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Nos últimos anos estudos sobre resiliência que tem levado em conta a análise de
condições multifatoriais para chegar a conclusões do por que algumas pessoas
sucumbem a situações de adversidade, e outras não, mostram o equívoco de análises
que se baseiam somente em características individuais como fatores de
enfrentamento e superação de situações de tensão. Levar em conta também os
fatores comunitários, culturais, ambientais e genéticos facilita a abordagem nos
estudos sobre resiliência, bem como a intervenção como promoção de possibili dades
de enfrentamento (coping), tirando das costas do indivíd uo a responsabilidade única
pelo sucesso ou insucesso na superação das situações de adversidade.

Este texto é sobre a defesa da participação dos aspectos biológicos no processo de


resiliência, mais ainda, sobre como a plasticidade cerebral influencia, e é influenciada,
pelos aspectos sociais, culturais, espirituais e psicológicos do indivíduo; ou seja, com o
o cérebro muda e pode ser mudado pelas experiências do dia a dia. Essa plasticidade
tem, comprovadamente, um componente genético importante na sua construção e é
vista como um dinâmico processo do sisterma nervoso central (CNC) que orquestra
constantemente alterações neuroquímicas, estruturais e funcionais em resposta à
experiência. De fato, tem sido sugerido que a plasticidade do cérebro humano é um
dos mecanismos centrais que definem o sucesso evolutivo da espécie humana.

O progresso continuado das pesquisas sobre as experiências de enfrentamento que os


indivíduos realizam e como os componentes biológicos, mormente a genética, atuam
facilitando ou dificultando essas experiências permitem que se tenha uma imagem
mais abrangente e sofisticada do processo de resiliência. No entanto, é preciso ter
claro que essa perspectiva não deve ser interpretada erroneamente como se a
resiliência fosse um fruto somente da biologia. Além disso, a inclusão de medidas
biológicas da pesquisa em resiliência não deve dar ouvidos a cientistas que pensam
que isso seria voltar para o momento em que alguns defendiam a ideia de que havia
crianças ´invulneráveis´ (CHICHETTI & BLENDER, 2006, p. 250). Por tudo isso, tem
havido cientistas que tem fechado os olhos à importância da genética e não
incorporado esse componente em seus estudos sobre os determinantes da resiliência,
não levando em conta que o conhecimento da variação genética pode auxiliar na
identificação de quais indivíduos seriam mais vulneráveis aos efeitos adversos e quais
as função protetoras por genes estariam presentes, através da investigação da
interação gene × meio ambiente (G × E). Essa negação pode aumentar a possibilidade
de serem apontados fatores emocionais em determinados casos de resiliência que na
verdade são obtidos por fator es genéticos (Rutter, 2007, p. 497).

A participação dos componentes biológicos como determinantes do processo de


resiliência é evidenciada na função do sistema neural e neuroendócrino em relação ao
enfrentamento da adversidade, e pesquisas sobre genética molecular podem revelar
os elementos genéticos que servem como proteção para os indivíduos que
experimentam tensões significativas, tais como crianças que sofrem maus tratos
familiares, abandono, violência sexual, etc. Além disso, uma poderosa ferramenta para
a identificação dos genes da vulnerabilidade e da proteção poderá ser em breve
utilizada, que é o mapa de haplótipos humanos, ͞o que permitirá fornecer informações
valiosas sobre a variação genética individual que, em interação com experiências
ambientais específicas, podem levar a distúrbio mental ou resiliência,
respectivamente͟ (CHICHETTI & BLENDER, 2006, p. 250).

A análise múltifatorial enfatiza a importância fundamental das inter-relações de


diversos fatores em seus estudos, não relegando os resultados a um único fator, o
biológico ou psicológico, por exemplo, nas pesquisas sobre resiliência. Assim como a
expressão do gene altera o comportamento social, as experiências psicossociais
alteram a expressão do gene. Exemplo são os maus tratos a crianças, que exercem
transformações no desenvolvimento do cérebro, modificando sua expressão gênica,
sua estrutura e seu funcionamento, assim como alterações na expressão gênica
induzidas pelo aprendizado e pelas experiências sociais e psicológicas produzem
mudanças nos padrões de conexões neuronais e sinápticas e na função das células
nervosas. ͞Tais modificações neuronal e sináptica não só exercem um papel
proeminente em iníciar e manter as mudanças de comportamento que são provocadas
pela experiência, mas também contribuem para as bases biológicas da individualidade,
assim como evidenciam indivíduos que estão sendo diferentemente afetados por
experiências semelhantes, independentemente da sua valência͟ (CHICHETTI &
BLENDER, 2006, p. 251). No entanto, nada é determinístico, pois é provável que a
experiência de abuso e negligência de crianças possa exercer efeitos diferentes sobre a
estrutura, função e organização neurobiológicas em crianças maltratadas que deram a
volta por cima e superaram essa dificuldade, do que em crianças maltratadas que não
se recuperaram psicologicamente.

Há pequeno, mas crescente, corpo de resultados de estudos genéticos moleculares em


que as variações genéticas particulares foram encontradas associadas com acentuadas
diferenças na suscetibilidade a determinados fatores de risco. Como exemplos dessa
interação gene-meio ambiente (GxE) estão os resultados da investigação de Caspi
(CASPI et. alli, 2002, p. 851), sugerindo que essa interação ajuda a explicar porque
algumas crianças maltratadas, mas não outras, desenvolvem comportamentos anti-
sociais através do efeito que essas experiências de adversidade exercem sobre o
desenvolvimento do sistema neurotransmissor. Esses achados permitem explicar
parcialmente porque nem todas as vítimas de maus tratos repetem esses maus tratos
quando crescem e produzem evidências epidemiológicas de que os genótipos podem
moderar a sensibilidade das crianças para as agressões do meio ambiente. Estudos
sobre essas associações são citados por Rutter (RUTTER, 2007 p. 492), sobre
transmissão genética do uso de álcool e outras drogas e por Chichetti e Blender
(CHICHETTI & BLENDER, 2004, p. 17.326), em que a resposta de um indivíduo às
agressões ambientais é moderada pela sua composição genética.

Essas investigações de análises de múltiplos níveis podem revelar os elementos


genéticos que estão probabilisticamente associados às conseqüências do mau
desenvolvimento e da psicopatologia, e, alternativamente, os genes que servem como
função de proteção para os indivíduos que experimentam adversidade significativa
(CHICHETTI & BLENDER, 2004, p. 17.325). As evidências surgidas sobre a influência dos
fatores genéticos servem para destacar a importância de se considerar a ampla
variedade de possíveis mecanismos de mediação e moderação na resiliência. Será
essencial distinguir com vistas ao entendimento da resiliência quais indivíduos, por
causa do seu genótipo, podem responder de forma mais competente e vantajosa às
adversidades em condições ótimas de desenvolvimento.

Rutter (RUTTER, 2007 p. 494) aponta que os genes não operam em apenas um
caminho, situando quatro pontos dessa questão: primeiro, os genes que afetam E
(meio ambiente) podem não ser os mesmos que fornecem o principal efeito sobre o
transtorno principal; e o G (fatores genéticos) que carrega o risco de P (fenótipo
psicológico) pode não ser o mesmo G que cria a susceptibilidade para E (meio
ambiente); segundo, o efeito precisa estar somente (ou principalmente) no ambiente
de criação; terceiro, existem algumas circunstâncias em que pode haver transmissão
intergeracional de experiências adversas maternas, um efeito que servirá para simular
a transmissão genética; e quarto, assume-se que a interação gene-meio ambiente
passiva (considerada puramente genética) envolve riscos ambientais que afetam todas
as crianças da mesma forma.

Futuras pesquisas sobre resiliência com bases biológicas terão o desafio de tentar
relacionar a plasticidade neural a fenômenos particulares de comportamento,
tentando encontrar associações entre comportamentos e alterações específicas nos
processos neurais, provocadas por fosforilação e expressão de genes. Para isso, é de
suma importância que as investigações sobre os correlatos e determinantes
de adaptação resiliente comecem a incorporar métodos de genética molecular e
neurobiológicos em suas ferramentas de medição predominantemente psicológicas.
Por exemplo, postular se algumas das dificuldades apresentadas por pessoas que
sofreram adversidades significativas em suas vidas são irreversíveis, ou se existem
períodos sensíveis particulares, quando é mais provável que a plasticidade neural e
comportamental ocorra. Embora o debate continue em torno da veracidade dos
modelos da intereção gene-meio ambiente, e futuros estudos são necessários antes
que essas hipóteses possam ser definitivamente confirmadas, existem fortes
indicações de uma associação direta entre variações genéticas e consequências na
saúde mental (KIM-COHEN & GOLD, on line, p. 4).

Do ponto de vista da intervenção, três conclusões inter-relacionadas que derivam da


visão geral dos efeitos GxE são importantes: 1- É evidente que alguns riscos podem ser
geneticamente determinados, porém, exercem seus efeitos através de diversos
mediadores ambientais; 2- De forma análoga, alguns mediadores ou moderadores
podem parecer moldados pelo ambiente, quando na realidade são em grande parte
influenciados geneticamente; e 3- É uma ressalva importante para o segundo, isto é,
mesmo atributos sujeitos a fortes influências genéticas não são necessariamente fixos
ou imutáveis para as intervenções (efeitos genéticos são probabilísticos, não
deterministas ...) (RUTTER, 2007, p. 502) .

Por fim, é necessário lembrar que não há garantias de que mesmo crianças de lares
amorosos irão desenvolver resiliência de forma tranqüila. Certas crianças podem
nascer com uma grande capacidade para resiliência, em oposição a outros jovens que,
mesmo quando providos de amor, uma boa educação e atividades comunitárias,
podem debater-se com situações típicas de adversidade. Por exemplo, crianças
defrontadas com problemas como depressão, ansiedade e dificuldades para
aprendizagem, todos com uma forte base biológica (genética), travarão uma grande
luta para se tornarem resilientes. Não é que biologia seja destino, mas ela tem uma
grande influência no desenvolvimento da criança.

BIBLIOGRAFIA

BROOKS, R., GOLDSTEIN, S. Nurturing resiliente in our children, McGraw Hill, NY, 2003;

CASPI, A. et alli. Role of Genotype in the Cycle of Violence in Maltreated Children ,


Science, vol 297 2 August 2002;

CICCHETTI, D., BENDER, J. A multiple-levels-of-analysis approach to the study of


developmental processes inmaltreated children, PNAS December 14, 2004 vol. 101
no. 50;

CICCHETTI, D., BENDER, J. A Multiple-Levels-of-Analysis Perspective on Resilience


Implications for the Developing Brain, Neural Plasticity, and Preventive Interventions ,
Ann. N.Y. Acad. Sci. 1094: 248 ʹ258 (2006). C 2006 New Yor k Academy of Sciences.doi:
10.1196/annals.1376.029 ;

KIM-COHEN, J., GOLD, A. GeneʹEnvironment Interactions and Resilience, disponível


em www.psychologicalscience.org/journals/cd/18_3_inpress/kim-cohen.pdf , acessado
em 20 de março de 2011;

RUTTER, M. Genetic Influences on risk and protection, implications for understanding


resilience, p LUTHAR, S. (editor), RESILIENCE AND VULNERABILITY, adaptation in the
context of childhood adversities, Cambidge University Press, New York, 2007.

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