Justiça
Cidadania
Política
Governo e movimentos sociais
aprimoram diálogo Pág
Pág.. 14
Proseando
Valter Bianchini fala sobre a importância
da Agricultura Familiar Pág
Pág.. 03
JOSÉ GOMES
DA SILVA
Há dez anos morria um homem para quem
mesmo a pior reforma agrária é capaz de
proporcionar casa, comida e trabalho
COMEÇO DE CONVERSA
EDITORIAL
Índice
Editorial ................................ 2
Proseando ............................ 3
Homenagem ao nosso patrono Regional ............................... 5
Cultura .................................. 8
José Gomes da Silva lutou até o fim pela Reforma Agrária. Na véspera de Ciência e Tecnologia .......... 9
sua morte, no dia 13 de fevereiro de 1996, participou de um debate organiza- Reportagem de Capa ....... 10
do pela Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania, em São Paulo. Nacional ............................. 13
Na época, ele comentou a situação do Pontal do Paranapanema: “O Pontal Política ............................... 14
surpreende o Brasil inteiro por mostrar que mesmo aqui, perto de três univer- Opinião ............................... 15
sidades, na área mais desenvolvida do país, onde se esperava que houvesse
uma agricultura patronal capitalista, nós temos problemas como estes.” Curtas ................................. 16
A Reforma Agrária, portanto, continuava uma questão ainda não supera- Agenda ............................... 18
da no Brasil, não só nos rincões, nas áreas ainda de fronteira aberta para a Destaque ............................ 19
agricultura, mas também em regiões desenvolvidas e populosas. Para José
Gomes, o Brasil havia perdido duas oportunidades de fazê-la: a primeira, quan-
do da criação do Estatuto da Terra; a segunda, no governo Sarney, quando foi
elaborado o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária. Ele foi o protago-
Fale Conosco
nista de ambos os processos, mas sempre esbarrou nas pressões contrárias à Tire suas dúvidas, envie comen-
tários, críticas e sugestões para:
democratização do acesso à terra. Em meados dos anos 90, acreditava estar
diante de outra grande oportunidade. Na época, a opinião pública, pela pri- Fundação Instituto de Terras
meira vez, era favorável à Reforma Agrária. Mas José Gomes não pôde conti- do Estado de São Paulo
nuar esta luta. Felizmente, porém, o seu exemplo continua incentivando cam- "José Gomes da Silva"
poneses, intelectuais, agentes públicos e cidadãos que acreditam na bandeira Av. Brigadeiro Luís Antônio, 554
Bela Vista CEP 01318-000
da Reforma Agrária. São Paulo - SP - Brasil
Naquele mesmo evento em que debateu a questão agrária em São Paulo, Fone/Fax: (11) 3293-3300
José Gomes comentou a vinculação do Itesp à Secretaria da Justiça e da E-mail: itesp@itesp.sp.gov.br
Defesa da Cidadania, o que considerava “uma novidade extremamente posi-
tiva”. É bom saber que ele achava que esta instituição, que adotaria o seu Ouvidoria
Fone: (11) 3293-3309
nome, estava no caminho certo. 0800-77 33 173
e-mail: ouvidoria@itesp.sp.gov.br
Tibério Leonardo Guitton Visite nossa página e leia, diariamen-
Assessor Especial do Governador
te, as principais notícias sobre a ques-
Respondendo pelo Expediente
tão agrária:
www.itesp.sp.gov.br
Fatos da Terra é a revista da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" - Itesp, vinculada à
Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania.
Jornalista Responsável: Helton Lucinda Ribeiro - Mtb 27.002 Reportagens: Helton Lucinda Ribeiro, Regina Bonomo e
Ana Carolina Garcia Foto Capa: Arquivo Itesp Diagramação e Editoração Eletrônica: Renato Oliveira da Silva
Contracapa: Renato Oliveira da Silva
Conselho Editorial: Tibério Leonardo Guitton, Luiz Roberto de Paula, Jorge Miranda Ribeiro, Afonso Curitiba Amaral, Jurandir
Vieira Góis, Milton Ramos da Silva, Gabriel Veiga, Anselmo Gomiero, Maria Celina Figueiredo, Antônio Alonso, Marco Antônio
Silva e Helton Lucinda Ribeiro
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Tiragem: 3.000 exemplares Ctp, Impressão e Acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
É permitida a reprodução dos textos, desde que citada a fonte.
PROSEANDO: Valter Bianchini
A força da
Agricultura Familiar
uas notícias importantes para a agricul-
Existem vários indicadores que apontam para a importância nós tínhamos mais de quatro milhões de estabelecimen-
da agricultura familiar no Brasil hoje, como sua participação tos da agricultura familiar e uma participação do valor
no PIB, na geração de empregos, etc. Na sua opinião, qual é a bruto da produção agrícola em torno de 37%. Dados
tendência de longo prazo para a agricultura familiar? Aumen- atualizados para o PIB brasileiro e para o PIB do
tar essa participação na economia? agronegócio apontam que, hoje, a agricultura familiar res-
Sim. A tendência é que a agricultura familiar possa au- ponde por 10% do PIB geral e em torno de 1/3 do PIB do
mentar sua participação na economia. Os dados do Cen- agronegócio. São marcas importantes. Como o governo
so são muito antigos, ainda de 95/96, e apontavam que atual, nestes últimos quatro anos, fez aumentar muito o
F A T O S D A T E R R A 18 3
PROSEANDO: Valter Bianchini
apoio à agricultura familiar, seja nos atuais R$ 10 bilhões e já são utilizados, mas com a lei, agora tornam-se conso-
disponíveis pelo Pronaf, seja em políticas importantes lidados como o próprio Pronaf, o programa de
como a do reestabelecimento da estrutura de assistência cooperativismo, a agroindústria familiar, os programas de
técnica e extensão rural (ATER), no qual os frutos da pes- educação, entre outros. Agora, temos mais clara a respon-
quisa estão sendo colocados cada vez mais a um número sabilidade de fazer o que determina a lei e traçar uma po-
maior de agricultores familiares; seja em programas im- lítica de apoio à agricultura familiar. Neste sentido, esta
portantes como agroindústria familiar, biodiesel, turismo institucionalização consolida os atuais instrumentos e cria
rural, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Segu- base para traçarmos outros instrumentos que dêem a esta
ro da Agricultura Familiar (Seaf). É um conjunto de ins- política da agricultura familiar um fortalecimento deste
trumentos que fortalecem uma política para a agricultura importante setor para o governo brasileiro.
familiar, gerando maior produção e maior agregação de va-
lor e renda. A continuidade desta política de fortalecimento
vem se expressando e vai se expressar ainda mais numa O Plano Safra 2006/2007 conta com R$ 10 bilhões, um novo
tendência de aumentar o percentual de participação da recorde. Segundo dados da SAF, o governo tem conseguido me-
agricultura familiar no PIB da agricultura e o PIB do agro- lhorar a relação entre o que é anunciado e o que é efetivamen-
negócio. Fortalecer a agricultura familiar significa indica- te acessado pelos produtores, chegando próximo a 80% atu-
dores de que o rural brasileiro está se fortalecendo em um almente. Qual a expectativa para este novo Plano Safra?
conjunto de atividades. No primeiro Plano Safra do governo do presidente Lula,
nós saímos de um índice de aproveitamento entre o anun-
ciado e o disponibilizado que era de 50% para mais de
O governo sancionou recentemente a Lei 11.326, ou Lei da Agri-
90% . Dos R$ 5,4 bilhões
cultura Familiar. Quais os anunciados na safra
impactos desta lei para a Dodora Teixeira
2003/2004, nós aplica-
formulação de políticas mos cerca de R$ 4,6 bi-
públicas para o setor? lhões. Depois, na safra
Primeiro, esta lei traça 2004/2005, dos R$ 7 bi-
critérios, hoje utilizados lhões anunciados, aplica-
no Pronaf e que conso- mos aproximadamente
lidam este segmento im- R$ 6,3 bilhões. Já na sa-
portante da agricultura, fra 2005/2006, o índice
que é agricultura famili- caiu para 80% , dos R$ 9
ar. Com esta lei, temos bilhões anunciados, va-
o reconhecimento desta mos fechar em aproxima-
atividade por meio de damente R$ 7,5 bilhões
critérios como o que es- (os dados ainda não fo-
tabelece em quatro ram fechados). Nesta
módulos fiscais o tama- atual safra (2006/2007),
nho da área, a predomi- dos R$ 10 bilhões anun-
nância da renda origina- ciados, temos a expecta-
da da agricultura, o limi- tiva de voltarmos a apli-
te de até dois emprega- car algo em torno de
dos permanentes, a ges- 90%, ou seja, pelo menos
tão de negócios, entre R$ 9 bilhões, o que é um
outros. Mas, mais im- número expressivo, bene-
portante que isso, é que ficiando um amplo con-
a lei estabelece diretri- junto de agricultores. Es-
zes, indicadores para que tamos lançando nesta sa-
se possa formular uma fra o Pronaf Comerciali-
política de apoio e for- zação, para apoiar instru-
talecimento da agricul- mentos melhores para
tura familiar. Muitos dos “A Lei da Agricultura Familiar traça critérios que
comercialização da safra.
instrumentos já existem consolidam este segmento”
Estamos fortalecendo a
4 ITESP
PROSEANDO: Valter Bianchini
ação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e, adota a nomenclatura ATER (Assistência Técnica e Extensão
para a próxima safra, deve vir uma política de equivalência Rural), o Incra trabalha com um programa denominado ATES
entre o valor financiado e um certo preço de referência para
(Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária). Por
um conjunto de produtos agrícolas. Todos estes instrumen-
que a diferenciação?
tos que o governo vem adotando fazem com que sejamos
Estamos fazendo um esforço grande para integrar estas duas
otimistas em um novo ciclo para esta safra 2006/2007.
formas de assistência técnica em uma única do Ministério
do Desenvolvimento Agrário. Este é o nosso objetivo:
Qual a sua avaliação sobre as políticas de assistência técnica e avançarmos para um programa nacional de assistência
extensão rural oferecidas à agricultura familiar no Brasil? técnica que procure articular não somente as ações de
A respeito das políticas de as- ATER da Secretaria de Agri-
sistência técnica e extensão cultura Familiar e das ATES
rural, estamos em um bom dos assentamentos, mas tam-
ano nesta safra 2006/2007, bém as ações de assistência
em que conseguimos ampliar técnica dos ministérios da
significativamente os recur- “É necessário um Agricultura e do Meio Am-
biente. É necessário um pro-
sos para a assistência técni-
ca. O governo federal apro-
programa que grama que construa uma ar-
vou um adicional de R$ 50
milhões para assistência téc-
construa uma ticulação da ATER oficial
pública e a não-pública e a
nica e extensão rural que, so- articulação da ATER ATER dos assentamentos,
mados aos R$ 62 milhões já otimizando as ações de assis-
assegurados no orçamento, oficial pública e não- tência técnica de forma inte-
grada. Hoje, o Incra possui
totalizarão R$ 112 milhões.
Estes valores estão sendo
pública e a ATER dos um programa voltado para os
aplicados em convênio com
as empresas públicas de assis-
assentamentos” assentamentos, mas a políti-
ca do MDA é cada vez mais
tência técnica (Emater) e as articular as duas formas de
organizações não-governa- assistência e buscar uma
mentais. O crescimento foi otimização com as ATER de
muito expressivo nestes últi- outros ministérios.
mos três anos, em que saímos de um recurso de cerca de
R$ 3 milhões . É um bom momento. Os estados têm fei-
to esforços por meio da abertura de concursos na grande Em parceria com a SAF, o Itesp tem realizado importantes pro-
maioria das Emater, além de um fortalecimento das gramas de capacitação, financiados com recursos do Pronaf.
ONGs e cooperativas que atuam com assistência técni- Já foram concluídos dois: um de capacitação em agroecologia
ca. Ampliou-se de uma maneira expressiva e melhorou a e outro de capacitação em comercialização; estamos com ou-
qualidade da assistência. Ao lado disso, tem crescido a tros dois em andamento, um voltado à organização das comu-
presença da extensão universitária e das escolas nidades, com ênfase em questões de gênero, e outro para
agrotécnicas. Há um conjunto de instrumentos fortale- capacitação em ATER dos nossos técnicos. Como o sr. avalia
cendo as nossas ações. as parcerias com os Estados em ações desse tipo? Seria pos-
Além disso, a Embrapa tem um orçamento importan- sível ampliá-las?
te, este ano totalizando mais de R$ 1 bilhão, para que, Para nós, uma entidade como o Itesp, que faz um trabalho
por meio de seus centros de pesquisa, nesta articula- importante junto aos assentamentos e com o público
ção com assistência técnica, possamos cada vez mais quilombola, tem um papel muito importante na nossa ação
levar os frutos das pesquisas da Embrapa e dos insti- de assistência técnica no Estado. A nossa parceria com o
tutos estaduais de pesquisa para os nossos agriculto- Itesp já vem de muito tempo e tem estabelecido impor-
res familiares. tantes acordos. Nossa intenção, ainda este ano, é avan-
çarmos com estas ações que estão em andamento e dar-
mos continuidade a este importante trabalho que o Itesp
Existem, atualmente, concepções diferentes de assistência téc- faz no campo da assistência técnica aos assentados e à
nica no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Enquanto a SAF própria política de agricultura familiar.
F A T O S D A T E R R A 18 5
REGIONAL
Mais 28 municípios
querem regularização fundiária
Fotos: Dodora Teixeira
arece que quando a gen-
6 ITESP
REGIONAL
F A T O S D A T E R R A 18 7
REGIONAL
oficinas
Projeto leva
culturais aos quilombolas
esde o início deste ano, a Secretaria da Cul- Em agosto, estas mesmas comunidades recebe-
F A T O S D A T E R R A 18 9
CAPA
uitos foram os camponeses trajetória intelectual e política que Não só devido à pressão dos grupos
10 ITESP
u pela Reforma Agrária
aborou o Estatuto da Terra, o primeiro PNRA e criou o órgão antecessor do Itesp em São Paulo
desligada do governo, que atuasse taduais à Reforma Agrária, consoli- cação à causa da reforma agrária, José
como núcleo de pressão pela Refor- dada com a Lei 4.957/85, que esta- Gomes valorizava muito as pessoas e
ma Agrária. A idéia era manter a belece a base legal da política agrária se preocupava com os funcionários
chama acesa (procurando compen- paulista. dos órgãos que dirigiu. João Carlos
sar as frustrações produzidas pelas Corsini, analista de desenvolvimento
iniciativas oficiais) e abrir caminhos, 1o PNRA agrário do Itesp, recorda uma história
tentando explorar fissuras que a des- Em 1985, José Gomes é convida- que exemplifica essa preocupação.
favorável correlação de forças pudes- do a assumir a presidência do Incra Em agosto de 1983, um grupo de fun-
se apresentar.” no governo Sarney e coordena a ela- cionários voltava, em uma perua Kom-
Congregando militantes da Refor- boração do Plano Nacional de Refor- bi, da área onde estava sendo criado
ma Agrária, tanto do meio acadêmi- ma Agrária. O atual diretor adjunto o assentamento Pirituba. Estavam
co, como o atual ministro da Agricul- de Formação, Pesquisa e Promoção no veículo o então diretor do IAF,
tura Luís Carlos Guedes Pinto, quan- Institucional do Itesp, Jorge Miranda José Eli da Veiga, o procurador do Es-
to dos movimentos sociais e organi- Ribeiro, trabalhava na Diretoria de tado Juvenal Boller de Souza Filho, o
zações de trabalhadores, a ABRA, na Cadastro e Tributação do Incra na agrônomo Zeke Beze Jr., o motorista
avaliação feita por José Gomes em época, comandada por Carlos de Lo- Abílio e o próprio Corsini.
96, conseguiu manter a “chama ace- rena, também já falecido. Lorena, a- Próximo a Capão Bonito, houve
sa”. E mantém até hoje, com sua re- migo pessoal de José Gomes, foi ou- um acidente e a Kombi capotou. Fe-
vista, a primeira publicação especi- tro expoente da causa agrária e, sob lizmente, ninguém se feriu com gra-
alizada dedicada ao tema no Brasil. sua gestão, importantes mudanças vidade. Mesmo assim, José Gomes
foram implementadas no sistema de fez questão de visitar um por um dos
O embrião do Itesp cadastro de imóveis rurais. envolvidos no acidente.
Nos anos 70, José Gomes presta Esse período também foi acompanha- Quem trabalhou com ele o tem
consultoria a organizações interna- do por outro amigo de José Gomes: Ro- como referência muito forte, não só
cionais, como o BID (Banco Inter- berto Sant´Ana, integrante da equipe de profissional, mas também de ser
americano de Desenvolvimento) e criada para formular o PNRA. Sant´- humano. “Fui um felizardo em fazer
OEA (Organização dos Estados A- Ana conta que a proposta era eleger re- parte da equipe do José Gomes”, con-
mericanos). Essa experiência conso- giões prioritárias para a Reforma Agrá- ta Mário Antônio de Moraes Biral,
lida sua reputação como autoridade ria em cada Estado. A meta nacional 64 anos, hoje diretor da Ceasa de
na questão agrária. era assentar 1,4 milhão de famílias. Campinas. Os dois trabalharam jun-
Com o processo de redemocratiza- Mas, uma vez entregue o PNRA, o tos na CATI (Coordenadoria de As-
ção do Brasil nos anos 80, ele volta a governo decidiu que a região prioritá- sistência Técnica Integral) em 1968.
ocupar altos cargos governamentais, ria seria... o Brasil todo! “E quando a Na época, a instituição havia acaba-
como o de secretário de Agricultura prioridade é o país inteiro, então não do de ser criada, reunindo departa-
do governo Franco Montoro, em 1983. existe prioridade”, resume Sant´Ana. mentos da Secretaria da Agricultura.
Embora tenha permanecido pouco De fato, o resultado daquela detur- José Gomes era responsável pela área
tempo à frente da pasta, devido a um pação na proposta do grupo de José de socioeconomia do Departamento
enfarte sofrido em agosto daquele Gomes foi o assentamento de pouco de Extensão Rural.
mesmo ano, José Gomes deu uma mais de 82 mil famílias. Frustrado, ele Para Biral, além da sólida forma-
contribuição decisiva para a política fez um desabafo no livro Caindo por ção técnica que já tinha feito de José
agrária do Estado: criou o Instituto Terra, em que disseca as articulações Gomes uma autoridade reconhecida
de Assuntos Fundiários (IAF), em- políticas que barraram o Programa. na área de pesquisa com soja, ele pos-
brião do que viria a ser a Fundação suía uma ampla visão social. “Foi um
Instituto de Terras. Com aquela ex- O humanista grande aprendizado trabalhar com
periência, iniciava-se uma política Muitos dos que trabalharam com ele, porque a formação do agrônomo
de destinação de terras públicas es- ele se lembram de que, além da dedi- é muito tecnicista. E o José Gomes
F A T O S D A T E R R A 18 11
CAPA
ensinava que era necessário adaptar dadania contra a Miséria, a Fome e prendia a uma única cultura. “Nós
a tecnologia às condições sociais.” pela Vida, comandada pelo sociólo- dizíamos que os ovos não podiam es-
Biral também fez parte da equipe go Herbert de Souza, o Betinho. Seu tar em uma única cesta. Quando a
coordenada por José Gomes que for- legado está presente também no laranja estava em baixa no merca-
mulou o programa para a agricultura Consea (Conselho Nacional de Se- do, ele tinha café. Quando o café
no Governo Paralelo do PT em 1990. gurança Alimentar e Nutricional), estava em baixa, tinha a laranja ou
Ele explica que o que movia aquela encarregado de articular governo e a cana”, explica.
iniciativa era a idéia de sair da críti- sociedade civil na formulação de José Gomes nunca foi um homem
ca pura e simples e oferecer alterna- diretrizes na área de alimentação e apenas de discurso. Fez de sua vida
tivas ao governo. nutrição. também um exemplo. Plínio de Ar-
Uma das grandes contribuições do ruda Sampaio, em artigo publicado
programa foi a proposta para a área O fazendeiro na revista da ABRA em 1996, relata
de segurança alimentar, um conceito José Gomes muitas vezes foi ques-
que, após a decepção com o PNRA,
que ainda era novidade no Brasil. A tionado se o fato de ser um fazendei-
ele “voltou para a sua Santana do
proposta acabou subsidiando a cam- ro bem-sucedido não era contraditó-
Baguaçu, na terra roxa de São Paulo,
panha Ação da Ci- rio com sua luta pela Reforma
e pôs-se a cuidar do seu café, da sua
Agrária. Ele sempre respondia que,
cana, da laranja, do limão. Plantou
acima de tudo, era um profissio-
um seringal atrás mesmo da casa dos
nal da terra. E, como tal, via na
empregados, para que as mulheres
filho
De pai para
estrutura fundiária brasileira
destes aí pudessem trabalhar e ter
um entrave ao desenvolvimen-
uma fonte de renda delas mesmas.”
to do país. A forma como ad- E aquela semente também planta-
fa ze n da s qu e legou ministrava suas quatro fazen-
da por ele no Estado de São Paulo,
Além das sé G om es
ir os , Jo das sempre foi coerente com
quando colaborou com o Governo
aos seus herde o ge n e da Re-
it iu seus ideais, como relata seu
Montoro, vingou e deu frutos: 126
também transm fi lh o, Jo sé Gra-
S eu amigo Mário Biral: assentamentos estaduais, onde mais
forma Agrária. do s ex po en tes
é u m “Nunca vi uma fazenda tão
de 6 mil famílias assentadas possuem
ziano da Silva, to rn o da qu es-
te em bem dirigida quanto a fazenda
“casa, comida e trabalho”. O órgão
atuais do deba l.
Brasi Santana do Baguaçu, em Pi-
que nasceu como um modesto insti-
tão agrária no n om o formado
ei ro ag rô rassununga. Foi um verdadei-
tuto, o IAF, cresceu, tornou-se uma
Engenh z m estrado
19 72 , fe ro laboratório para experiên-
fundação com mais de 700 funcioná-
pela USP em io lo gia Rural
ia e S oc cias sobre como viabilizar o
rios e leva hoje o seu nome: Funda-
em Econom si da de , dou-
n iv er homem no campo.” Biralção Instituto de Terras do Estado de
pela mesma U ia pe la U ni-
om conta que José Gomes não se
São Paulo “José Gomes da Silva”.
torado em econ do n a m esma
u to ra
camp e pós- do da
lo In st it uto de Estudos
área pe da de
a, da Universi PUBLICAÇÕES DE JOSÉ GOMES DA SILVA
América Latin
de Londr es .
creveu cerca de
José Graziano es la e A Reforma Agrária no Brasil: frustração camponesa ou instrumento
livr os so br e economia agríco de desenvolvimento? Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.
20 a. É
ze n as de ar ti gos sobre o tem
de
r do Instituto de
professor titula amp desde
Decálogo da contra-reforma. Campinas, 1986.
om ia da U n ic
Econ re -
or especial da P
1991. Foi assess ica no governo Caindo por Terra: crises da Reforma Agrária
a da R ep ú bl na Nova República. São Paulo: Busca Vida, 1987.
sidênci de nou o Progra-
an do co or
Lula, qu regi-
Hoje, é diretor
ma Fome Zero. do da s Nações
Buraco negro: a Reforma Agrária na
O (F u n Constituinte. São Paulo: Paz e Terra, 1989.
onal da FA li-
n id as pa ra a Agricultura e A
U
mentação). A Reforma Agrária brasileira na virada
do milênio. Campinas: Abra, 1996.
12 ITESP
NACIONAL
O talecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) completa
dez anos com um recorde de recursos
Em São Paulo, de acordo com a 2.700 famílias no Estado, que se be-
Superintendência do Banco do Brasil, neficiaram com os créditos de inves-
os assentamentos contrataram, entre timento de acesso facilitado. E, por
anunciados para a safra 2006/2007: 1995 e 2005, financiamentos agríco- fim, a partir de 1999, surgem obstá-
R$ 10 bilhões. A meta do Ministério las da ordem de R$ 143 milhões. culos à contratação de investimentos
do Desenvolvimento Agrário é che- Até 1998, os recursos foram dis- para custeio, como as exigências de
gar a dois milhões de contra- garantias reais.
tos, incluindo no sistema Ubirajara Machado
A partir do ano 2000, o
produtivo brasileiro mais de acesso ao financiamento
um milhão de novas famíli- de custeio vem aumentan-
as. Só para o Estado de São do pela criação de uma li-
Paulo serão R$ 500 milhões. nha exclusiva para os be-
De acordo com o coorde- neficiários da Reforma
nador geral de financiamen- Agrária, o Grupo A/C.
tos da SAF, João Luiz Gua- Os recursos são originári-
dagnin, o governo tem con- os do Orçamento Geral
seguido melhorar a relação da União e, portanto, não
entre o que é disponibiliza- trazem riscos financeiros
do e o que é efetivamente aos bancos que operam a
acessado pelos agricultores. linha. Atualmente, cada
“Até 2002, ficávamos em produtor assentado pode
50% do anunciado. Hoje, realizar até seis operações
Guadagnin, da SAF: relação entre o que é anunciado
estamos com mais de 80% e o que é acessado melhorou em safras consecutivas.
do anunciado.” Se, para o custeio, foi
Ele explica que a melhora criado um mecanismo de
se deve a um aprimoramento na re- ponibilizados pelo Programa de Cré- acesso para os agricultores assen-
lação com os agentes financeiros e dito Especial da Reforma Agrária tados, ainda há grandes dificulda-
com os órgãos de assistência técnica (Procera). Por esta linha de crédito, des para as contratações de inves-
nos Estados. Mas destaca que, no foram realizadas operações de cus- timentos que não sejam restritos à
caso de São Paulo, ainda é preciso teio da safra agrícola em valores pró- Reforma Agrária (Grupo A), que
avançar bastante, sobretudo no aces- ximos a R$ 45 milhões e cerca de são contratados numa única opera-
so aos Grupos C, D e E. R$ 13 milhões em investimentos na ção. Mesmo tendo sido dada uma
“Já os assentamentos estão bem estruturação produtiva dos lotes. segunda oportunidade para a con-
melhor assistidos. A ação do Itesp é tratação do Grupo A, esta está res-
boa”, comenta. Para Guadagnin, o Pronaf os em custeio e investimento trita aos Projetos de Assentamento
problema maior dos assentamentos Esta inversão ocorreu basicamen- elencados pelo Programa de Recu-
paulistas está ligado ao acesso grupal te por três motivos: O limite de con- peração de Assentamentos (PRA)
a crédito, por meio de cooperativas. tratação em investimento de amplo do INCRA.
Para resolver esse tipo de proble- acesso aumentou gradativamente de (Para mais informações sobre as
ma, o governo pretende regula- R$ 9,5 mil em 1998 para R$ 18 mil linhas de crédito do Pronaf, acesse o
mentar uma lei que individualize (Grupo A) em 2005. No período de sítio www.pronaf.gov.br)
F A T O S D A T E R R A 18 13
POLÍTICA
14 ITESP
OPINIÃO: Luís Eduardo Batista e Anna Volochko
S Desenvolvimento Humano
2005, os negros (pretos e pardos)
e as negras (pretas e pardas), juntamen-
te com os indígenas (mulheres e ho-
res adultas (10-64 anos) no Brasil
(208,17/100 mil mulheres). A taxa de
mortalidade das mulheres pretas (284,36/
100 mil) supera a das brancas (184,67/
bém indicam a necessidade de políti-
cas de saúde direcionadas a este gru-
po populacional.
mens) têm menor escolaridade e renda, 100 mil) e das pardas (145,11/100 mil). Exemplo Paulista
estão nos piores postos de trabalho; suas Quando analisamos a mortalidade das A Secretaria Estadual de Saúde de
residências têm menor acesso a sanea- mulheres adultas (10-64 anos) residen- São Paulo vem realizando várias ações
mento básico e eles têm maior necessi- tes na região Sudeste do Brasil, segundo para promover a eqüidade racial em saú-
dade de serviços públicos de saúde. a cor, constatamos que a taxa de mortali- de e transformar os estudos produzidos
Quando observamos a esperança de vida dade das mulheres pretas é de 369,78/100 pela academia e movimentos sociais em
ao nascer, as mulheres vivem mais do mil mulheres pretas; que a taxa de mor- políticas públicas. Destacam-se:
que os homens. Contudo, as mulheres talidade das mulheres brancas é de - Investimentos (Qualis/PSF) para
negras e as mulheres indígenas vivem 204,30/100 mil mulheres brancas e a taxa os municípios que possuem comuni-
menos que as mulheres brancas. O mes- de mortalidade das mulheres pardas é de dades remanescentes de quilombos;
mo acontece com os homens. 173,96/100 mil mulheres pardas. - Treinamento de profissionais para
Minha proposta aqui é mostrar que as Quando se analisa a taxa de mor- melhorar a qualidade de informações
desigualdades raciais dialogam com a for- talidade segundo o grupo de causas de do SUS quanto a coleta, processamen-
ma como se adoece/morre e, num segun- doenças infecciosas e parasitárias, pre- to e análise do quesito cor;
do momento, mostrar a necessidade de dominando aids e tuberculose, a taxa - Criação do Comitê Técnico Saú-
se pensar políticas públicas diferenciadas. de mortalidade das mulheres pretas de da População Negra do Estado de
por HIV é de 12,29/100 mil, contra São Paulo.
O estudo da mortalidade como 5,45 das mulheres brancas e 5,41 das Essas contribuições pretendem pro-
demarcador de desigualdades pardas. Por tuberculose, a taxa de mor- mover a eqüidade em saúde da popu-
As estatísticas de mortalidade são talidade dentre as mulheres pretas é lação negra e combater o racismo e a
utilizadas para avaliar a situação da de 5,27, contra 2,22 das mulheres par- discriminação nas instituições e servi-
população e desenvolver políticas pú- das e 1,33 das mulheres brancas. ços do Sistema Único de Saúde. Em
blicas de saúde. Na análise dos dados A mortalidade das mulheres pretas por parceria com movimentos sociais,
de mortalidade, apontam-se as causas transtornos mentais é 4,5 vezes maior ONGs do movimento negro e demais
de morte que assolam a população, quando comparado às mulheres brancas. setores do governo, a Secretaria come-
discutem-se os dados segundo idade, As mulheres pretas também apresen- ça a dar resposta às necessidades da
sexo e grupo social ou frações de clas- tam um excesso de mortalidade por do- população negra no campo da saúde,
se, mas não se discutem as diferentes enças isquêmicas do coração, cerebrovas- mas para chegar à eqüidade racial no
construções socioculturais existentes culares, insuficiência cardíaca, hiperten- SUS ainda há um longo caminho a ser
na sociedade e seus reflexos no perfil são, doenças hipertensivas e cardiopatias. percorrido.
da mortalidade. Por exemplo, não se Quando observamos as mortes por gra-
contempla a raça/cor como categoria videz, parto e puerpério entre mulheres
de análise e apenas em 1996 se inse- de 10 a 49 anos, constatamos que a taxa Luís E. Batista é sociólogo, Doutor em
riu a variável raça/cor nos atestados de mortalidade das mulheres pretas é de Sociologia, Pesquisador do Instituto de Saúde /
de óbito e de nascidos vivos. 4,9, das mulheres pardas é de 2,11 e den- SES-SP, Assessor Técnico da CCD/SES-SP,
No estudo “Mortalidade da popula- tre as brancas a taxa é de 1,82. coordenador do Comitê Técnico Saúde da Po-
ção Negra Adulta no Brasil”, realizado Concluindo, há uma forte relação pulação Negra do Estado de S. Paulo e repre-
em parceria com Anna Volochko, entre as desigualdades raciais, a exclu- sentante da Secretaria da Saúde no Conselho
Carlos Eugênio de Carvalho Ferreira são social vivenciada pelos negros, a for- de Participação e Desenvolvimento da Comu-
e Vanessa Martins e que foi publicado ma como mulheres e homens são nidade Negra do Estado de S. Paulo.
no livro Saúde da População Negra no construídos socialmente e o processo Anna Volochko é médica, Doutora em
Brasil (Fernanda Lopes – org.), cons- saúde, doença e morte. Saúde Pública e Pesquisadora do Instituto de
tatou-se que em 2000 ocorreram apro- Os dados de mortalidade aqui apre- Saúde/SES-SP.
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