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IIi

as relações entre
a vegetação e o meio físico
do Cerrado Pé-de-Gigante
13.
O solo e a comunidade vegetal

Patricia Guidão Cruz Ruggiero


Vânia Regina Pivello

parte IIi
118 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal

A pesar de muito estudado, o cerrado ainda desperta


grande interesse, por apresentar aspectos aparente-
mente paradoxais, que geram discussão na literatura. A
Outros fatores ambientais começaram, então, a
ser apontados pelos pesquisadores como determinantes
da vegetação de cerrado. Em 1952, Alvim e Araújo, es-
relação solo-vegetação é um desses pontos controversos tudando diversas manchas de cerrado dentro do Domí-
da ecologia do cerrado. Por estarem intimamente asso- nio Morfoclimático do Cerrado, concluíram que o solo
ciados, é intuitivo esperar uma relação de causa e conse- – especialmente com relação ao pH e concentrações de
qüência entre solo e vegetação. No entanto, é, ao mesmo cálcio – constituía o fator ecológico mais importante
tempo, difícil reconhecer os efeitos que um tem sobre o na distribuição das fisionomias de cerrado. Passou-se,
outro. No presente capítulo, investiga-se essa questão na então, a atribuir maior importância às características
Gleba Cerrado Pé-de-Gigante por meio da interpretação do solo para a ocorrência do cerrado. O aspecto “xe-
de dados de solo e vegetação, com o auxílio de análises romórfico” da vegetação, estudado por Rawitscher et
multivariadas. Mais especificamente, foram feitas con- al. (1943), passou a ser investigado com enfoque nas
siderações entre as características físicas e químicas do deficiências minerais do solo, por Arens (1963), que
solo e suas possíveis relações com a variação dos tipos propôs a hipótese do escleromorfismo oligotrófico (Fi-
e formas de vegetação encontrados na área. gura 13.1).
No início da década de 1970, Goodland (1971a)

A relação solo-vegetação no afirmou que a fisionomia de cerradão era preferencial-


mente desmatada para o uso agrícola, por ocorrer so-
cerrado ao longo do tempo bre solos mais ricos. Ao mesmo tempo, Askew et al.
(1971) verificaram, numa região de limite entre cerrado
e mata, solos distróficos tanto sob o cerrado quanto
No início da década de 1940, na tentativa de se com- sob a mata, bem como maiores valores de pH e de cál-
preender melhor as causas da distribuição dos cerra- cio trocável para os solos de cerrado. No entanto, os
dos, foram realizados os primeiros estudos ecológicos resultados de Askew et al. (1971), discordantes de Al-
sistemáticos na Estação Experimental Cerrado de Emas vim e Araújo (1952), não tiveram muita repercussão.
(Pirassununga, SP) (Rawitscher, 1942; 1948; Rawits- A importância do solo para a vegetação de cerrado foi
cher et al., 1943). Esses trabalhos focalizaram, priori- reforçada quando, no mesmo ano, Camargo (1971) re-
tariamente, os fatores relacionados ao balanço de água afirmou a idéia de que somente os fatores climáticos
para a vegetação, já que o aspecto xeromórfico das não pareciam suficientes para explicar a distribuição
plantas havia sido ressaltado pelos primeiros pesqui- dos cerrados.
sadores a descrever o cerrado, como Lund (1835, apud Em seguida, Goodland e Pollard (1973) mostraram
Rawitscher et al., 1943) e Warming (1908). A hipótese um paralelo entre um gradiente fisionômico do cerrado
de vegetação xeromórfica intrigou os pesquisadores da e um gradiente de fertilidade do solo, numa correlação
década de 1940, uma vez que manchas de cerrado eram entre a área basal por hectare e concentrações de fósfo-
encontradas em regiões com predominância de cober- ro, nitrogênio e potássio. Esses autores enfatizaram que
tura vegetal florestal, como é o caso do Estado de São a fertilidade do solo não seria necessariamente a causa
Paulo. Assim, Rawitscher et al. (1943) propuseram que do gradiente fisionômico, fato ressaltado por Lopes e
a ocorrência de campos cerrados em locais onde eram Cox (1977) numa revisão sobre o tema. No entanto, al-
esperadas florestas, bem como o aspecto xeromórfico guns autores, como Eiten (1982), referindo-se às man-
das plantas, fossem devidos a outros fatores – como chas de cerrado do Estado de São Paulo, continuaram
queimadas – e não a um possível déficit hídrico, já que a atribuir uma relação de causa e efeito à questão da
os dados de umidade do solo e o comportamento das fertilidade do solo no cerrado: “Hence, whether cerrado
plantas não eram compatíveis com os de uma situação or forest occurs in this climate depends on the soil fer-
xérica ou árida. tility.” (Grifo nosso.)
CAPÍTULO 13 119
Os solos e a comunidade vegetal

Figura 13.1. Representação es-


quemática das hipóteses do “escle-
ESCLEROFILIA
romorfismo oligotrófico” (Arens,
1963) e do “oligotrofismo alumi-
notóxico” (Goodland 1971b).
alta incidência
de luz solar produção de carboidratos
(membranas mais espessas e
outras características escleromórficas

deficiência na
produção de proteínas

altas taxas
fotossintéticas
falta de nutrientes no solo

ausência de
limitação presença do alumínio no
de água complexo de troca catiônica do solo

Goodland e Pollard (1973) não encontraram cor- tenha variado nos diferentes trabalhos. Num trabalho
relação negativa significativa entre esse mesmo gra- realizado na região de Mogi-Guaçu, Batista (1988) en-
diente de vegetação e o alumínio, porém encontraram controu correlação entre várias características edáficas
correlação negativa significativa entre o alumínio e – entre elas, o teor de potássio e o pH – com variáveis
teores de Ca++ Mg++ e K+. Com base nisso, os autores da vegetação, como altura e área basal, sendo a influ-
sugeriram que o principal efeito do alumínio no solo ência das características edáficas diferente para cada
seria o de competir com as bases trocáveis pelos mes- espécie. Silva Júnior et al. (1987) encontraram corre-
mos sítios de troca no complexo coloidal do solo. A lação positiva entre os teores de alumínio com altura,
idéia de que o alumínio promove o empobrecimento densidade e área basal da vegetação. Posteriormente,
ainda maior do solo ficou conhecida como hipótese do Silva (1993) encontrou correlação entre matéria orgâ-
oligotrofismo aluminotóxico (Goodland, 1971b) e foi nica e a área basal, e também verificou que o número
adicionada à hipótese do escleromorfismo oligotrófico de indivíduos era diretamente proporcional aos teores
(Figura 13.1). de fósforo, cálcio e matéria orgânica, num gradiente de
Posteriormente, uma seqüência de estudos prio- campo sujo e campo cerrado em direção ao cerrado.
rizou a investigação das relações entre os nutrientes Ao contrário dos trabalhos citados, cujos autores
do solo e a vegetação de cerrado em diversas áreas. encontraram diferentes fisionomias de cerrado varian-
No conjunto desses estudos, os resultados apresentados do simultaneamente com características do solo, outros
são diversos e muitas vezes discordantes. Entre outros trabalhos mostraram a variação de características edá-
autores que observaram correlação entre o teor de nu- ficas, sem que tenha sido encontrada correspondência
trientes e a vegetação de cerrado (Batista, 1988; Silva na variação fitofisionômica, mas sim, na flora local.
Júnior et al., 1987; Silva, 1993), é digno de nota que a Por exemplo, alguns pesquisadores observaram a exis-
importância relativa de cada nutriente para a vegetação tência de dois tipos de cerradão: um associado a solos
120 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal

mais pobres, e um segundo tipo relacionado a solos estudada e podia ser separada floristicamente por meio
mesotróficos e caracterizado pela presença de espé- de técnicas de análise multivariada em pelo menos
cies como Magonia pubescens e Callisthene fascicula- duas fisionomias distintas: campo cerrado e cerrado.
ta (Ratter et al., 1977; Oliveira Filho & Martins, 1986; Entretanto, esses mesmos pesquisadores observaram
Furley & Ratter, 1988). Silva Júnior et al. (1987), estu- que as características do solo eram uniformes ao longo
dando áreas de cerradão com variações na composição da área. Em 1983, estudando a mesma área de cerra-
florística, encontraram apenas duas espécies cuja dis- do estudada por Mecenas (1980), em Brasília, Ribeiro
tribuição está associada às características do solo ana- (1983) não encontrou diferenças suficientes nos ele-
lisadas – Eugenia dysenterica e Magonia pubescens –, o mentos químicos do solo para explicar a variação en-
que, em parte, parece estar de acordo com o observado contrada na vegetação e mostrou valores de saturação
por Oliveira Filho e Martins (1986) e Furley e Ratter de alumínio maiores para o cerradão, quando compa-
(1988). Já as espécies encontradas em cerradão distró- rados com os de cerrado denso. Esses dados, portanto,
fico, como Qualea grandiflora, Qualea multiflora, Qua- contrariavam o padrão anteriormente encontrado por
lea parviflora, Didymopanax macrocarpum, Kielmeyera Goodland e Pollard (1973).
coriacea, Stryphnodendron polyphyllum, Xylopia aro- Em 90% das amostras de solos de cerrado são en-
matica, parecem ser em grande parte compartilhadas contrados níveis de alumínio freqüentemente tóxicos
pelas fisionomias mais abertas de cerrado (Moreno & para plantas cultivadas (Lopes, 1984). Entretanto, para
Schiavini, 2001). o cerrado de Mogi-Guaçu, Pompéia (1989) concluiu
Na tentativa de correlacionar fatores edáficos que o alumínio e o manganês não ocorriam em níveis
com a vegetação, alguns trabalhos acabaram por mos- prejudiciais ao desenvolvimento da vegetação, tendo
trar prováveis relações entre outros fatores ambientais apontado a existência de ecossistemas florestais com
e as variações na comunidade vegetal, como o padrão níveis desses elementos até maiores que nos cerrados.
da profundidade do substrato concrecionário e o pa- Assim, apesar de muito já ter sido discutido sobre
drão florístico (Mecenas, 1980). Nesse mesmo trabalho, a relação solo-vegetação em fisionomias do Domínio
o autor observou que os fatores físicos e geomorfo- Cerrado, é evidente que ainda existe muita controvérsia
lógicos pareciam preponderar sobre os químicos na sobre o assunto e a “polêmica da savana” (Goodland,
distribuição dos agrupamentos florísticos e aspectos da 1979) de forma alguma foi encerrada. Em uma parte
vegetação. Essa opinião já era compartilhada por Cole dos trabalhos realizados, os resultados mostraram uma
(1986), ao observar diversas áreas de cerrado no Bra- correlação entre as características químicas do solo e
sil Central. Além desses autores, Queiroz-Neto (1982), alguns parâmetros da vegetação, às vezes mostrando
Furley e Ratter (1988) e Furley (1996) também atribu- relações específicas, porém sem que houvesse um con-
íram grande importância à situação geomorfológica e senso quanto aos elementos mais relevantes nessas cor-
topográfica locais na distribuição da vegetação, pon- relações. Alguns trabalhos, ao contrário, encontraram
derando que relevos mais dissecados e rejuvenescidos diferenças nas características do solo em áreas onde a
por processos erosivos poderiam suportar vegetação de fisionomia da vegetação não apresentou variação. Um
maior porte. Outros fatores foram destacados, como o terceiro conjunto de trabalhos aponta outras caracterís-
regime hídrico do solo e as variações do lençol freático ticas do ambiente físico, que não o aspecto nutricional
e condições hídricas do solo (Botrel et al., 2002; Oli- do solo, como as mais importantes para a vegetação.
veira Filho & Martins, 1986; Oliveira Filho et al., 1989; Assim como Askew et al. (1971), alguns pesquisadores
1997), o fogo (Coutinho, 1982; Coutinho, 1990) e os não encontraram correlação alguma entre característi-
aspectos antrópicos (Durigan et al., 1987). cas do solo e variações fisionômicas da vegetação de
Alguns anos depois do trabalho de Goodland e cerrado (Gibbs et al., 1983; Pompéia, 1989; Ribeiro,
Pollard (1973), num estudo realizado na Fazenda Cam- 1983). É devido a esse cenário que as relações solo-ve-
pininha (Mogi Guaçu, SP), Gibbs et al. (1983) obser- getação ainda continuam a intrigar os pesquisadores.
varam que a vegetação variava ao longo da transeção
CAPÍTULO 13 121
Os solos e a comunidade vegetal

Uma análise detalhada Até aqui, foram apresentadas apenas as caracte-


rísticas dos solos conforme as classes do mapa de ve-
das relações entre getação do Capítulo 3. Entretanto, há algumas outras
questões que devem ser colocadas. Existem, de fato, di-
características edáficas e ferenças estruturais entre as fisionomias estudadas? Se
comunidades vegetais existem, as diferenças estão relacionadas a alguma das
variáveis edáficas medidas? Para essa análise das rela-
ções entre o solo e a vegetação na Gleba Pé-de-Gigante
A comparação entre os mapas de fisionomias de ve- foram coletados dados quantitativos das fisionomias de
getação e classes de solo forneceu uma idéia geral da vegetação mais representativas na área e novas coletas
distribuição das fitofisionomias sobre os diferentes ti- de solo (Ruggiero et al., 2002).
pos de solo na Gleba (vide Capítulo 5). A fim de veri- Foram distribuídas aleatoriamente 40 parcelas
ficar a validade das hipóteses acerca da variação das de 10 x 10 m em quatro fitofisionomias: campo cer-
fisionomias de cerrado e floresta conforme a fertilidade rado, cerrado sensu stricto, cerradão (lembrando que
do solo, anteriormente formuladas por Alvim & Araujo esta classe, neste capítulo, representa o agrupamento
(1952), Arens (1963), Goodland & Pollard (1973), par- de “cerrado sensu stricto, com estrato herbáceo ralo”
tiu-se para análises mais detalhadas, tentando analisar e “cerradão”) e floresta estacional semidecídua. As de-
características químicas e texturais dos solos em cada mais fitofisionomias foram excluídas dessa parte do
fitofisionomia da Gleba. Essas características edáficas estudo por dois motivos: (1) não são fisionomias re-
foram determinadas conforme descrito no Capítulo 5, presentativas no que se refere à sua extensão na Gleba;
sempre em quatro profundidades (0-5, 5-25, 40-60 e ou (2) são fisionomias cuja estrutura está claramente
80-100 cm). A partir daqui, neste capítulo, os dados descaracterizada, como é o caso da floresta ripária. Em
obtidos para as classes de vegetação “cerrado sensu cada parcela, novamente foram coletadas amostras de
stricto com estrato herbáceo ralo” e “cerradão” serão solo em quatro profundidades (0-5, 5-25, 40-60 e 80-
agrupados numa única classe, denominada somente 100 cm) e identificadas todas as espécies lenhosas do
como “cerradão”. componente arbustivo-arbóreo com diâmetro no nível
Num primeiro momento, relacionaram-se as ca- do solo > 3 cm (SMA, 1997), com o auxílio de chaves
racterísticas dos solos à sua posição em campo (co- de identificação baseadas em caracteres vegetativos
ordenadas geográficas) quanto às classes do mapa (Batalha & Mantovani, 1999). Os valores de densidade
de vegetação apresentado no Capítulo 3. Nesse caso, relativa para cada espécie foram calculados segundo
os parâmetros edáficos analisados foram plotados ao Mueller-Dombois e Ellenberg (1974).
longo do perfil de solo, para cada classe de vegetação Com essa nova amostragem de solo, agora asso-
(Figura 13.2). Algumas tendências, então, podem ser ciada a parcelas de vegetação, conduziram-se análises
apontadas: (1) os valores referentes ao solo superficial estatísticas descritivas, testes de normalidade (Zar, 1999)
(0-5 cm) tendem a comportar-se de maneira distinta e, por fim, análises de ordenação de correspondência
daqueles obtidos em maiores profundidades – isso fica canônica (CCA) e de correspondência destendencio-
evidente principalmente para o pH e o teor de alumínio; nada (DCA) ter Braak, 1986). As análises de ordena-
(2) as fisionomias florestais (floresta ripária e floresta ção são capazes de posicionar as parcelas estudadas
estacional semidecídua) assemelham-se mais quando ao longo de eixos, com base nos dados quantitativos
comparadas às fisionomias de cerrado, especialmente obtidos para as espécies, de maneira que os pontos que
quanto aos teores de alumínio, magnésio e argila; e (3) se apresentam mais próximos entre si correspondem a
os pontos coletados dentro da floresta ripária apresen- parcelas mais similares quanto ao parâmetro analisa-
taram quantidades maiores de cálcio, potássio, magné- do (freqüência, densidade absoluta, densidade relativa
sio e fósforo, portanto, maior quantidade de soma de etc.). Mais especificamente, as análises de correspon-
bases. dência canônica detectam que variável ambiental me-
122 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal

Figura 13.2. Parâmetros químicos (matéria orgânica, pH, alumínio, cálcio, magnésio, potássio, fósforo) e texturais
(argila) ao longo do perfil de solos na Gleba Cerrado Pé-de-Gigante. Amostras de solos identificadas segundo as clas-
ses de vegetação (campo cerrado, cerrado sensu stricto, cerradão, floresta estacional semidecídua e floresta ripária).
CAPÍTULO 13 123
Os solos e a comunidade vegetal

dida supostamente pode explicar melhor os padrões de Sabe-se que maiores percentagens de argila pro-
variação encontrados nos dados das espécies. Assim, porcionam maior retenção de água pelo solo. Essa mu-
para essas análises, as matrizes foram construídas com dança no regime de água no solo já foi apontada por
os dados obtidos nas análises químicas e físicas do solo outros pesquisadores como o principal fator na distin-
(variáveis ambientais deste trabalho) e com os valores ção entre savana e floresta (Furley, 1992) e pode estar
de densidade absoluta das espécies vegetais amostradas. sendo determinante também no Cerrado Pé-de-Gigante
Após as primeiras análises de ordenação, foram retira- (Figuras 13.2 e 13.3).
das as variáveis que apresentaram alta colinearidade. No que se refere à primeira camada do solo (0-5
O teste de permutação de Monte Carlo foi usado para cm), observou-se que a quantidade de nutrientes, de-
verificar a significância da análise de correspondência pois da percentagem de argila, é a variável que apre-
canônica, especialmente com relação ao primeiro eixo senta maior importância na distinção entre fisionomias
da análise (ter Braak, 1986). florestais e savânicas. No entanto, essa tendência não é
A seguir, esses resultados serão apresentados e observada nas demais profundidades. No diagrama de
discutidos, procurando responder às questões inicial- ordenação da correspondência canônica (Figura 13.3),
mente levantadas, sobre a dependência das fisionomias os eixos referentes a fósforo (P), potássio (K), matéria
de vegetação em relação aos aspectos químicos e físicos orgânica (mo) e saturação por bases (V) mostram que
do solo. A maior parte das conclusões aqui apresentadas essas variáveis apresentam maiores valores nas parce-
decorre desse estudo mais detalhado, feito nas parcelas las da floresta estacional (parcelas de 31 a 40).
de vegetação (Ruggiero, 2000; Ruggiero et al., 2002). Segundo a Figura 13.2, tanto a floresta estacional
No entanto, em alguns momentos há referências aos semidecídua quanto a floresta ripária tendem a apre-
primeiros dados de solo apresentados na Figura 13.2. sentar maiores valores de soma de bases na superfície
do solo. Resultados semelhantes foram encontrados por
Berroterán (1997) em florestas e savanas da Venezuela.
As fisionomias florestais Uma possível hipótese para explicar esses maiores valo-
diferenciam-se das savânicas res de bases no solo superficial seria a maior produção
de biomassa aérea e as maiores taxas de decomposição
quanto aos dados de solos? esperadas para as florestas, que resultariam num incre-
mento de bases na superfície do solo.
No Cerrado Pé-de-Gigante, apesar de ambas as
Primeiramente analisaram-se os resultados obtidos dos florestas – ripária e estacional semidecídua – apresen-
dois maiores grupos fisionômicos estudados – sava- tarem algumas características edáficas semelhantes
nas (campo cerrado, cerrado sensu stricto, cerradão) (Figura 13.2), os pontos de coleta de solo sob flores-
e florestas (floresta estacional semidecídua). Segundo ta ripária apresentaram valores notavelmente maiores
as análises de ordenação de correspondência canônica, de potássio, magnésio, cálcio e fósforo muito distan-
ficou evidente que a percentagem de argila no solo foi tes dos demais. O pH também se mostrou maior em
a variável mais importante nessa distinção, apresen- solos superficiais (0-5 cm) sob florestas (Figura 13.2),
tando os eixos mais significativos das análises (Figu- ao contrário dos valores de alumínio, menores nessas
ra 13.3). Nesse caso, os valores percentuais de argila formações.
foram maiores na floresta estacional semidecídua ao Estudando uma floresta semidecídua ao longo de
longo de todo o perfil até a maior profundidade ana- uma catena de solos, Oliveira Filho et al. (1997) encon-
lisada (100 cm) (Figura 13.3). (A análise dos dados de traram altos níveis de nutrientes, particularmente de Ca
solo de 80-100 cm de profundidade não está na Figura e Mg, em solos fracamente drenados e, conseqüente-
13.3 porque mostrou resultado semelhante à análise de mente, maiores valores de soma de bases. Os dados ob-
40-60 cm.) tidos para o Cerrado Pé-de-Gigante parecem concordar
com os desses autores, uma vez que os sítios de coleta
124 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal

Figura 13.3. Eixos 1 (horizontal) e 2 (vertical) dos diagramas de ordenação resultantes das análises de corres-
pondência canônica (CCA), com os valores de densidade absoluta das espécies e variáveis ambientais do solo, nas
profundidades de: 0-5 cm (A), 5-25 cm (B) e 40-60 cm (C). (mo, matéria orgânica; Ca, cálcio; Mg, magnésio; K,
potássio; P, fósforo; V, saturação por bases; m, saturação por alumínio; argila, percentagem de argila e pH; 1-10,
parcelas em campo cerrado; 11-20, parcelas em cerrado sensu stricto; 21-30, parcelas em cerradão; 31-40, parcelas
em floresta estacional semidecídua).
CAPÍTULO 13 125
Os solos e a comunidade vegetal

na floresta ripária, ao longo do córrego Paulicéia, pos- entre si, mas apenas o cerrado sensu lato da floresta es-
sivelmente apresentam solo com drenagem deficiente, tacional semidecídua. De forma geral, com exceção da
quando comparados com os sítios na floresta estacional percentagem de argila, essa relação ficou praticamente
semidecídua. Além disso, nos pontos de coleta na flo- restrita às primeiras camadas do solo, principalmen-
resta ripária, os valores de fósforo (P) encontrados fo- te entre 0-5 cm, tornando-se menos evidente quanto
ram discrepantes em relação aos encontrados em outras maior a profundidade do solo analisada (Figura 13.3).
fisionomias (Figura 13.2). Esse fato pode indicar a pre-
sença de processos locais, possivelmente mais relacio-
nados à atividade biológica ou à dinâmica da água que
à composição mineral do material de origem do solo.

As características pedológicas A comunidade vegetal e


variam entre as classes de os solos superficiais
fisionomias de cerrado?
Em geral, a relação entre fitofisionomias e classes de
As fisionomias de cerrado, por sua vez, não se apresen- solo foi mais forte na superfície. Observando-se so-
taram relacionadas à fertilidade do solo (Figura 13.2 mente os dados de solo (Figura 13.2) ou a análise dos
e 13.3): os solos coletados nas fisionomias de cerrado dados quantitativos do componente arbóreo-arbustivo
–campo cerrado, cerrado sensu stricto, cerradão– não com relação aos dados de solo (Figura 13.3), nota-se
mostraram distinção entre si (Figura 13.2). que, enquanto a relação entre a variação da vegeta-
As fisionomias de cerrado, quando comparadas à ção e a percentagem de argila no solo se mantém ao
densidade das espécies do componente arbóreo-arbus- longo do perfil, a relação entre a vegetação e as variá-
tivo, também não se mostraram relacionadas a nenhum veis químicas, que se mostrou significativa na primeira
gradiente de fertilidade no solo. Esse fato pode ser ob- camada do solo, enfraquece logo na profundidade se-
servado no diagrama de ordenação da correspondência guinte, deixando de ser significativa, não sendo mais
canônica (Figura 13.3), no qual os pontos referentes observada a partir de 40-60 cm (Figura 13.3). Furley
às fisionomias de cerrado se encontram próximos ao (1976), estudando vertentes catenárias na América
centro do diagrama, sem que se possa fazer nenhuma Central, também encontrou forte correlação entre os
distinção entre elas. Quanto ao cerrado sensu lato (con- padrões da vegetação e as características do solo da
junto das fisionomias de cerrado), o vetor de saturação superfície, bem como os solos da subsuperfície, nota-
por alumínio tende a ser o mais fortemente relacionado velmente uniformes. Outros trabalhos que buscaram
a esses pontos. Nesse caso, apesar de estarem mescla- descrever as relações entre solo e vegetação de cerrado
dos entre si, os pontos referentes ao cerrado sensu lato e que apontaram algumas correlações significativas fi-
podem ser nitidamente distintos dos pontos da floresta zeram-no apenas para as primeiras camadas (Alvim &
estacional semidecídua, especialmente pela diferen- Araújo, 1952; Goodland & Pollard, 1973). Goodland &
ça na percentagem de argila e, secundariamente, pela Pollard (1973) chegam a ressaltar que seria preferível
quantidade de bases na superfície do solo (matéria or- uma amostragem em maiores profundidades de solo.
gânica, potássio, cálcio e fósforo), como discutido no Sparovek & Camargo (1997), estudando os solos
item anterior (Figura 13.3). de um remanescente florestal no Estado de São Paulo,
Concluindo, a variação na quantidade de bases mostraram a alta variação das características do solo
trocáveis ou de nutrientes disponíveis no Cerrado Pé- nas primeiras camadas (0-5 cm), provavelmente cau-
de-Gigante não distingue as fisionomias de cerrado sada por influência da heterogeneidade da biota que
126 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal

se encontra acima do solo. Logo, essa variação decorre


também da forte influência da vegetação, uma vez que
As hipóteses do
a superfície do solo está mais diretamente em contato escleromorfismo oligotrófico e
com a comunidade biótica e, portanto, pode ser enten-
dida como fruto da interação dos dois meios. Kellman
do oligotrofismo aluminotóxico
(1979) mostrou um enriquecimento das primeiras cama- e o Cerrado Pé-de-Gigante
das do solo por meio do aumento na concentração de
determinados elementos químicos, sob as copas de de-
terminadas espécies de savana –como Byrsonima cras- Na Gleba Pé-de-Gigante, os solos superficiais sob flo-
sifolia (L.) Kunth, Clethra hondurensis Britton, Quercus restas semidecídua e ripária apresentaram tanto os
shipii Standl. , Q. oleoides Cham. & Schlecht e Miconia maiores valores de bases trocáveis quanto os menores
albicans (Sw.) Triana. Silva Júnior et al. (1987) também valores em concentração de alumínio e saturação por
apontam o importante papel da ciclagem de nutrientes, alumínio. A partir de 40-60 cm de profundidade, no
especialmente nas camadas superficiais do solo, para a entanto, as florestas possuem concentrações de alu-
comunidade vegetal. Como as comunidades biológicas mínio iguais às dos solos das fisionomias de cerrado.
(vegetal e faunística) e as primeiras camadas do solo Esse padrão, que já havia sido detectado nas primeiras
estão intimamente relacionadas, pode-se esperar, por- coletas de solo na Gleba (Figura 13.2), foi confirmado
tanto, que as correlações mais fortes entre vegetação e no detalhamento do estudo feito nas parcelas em di-
solo se dêem com dados provenientes dessas camadas ferentes fitofisionomias (Figura 13.4). As fisionomias
superficiais. de cerrado, por sua vez, mostraram-se associadas aos
maiores valores de alumínio trocável nas camadas su-
perficiais do solo (Figura 13.4).

Figura 13.4. Teores de alumínio trocável (média e desvio-padrão) nas quatro fisionomias de vegetação estudadas,
na Gleba Cerrado Pé-de-Gigante.
CAPÍTULO 13 127
Os solos e a comunidade vegetal

Em geral, os solos sob cerrado são distróficos, ri- na condutância estomática no meio do dia durante a
cos em alumínio e ácidos (Queiroz-Neto, 1982; Lopes, estação seca (Franco, 2000).
1984) e, em conseqüência, muitos autores propuseram Adicionalmente, há indícios de que as alterações
que o aspecto xeromórfico das plantas de cerrado fosse que diferentes espécies vegetais promovem nas primei-
decorrente dessa distrofia edáfica. Como visto anterior- ras camadas do solo estejam condicionadas à quali-
mente, essa idéia ficou conhecida como hipótese do es- dade e à quantidade de matéria orgânica liberada no
cleromorfismo oligotrófico (Arens, 1963) (Figura 13.1). solo (Challinor, 1968; Furley, 1976). Ao mesmo tempo,
No que se relaciona ao uso agrícola do solo, con- sabe-se que muitas das espécies características de cer-
siderando-se a acidez freqüente nos solos sob cerrado rado, como as pertencentes às famílias Rubiaceae e Vo-
– com pH geralmente entre 4,8 e 5,2 –, os valores ab- chysiaceae, são acumuladoras de alumínio (Haridasan,
solutos de alumínio trocável não são considerados tão 1982). Assim, pode-se sugerir que os altos valores de
altos. Entretanto, por também apresentarem uma baixa alumínio encontrados na superfície do solo sob cerrado
capacidade de troca catiônica efetiva, a saturação por podem estar relacionados ao acúmulo de alumínio por
alumínio, ou seja, a participação do alumínio no com- essas plantas, que o transferem para as primeiras ca-
plexo de troca de cátions, costuma ser elevada, podendo madas do solo via serapilheira e decomposição. Nesse
o alumínio ser o cátion dominante nesse processo (Lo- caso, uma possível hipótese seria que o acúmulo de
pes, 1984). A hipótese do oligotrofismo aluminotóxico, alumínio pelas plantas não se daria somente por um
citada no início deste capítulo, refere-se justamente à mecanismo de tolerância à presença desse elemento em
capacidade do alumínio de competir no solo pelos mes- quantidade excessiva, de forma absoluta, mas, talvez,
mos sítios ocupados pelas bases trocáveis, tornando, como conseqüência de algum mecanismo fisiológico de
assim, o solo ainda mais distrófico (Goodland, 1971b). captação de recursos do solo que seja eficiente nessas
No entanto, ainda que a maioria das plantas cultivadas condições em que se encontram as áreas de cerrado:
sofra com esses teores de alumínio, para que as hipó- baixa disponibilidade de macronutrientes e moderada
teses do escleromorfismo oligotrófico e oligotrofismo restrição hídrica.
aluminotóxico fossem corroboradas, esperar-se-ia que, Somente a existência desse mecanismo fisiológi-
em condições naturais, a concentração de bases fosse a co nas plantas de cerrado, no entanto, não explicaria os
variável mais importante na distinção entre cerrado e valores significativamente mais baixos de alumínio en-
floresta, em todas as profundidades do solo analisadas, contrados nos solos superficiais das áreas de floresta no
e que a quantidade de alumínio ou a saturação por Cerrado Pé-de-Gigante. Há evidências de que algumas
alumínio fosse crescente ou, pelo menos, constante ao espécies têm alta capacidade de modificar o ambiente
longo do perfil do solo e com valores distintos entre da sua rizosfera, exudando uma variedade de compo-
floresta e cerrado. Isso não foi verificado para o Cer- nentes orgânicos que podem formar um complexo com
rado Pé-de-Gigante. Ao contrário, a percentagem de os íons de alumínio na solução do solo, reduzindo a
argila foi o único fator que se mostrou significativo fitotoxicidade desse elemento. Esse fato já foi demons-
nessa distinção, em profundidades maiores do solo, en- trado para solos de floresta (Tyler & Falkengren-Grerup,
quanto os valores de alumínio foram homogêneos entre 1998). Dessa forma, o decréscimo de alumínio nas pri-
as fitofisionomias nessas profundidades (Figura 13.4). meiras camadas dos solos sob florestas é esperado de-
Também se acreditava, quando Arens (1963) e Goo- vido a esse efeito tampão do pH, resultante da presença
dland (1971) formularam tais hipóteses, que as plantas de matéria orgânica na superfície do solo (Malavolta et
de cerrado não sofriam nenhum tipo de restrição hí- al., 1977), e poderia explicar, no caso deste estudo, os
drica ao longo do ano, inclusive durante o período de baixos valores de alumínio medidos no solo sob flores-
seca. Atualmente, estudos que utilizaram técnicas mais ta estacional semidecídua.
recentes de troca de gases, documentaram bem casos Assim como também concluiu Haridasan (1992),
nos quais se detectou uma depressão na fotossíntese e portanto, a toxicidade por alumínio não parece ser o
128 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal

fator limitante para o desenvolvimento de floresta em e Xylopia aromática, e por maiores valores de alumínio
áreas de ocorrência de vegetação de cerrado. Os cer- na superfície do solo. Um segundo grupo de parcelas foi
rados – sujeitos a uma restrição hídrica maior – e as caracterizado pela maior abundância de Virola sebife-
florestas apenas parecem possuir mecanismos ou “es- ra, Platypodium elegans, Pterodon pubescens, Casearia
tratégias” diferentes para a solução de um mesmo pro- sylvestris, Amaioua guianensis, Matayba elaegnoides e
blema. Os mecanismos de absorção de nutrientes e de Anadenanthera macrophila, e por maiores quantidades
adaptação em solos com alta saturação de alumínio, de bases na superfície do solo.
por sua vez, são pouco conhecidos pela ciência e ainda Os gêneros Vochysia e Xylopia já foram aponta-
não foram completamente elucidados, especialmente dos na literatura como transicionais entre floresta e sa-
no caso dos cerrados (Haridasan, 2000). vana na América Central (Rommey, 1959 apud Kellman
& Miyanishi, 1982). Outra espécie de Vochysia (Vochy-
sia haenkeana) foi descrita como típica de cerradões
Os limites pedológicos de solos distróficos da região do Brasil Central (Ratter
entre floresta estacional et al., 1977). No Cerrado Pé-de-Gigante, Vochysia tu-
canorum encontrou-se associada a valores menores de
semidecídua e cerrado na soma de bases na superfície (Figura 13.6), mostrando
Gleba Pé-de-Gigante uma tendência semelhante, ao menos para o gênero, à
verificada em outros cerrados brasileiros. Ratter et al.
(1977) também apontaram Platypodium elegans – que
Com o intuito de verificar a existência de padrões se encontrou no Cerrado Pé-de-Gigante em situação
florísticos nas diferentes fitofisionomias da Gleba Pé- intermediária, tendendo a associar-se a maiores valores
de-Gigante, foi feita uma análise de correspondência de soma de bases (Figura 13.6) – como propriamente
destendencionada (DCA) com as espécies mais abun- árvore de cerradão e floresta.
dantes, isto é, aquelas com dez ou mais indivíduos, nas Esse detalhamento provavelmente mostra a tran-
40 parcelas aleatórias amostradas. Além do padrão já sição da vegetação e a mudança das características do
observado nas outras análises, esta análise mostrou solo superficial, no limite entre a floresta estacional
uma separação das parcelas da floresta estacional se- semidecídua e o cerrado sensu lato no Pé-de-Gigante.
midecídua em dois grupos, ainda que fisionomicamen- A separação entre as parcelas de cerrado e floresta está
te iguais, que puderam ser caracterizados pela maior relacionada às percentagens de argila em todo o perfil
abundância de algumas espécies (Figura 13.5). do solo. Na transição entre esses dois tipos de vegeta-
Em seguida, foram separadas somente as parce- ção, observa-se a mudança na abundância de espécies,
las da floresta estacional semidecídua e as variáveis correlacionada com variações nos valores de alumínio
do solo que se mostraram mais importantes na análise e de bases trocáveis no solo superficial.
do conjunto total das parcelas e realizada uma análise
de correspondência canônica (CCA) com esses dados
(Figura 13.6). No gráfico de ordenação das parcelas da
floresta estacional semidecídua (Figura 13.6), notaram-
se, novamente, os dois grupos distintos da Figura 13.5.
Contudo, nesta análise, eles se encontram claramente
relacionados às variáveis ambientais do solo (soma de
bases, argila e alumínio trocável). Nesse caso, um grupo
foi caracterizado pela abundância de Vochysia tucano-
rum, Copaifera langsdorffii, Tapirira guianensis, Cro-
ton floribundus, Esenbeckia febrifuga, Cupania vernalis
CAPÍTULO 13 129
Os solos e a comunidade vegetal

Figura 13.5. Eixos 1 (horizontal) e 2 (vertical) do diagrama de ordenação resultante da análise de correspondência
destendencionada (DCA), com os valores de densidade absoluta das espécies mais abundantes e das parcelas estu-
dadas. Os números indicam as fisionomias onde se encontravam as parcelas: 1-10, campo cerrado; 11-20, cerrado
sensu stricto; 21-30, cerradão; e 31-40, floresta estacional semidecidual. As espécies estão representadas por abre-
viações (4 letras do gênero e 4 da espécie).

Figura 13.6. Diagrama de ordenação da análise de correspondência canônica (CCA) considerando as espécies apenas
das parcelas da floresta estacional semidecídua e as seguintes variáveis do solo: soma de bases (SB), quantidade de
alumínio (Al) e percentagem de argila a 0-5 cm de profundidade. As espécies estão representadas por abreviações
(4 letras do gênero e 4 da espécie).
130 CAPÍTULO 13
Os solos e a comunidade vegetal

Síntese como conseqüência desse fator – só deve ser considera-


da quando essa característica química do solo se dá ao
longo do perfil e em conseqüência do material de ori-
gem do solo. Como grande parte dos solos sob cerrado
Na Gleba Pé-de-Gigante é evidente a distinção entre as
são distróficos, acredita-se que a maioria das espécies
formas de cerrado e as florestais e a sua relação com
vegetais esteja adaptada a essa condição edáfica e que
as características do solo. A floresta estacional semi-
talvez somente uma minoria de espécies esteja associa-
decídua está correlacionada a um maior teor de argila
da a locais onde exista uma eutrofia característica. Da
e, na superfície do solo, a uma saturação de bases tro-
mesma forma, não se acredita que somente a distrofia
cáveis. A floresta ripária, assim como a floresta esta-
ou a eutrofia dos solos possa ser determinante da ocor-
cional, também apresentou maiores valores de bases
rência das fisionomias, ou formas, de cerrado.
trocáveis na superfície, menores valores de alumínio
trocável e, especificamente, altas quantidades de fós-
foro em alguns pontos de coleta. Essas características, Referências Bibliográficas
de modo geral, as distinguiram das formas de cerrado
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proporcional entre a quantidade de alumínio e de ba- /EDUSP, p. 150-160.
BATALHA, M. A. & MANTOVANI, W. 1999. Chaves de iden-
ses trocáveis fica evidente no limite entre floresta e tificação das espécies vegetais vasculares baseada em ca-
cerrado. racteres vegetativos para a ARIE Cerrado Pé-de-Gigante
A análise dos resultados aqui encontrados à luz (Santa Rita do Passa Quatro, SP). Revista do Instituto Flo-
restal 11: 137-158.
dos estudos já desenvolvidos sobre essa questão no cer- BATISTA, E. A. 1988. Influência de fatores edáficos no cer-
rado permite, desse modo, algumas inferências: rado da Reserva Biológica de Mogi-Guaçu, SP. Tese de
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