforço positivo e o negativo com as suas respectivas
características. Note que no reforço negativo o comportamento de busca ocorre em detrimento
de um sinal de abstinência (falta provocada pela retirada da substância) e que no reforço positivo
287
Unidade II
Uso de drogas
Comportamento de busca
Síndrome de
Efeitos prazerosos abstinência
Trataremos agora sobre os dois pontos importantes ligados a esse potencial de indução à
farmacodependência.
Velocidade de reforço
Quanto mais rapidamente um fármaco produzir os seus efeitos reforçadores, maiores serão as
chances de originar um comportamento de consumo repetido em comparação com outro fármaco que
apresente um início lento de ação.
Observação
Algo parecido observamos em usuários que continuam a utilizar uma substância mesmo sabendo que
ela poderia lhe causar sérios e graves prejuízos. Isso porque os efeitos prazerosos ocorrem geralmente a
curto prazo, reforçando o comportamento de autoadministração, enquanto as consequências danosas
são de ocorrência tardia para terem um efeito punitivo sobre o comportamento.
288
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Você deverá considerar de forma muito enfática um fator que é muito importante sobre a velocidade
de reforço, que é a escolha da via de administração, pois de acordo com a via de uso é possível se
alcançar um tipo de efeito em um determinado tempo com uma intensidade relacionada.
Observação
Intensidade de reforço
O estudo da autoadministração de fármacos ou drogas pela via intravenosa torna-se útil para
investigar os efeitos farmacológicos agradáveis decorrentes da ação de uma substância nos centros de
recompensa do cérebro, que condicionam sua autoadministração contínua (reforço primário).
No experimento demonstrado pela tabela a seguir, observe que os estimulantes centrais como a
cocaína e as anfetaminas são as substâncias mais potentes entre as avaliadas, seguidas da morfina e
da heroína. Um animal de laboratório consegue pressionar uma alavanca como essa até a morte, em
detrimento do estímulo provocado pelo pressionar da alavanca.
289
Unidade II
Nos dois exemplos que demonstramos, você deve ter percebido que a nicotina não pode ser avaliada
nesse tipo de experimento, pois outros efeitos diretos do fármaco, que não estão relacionados ao reforço,
também afetam a frequência em que o animal pressiona a alavanca.
Tais evidências sobre a relação entre o pressionar da alavanca e a dependência indicam que as drogas
geradoras de farmacodependência têm propriedades parecidas a reforçadores positivos naturais, como
alimento e sexo. Assim, verifica-se que as drogas dotadas de maior potencial de produzir dependência
são aquelas cujo acesso ao SNC é rápido. Em grande parte, essa rapidez dos efeitos centrais depende da
via de administração, em que a inalação gera picos de concentrações da droga no SNC mais rapidamente
do que outras vias. Explica-se com isso o enorme potencial de dependência do cigarro em relação à
nicotina, bem como do crack em relação à cocaína. Logo após a via inalatória, temos a via intravenosa,
seguida da aspiração nasal e da ingestão oral.
Fazemos menção aqui também a outro fator muito importante, que é a duração da ação da
substância. Quando esta é curta, requer repetição frequente para restabelecer o efeito desejado,
fortalecendo assim o condicionamento. Isso ocorre, inclusive, com compostos que pertencem à mesma
classe: aqueles que oferecem curta duração geram mais facilmente dependência em comparação com
aqueles que oferecem uma duração prolongada.
Observação
James Olds, na década de 1950, fez um mapeamento do cérebro do rato, evidenciando zonas de
recompensa. Ele identificou que, pela estimulação de áreas específicas cerebrais, há uma recompensa,
como aquelas que temos naturalmente, como ingestão de água e alimento ou sexo, conforme já
citamos há pouco.
290
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Em oposição a isso, Olds observou que a estimulação de outras zonas do cérebro desencadeava
um comportamento defensivo, como a luta ou a fuga, não se observando uma estimulação, portanto,
repetida. Muito pelo contrário: o animal aprendia a desligar a estimulação quando era acionada pelo
experimentador. Essas regiões, com efeitos opostos à anterior que você viu agora conosco, foram
caracterizadas como zonas aversivas ou zonas de punição.
Além de Olds, outros autores da literatura especializada verificaram que a estimulação elétrica de
regiões nas zonas de recompensa cerebrais induzia a sensações de prazer, enquanto a estimulação das
zonas de punição ou aversivas provocava sensações muito intensas de medo, pavor mortal ou sofrimento.
Segundo Oga, Camargo e Batistuzzo (2003), os fármacos e drogas que causam dependência exercem
seus efeitos reforçadores atuando sobre um conjunto de regiões cerebrais que estão interligadas entre
si por diversos sistemas de neurotransmissores, recebendo o nome de via ou sistema de recompensa.
A distribuição anatômica do sistema de recompensa cerebral ainda não foi totalmente desvendada,
mas é objeto de muito estudos atuais sobre comportamento.
“Ectasy“
Opioides, álcool
CF (síndrome de retirada)
Hipoc
MCP
PD
NR LC
NAc ATV
PV
HIP
Cocaína, anfetamina,
opióides, nicotina, etanol,
benzodiazepínicos (?) Opioides, sensibilização
(recompensa e síndrome de Benzodiazepínicos, etanol a psicoestimulantes,
retirada) (melhora da ansiedade) nicotina, THC, etanol
Figura 133 – Via dopaminérgica mesolímbica (da área tegmental ventral ao núcleo accumbens),
considerada uma via “comum” a muitas drogas que causam dependência
291
Unidade II
Pelo que você pode observar na figura anterior, nenhuma categoria de fármacos ou drogas age
exclusivamente no sistema mesolímbico, e diferentes classes de agentes farmacológicos ativam o
sistema dopaminérgico por diferentes mecanismos.
Assim, a maioria dos fármacos e drogas psicoativos também podem apresentar alguns efeitos
desagradáveis e até de punição, chamados de aversivos, ainda que sejam utilizados em uma dosagem
que produza reforço. A intensidade desse reforço em determinado indivíduo depende, portanto, de um
equilíbrio entre os efeitos reforçadores (prazerosos) e aqueles punitivos.
Para a avaliação do potencial de abuso de uma substância, é preciso se considerar o reforço primário
(mencionado anteriormente), que é principalmente relacionado à velocidade e intensidade do efeito,
assim como o reforço secundário, que passa a ser composto pela neuroadaptação, pela tolerância
metabólica, pela taquifilaxia e pelo fenômeno ou preferência condicionada por lugar. Para tentar
esclarecer melhor esses elementos, falaremos agora sobre cada um deles de uma forma generalizada.
6.1.3.1 Neuroadaptação
A neuroadaptação representa uma alteração no SNC devida à presença de uma droga ou fármaco
que, após uma exposição única ou repetida, passa a se manifestar pelo aparecimento de transtornos
físicos de alta intensidade quando se interrompe o uso, o que se classifica como síndrome de abstinência
(representada por efeitos opostos àqueles ocorrentes pela substância, que se dão quando se está sem
usar a droga) ou ainda pela resposta reduzida para uma mesma concentração no local da ação, fenômeno
este conhecido como tolerância farmacodinâmica.
Observação
Alguns conceitos são importantes quando falamos de toxicologia social: dislépticas (modificadoras,
alucinógenas), lépticas (depressoras), analépticas (estimulantes) e psicolépticas (sedativos, calmantes).
292
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Para uma melhor compreensão, vamos dividir as drogas de abuso em três grupos: depressoras,
estimulantes e despersonalizantes.
A) B) C)
Benzodiazepínicos:
Anfetamina: Euforizantes:
- Tranquilizantes
- Inibidores do apetite - Cocaína
- Indutores do sono
Nicotina: Deprimentes:
Barbitúricos:
Despersonalizantes
- Cigarro - Álcool
Estimulantes
Depressoras
- Anestésicos
Cafeína: - Inalantes
- Sedativos
- Café Alucinantes:
- Anticonvulsivantes
- Chá - Maconha
Ópio e derivados:
Efedrina: - Haxixe
- Morfina
- Descongestionante - Cogumelo
- Heroína
Atropina - LSD
- Codeína
Figura 134 – Drogas de abuso depressoras, estimulantes e despersonalizantes: A) Papoula; B) Café; C) Cannabis sativa
6.1.4.1 Tabaco
Dados epidemiológicos
De acordo com o Inca, o percentual de adultos fumantes no Brasil tem reduzido nos últimos anos
devido às políticas nacionais de controle do tabaco. No período de 1989 a 2010, a queda foi de 46%. No
Brasil, em 1989, cerca de 35% da população acima de 18 anos era fumante, já em 2013 o percentual
reduziu para 15%. E, de acordo com dados da OMS, a prevalência de fumantes no mundo em 2010
variava de 12,4% a 29% dependendo da região. Em relação ao sexo, os homens fumam mais que as
mulheres. Em relação à mortalidade, dados apontam que no ano de 2015, 156.216 pessoas morreram
em decorrência de complicações causadas pelo tabagismo, o que corresponde a 428 mortes ao dia.
Esse valor corresponde a 12,6% do total de mortes que ocorreram no Brasil anualmente (INSTITUTO
NACIONAL DE CÂNCER, 2020).
Composição do tabaco
O princípio ativo mais importante do tabaco é a nicotina, responsável pelo efeito farmacológico
viciante e efeitos adversos.
293
Unidade II
Fumaça do cigarro
Em 1996, cerca de 4.800 componentes tóxicos foram identificados na fumaça do cigarro de tabaco
e foi detectado que, entre eles, 69 são carcinogênicos em animais e 11, em humanos (OGA; CAMARGO;
BATISTUZZO, 2014).
O caminho que a fumaça percorre segue o que chamamos de corrente primária e corrente secundária.
A corrente primária é constituída por ponta acesa do cigarro, coluna do cigarro e boca durante a tragada;
já a corrente secundária, pela mistura do composto emitido pela ponta acesa para o meio ambiente.
A fumaça inalada pelo fumante é um aerossol composto por duas fases: de vapor ou gasosa e
particulada e condensada. Cerca de 98,9% do volume total da corrente principal de um cigarro sem
filtro (fase de vapor) contêm nitrogênio (73 moles %), oxigênio (10 moles %), dióxido de carbono
(9,5 moles %), monóxido de carbono (4,2 moles %), hidrogênio (1 mol %), argônio (0,6 mol %) e metano
(0,6 mol %).
Saiba mais
Fase Componentes
Nitrogênio
Oxigênio
Dióxido de carbono
Monóxido de carbono
Fase de vapor ou gasosa
Água
Outros compostos: amônia, óxidos de nitrogênio,
ácido cianídrico, aldeídos (formaldeído, acetaldeído,
acroleína), nitrilas, nitrosaminas e hidrocarbonetos
voláteis (benzeno, estireno, isopreno, butadieno)
294
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Fase Componentes
Nicotina
Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (benzopireno)
Fase particulada ou condensada Fenol
Nitrosaminas não voláteis
Radioelementos (polônio)
O alcatrão é um conjunto de partículas da fumaça do cigarro com exceção da água e dos alcaloides.
É uma mistura de cerca de 3.500 compostos químicos formados durante a queima consequente
da combustão incompleta de materiais orgânicos presentes e é constituído principalmente por
hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, alguns carcinogênicos para o homem. Pode ser responsável
pelo desenvolvimento de câncer e doenças respiratórias graves e os componentes tóxicos do cigarro
podem promover mecanismos aterogênicos, isto é, formação de trombos.
O monóxido de carbono é um dos componentes da fumaça do cigarro que promove efeito asfixiante
e carcinogênico. O efeito asfixiante é devido à formação de carboxiemoglobina, que resulta em
hipóxia tecidual.
A nicotina promove estimulação simpática devido à ligação aos receptores nicotínicos, liberação dos
neurotransmissores adrenalina e noradrenalina e ativação dopaminérgica.
Os efeitos da ação adrenérgica da nicotina são: ação anorexígena, aumento nos níveis do hormônio
antidiurético, redução do débito urinário, taquicardia, aumento da pressão arterial, aumento do débito
cardíaco, aumento da força de contração no coração (inotropismo), aumento da frequência de batimentos
(cronotropismo), vasoconstrição, redução da motilidade gastrointestinal e impotência sexual.
A tríade da inflamação causada pelo tabagismo ocorre pelos toxicantes presentes ou liberados no
cigarro, quando em contato com o endotélio junto com as LDL do sangue, que geram um mecanismo
inflamatório que resulta em formação de trombo. Esses toxicantes correspondentes ao fator exógeno
(do tabaco) associados ao LDL em maior concentração são análogos ao fator endógeno na promoção à
agressão ao endotélio, provocando uma resposta inflamatória e resultando em reparação tecidual para
cicatrização da lesão (aumento da atividade pró-coagulante) do sangue. Para isso, ocorre a formação do
coágulo que forma o trombo, gerando a aterosclerose.
295
Unidade II
Observação
6.1.4.2 Cocaína
A cocaína é um alcaloide presente nas folhas de duas espécies vegetais do gênero Erytroxylum,
sendo conhecida popularmente como coca.
CH3 O
N
CH3
O
O
Segundo Chasin, Silva e Carvalho (2014), a cocaína é um anestésico local e tem ação simpatomimética,
sendo assim estimulante no SNC. É considerada um dos estimulantes mais potentes de ação central e
por essa razão passou a ser usada como fármaco de abuso.
Padrões de uso
A forma mais utilizada é o pó cristalino composto por cloridrato de cocaína, uma forma que não
pode ser fumada, pois não se volatiliza e decompõe quando em altas temperaturas, é o resultado da
pasta de coca purificada com ácidos, clorídrico ou sulfúrico. É administrada por aspiração nasal, por
via oral ou intravenosa, sendo a melhor absorção por meio da mucosa nasal. Já na forma de base livre,
chamada de COC-base, pode ser fumada, visto que pode volatizar a temperaturas mais altas, cerca de
90 ºC, e ao aquecimento seus vapores podem ser inalados no ato de fumar. A forma fumada, no Brasil,
é conhecida como crack, merla ou oxi.
Toxicocinética
A velocidade de absorção varia de acordo com a forma de administração: quando fumada, oito
segundos; via intravenosa, de três a cinco minutos; e intranasal, 10 a 15 minutos. Concentrações
plasmáticas entre 300 a 900 ng/ml podem ocorrer de um a dois minutos, sendo que as vias intravenosa
e nasal apresentam padrões cinéticos similares, diferenciando pelo fato de a via respiratória apresentar
efeitos mais rápidos. A biodisponibilidade da droga fumada é 70% devido a uma perda de 26% da forma
básica antes de ser inalada em decorrência da decomposição que ocorre no próprio objeto utilizado
296
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
para queima, e a forma intranasal apresenta uma biodisponibilidade de 60 a 80%. A albumina é uma
das principais proteínas responsáveis pela distribuição de toxicantes no organismo. Entretanto, nem
sempre é assim que ocorre. Há substâncias químicas que, dependendo de algumas características, como
sua estrutura química, são distribuídas por outras proteínas plasmáticas, como a alfa-1-glicoproteínas
ácidas. Devido a sua alta lipossolubilidade, pode atravessar as barreiras hematoencefálica e placentária.
Observação
Eliminação
Pequenas quantidades são excretadas na forma inalterada na urina (cerca de 10%). Os metabólitos
excretados na urina são éster metilecgonina (32 a 49%), benzoilecgonina (29 a 45%) e outros em menor
porcentagem como ecgonina, norcocaína e benzoilnorecgonina.
Toxicodinâmica
Efeitos da intoxicação
297
Unidade II
Há também outros medicamentos com estrutura química diferente dos citados anteriormente,
porém promovem estimulação simpática semelhante: mazindol (veja a figura a seguir) e
metilfenidato (Ritalina®).
3' R2
4'
2'
HO
6
N
7 n
R1
8 N
9
Padrões de uso
No Brasil, é frequente o uso de anfetaminas conhecidas como “rebites” por caminhoneiros. Existe a
procura pelas anfetaminas e correlatos com o objetivo de aumentar o estado de vigília e também para
o emagrecimento, visto que alguns são comercializados como anorexígenos.
Toxicocinética
mas sofre influência do pH urinário; sendo assim, na urina ácida (pH entre 5,5, e 6), 60% serão excretadas
inalteradas, e na urina alcalina (pH entre 7,5 e 8), somente 3 a 7%. A meia-vida de eliminação na urina
ácida é de cerca de sete a oito horas, porém na urina alcalina o tempo aumenta para 18 a 33 horas.
Toxicodinâmica
Efeitos da intoxicação
Os efeitos tóxicos produzidos pelas anfetaminas e derivados são similares aos efeitos produzidos
pelo uso da cocaína.
6.1.5.1 Etanol
Em 2019, o MS informou que 17,9% da população adulta no Brasil faz uso abusivo de bebidas
alcoólicas e que o consumo abusivo aumentou em 42,9% em mulheres. Em relação à mortalidade,
entre 2000 e 2017, 1,45% dos óbitos no Brasil estavam relacionados ao uso abuso de bebidas alcoólicas
(BRASIL, 2019).
Padrões de uso
De acordo com Oga, Camargo e Batistuzzo (2014), as bebidas alcoólicas com teor maior que 14% são
produzidas por meio de destilação. No processo, a bebida fermentada é aquecida até o ponto em que o
álcool é evaporado e separado da água. O álcool evaporado é, então, condensado e coletado, produzindo
a bebida destilada. O produto varia de acordo com a bebida fermentada comparada com a de origem,
como o conhaque, destilado do vinho, e o whisky, do malte.
A concentração de álcool varia de acordo com a bebida, como pode ser visto na tabela a seguir:
299
Unidade II
Toxicocinética
Toxicodinâmica
Uso agudo
Alguns dos efeitos agudos do etanol seriam sedação, redução da ansiedade, diminuição da capacidade
e julgamento, desinibição e fala pastosa. A ação principal é depressora, porém em doses baixas pode
ocorrer um efeito estimulante.
Uso crônico
Efeitos da intoxicação
300
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
do colesterol, infarto agudo no miocárdio e AVC. Outros efeitos que são consequências do abuso de
etanol são diminuição da libido, impotência, esterilidade e hipogonadismo e deficiências nutricionais
Tratamento da dependência
Alguns fármacos são utilizados no tratamento de pacientes dependentes de etanol, como dissulfiram,
naltrexona e acamprosato.
As drogas despersonalizantes são aquelas com potencial para causar alterações sensoriais e
alucinações. Já as drogas alucinógenas, que fazem parte do grupo das despersonalizantes, são aquelas
conhecidas como psicodélicas, que produzem mudanças na percepção, no pensamento e no estado de
ânimo. São capazes de promover estados delirantes, nos quais o indivíduo escuta vozes que não existem
e tem visões deturpadas da realidade e sensações ilusórias. Além das alterações visuais e auditivas,
também ocorrem sensações olfativas, gustativas e táteis.
Algumas pessoas possuem a ideia errônea de que as alucinações sempre são imagens engraçadas,
divertidas, relaxantes ou sensações agradáveis, mas muitas vezes o que ocorre é o que é conhecido como
bad trip, ou seja, uma “viagem ruim” com alucinações bizarras e aterrorizantes que provocam medo,
desespero e tendências suicidas ou homicidas.
Outro fenômeno provocado pelas drogas é o que chamamos de flashbacks, que são transtornos de
percepção pós-alucinatórias; nesse caso, ocorrem episódios de curta duração em que o indivíduo pode
vivenciar os sintomas da alucinação novamente.
As substâncias que causam alucinações são classificadas em três distintos grupos. As que pertencem
ao grupo 1 provocam alucinações somente quando utilizadas em altas doses, como etanol, metais
e hidrocarbonetos. Ao grupo 2 pertencem as substâncias delirantes, como atropina, fenciclidina e
triexifenidila. Já o grupo 3 engloba as substâncias alucinógenas propriamente ditas, como LSD, mescalina
e psilocibina.
As substâncias alucinógenas propriamente ditas são divididas em dois grupos de acordo com sua
composição química e são semelhantes ao neurotransmissor 5-hidroxitriptamina ou à norepinefrina.
Sintetizado pela primeira vez pelo químico Albert Hoffmann em 1938, no laboratório farmacêutico
Sandoz. Ele procurava um fármaco para enxaqueca, porém, ao testar a substância, percebeu que ela
promovia efeitos alucinógenos, sendo assim uma droga sintética, derivada de alcaloides do ergot
(principalmente ergotamina) que ocorrem naturalmente no fungo Claviceps purpúrea.
301
Unidade II
Toxicocinética
3) Medo e angústia.
8) Alterações afetivas.
9) Pensamentos confusos.
10) Alucinações.
Toxicodinâmica
No Brasil, as plantas alucinógenas mais conhecidas são jurema (Mimosa hostilis), beladona (Atropa
belladonna), saia branca, trombeteira ou maxixe bravo (Datura) e o ayahuasca, mistura da Banisteriopis
caapi e Psycotria viridis.
A planta conhecida como jurema é utilizada na preparação de um vinho, bebida típica entre os
índios e nordestinos. Já a beladona é conhecida nas histórias por ter sido muito utilizada em rituais
de bruxaria na Idade Média e mais recentemente é empregada de forma terapêutica, principalmente
em preparações homeopáticas, mas que por possuir os princípios ativos escopolamina e hiosciamina
tem potencial entorpecente, podendo promover alucinações. No passado, essas substâncias eram
302
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
utilizadas como soro da verdade por causar um entorpecimento e deixar o indivíduo em um estado
de hipnose. A planta datura possui os mesmos componentes e também é utilizada pelo seu potencial
em causar alucinações.
O cipó Banisteriopis caapi, nativo da Amazônia, é conhecido como ayahuasca e possui em sua
composição os alcaloides β-carbolinas harmina e harmalina, que atuam como inibidores da MAO. Dessa
forma, o resultado será uma maior concentração de neurotransmissores na fenda sináptica, como
serotonina e adrenalina. Em rituais de seitas religiosas como a Santo Daime e a União do Vegetal, a
ayahuasca é preparada com o cipó em associação com a planta chacrona (Psycotria viridis), que possui
em sua composição o alcaloide indólico N,N-dimetiltriptamina, o qual atua em receptores de setoronina.
Os usuários dessa bebida relatam que, quando estão sob seu efeito, passam por uma experiência mística
e esotérica na qual conseguem ver santos de sua devoção ou entidades esotéricas como gnomos e
fadas. Eles acreditam que realmente estão em contato com essas entidades.
Alguns dos efeitos tóxicos predominantes são o vômito e as cólicas abdominais, o que pode ser
explicado pelo fato de a N,N-dimetiltriptamina agir em receptores de serotonina e o seu efeito ser
potencializado pelas beta-carbolinas que inibem a MAO, aumentando a concentração de serotonina
na fenda sináptica. Quando a serotonina atua nos receptores de 5-HT na zona de gatilho, ocorre o
reflexo do vômito. Porém, esse efeito tóxico é visto pelos usuários das seitas como uma desintoxicação
do organismo.
303
Unidade II
MAO intestinal e hepática. Assim, na associação das beta-carbolinas com a dimetiltriptamina, a ação
da MAO é inibida e ocorre o efeito entorpecente.
Observação
Alguns dos cogumelos alucinógenos são encontrados nas fezes de vacas e búfalos (veja o
quadro a seguir).
304
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Quando ocorre o uso de doses altas podem ocorrer episódios psicóticos como estado confuso ou
paranoico, reações esquizofrênicas, reações paranoicas ou delírios de perseguição, alucinose persistente
como feedback negativo e depressão psicótica. Já as manifestações clínicas são hiperexcitabilidade,
descontrole, hipertensão ou hipotensão, convulsões, coma, estados psicóticos prolongados, midríase,
tremor, reflexos exagerados e febre.
305
Unidade II
6.1.6.4 Cannabis
De acordo com estimativas da OMS, a Cannabis sativa é a droga ilícita mais consumida no mundo,
com 181,8 milhões de usuários em 2016 (NAÇÕES UNIDAS, 2016). A Cannabis sativa é originária da
Ásia Central, e achados arqueológicos indicam que ela é cultivada desde 4000 a.C. Ela possui diversos
metabólitos que podem promover efeitos medicinais e efeitos tóxicos.
Já foram identificados mais de 400 canabinoides na Cannabis sativa. Entre eles, foram isolados
cerca de 70 fitocanabinoides como delta 9-THC, delta 8-THC, canabinol (CBN), canabidiol (CBD),
canabigerol (CBG), canabicromeno (CBC), canabiciclol (CBL), canabielsoin (CBE), canabinodiol (CBDL) e
canabitriol (CBTL). Entre os fitocanabinoides, o delta 9-THC é reconhecido como o principal responsável
pelos efeitos psicoativos.
Toxicocinética
Vias de administração
Toxicocinética
Oral Pulmonar
Velocidade de absorção Lenta e irregular Muito rápida
Biodisponibilidade sistêmica 4 a 12% 8 a 24%
Início 30 a 60 minutos Minutos
Efeitos subjetivos máximos 2,5 a 3,5 horas 8 a 15 minutos
Duração 4 a 6 horas 1 a 3 horas
306
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
desenvolvimento fetal e são excretadas no leite materno durante a lactação, sendo que 70% são
excretados em 72 horas (30% na urina e 40% nas fezes).
Há situações em que uma pessoa precisa realizar um exame toxicológico, como em um concurso,
admissão em um emprego, acompanhamento de usuários de drogas ou controle de dopagem no esporte.
Assim, se essa pessoa for usuária de maconha, o que aconteceria? Depois de quanto tempo após o uso
o delta 9-THC poderia ser detectado?
A janela de detecção para fumantes eventuais varia de dois a quatro dias, e a de fumantes frequentes
pode chegar a um mês. Quando ocorre a ingestão de dois brownies contendo 2,8% de delta 9-THC, ela
seria de seis dias.
Observação
Saiba mais
307
Unidade II
A toxicidade aguda da Cannabis é considerada muito baixa, e não existem relatos na literatura que
indiquem que possa causar morte por excesso de consumo.
Observação
Doses baixas de Cannabis (2 a 10 mg de delta 9-THC) podem causar sensação de bem-estar e felicidade
com risos contagiantes, relaxamento, diminuição da ansiedade e sedação, intensificação de experiências
sensoriais, principalmente estímulos visuais, perda de memória recente, dificuldade de concentração,
perda da noção de tempo e espaço, coordenação motora diminuída e paranoide de perseguição. Os
efeitos físicos mais comuns são taquicardia, hipertensão ou hipotensão, olhos vermelhos, hiposalivação
com boca seca e aumento do apetite.
Com o uso na forma fumada a longo prazo, podem ocorrer danos à mucosa e inflamação das
vias aéreas, tosse, catarro, espirros, sinusite, doença pulmonar obstrutiva crônica, bronquite crônica e
enfisema. Também existe o risco de desenvolvimento de esquizofrenia.
A toxicologia forense pode ser definida como a aplicação da toxicologia com finalidade legal.
Dessa forma, a aplicação mais comum é na investigação de substâncias químicas que podem ser
usadas de forma a causar intoxicação ou morte (KLAASSEN; WATKINS, 2012).
O que você pensa sobre a toxicologia forense? É muito comum que as pessoas se lembrem das
séries investigativas em que o perito criminal vai na cena do crime coletar amostras e realiza as análises
para identificação da causa da morte, muitas vezes utilizando equipamentos de análises associados a
métodos computacionais e acessando banco de dados com informações. Nessas séries, podemos ver
procedimentos que são reais, utilizados na vida real, mas também vemos muita ficção. O que será que é
verdade no que vemos nelas? E quais são as funções de um toxicologista forense?
308
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Ele é um profissional especialista em perícia criminal que pode atuar nas várias etapas de uma
investigação, como realizar as análises qualitativas e quantitativas, pesquisar os toxicantes presentes em
fluidos biológicos post-mortem durante a necropsia e interpretar os achados analíticos.
Podemos atrelar duas áreas da toxicologia que estão interligadas: a toxicologia forense e a
toxicologia analítica. A toxicologia analítica utiliza as bases da química analítica para as análises
quantitativas e qualitativas de substâncias químicas que possam causar efeitos adversos a organismos
vivos (KLAASSEN; WATKINS, 2012), enquanto a toxicologia forense tem como funções identificar
substâncias tóxicas nos organismos vivos através de amostras de sangue, urina, cabelo, saliva, entre
outras e analisa substâncias tóxicas no meio ambiente, como em amostras de água, ar ou solo.
Exemplo de aplicação
Quanto ao órgão ou sistema em que atuam, você já viu na classificação dos agentes tóxicos alguns
exemplos de órgãos-alvo, porém é importante destacar que uma substância é chamada de nefrotóxica
quando é tóxica para os rins, de hepatotóxica quando afeta o fígado, de neurotóxica quando afeta o
SNC e de genotóxica quando causa mutações no DNA.
Em uma análise toxicológica, os toxicantes a serem pesquisados podem ser gases irritantes ou
asfixiantes. Para os irritantes, contaminantes da atmosfera, não há biomarcador; assim, deve-se fazer
a análise do ar. Mas em uma exposição a gases irritantes ou asfixiantes pode existir um biomarcador,
por exemplo, na exposição ao monóxido de carbono, em que o biomarcador será a dosagem de
carboxiemoglobina que pode ser determinada através de amostras de sangue e quantificada por
cromatografia, espectrofotometria ou gasometria.
Observação
309
Unidade II
presença de mercúrio em peixes, ou realizar a monitorização terapêutica de pacientes que fazem uso
contínuo de sais de lítio.
Nas análises toxicológicas, podemos detectar os agentes tóxicos através de várias formas, como
substância química inalterada, produto de biotransformação, forma conjugada na urina ou alterações
bioquímicas e hematológicas (veja os quadros a seguir).
Alguns agentes tóxicos são biotransformados, e os metabólitos podem ser detectados na urina ou no
sangue, porém algumas substâncias são excretadas na forma conjugada, como a morfina e a Cannabis,
que formam conjugados com ácido glicurônico.
Xenobióticos Alteração
Chumbo Enzima delta-ALA desidratase – redução no sangue e aumento na urina
Organofosforados e carbamatos Inibição da enzima acetilcolinesterase
Anilina e nitrobenzeno Aumento da concentração de metemoglobina no sangue
Se você for realizar uma análise toxicológica post-mortem ou in vivo, quais amostras utilizaria?
310
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Para responder a essa pergunta, devemos fazer algumas considerações. As análises podem ser
in vivo ou post-mortem. Devemos levar em consideração que, se temos um paciente vivo, não
podemos utilizar qualquer amostra, pois temos algumas opções que podem ser utilizadas, as quais
podem ser convencionais ou não convencionais; já no caso post-mortem, podemos utilizar qualquer
tipo de amostra.
Quando a análise toxicológica é realizada para avaliar intoxicações in vivo, podemos utilizar amostras
convencionais ou não convencionais. As convencionais são as amostras de sangue e urina. Porém, em
situações específicas, pode ser vantajoso o uso de amostras não convencionais como saliva, suor, cabelo
e unha. Cada tipo de amostra apresenta vantagens e desvantagens e é utilizada para determinadas
finalidades, conforme apresentado no quadro a seguir:
Existem algumas características da droga que permitem sua passagem para a saliva. Assim, podemos
fazer a detecção nessa amostra, por exemplo, da lipossolubilidade, assim como identificar se está na
forma não ionizada e não ligada às proteínas plasmáticas.
311
Unidade II
Exemplo de aplicação
Vamos auxiliá-lo nessa resposta: podem ser encontradas nessa matriz biológia os esteroides,
hormônios, benzodiazepínicos, Cannabis, cocaína, crack, LSD, ecstasy, anfetamina e metanfetamina,
morfina e opioides.
Para ser detectada no suor, a droga ou fármaco precisa ter as mesmas características citadas para
detecção na saliva. As amostras de suor são coletadas para acompanhamento de presos, detentos
e dependentes internados, assim como ocorre com a amostra de saliva.
As amostras de unha são utilizadas para avaliar a intoxicação em recém-nascidos com mães
usuárias de drogas; já as amostras de cabelo, para dopagem no esporte, acompanhamento de usuários
de drogas ilícitas e exposição ambiental. É possível avaliar o período em que ocorreu maior exposição
a determinados toxicantes.
Quando realizamos análises toxicológicas post-mortem, embora possamos utilizar qualquer amostra,
algumas são mais convencionais e outras não são convencionais. As convencionais são amostras de sangue,
órgãos e tecidos (como cérebro, pulmões e fígado), conteúdo gástrico, cabelo e unha. Porém em alguns
casos é necessária a coleta de amostras não convencionais, como a bile, o humor vítreo e as larvas do corpo
em decomposição. O quadro a seguir apresenta as vantagens e desvantagens de cada amostra.
Algumas amostras utilizadas possuem características peculiares, como o humor vítreo, fluido
que se encontra na cavidade posterior do olho, preenchendo o espaço entre o cristalino e a retina.
A quantidade total de humor vítreo obtida gira em torno de 2,0 a 2,5 ml. Como esse líquido faz trocas
de substâncias com o sangue, pode ser usado para a identificação de etanol em corpos carbonizados ou
em decomposição. O conteúdo gástrico é usado para identificar substâncias administradas por via oral,
312
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
na forma inalterada, como o inseticida carbamato conhecido como “chumbinho”. As larvas são utilizadas
quando o corpo está em decomposição e possibilita a identificação de fármacos.
Outras amostras utilizadas em uma investigação criminal são os objetos encontrados na cena do
crime, como copos, xícaras, colheres, frascos, seringas e garrafas.
Exceto em situações em que a investigação é direcionada, existe um padrão na coleta das amostras
post-mortem, conforme o quadro a seguir, em que algumas matrizes sempre são coletadas, seja em
quantidade específica ou todo o conteúdo disponível.
Em situações em que se atende um paciente vivo, vítima de intoxicação, quando não temos evidências
nem relatos do ocorrido, realizamos uma triagem através de uma amostra de urina, mas também
pode-se utilizar o líquido da lavagem gástrica ou o vômito. Em caso de monitorização terapêutica,
coleta-se o sangue e/ou saliva. No controle de dopagem, as amostras mais comuns são urina, ar exalado
(etanol) e saliva.
A triagem é realizada quando não se conhece o agente tóxico e utiliza-se análise por método
cromatográfico. Para confirmação da intoxicação, utiliza-se outro método analítico, como a
espectrofotometria de massa. Métodos específicos são utilizados quando já existe forte suspeita sobre
o agente tóxico.
A cadeia de custódia é um documento que o laboratório mantém com o propósito de rastrear todas
as operações realizadas com cada amostra, desde sua coleta até a completa destruição do material. Tudo
deve ser detalhado, desde a sequência dos fatos pelos quais passou a amostra, a identificação de todos
313
Unidade II
que a manusearam, o tempo de manuseio e como a amostra foi rearmazenada ou dispensada. As etapas
seguidas na cadeia de custódia são apresentadas na figura a seguir:
Entrada do cadáver
Aliquotagem - Preparação
Em uma análise toxicológica post-mortem, são muitas as opções de amostras que podem ser
coletadas, e a escolha está relacionada com o histórico do caso. Pode ser realizada a coleta de sangue,
do humor vítreo ou de amostras de tecido.
As amostras de sangue cadavérico são obtidas por meio de punção das veias subclávia e/ou femoral.
Quando se trata de humor vítreo, destaca-se a angulação de 45º sobre o eixo da seringa, em relação ao
eixo anteroposterior, para a adequada punção da câmara ocular, que deve ser direta. As amostras de
tecido são coletadas separadas (pulmonar, cerebral, renal, hepático etc.).
314
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Trata-se de perícias realizadas em vivos que acontecem para verificação de direção perigosa ou
investigação de drogas facilitadoras de abuso sexual, violência, roubos, extorsão de dinheiro e outros.
As amostras biológicas coletadas para análise são urina, sangue e ar expirado. As drogas de abuso mais
utilizadas em casos de agressão sexual costumam ser etanol, benzodiazepínicos, maconha, anfetamínicos
e opiáceos. Existem relatos do uso de uma bebida conhecida como ayahuasca, preparada pelo cipó
Banisteriopis caapi e pela planta Psycotria viridis, usada em rituais esotéricos também para abuso sexual.
Quando o trabalhador é exposto em seu ambiente de trabalho a substâncias químicas que podem
promover toxicidade ao organismo, é necessária a realização de um monitoramento biológico da
exposição. Pode ser analisado o agente tóxico ou seu produto de biotransformação em fluidos
biológicos, cabelo, urina ou ar exalado. O uso prolongado de fármacos pode acarretar alterações na
concentração média do medicamento no organismo, que em alguns casos pode aumentar, gerando
toxicidade, ou diminuir, promovendo redução do efeito. Assim, é recomendado um monitoramento
para controle terapêutico.
Durante a passagem da fase móvel sobre a fase estacionária, os componentes da mistura são
distribuídos entre as duas fases, de forma que cada um dos componentes é seletivamente retido pela
fase estacionária, resultando em migrações diferenciais desses componentes.
A forma física do sistema de cromatografia que define a técnica geral é formada por uma fase
estacionária que pode ser composta de um tubo cilíndrico (cromatografia em coluna) ou uma superfície
315
Unidade II
planar (cromatografia planar) e uma fase móvel que pode ser composta por um gás (GC), um líquido
(HPLC) ou vapor pressurizado (cromatografia supercrítica).
Na fase móvel, a polaridade do sistema de eluentes deve ser aumentada lentamente, com o aumento
da concentração do solvente mais polar, sendo que em alguns casos pode-se usar um único solvente
para a eluição do sistema cromatográfico.
A cromatografia planar pode ser em papel ou em camada delgada. A cromatografia em papel é uma
técnica simples que utiliza pequena quantidade de amostra e tem uma boa capacidade de resolução.
É utilizada principalmente para separação e identificação de compostos polares como antibióticos
hidrossolúveis, ácidos orgânicos e íons metálicos.
Os componentes menos solúveis na fase estacionária têm uma movimentação mais rápida ao
longo do papel, enquanto os mais solúveis na fase estacionária serão seletivamente retidos, tendo uma
movimentação mais lenta.
Isso se explica da seguinte maneira: a celulose é constituída por 2.000 ou mais unidades de glicose
anidra ligadas por átomos de oxigênio, um líquido polar como a água que tem grande afinidade pelas
hidroxilas de cada glicose, formando pontes de hidrogênio, ficando retido e funcionando como fase
estacionária, e os líquidos menos polares (solventes orgânicos) são repelidos por esta estrutura e
funcionam como fase móvel.
A forma mais simples da cromatografia em papel é a cromatografia ascendente, que utiliza uma
tira de papel de comprimento e largura variáveis, em função da cuba cromatográfica a ser utilizada.
Marca-se com lápis o ponto de partida da amostra, a 2 cm de uma das bordas do papel, e marca-se
também a linha de chegada da fase móvel (ou frente do solvente), geralmente distando 10 cm do ponto
de partida. Dependendo da largura do papel, pode-se colocar apenas uma alíquota do padrão ou da
amostra, centralizando-se essa aplicação na linha de partida.
da tira do papel, acima da linha de chegada da fase móvel, deve ser igual ao diâmetro interno da cuba,
de maneira que o papel fique suspenso na vertical, impedindo de deslizar-se para baixo. O nível da fase
móvel deve ficar abaixo do ponto de partida da substância, devendo sempre haver uma boa vedação da
cuba cromatográfica para que não se perca o vapor dessa fase.
Por capilaridade, a fase móvel começa a se movimentar em fluxo ascendente, rapidamente no início
e diminuindo gradativamente até parar por completo quando a força ascendente da capilaridade for
neutralizada pela ação da gravidade.
Quando a fase móvel atingir a linha de chegada, geralmente a 10 cm do ponto de partida, retira-se
o papel da cuba cromatográfica e seca-se a tira de papel com secador de cabelo com ar quente ou frio
até eliminar-se a fase móvel.
No caso de mistura de substâncias de componentes coloridos, à medida que ocorrer a separação, a cor
única se desdobrará em cores distintas em função do número de substâncias que a compõem. No caso de
misturas de substâncias incolores, pode-se detectar (revelar) esses componentes por técnicas diversas.
Mede-se a distância percorrida pelo soluto em um tempo determinado, desde o ponto de aplicação
ou ponto de partida da amostra até o centro da mancha, e a distância percorrida pela fase móvel, desde
o ponto de partida até o ponto extremo atingido por ela, Lc, a linha de chegada da fase móvel.
O Rf é uma constante física de uma determinada substância, desde que se observem as características
do papel, a quantidade e qualidade da fase móvel, a temperatura, o volume e a concentração da
substância aplicada.
Existem na literatura fontes que informam qual deve ser a solução reveladora (agente cromogênico)
a ser empregada, qual a técnica de preparo e modo de conservação, qual a sensibilidade e quais as
substâncias detectadas por certos reveladores.
317
Unidade II
Podem ser usadas lâmpadas UV de onda curta (240-260 nm) e onda larga (360 nm) para visualização da
mancha formada pela amostra.
Outro método de cromatografia planar é a cromatografia em camada delgada (CCD), que segue a
mesma técnica da cromatografia em papel, porém, a fase estacionária será uma placa de vidro, alumínio
ou outro suporte inerte tratado por uma camada fina formada por um sólido granulado, geralmente
sílica-gel. Essa técnica consiste na separação dos componentes de uma mistura através da migração
diferencial sobre uma camada delgada de adsorvente retido sobre uma superfície plana. Ela apresenta
vantagens por ser de fácil compreensão e execução, promover separações em breve espaço de tempo e
ser versátil, de grande reprodutibilidade e baixo custo. Os adsorventes mais usados são sílica (SiO2), terra
diatomácea, celulose ou poliamida.
A sílica tem caráter fracamente ácido e é empregada na separação de compostos lipofílicos como
aldeídos, cetonas, fenóis, ácidos graxos, aminoácidos, alcaloides, terpenoides e esteroides, usando o
mecanismo de adsorção. Existem cinco tipos de sílica: sílica G (contém aglutinantes como gesso e amido
ou talco), sílica H (não contém aglutinantes), sílica P (para uso em camada preparativa), sílica F (contém
substâncias fluorescentes) e sílica R (adsorventes extra puros, sem aditivos).
A terra diatomácea é adsorvente neutro amplamente empregado como suporte nas separações por
partição. Pode ser encontrada com ou sem aglutinante. Na preparação de placas, utilizam-se as mesmas
proporções citadas para a sílica, ou seja, uma parte de adsorvente para duas partes de água destilada.
A celulose é empregada como suporte da fase estacionária líquida em cromatografia por partição ou
troca iônica. Para preparação de cinco placas de 20 x 20 cm, misturam-se 25 g de celulose com 90 ml de
água destilada, agitando-se em agitador por dois minutos antes de colocar na placa de vidro.
A poliamida é empregada com mais frequência na separação de fenóis e de ácidos carboxílicos. Sua
maior utilização é comprometida pela dificuldade em se preparar as cromatoplacas no laboratório, em
função de sua baixa aderência ao vidro. Para preparação das placas, recomenda-se fazer a suspensão de
15 g de pó em 60 ml de metanol, previamente purificado. Estas quantidades são suficientes para cinco
placas de 20 x 20 cm e 0,3 mm de espessura.
Para a aplicação das amostras nas cromatoplacas, as gotas devem ser aplicadas 1,5 a 2 cm acima do
bordo inferior, evitando-se que fiquem mergulhadas na fase móvel quando a placa for colocada na cuba.
A distância entre cada gota é de aproximadamente 1 cm, evitando-se sempre que haja contato entre
as gotas de soluções.
318
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Em placas preparativas, uma solução concentrada da amostra é aplicada na forma de faixa ou linha
horizontal, cerca de 2 cm acima do bordo inferior da placa.
A técnica de CCD é uma técnica muito utilizada para triagem em muitos centros de controle de
intoxicação. O mais comum é a utilização de urina como amostra biológica para triagem de fármacos
e drogas de abuso, visto que é uma amostra de fácil coleta, disponível em grandes volumes e com
concentrações altas de substâncias comparadas ao soro. Na urina, os fármacos, drogas de abuso e
xenobióticos podem ser excretados inalterados, na forma de metabólitos ou conjugados com ácido
glicurônico ou sulfato.
Quando o conteúdo gástrico é coletado nas análises post-mortem, é uma matriz que pode ser bem
interessante, já que nessa amostra podemos identificar as substâncias na sua forma inalterada. Já o
sangue (plasma ou soro) é utilizado para análises quantitativas pós-triagem na urina.
Existem matrizes que não são convencionais nas análises toxicológicas, porém muito úteis e de fácil
coleta para detecção de algumas substâncias, como o cabelo. A incorporação de xenobióticos ao cabelo
ocorre por difusão passiva a partir do sangue, e algumas propriedades físico-químicas das substâncias
determinam o seu acúmulo no cabelo, como lipossolubilidade e se está na forma livre no plasma. Outro
mecanismo é a difusão por secreções corporais como sebo e suor durante a formação da haste do cabelo.
Estima-se que o cabelo cresce cerca de 1 cm ao mês, o que equivale à janela de detecção do uso
de drogas no período de 30 dias. Para que o exame detecte o uso de substâncias de um período de até
90 dias, necessitamos de uma amostra de 4 cm de cabelo, contando a partir da base do folículo. Se não
for possível a coleta de uma amostra nessa medida, retiramos amostras de pelos corporais, pois eles
apresentam um crescimento mais lento. O procedimento de coleta é rápido e prático. É imprescindível
realizar a descontaminação da amostra antes da análise para eliminar possíveis resíduos de drogas na
parte externa do cabelo ou pelo.
E qual técnica utilizamos para essa análise? Quais drogas podemos detectar através de amostras de
cabelo ou pelo?
Uma vantagem no uso de amostra de cabelo é que possibilita um histórico cronológico da exposição
ao agente tóxico, como em situações de acidentes ambientes. É possível avaliar se no período em que
ocorreu a exposição houve maior acúmulo de substâncias tóxicas. Sabendo que o cabelo cresce cerca
de 1 cm ao mês, é possível dividi-lo em partes de acordo com o tempo e dosar as concentrações
em cada parte.
319
Unidade II
Saiba mais
320
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Para identificação da THC, principal componente da maconha, é necessário primeiro fazer a extração
do THC com algum solvente orgânico, por exemplo, uma mistura de éter clorofórmio. Pingamos um
pouco desse extrato em um papel de filtro e uma quantidade de reativo fast blue diluída em água e
aplicada sobre a amostra. A reação produz uma coloração avermelhada.
Solvente éter
clorofórmio para
extração do princípio
ativo THC
Figura 143 – Teste colorimétrico para identificação de THC com reativo fast blue
Existem kits de testes rápidos também utilizados por peritos para identificação rápida de drogas,
que podem ser utilizados no próprio local da apreensão. Um dos testes é uma ampola como a que
pode ser visualizada na foto, a partir da qual é realizado o teste de Duquenois-Levine. A ampola possui
uma solução composta por acetaldeído e vanilina em etanol 95%. Colocamos a amostra suspeita para
maconha dentro da ampola e misturamos nesse reagente. Logo em seguida, quebramos a tampa da
ampola na qual se localiza uma quantidade de ácido clorídrico fumegante que escorre pela parede do
321
Unidade II
tubo e, ao entrar em contato com o extrato obtido inicialmente, reage, promovendo uma coloração
violeta que indica positivo para droga.
Para a identificação de cocaína ou crack é utilizada a técnica de Scott e Mayer. O reagente de Scott é
composto por uma solução de tiocianato de cobalto 2% e glicerina. Pingamos esse reagente na amostra
suspeita e observamos a mudança de cor. A coloração azul indica que a amostra é cocaína ou crack,
porém é necessário fazer uma confirmação, pois pode ocorrer falso-positivo. Dessa forma, pingamos
uma gota de HCl 0,1N; se continuar azul, confirmamos o resultado positivo.
6.3.1 Histórico
O termo dopagem ou doping é utilizado quando o indivíduo usa substâncias químicas ou métodos
para obter vantagens sobre os outros em determinadas competições (YONAMINE; ALMEIDA, 2014). A
finalidade da dopagem é aumentar a força, resistência e tamanho, assim como obter maior velocidade
nas competições, porém o consumo excessivo pode resultar em toxicidade, gerando efeitos adversos e
em alguns casos pode levar ao óbito. A história apresenta vários registros sobre a prática da dopagem
com finalidade estimulante e para aumentar a capacidade no trabalho e nos esportes. Como podemos
ver no quadro a seguir, esses registros são muito antigos.
Em tempos mais recentes, muitos atletas foram suspensos ou perderam suas medalhas por acusarem
dopagem. Daiane dos Santos (2009) e Cesar Cielo (2011) foram suspensos pelo uso de furosemida
(diurético). O último alegou erro na manipulação do suplemento que utilizava. Ben Johnson, nas
Olimpíadas de Seul (1988), venceu os 100 m rasos, mas foi suspenso por dois anos, perdendo sua
medalha de ouro devido ao uso de estanozolol (anabolizante). Ele alegou que foi sabotado e que usava
esteroides nos treinos, mas que era orientado e estaria livre do anabolizante no período do exame de
doping, pois interrompia o uso antes das competições. Maradona, jogador de futebol argentino, foi
pego no exame antidoping pelo uso de cocaína (1991), sofrendo suspensão de 15 meses, e efedrina, na
Copa de 1994, com suspensão de 18 meses. O ciclista Lance Armstrong, que ganhou diversos troféus
322
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
e medalhas durante sua carreira, perdeu todos os títulos e foi banido do esporte após confessar em
um programa americano de televisão que utilizava eritropoetina, testosterona, cortisona e dopagem
sanguínea. Nas Olimpíadas de 2016, a nadadora chinesa Chen Xinyi (hidroclorotiazida), a atleta búlgara
Silvia Danekova (eritropoetina), o halterofilista quirguiz Izzat Artykov (estricnina), o ciclista brasileiro
Kleber Ramos (CERA) e, no levantamento de peso, os irmãos Tornaz e Adrian Zulinski (nandrolona) foram
pegos no exame de dopagem.
Nos esportes com torneios prolongados, como futebol, vôlei e basquete, os exames antidopagem são
realizados de forma aleatória por sorteio. Já nos esportes de temporada, como atletismo e natação, os
exames são realizados nos vencedores das provas ou quando o atleta está sob suspeita.
Nas grandes competições, todos os vencedores realizam os exames de dopagem, e as amostras ficam
guardadas para novas análises futuras caso surjam técnicas de detecção de dopagem. Outra análise que
tem sido cogitada é a genética, visto ser uma nova forma de dopagem.
O Comitê Olímpico Internacional (COI), que foi criado em 1967, elaborou uma lista de substâncias
e métodos proibidos no esporte, visto que o uso de substâncias estimulantes é uma prática comum
entre os atletas. O objetivo é proteger a vida dos atletas e garantir a igualdade entre os participantes
das competições.
323
Unidade II
Saiba mais
Esse item indica que substâncias que não forem aprovadas para uso humano são proibidas em
todos os períodos, isto é, nas competições e fora delas.
Saiba mais
A finalidade é aumentar a massa muscular em esportes que exigem força e velocidade. Alguns
exemplos de esteroides anabolizantes androgênicos são clostebol, estanozolol, testosterona
(Durateston®), metiltestosterona, nandrolona (Deca-durabolin® e Durabolin®) e oxandrolona. Eles
podem produzir alguns efeitos tóxicos como hipertensão, infertilidade, aumento da chance de ataque
cardíaco, hipertrofia cardíaca, insuficiência cardíaca, neoplasias hepáticas, hepatite e hepatomas e
efeitos feminilizantes e virilizantes.
324
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Vamos agora compreender melhor como os hormônios podem agir no organismo e conduzir a um
aumento na performance do atleta.
Eritropoietinas
A eritropoietina é um hormônio sintetizado e secretado pelos rins que estimula a medula óssea a
produzir eritrócitos e, consequentemente, aumenta a oxigenação nos músculos. Aqui temos dois tipos:
os agonistas do receptor de eritropoietina, como eritropoietinas (EPO), darbepoetinas (dEPO) e derivados
da Epo, como metoxipolietilenoglicol (CERA), e também os agentes ativadores do fator induzível por
hipóxia, como cobalto e daprodustat (GSK1278863).
Podem produzir efeitos tóxicos leves, como náuseas, ansiedade, dores de cabeça e febre, ou mais
graves, como hipertensão arterial, infarto do miocárdio e morte súbita.
Observação
Você saberia dizer quem são esses hormônios e qual é a finalidade do uso nas práticas esportivas? E
o que podem causar de efeitos adversos?
Esses hormônios são utilizados por estimularem a síntese de proteínas, aumentando a massa muscular,
promoverem a hipertrofia, repararem dano muscular localizado e ativarem células musculares precursoras.
Você já deve conhecer a gonadotrofina coriônica (CG), o hormônio luteinizante (LH) e seus fatores de
liberação no homem, como busserelina, deslorelina, gosserelina e triptotorelina, as corticotrofinas e seus
fatores de liberação, como corticorelina, e os hormônios de crescimento (GH), fatores de crescimento e
moduladores de fatores de crescimento.
Alguns dos efeitos adversos e tóxicos produzidos pelas substâncias citadas são ginecomastia (CG),
gigantismo e acromegalia (GH), diabetes, reações alérgicas e hipertrofia miocárdica.
Sua finalidade é aumentar a resistência e diminuir a fadiga muscular. São fármacos usados na
terapêutica para tratamento da asma e outras complicações respiratórias, como fenoterol, formoterol,
salbutamol e terbutalina.
325
Unidade II
Observação
Os modulares hormonais são agentes com atividade antiestrogênica utilizados para aumentar
a concentração de testosterona plasmática e diminuir a ginecomastia e a retenção de água. Alguns
exemplos são os inibidores da aromatase, como 2-androstenol, anastrozol e letrozol; os moduladores
seletivos do receptor de estrogênio, como tamoxifeno e raloxifeno; e outras substâncias antiestrogênicas,
como clomifeno.
Sua finalidade no esporte é a redução do peso corpóreo, mascarando o consumo de outros agentes
dopantes e reduzindo a sua concentração na urina.
Observação
A transfusão sanguínea é uma forma de dopagem proibida. Tem como finalidade melhorar o
transporte de oxigênio no organismo, aumentar a capacidade de manter o pH muscular e auxiliar
no controle da temperatura corpórea, aumentando também a resistência do indivíduo, mas pode
326
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
gerar efeitos perigosos como formação de trombose venosa, flebite, septicemia, reações alérgicas
e doenças infecciosas.
É um método usado para adulterar ou tentar adulterar amostras coletadas durante o controle de
dopagem. Pode ser a substituição de amostras ou adição de proteases à amostra.
São formas de dopagem modernas e que ao longo do tempo tendem a progredir. Atualmente,
algumas técnicas já são conhecidas, mas a tendência é que, com o conhecimento de novas formas de
modificação genética e celular, novos itens sejam incorporados nesse quesito.
São exemplos o uso de ácidos nucleicos ou seus análogos que possam alterar a sequência genômica
e/ou alterar a expressão genética e o uso de células normais ou geneticamente modificadas. Qualquer
agente farmacológico ou biológico que possa alterar a expressão gênica e melhorar o desempenho do
atleta é proibido no esporte.
6.3.4.1 Estimulantes
Os estimulantes são utilizados por jogadores de futebol americano para aumentar a concentração
(doses mais baixas) ou aumentar a agressividade (doses mais altas), em corredores e nadadores para
aumentar a energia e nos jóqueis para redução do apetite e do peso.
6.3.4.2 Narcóticos
São os analgésicos narcóticos usados para diminuir a dor, utilizados principalmente por ciclistas, no
boxe e em outros esportes de luta.
6.3.4.3 Canabinoides
6.3.4.4 Glicocorticoides
6.3.4.5 Betabloqueadores
Para compreender melhor isso, vamos imaginar um arqueiro como Robin Hood, que precisa ter
precisão e tranquilidade para acertar as flechas. Imagina se ele começar a tremer e sentir taquicardia,
como seria o final da história? Da mesma forma, atletas que praticam modalidades como arco e flecha,
golfe, dardo, esportes de tiro e jogos de bilhar precisam de firmeza nas mãos e tranquilidade para melhorar
sua concentração e acertar seu alvo. Os betabloqueadores são utilizados nesse caso, por reduzirem o
tremor e o estresse e aumentarem a precisão e a exatidão, além de amenizarem sintomas de ansiedade,
como taquicardia. Você conhece essa classe de fármacos? São exemplos: atenolol, bisoprolol, carvedilol
e propranolol. Porém, essas substâncias podem provocar tontura, letargia, sonolência, distúrbios visuais,
insônia e depressão.
328
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
Os controles podem acontecer dentro ou fora de competição. Em competição por sorteio, acontecem
com base na classificação obtida ou segundo outro critério específico. Já os controles fora de competição
podem ser realizados a todo momento, em qualquer lugar e sem aviso prévio.
A partir da notificação, o oficial de controle ou escolta permanecerá com o atleta enquanto todo o
processo de controle tenha sido concluído. Durante o processo, o atleta tem direito ao acompanhamento
de um representante, que deverá cumprir também algumas responsabilidades. Primeiro, o agente irá
pedir ao atleta um documento de identidade válido com foto e em seguida solicitar o fornecimento de
amostras de urina, sangue ou ambas. Quando estiver pronto a fornecer a amostra, o agente do mesmo
sexo acompanhará todo o processo de coleta, até que o atleta tenha fornecido uma amostra válida.
Será pedido ao atleta que divida a amostra de urina em dois frascos (A e B), lacrando ambos. Ele será
a única pessoa a manipular o kit de coleta de amostras, a menos que peça ajuda.
Quando a amostra A chegar do laboratório, ela será aberta e analisada. A amostra B permanecerá
armazenada em um lugar seguro e só será analisada a pedido do atleta.
A análise das amostras para controle de dopagem deve ser realizada conforme os procedimentos
previstos no padrão internacional para laboratórios, e as amostras somente podem ser analisadas em
laboratórios credenciados e aprovados (WADA-AMA, 2020).
A amostra de urina é a mais comum nas análises antidopagem. Deve ser coletada uma amostra com
75 ml, sendo dividida em duas partes. A primeira parte corresponde a 50 ml e é utilizada nas análises,
enquanto a segunda corresponde a 25 ml e fica armazenada para uma contraprova. A contraprova é
feita a pedido do atleta e a análise deve ser paga por ele.
329
Unidade II
As técnicas mais utilizadas para análise das amostras são cromatografia gasosa, espectrometria de
massa e ensaios imunológicos para hormônio. Análises de sangue também são utilizadas, principalmente
para identificar EPO.
O laboratório informará os resultados para a organização antidopagem responsável por sua gestão.
Uma cópia será enviada a uma agência mundial antidopagem para assegurar a integridade do processo.
Em caso de resultado analítico adverso, o atleta tem direito de solicitar a análise da amostra B nos
prazos definidos, apresentar defesa e apelar da decisão.
Resumo
331
Unidade II
Exercícios
A toxicologia forense é a aplicação da toxicologia com propósitos legais, com o principal objetivo
de detectar e quantificar as substâncias tóxicas eventualmente presentes em situações criminais.
Portanto, toxicologia forense e legislação se sobrepõem. A toxicologia forense ainda é uma área em
desenvolvimento e está sempre incorporando as novas tecnologias disponíveis na área analítica. Além do
avanço tecnológico, a toxicologia forense também se moderniza constantemente, pois novos “venenos”
são descobertos diariamente. Observa-se que, a princípio, a confirmação de um crime baseava-se
apenas em suspeitas e indícios. Diante da necessidade de desvendar corretamente um caso, técnicas de
identificação foram estudadas, desenvolvidas e colocadas em prática. Partiram de níveis simples
de complexidade, chegando nos dias atuais aos mais avançados níveis moleculares. Com o dinamismo
dessa ciência, o aperfeiçoamento das técnicas tende a evoluir cada vez mais, acompanhando a evolução
tecnológica dos recursos disponíveis às pesquisas científicas.
Fonte: AIELLO, T. B.; PEÇANHA, M. P. Análise toxicológica forense: da ficção científica à realidade.
Revista Eletrônica de Biologia (REB). v. 4, n. 3, 2011. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/
reb/article/view/9833%26gt/0. Acesso em: 27 set. 2020.
O texto mostra claramente que a toxicologia forense é uma área em constante atualização. Analise
as afirmativas a seguir elaboradas sobre esse tema.
I – Os materiais disponíveis para análise forense são os mais diversos possíveis, o que aumenta muito o
grau de dificuldade de execução desse tipo de análise. As matrizes biológicas utilizadas na caracterização
da exposição humana, em testes in vivo, são urina, plasma, sangue, saliva e cabelo. Também podem ser
usadas matrizes alternativas, como suor, unha, mecônio, tecidos e cabelos de recém-nascidos.
III – As principais técnicas de análise toxicológica aplicáveis a esse contexto incluem métodos
clássicos não instrumentais, como os testes colorimétricos, e métodos mais sofisticados, como os
imunoensaios (testes imonulógicos) e a cromatografia: cromatografia em camada delgada (CCD),
cromatografia gasosa (CG) e cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC ou CLAE).
332
TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
I – Afirmativa correta.
Justificativa: devemos ter atenção para o fato de que se trata de um material in vivo, o que faz com
que algumas matrizes ainda estejam disponíveis ou possam ser facilmente coletadas, sendo as principais
a urina, o plasma, o sangue, a saliva e o cabelo.
II – Afirmativa correta.
Justificativa: devemos ter atenção para o fato de que se trata de uma análise post mortem, ou seja,
feita a partir de um cadáver, e tal situação apresenta algumas limitações. Por isso, as principais matrizes
a serem coletadas são o sangue total (aorta, cavidade cardíaca e femoral), o humor vítreo e as vísceras
(fígado, rins e cérebro).
Justificativa: para a execução das análises toxicológicas, é fundamental que o laboratório ofereça
métodos analíticos simples e inequívocos, e isso pode variar de acordo com a disponibilidade de
recursos. Há métodos que usam procedimentos manuais e outros que mecanizam o processo.
De qualquer forma, há a requisição de técnicas de fácil execução e com respostas rápidas, como os
testes de triagem, e de técnicas mais específicas, baseadas em um princípio de detecção diferente
e que concretizam uma etapa confirmatória. Para que o resultado da análise seja considerado
positivo, o resultado da triagem e da confirmação devem ser positivos. Cabe ao toxicologista forense
escolher qual técnica é mais apropriada para a análise, baseando-se em critérios como aplicabilidade,
sensibilidade, seletividade, precisão e exatidão da técnica, além da disponibilidade e do custo da
análise. Todos os métodos apresentados na afirmativa são válidos.
333
Unidade II
Fonte: CRUZ, A. C. H. D. C. Quantificação de cocaína e seu produto de biotransformação, benzoilecgonina, em amostras de cabelo:
desenvolvimento, validação e aplicação de método. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Farmacologia, Florianópolis, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/
handle/123456789/189745. Acesso em: 27 set. 2020.
Com base nas informações apresentadas e nos seus conhecimentos, analise as afirmativas.
I – A droga em questão é a cocaína, que apresenta marcante efeito depressor do sistema nervoso
central e é quase toda eliminada em sua forma original inalterada pela urina, cabendo à benzoilecgonina
acumular-se no cabelo.
II – A droga em questão é uma anfetamina de uso comum por profissionais que precisam ficar
acordados durante muito tempo (por exemplo, caminhoneiros e vigilantes), o que faz dela um potente
estimulante do sistema nervoso central.
III – A droga em questão é uma potente depressora do sistema nervoso central, e a intoxicação
por ela tem como possíveis efeitos taquicardia, aumento da pressão arterial, agitação, alucinações
e agressividade.
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TOXICOLOGIA E ANÁLISES TOXICOLÓGICAS
I – Afirmativa incorreta.
Justificativa: a droga em questão é a cocaína, mas, ao contrário do que se afirma, ela não é depressora,
e sim estimuladora do SNC. Além disso, apenas uma pequena parte (cerca de 10%) é eliminada na forma
original inalterada pela urina.
II – Afirmativa incorreta.
Justificativa: os efeitos da intoxicação por cocaína estão corretos, mas a afirmativa peca ao
considerar que essa droga seja depressora do SNC.
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