Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
as relações entre
a vegetação e o meio físico
do Cerrado Pé-de-Gigante
13.
O solo e a comunidade vegetal
parte IIi
118 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal
deficiência na
produção de proteínas
altas taxas
fotossintéticas
falta de nutrientes no solo
ausência de
limitação presença do alumínio no
de água complexo de troca catiônica do solo
Goodland e Pollard (1973) não encontraram cor- tenha variado nos diferentes trabalhos. Num trabalho
relação negativa significativa entre esse mesmo gra- realizado na região de Mogi-Guaçu, Batista (1988) en-
diente de vegetação e o alumínio, porém encontraram controu correlação entre várias características edáficas
correlação negativa significativa entre o alumínio e – entre elas, o teor de potássio e o pH – com variáveis
teores de Ca++ Mg++ e K+. Com base nisso, os autores da vegetação, como altura e área basal, sendo a influ-
sugeriram que o principal efeito do alumínio no solo ência das características edáficas diferente para cada
seria o de competir com as bases trocáveis pelos mes- espécie. Silva Júnior et al. (1987) encontraram corre-
mos sítios de troca no complexo coloidal do solo. A lação positiva entre os teores de alumínio com altura,
idéia de que o alumínio promove o empobrecimento densidade e área basal da vegetação. Posteriormente,
ainda maior do solo ficou conhecida como hipótese do Silva (1993) encontrou correlação entre matéria orgâ-
oligotrofismo aluminotóxico (Goodland, 1971b) e foi nica e a área basal, e também verificou que o número
adicionada à hipótese do escleromorfismo oligotrófico de indivíduos era diretamente proporcional aos teores
(Figura 13.1). de fósforo, cálcio e matéria orgânica, num gradiente de
Posteriormente, uma seqüência de estudos prio- campo sujo e campo cerrado em direção ao cerrado.
rizou a investigação das relações entre os nutrientes Ao contrário dos trabalhos citados, cujos autores
do solo e a vegetação de cerrado em diversas áreas. encontraram diferentes fisionomias de cerrado varian-
No conjunto desses estudos, os resultados apresentados do simultaneamente com características do solo, outros
são diversos e muitas vezes discordantes. Entre outros trabalhos mostraram a variação de características edá-
autores que observaram correlação entre o teor de nu- ficas, sem que tenha sido encontrada correspondência
trientes e a vegetação de cerrado (Batista, 1988; Silva na variação fitofisionômica, mas sim, na flora local.
Júnior et al., 1987; Silva, 1993), é digno de nota que a Por exemplo, alguns pesquisadores observaram a exis-
importância relativa de cada nutriente para a vegetação tência de dois tipos de cerradão: um associado a solos
120 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal
mais pobres, e um segundo tipo relacionado a solos estudada e podia ser separada floristicamente por meio
mesotróficos e caracterizado pela presença de espé- de técnicas de análise multivariada em pelo menos
cies como Magonia pubescens e Callisthene fascicula- duas fisionomias distintas: campo cerrado e cerrado.
ta (Ratter et al., 1977; Oliveira Filho & Martins, 1986; Entretanto, esses mesmos pesquisadores observaram
Furley & Ratter, 1988). Silva Júnior et al. (1987), estu- que as características do solo eram uniformes ao longo
dando áreas de cerradão com variações na composição da área. Em 1983, estudando a mesma área de cerra-
florística, encontraram apenas duas espécies cuja dis- do estudada por Mecenas (1980), em Brasília, Ribeiro
tribuição está associada às características do solo ana- (1983) não encontrou diferenças suficientes nos ele-
lisadas – Eugenia dysenterica e Magonia pubescens –, o mentos químicos do solo para explicar a variação en-
que, em parte, parece estar de acordo com o observado contrada na vegetação e mostrou valores de saturação
por Oliveira Filho e Martins (1986) e Furley e Ratter de alumínio maiores para o cerradão, quando compa-
(1988). Já as espécies encontradas em cerradão distró- rados com os de cerrado denso. Esses dados, portanto,
fico, como Qualea grandiflora, Qualea multiflora, Qua- contrariavam o padrão anteriormente encontrado por
lea parviflora, Didymopanax macrocarpum, Kielmeyera Goodland e Pollard (1973).
coriacea, Stryphnodendron polyphyllum, Xylopia aro- Em 90% das amostras de solos de cerrado são en-
matica, parecem ser em grande parte compartilhadas contrados níveis de alumínio freqüentemente tóxicos
pelas fisionomias mais abertas de cerrado (Moreno & para plantas cultivadas (Lopes, 1984). Entretanto, para
Schiavini, 2001). o cerrado de Mogi-Guaçu, Pompéia (1989) concluiu
Na tentativa de correlacionar fatores edáficos que o alumínio e o manganês não ocorriam em níveis
com a vegetação, alguns trabalhos acabaram por mos- prejudiciais ao desenvolvimento da vegetação, tendo
trar prováveis relações entre outros fatores ambientais apontado a existência de ecossistemas florestais com
e as variações na comunidade vegetal, como o padrão níveis desses elementos até maiores que nos cerrados.
da profundidade do substrato concrecionário e o pa- Assim, apesar de muito já ter sido discutido sobre
drão florístico (Mecenas, 1980). Nesse mesmo trabalho, a relação solo-vegetação em fisionomias do Domínio
o autor observou que os fatores físicos e geomorfo- Cerrado, é evidente que ainda existe muita controvérsia
lógicos pareciam preponderar sobre os químicos na sobre o assunto e a “polêmica da savana” (Goodland,
distribuição dos agrupamentos florísticos e aspectos da 1979) de forma alguma foi encerrada. Em uma parte
vegetação. Essa opinião já era compartilhada por Cole dos trabalhos realizados, os resultados mostraram uma
(1986), ao observar diversas áreas de cerrado no Bra- correlação entre as características químicas do solo e
sil Central. Além desses autores, Queiroz-Neto (1982), alguns parâmetros da vegetação, às vezes mostrando
Furley e Ratter (1988) e Furley (1996) também atribu- relações específicas, porém sem que houvesse um con-
íram grande importância à situação geomorfológica e senso quanto aos elementos mais relevantes nessas cor-
topográfica locais na distribuição da vegetação, pon- relações. Alguns trabalhos, ao contrário, encontraram
derando que relevos mais dissecados e rejuvenescidos diferenças nas características do solo em áreas onde a
por processos erosivos poderiam suportar vegetação de fisionomia da vegetação não apresentou variação. Um
maior porte. Outros fatores foram destacados, como o terceiro conjunto de trabalhos aponta outras caracterís-
regime hídrico do solo e as variações do lençol freático ticas do ambiente físico, que não o aspecto nutricional
e condições hídricas do solo (Botrel et al., 2002; Oli- do solo, como as mais importantes para a vegetação.
veira Filho & Martins, 1986; Oliveira Filho et al., 1989; Assim como Askew et al. (1971), alguns pesquisadores
1997), o fogo (Coutinho, 1982; Coutinho, 1990) e os não encontraram correlação alguma entre característi-
aspectos antrópicos (Durigan et al., 1987). cas do solo e variações fisionômicas da vegetação de
Alguns anos depois do trabalho de Goodland e cerrado (Gibbs et al., 1983; Pompéia, 1989; Ribeiro,
Pollard (1973), num estudo realizado na Fazenda Cam- 1983). É devido a esse cenário que as relações solo-ve-
pininha (Mogi Guaçu, SP), Gibbs et al. (1983) obser- getação ainda continuam a intrigar os pesquisadores.
varam que a vegetação variava ao longo da transeção
CAPÍTULO 13 121
Os solos e a comunidade vegetal
Figura 13.2. Parâmetros químicos (matéria orgânica, pH, alumínio, cálcio, magnésio, potássio, fósforo) e texturais
(argila) ao longo do perfil de solos na Gleba Cerrado Pé-de-Gigante. Amostras de solos identificadas segundo as clas-
ses de vegetação (campo cerrado, cerrado sensu stricto, cerradão, floresta estacional semidecídua e floresta ripária).
CAPÍTULO 13 123
Os solos e a comunidade vegetal
dida supostamente pode explicar melhor os padrões de Sabe-se que maiores percentagens de argila pro-
variação encontrados nos dados das espécies. Assim, porcionam maior retenção de água pelo solo. Essa mu-
para essas análises, as matrizes foram construídas com dança no regime de água no solo já foi apontada por
os dados obtidos nas análises químicas e físicas do solo outros pesquisadores como o principal fator na distin-
(variáveis ambientais deste trabalho) e com os valores ção entre savana e floresta (Furley, 1992) e pode estar
de densidade absoluta das espécies vegetais amostradas. sendo determinante também no Cerrado Pé-de-Gigante
Após as primeiras análises de ordenação, foram retira- (Figuras 13.2 e 13.3).
das as variáveis que apresentaram alta colinearidade. No que se refere à primeira camada do solo (0-5
O teste de permutação de Monte Carlo foi usado para cm), observou-se que a quantidade de nutrientes, de-
verificar a significância da análise de correspondência pois da percentagem de argila, é a variável que apre-
canônica, especialmente com relação ao primeiro eixo senta maior importância na distinção entre fisionomias
da análise (ter Braak, 1986). florestais e savânicas. No entanto, essa tendência não é
A seguir, esses resultados serão apresentados e observada nas demais profundidades. No diagrama de
discutidos, procurando responder às questões inicial- ordenação da correspondência canônica (Figura 13.3),
mente levantadas, sobre a dependência das fisionomias os eixos referentes a fósforo (P), potássio (K), matéria
de vegetação em relação aos aspectos químicos e físicos orgânica (mo) e saturação por bases (V) mostram que
do solo. A maior parte das conclusões aqui apresentadas essas variáveis apresentam maiores valores nas parce-
decorre desse estudo mais detalhado, feito nas parcelas las da floresta estacional (parcelas de 31 a 40).
de vegetação (Ruggiero, 2000; Ruggiero et al., 2002). Segundo a Figura 13.2, tanto a floresta estacional
No entanto, em alguns momentos há referências aos semidecídua quanto a floresta ripária tendem a apre-
primeiros dados de solo apresentados na Figura 13.2. sentar maiores valores de soma de bases na superfície
do solo. Resultados semelhantes foram encontrados por
Berroterán (1997) em florestas e savanas da Venezuela.
As fisionomias florestais Uma possível hipótese para explicar esses maiores valo-
diferenciam-se das savânicas res de bases no solo superficial seria a maior produção
de biomassa aérea e as maiores taxas de decomposição
quanto aos dados de solos? esperadas para as florestas, que resultariam num incre-
mento de bases na superfície do solo.
No Cerrado Pé-de-Gigante, apesar de ambas as
Primeiramente analisaram-se os resultados obtidos dos florestas – ripária e estacional semidecídua – apresen-
dois maiores grupos fisionômicos estudados – sava- tarem algumas características edáficas semelhantes
nas (campo cerrado, cerrado sensu stricto, cerradão) (Figura 13.2), os pontos de coleta de solo sob flores-
e florestas (floresta estacional semidecídua). Segundo ta ripária apresentaram valores notavelmente maiores
as análises de ordenação de correspondência canônica, de potássio, magnésio, cálcio e fósforo muito distan-
ficou evidente que a percentagem de argila no solo foi tes dos demais. O pH também se mostrou maior em
a variável mais importante nessa distinção, apresen- solos superficiais (0-5 cm) sob florestas (Figura 13.2),
tando os eixos mais significativos das análises (Figu- ao contrário dos valores de alumínio, menores nessas
ra 13.3). Nesse caso, os valores percentuais de argila formações.
foram maiores na floresta estacional semidecídua ao Estudando uma floresta semidecídua ao longo de
longo de todo o perfil até a maior profundidade ana- uma catena de solos, Oliveira Filho et al. (1997) encon-
lisada (100 cm) (Figura 13.3). (A análise dos dados de traram altos níveis de nutrientes, particularmente de Ca
solo de 80-100 cm de profundidade não está na Figura e Mg, em solos fracamente drenados e, conseqüente-
13.3 porque mostrou resultado semelhante à análise de mente, maiores valores de soma de bases. Os dados ob-
40-60 cm.) tidos para o Cerrado Pé-de-Gigante parecem concordar
com os desses autores, uma vez que os sítios de coleta
124 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal
Figura 13.3. Eixos 1 (horizontal) e 2 (vertical) dos diagramas de ordenação resultantes das análises de corres-
pondência canônica (CCA), com os valores de densidade absoluta das espécies e variáveis ambientais do solo, nas
profundidades de: 0-5 cm (A), 5-25 cm (B) e 40-60 cm (C). (mo, matéria orgânica; Ca, cálcio; Mg, magnésio; K,
potássio; P, fósforo; V, saturação por bases; m, saturação por alumínio; argila, percentagem de argila e pH; 1-10,
parcelas em campo cerrado; 11-20, parcelas em cerrado sensu stricto; 21-30, parcelas em cerradão; 31-40, parcelas
em floresta estacional semidecídua).
CAPÍTULO 13 125
Os solos e a comunidade vegetal
na floresta ripária, ao longo do córrego Paulicéia, pos- entre si, mas apenas o cerrado sensu lato da floresta es-
sivelmente apresentam solo com drenagem deficiente, tacional semidecídua. De forma geral, com exceção da
quando comparados com os sítios na floresta estacional percentagem de argila, essa relação ficou praticamente
semidecídua. Além disso, nos pontos de coleta na flo- restrita às primeiras camadas do solo, principalmen-
resta ripária, os valores de fósforo (P) encontrados fo- te entre 0-5 cm, tornando-se menos evidente quanto
ram discrepantes em relação aos encontrados em outras maior a profundidade do solo analisada (Figura 13.3).
fisionomias (Figura 13.2). Esse fato pode indicar a pre-
sença de processos locais, possivelmente mais relacio-
nados à atividade biológica ou à dinâmica da água que
à composição mineral do material de origem do solo.
Figura 13.4. Teores de alumínio trocável (média e desvio-padrão) nas quatro fisionomias de vegetação estudadas,
na Gleba Cerrado Pé-de-Gigante.
CAPÍTULO 13 127
Os solos e a comunidade vegetal
Em geral, os solos sob cerrado são distróficos, ri- na condutância estomática no meio do dia durante a
cos em alumínio e ácidos (Queiroz-Neto, 1982; Lopes, estação seca (Franco, 2000).
1984) e, em conseqüência, muitos autores propuseram Adicionalmente, há indícios de que as alterações
que o aspecto xeromórfico das plantas de cerrado fosse que diferentes espécies vegetais promovem nas primei-
decorrente dessa distrofia edáfica. Como visto anterior- ras camadas do solo estejam condicionadas à quali-
mente, essa idéia ficou conhecida como hipótese do es- dade e à quantidade de matéria orgânica liberada no
cleromorfismo oligotrófico (Arens, 1963) (Figura 13.1). solo (Challinor, 1968; Furley, 1976). Ao mesmo tempo,
No que se relaciona ao uso agrícola do solo, con- sabe-se que muitas das espécies características de cer-
siderando-se a acidez freqüente nos solos sob cerrado rado, como as pertencentes às famílias Rubiaceae e Vo-
– com pH geralmente entre 4,8 e 5,2 –, os valores ab- chysiaceae, são acumuladoras de alumínio (Haridasan,
solutos de alumínio trocável não são considerados tão 1982). Assim, pode-se sugerir que os altos valores de
altos. Entretanto, por também apresentarem uma baixa alumínio encontrados na superfície do solo sob cerrado
capacidade de troca catiônica efetiva, a saturação por podem estar relacionados ao acúmulo de alumínio por
alumínio, ou seja, a participação do alumínio no com- essas plantas, que o transferem para as primeiras ca-
plexo de troca de cátions, costuma ser elevada, podendo madas do solo via serapilheira e decomposição. Nesse
o alumínio ser o cátion dominante nesse processo (Lo- caso, uma possível hipótese seria que o acúmulo de
pes, 1984). A hipótese do oligotrofismo aluminotóxico, alumínio pelas plantas não se daria somente por um
citada no início deste capítulo, refere-se justamente à mecanismo de tolerância à presença desse elemento em
capacidade do alumínio de competir no solo pelos mes- quantidade excessiva, de forma absoluta, mas, talvez,
mos sítios ocupados pelas bases trocáveis, tornando, como conseqüência de algum mecanismo fisiológico de
assim, o solo ainda mais distrófico (Goodland, 1971b). captação de recursos do solo que seja eficiente nessas
No entanto, ainda que a maioria das plantas cultivadas condições em que se encontram as áreas de cerrado:
sofra com esses teores de alumínio, para que as hipó- baixa disponibilidade de macronutrientes e moderada
teses do escleromorfismo oligotrófico e oligotrofismo restrição hídrica.
aluminotóxico fossem corroboradas, esperar-se-ia que, Somente a existência desse mecanismo fisiológi-
em condições naturais, a concentração de bases fosse a co nas plantas de cerrado, no entanto, não explicaria os
variável mais importante na distinção entre cerrado e valores significativamente mais baixos de alumínio en-
floresta, em todas as profundidades do solo analisadas, contrados nos solos superficiais das áreas de floresta no
e que a quantidade de alumínio ou a saturação por Cerrado Pé-de-Gigante. Há evidências de que algumas
alumínio fosse crescente ou, pelo menos, constante ao espécies têm alta capacidade de modificar o ambiente
longo do perfil do solo e com valores distintos entre da sua rizosfera, exudando uma variedade de compo-
floresta e cerrado. Isso não foi verificado para o Cer- nentes orgânicos que podem formar um complexo com
rado Pé-de-Gigante. Ao contrário, a percentagem de os íons de alumínio na solução do solo, reduzindo a
argila foi o único fator que se mostrou significativo fitotoxicidade desse elemento. Esse fato já foi demons-
nessa distinção, em profundidades maiores do solo, en- trado para solos de floresta (Tyler & Falkengren-Grerup,
quanto os valores de alumínio foram homogêneos entre 1998). Dessa forma, o decréscimo de alumínio nas pri-
as fitofisionomias nessas profundidades (Figura 13.4). meiras camadas dos solos sob florestas é esperado de-
Também se acreditava, quando Arens (1963) e Goo- vido a esse efeito tampão do pH, resultante da presença
dland (1971) formularam tais hipóteses, que as plantas de matéria orgânica na superfície do solo (Malavolta et
de cerrado não sofriam nenhum tipo de restrição hí- al., 1977), e poderia explicar, no caso deste estudo, os
drica ao longo do ano, inclusive durante o período de baixos valores de alumínio medidos no solo sob flores-
seca. Atualmente, estudos que utilizaram técnicas mais ta estacional semidecídua.
recentes de troca de gases, documentaram bem casos Assim como também concluiu Haridasan (1992),
nos quais se detectou uma depressão na fotossíntese e portanto, a toxicidade por alumínio não parece ser o
128 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal
fator limitante para o desenvolvimento de floresta em e Xylopia aromática, e por maiores valores de alumínio
áreas de ocorrência de vegetação de cerrado. Os cer- na superfície do solo. Um segundo grupo de parcelas foi
rados – sujeitos a uma restrição hídrica maior – e as caracterizado pela maior abundância de Virola sebife-
florestas apenas parecem possuir mecanismos ou “es- ra, Platypodium elegans, Pterodon pubescens, Casearia
tratégias” diferentes para a solução de um mesmo pro- sylvestris, Amaioua guianensis, Matayba elaegnoides e
blema. Os mecanismos de absorção de nutrientes e de Anadenanthera macrophila, e por maiores quantidades
adaptação em solos com alta saturação de alumínio, de bases na superfície do solo.
por sua vez, são pouco conhecidos pela ciência e ainda Os gêneros Vochysia e Xylopia já foram aponta-
não foram completamente elucidados, especialmente dos na literatura como transicionais entre floresta e sa-
no caso dos cerrados (Haridasan, 2000). vana na América Central (Rommey, 1959 apud Kellman
& Miyanishi, 1982). Outra espécie de Vochysia (Vochy-
sia haenkeana) foi descrita como típica de cerradões
Os limites pedológicos de solos distróficos da região do Brasil Central (Ratter
entre floresta estacional et al., 1977). No Cerrado Pé-de-Gigante, Vochysia tu-
canorum encontrou-se associada a valores menores de
semidecídua e cerrado na soma de bases na superfície (Figura 13.6), mostrando
Gleba Pé-de-Gigante uma tendência semelhante, ao menos para o gênero, à
verificada em outros cerrados brasileiros. Ratter et al.
(1977) também apontaram Platypodium elegans – que
Com o intuito de verificar a existência de padrões se encontrou no Cerrado Pé-de-Gigante em situação
florísticos nas diferentes fitofisionomias da Gleba Pé- intermediária, tendendo a associar-se a maiores valores
de-Gigante, foi feita uma análise de correspondência de soma de bases (Figura 13.6) – como propriamente
destendencionada (DCA) com as espécies mais abun- árvore de cerradão e floresta.
dantes, isto é, aquelas com dez ou mais indivíduos, nas Esse detalhamento provavelmente mostra a tran-
40 parcelas aleatórias amostradas. Além do padrão já sição da vegetação e a mudança das características do
observado nas outras análises, esta análise mostrou solo superficial, no limite entre a floresta estacional
uma separação das parcelas da floresta estacional se- semidecídua e o cerrado sensu lato no Pé-de-Gigante.
midecídua em dois grupos, ainda que fisionomicamen- A separação entre as parcelas de cerrado e floresta está
te iguais, que puderam ser caracterizados pela maior relacionada às percentagens de argila em todo o perfil
abundância de algumas espécies (Figura 13.5). do solo. Na transição entre esses dois tipos de vegeta-
Em seguida, foram separadas somente as parce- ção, observa-se a mudança na abundância de espécies,
las da floresta estacional semidecídua e as variáveis correlacionada com variações nos valores de alumínio
do solo que se mostraram mais importantes na análise e de bases trocáveis no solo superficial.
do conjunto total das parcelas e realizada uma análise
de correspondência canônica (CCA) com esses dados
(Figura 13.6). No gráfico de ordenação das parcelas da
floresta estacional semidecídua (Figura 13.6), notaram-
se, novamente, os dois grupos distintos da Figura 13.5.
Contudo, nesta análise, eles se encontram claramente
relacionados às variáveis ambientais do solo (soma de
bases, argila e alumínio trocável). Nesse caso, um grupo
foi caracterizado pela abundância de Vochysia tucano-
rum, Copaifera langsdorffii, Tapirira guianensis, Cro-
ton floribundus, Esenbeckia febrifuga, Cupania vernalis
CAPÍTULO 13 129
Os solos e a comunidade vegetal
Figura 13.5. Eixos 1 (horizontal) e 2 (vertical) do diagrama de ordenação resultante da análise de correspondência
destendencionada (DCA), com os valores de densidade absoluta das espécies mais abundantes e das parcelas estu-
dadas. Os números indicam as fisionomias onde se encontravam as parcelas: 1-10, campo cerrado; 11-20, cerrado
sensu stricto; 21-30, cerradão; e 31-40, floresta estacional semidecidual. As espécies estão representadas por abre-
viações (4 letras do gênero e 4 da espécie).
Figura 13.6. Diagrama de ordenação da análise de correspondência canônica (CCA) considerando as espécies apenas
das parcelas da floresta estacional semidecídua e as seguintes variáveis do solo: soma de bases (SB), quantidade de
alumínio (Al) e percentagem de argila a 0-5 cm de profundidade. As espécies estão representadas por abreviações
(4 letras do gênero e 4 da espécie).
130 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal
COUTINHO, L. M. 1982. Ecological effects of fire in Brazi- para Pesquisa da Potassa e do Fosfato.
lian cerrado. In: HUNTLEY, B. J. & WALKER, B. H. (eds.) LOPES, A. S. & COX, F. R. 1977. Cerrado vegetation in Brazil:
Ecology of tropical savannas. Berlim, Springer-Verlag, p. an edaphic gradient. Agronomy Journal 69: 828-831.
273-291. HARIDASAN, M. 1982. Aluminium accumulation by some
COUTINHO, L. M. 1990. Fire in the ecology of the Brazilian cerrado native species of central Brazil. Plant and Soil
cerrado. In: GOLDAMMER, J. G. (ed.) Fire in the tropical 65: 265-273.
biota – ecosystem processes and global challenges. Ber- HARIDASAN, M. 1992. Observations on soils, foliar nutrients
lim, Springer-Verlag, p. 81-105. concentrations and floristic composition of cerrado sensu
DURIGAN, G.; SARAIVA, I. R.; GURGEL GARRIDO, L. M. do stricto and cerradão communities in central Brazil. In:
A.; GARRIDO, M. A. de O. & PECHE FILHO, A. 1987. Fi- FURLEY, P. A., PROCTOR, J. & RATTER, J. A. (eds.) Nature
tossociologia e evolução da densidade da vegetação do and Dynamics of forest-savanna boundaries. Reino Uni-
cerrado, Assis, SP. Boletim Técnico do Instituto Florestal do, Chapman & Hall.
41(1): 59-78. HARIDASAN, M. 2000. Nutrição mineral das plantas nativas
EITEN, G. 1982. Brazilian Savannas. Ecological Studies 42: do Cerado: grupos funcionais. 51º. Congresso Nacional de
25-47. Botânica - Tópicos atuais em Botânica (Palestras), Brasí-
FRANCO, A. C. 2000. Water and light use strategies by Cer- lia, DF, 23 a 29 de julho/2000, p. 159-164.
rado woody plants. 51º. Congresso Nacional de Botânica MALAVOLTA, E.; SARRUEL, J.R. & BITTENCOURT, V.C., 1977.
- Tópicos atuais em Botânica (Palestras), Brasília, DF, 23 Toxidez de alumínio e maganês. In: M.G.FERRI (ed.) IV
a 29 de julho/2000, p. 292-298. Simpósio sobre o Cerrado. Belo Horizonte, Itatiaia. pp.
FURLEY, P. A. 1976. Soil-slope-plant relationships in the 275 - 301.
northern Maya mountains, Belize, Central America III MECENAS, V. V. 1980. Relação entre a vegetação e fatores
– Variation in the properties of soil profiles. Journal of pedológicos, com ênfase em Gramineae e Leguminosae.
Biogeography 3: 303-319. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília.
FURLEY, P. A. 1992. Edaphic changes at the forest-savanna MORENO, M. I. C. & SCHIAVINI, I. 2001. Relação entre vege-
boundary with particular reference to the neotropics. In: tação e solo em um gradiente florestal na Estação Eco-
FURLEY, P. A.; PROCTOR, J. & RATTER, J. A. (eds.) Nature lógica do Panga, Uberlândia (MG). Revista Brasileira de
and Dynamics of forest-savanna boundaries. Reino Uni- Botânica 24 (4, suplemento): 537-544.
do, Chapman & Hall. MUELLER-DOMBOIS, D. & ELLENBERG, H. 1974. Aims and
FURLEY, P. A. 1996. The influence of slope on the nature and methods of vegetation ecology. Nova Iorque, John Willey
distribution of soils and plant communities in the central & Sons.
Brazilian cerrado. Advances in Hillslope Processes 1(15): OLIVEIRA-FILHO, A. T. de & MARTINS, F. R. 1986. Distribui-
327-345. ção, caracterização e composição florística das formações
FURLEY, P. A. & RATTER, J. A. 1988. Soil resources and plant vegetais da região da Salgadeira, na Chapada dos Guima-
communities of the central Brazilian cerrado and their rães, MT. Revista Brasileira de Botânica 9: 207-223.
development. Journal of Biogeography 15: 97-108. OLIVEIRA-FILHO, A. T. de; SHERPHERD, G. J.; MARTINS, F.
GIBBS, P. E.; LEITÃO-FILHO, H. de F. & SHEPHERD, G. 1983. R. & STUBBLELINE, W. H. 1989. Environmental factors
Floristic composition and community structure in an area effecting physiognomic and floristic variation in area of
of Cerrado in SE Brazil. Flora 173: 433-449. cerrado in central Brazil. Journal of Tropical Ecology 5:
GOODLAND, R. 1971 (a). A physionomic analyses of the “cer- 413-431.
rado” vegetation of the central Brazil. Journal of Ecology OLIVEIRA-FILHO, A. T. de; CURI, N; VILELA, E. A. & CAR-
59: 411-419. VALHO, D. A. 1997. Tree species distribution along soil
GOODLAND, R. 1971 (b). Oligotrofismo e alumínio no cerra- catenas in a riverside semideciduous forest in the southe-
do. In: FERRI, M. G. (coord.) III Simpósio sobre o Cerrado. astern Brazil. Flora 192:47-64.
São Paulo, Universidade de São Paulo, p. 44-50. POMPÉIA, S. L. 1989. Aspectos da dinâmica dos nutrientes
GOODLAND, R. J. A. 1979. Ecologia do Cerrado. São Paulo, minerais em solo sob vegetação de campo-cerrado (Mogi-
EDUSP/ Itatiaia. Guaçu, SP). Dissertação de Mestrado. Departamento de
GOODLAND, R. & POLLARD, R. 1973. The Brazilian cerra- Ecologia/IBUSP.
do vegetation: a fertility gradient. Journal of Ecology 61: QUEIROZ-NETO, J. P. de 1982. Solos da região dos cerrados e
219-224. suas interpretações (revisão de literatura). Revista Brasi-
KELLMAN, M. 1979. Soil enrichment by neotropical savanna leira de Ciência do Solo 6(1): 1-12.
trees. Journal of Ecology 67: 565-577. RATTER, J. A.; ASKEW, G. P.; MONTOGOMERY, R. F. & GI-
KELLMAN, M. & MIYANISHI, K. 1982. Forest seedling es- FFORD, D. R. 1977. Observações adicionais sobre o cer-
tablishment in Neotropical savannas: observations and radão de solos mesotróficos no Brasil Central. In: FERRI,
experiments in the Mountain Pine Ridge savanna, Belize. M. G. (coord.) IV Simpósio sobre o cerrado. São Paulo,
Journal of Biogeography 9: 193-206. EDUSP/Itatiaia, p. 303-316.
LOPES, A. S. 1984. Solos sob “cerrado” características, pro- RAWITSCHER, F. 1942. Algumas noções sobre a transpiração
priedades e manejo. Piracicaba, Associação Brasileira e o balanço d’água de plantas brasileiras. An. Acad. Bras.
de Ciências T. XIV no. 1.
132 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal