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Maurice Dobb : O Declínio do Feudalismo e o Crescimento das Cidades (Cap.

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BLOCO I

Debate acerca do conceito de Feudalismo:

 O historiador constitucional se inclina a encontrar a essência do feudalismo no fato de


que “a posse da terra é a fonte do poder politico”.
 Para o jurista era o “status determinado pela tenure (posse)”.
 Para o historiador da economia “o cultivo da terra pelo exercício de direito sobre
pessoas”.
 Influência dos estudos marxistas russos no debate sobre a definição de feudalismo:

Escola histórica alemã  primazia às relações econômicas, concebendo o feudalismo como


uma “economia natural” autossuficiente (economia de escambo), em contraste à uma
“economia de troca” monetária (relações de troca mediadas pela moeda, cujo objetivo é o
consumo). Contudo, tais definições guardam afinidade com a jurídica, guardando pouca
relação com a servidão.

Dobb estabelece comparação com o caso do feudalismo Russo, colocando em relevo o


paradoxo de que muitos historiadores afirmavam que o feudalismo começa a entrar em
declínio no sec. XVI pelo fato do comércio estar renascendo nesta época e a produção para o
mercado aumentando, ao passo que a servidão de camponeses antes livres ou semi-livres
neste período estava aumentando bastante e as obrigações feudais aumentava em grande
escala para os camponeses.

Para estes historiadores, o aumento da produção para a troca num mercado amplo e do
comércio levava inexoravelmente a transformação de relações em termos contratuais dos
serviços prestados pelos camponeses.

Para Dobb, é importante encontrar uma definição de feudalismo apropriada pois a


classificação de termos precede a análise e forma a sua base  as definições adotadas tem
influência crucial no resultado de análise.

Para Dobb o Feudalismo é concebido como “um modo de produção”, cuja ênfase de definição
está baseada não na relação jurídica entre vassalo e suserano (sem levar em consideração os
camponeses), ou mesmo na relação entre “produção e destinação do produto”, mas sim na
relação entre o produtor direto (seja ele camponês da terra ou artesão de oficinas) e seu
superior imediato, o “senhor”, ou na relação socioeconômica que os liga entre si.

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Definição de Dobb sobre Feudalismo  Feudalismo como essencialmente um modo de
produção que virtualmente é idêntico ao conceito geral que entendemos como “servidão”:
uma obrigação imposta ao produtor pela força, independentemente de sua vontade, para
satisfazer as exigências econômicas de um senhor, em forma de serviços prestados, taxas a
pagar em dinheiro ou em espécie, posto em prática por via militar, pela força do costume
apoiado em algum procedimento jurídico ou pela força da lei.

Servidão x Capitalismo:

Capitalismo  Assemelha-se com a escravidão no sentido de que o trabalhador não é mais um


produtor independente, divorciado de seus meios de produção e da possibilidade de prover
sua subsistência. Diferencia-se da escravidão na medida em que a relação entre trabalhador e
empregador é puramente contratual.

Servidão é associada na História por uma série de motivos (interpretação clássica):

 Sistema de relações sociais associado a um baixo nível de técnica (instrumentos de


produção simples e baratos).
 Produção mais individualizada (divisão do trabalho pouco desenvolvida, onde a
produção como um processo integrado e mais amplo encontra-se em estágio primitivo
de desenvolvimento).
 Condições de produção estão voltadas para as necessidades domésticas ou
comunidade da aldeia e para o cultivo da propriedade senhorial por via de serviços
prestados compulsoriamente.
 Descentralização politica  posse de terra por um senhor com funções judiciárias ou
semijudiciárias em relação com a população dependente.

Para Dobb, essa forma de conceber a servidão, tratada pela interpretação clássica dos
historiadores, não é invariável a posse da terra sob a forma de feudo é uma
característica comum, mas não invariável, da servidão feudal como um sistema
econômico.

BLOCO II

“Papel da moeda como solvente mais destruidor do poder senhorial“: O renascimento


comercial na Europa Ocidental depois de 1100 trás à baila o comerciante e a comunidade
comercial: sua presença incentivou uma inclinação crescente de permuta de excedentes e a
produzir para o mercado  renda em dinheiro e serviços dos servos passa a ser ambição dos

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senhores, desenvolvendo um mercado de terras e outro de empréstimos (interpretação
clássica)

Dobb questiona se a ampliação do mercado e o efeito das relações monetizadas pode ter
sido uma condição suficiente, decisiva, para o declínio do feudalismo  Será mesmo que as
relações de troca e o efeito do dinheiro exerceram papel decisivo para a transformação da
sociedade feudal em capitalista?

A interpretação de seus contemporâneos era a de que a “economia de troca” e a “economia


natural” são ordens econômicas que não podem se misturar, e basta a presença da ultima
para que a primeira seja sobrepujada.

 Em estudo comparativo entre a região sudeste (região mais atrasada no qual não fluía
com muita pungência as relações monetárias) com as regiões norte e oeste da
Inglaterra (onde o comércio era mais vicejante) mostra que estas últimas guardavam
menor relação monetária e maior de prestação de serviços.
 Algumas regiões guardavam baixa correlação entre desenvolvimento do comércio e
declínio da servidão.
 Não há evidências suficientes de que o inicio da transformação da Inglaterra estivesse
ligado ao crescimento da produção para o mercado.
 O crescimento de uma economia monetária por si só guarda evidências tanto de uma
intensificação da servidão quanto de seu declínio (por isso, sob essa ótica, torna-se
difícil atribuir papel decisivo na transição de para uma sociedade feudal para uma
capitalista).  Dobb cita exemplos de cidades russas nas quais a classe dominante
prosperava no comércio ao passo que mantinha relação de dominação serviu para
com seus escravos. Estes eram tanto objetos de produção quanto de comércio,
desenvolvendo uma forma de servidão em suas terras (não abole a servidão)
 Entre outros exemplos (notavelmente o da Russia Czarista do séc. XVIII), verifica-se
portanto que na história existem muitos exemplos em que a despeito do
desenvolvimento comercial, a relação de servidão podia se intensificar.

Para Dobb, a economia monetária por si só não é decisiva para que as relações
tradicionais de seus servos fossem afrouxadas em favor de uma relação contratual  a
disseminação do comércio e do uso do dinheiro não leva necessariamente à comutação
das prestações de serviços compulsórias.

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Dobb enxerga deficiência na interpretação tradicional que não analisa as relações
internas do feudalismo como um modo de produção. Para Dobb (como para Marx) a
desintegração do feudalismo se dá através de uma interação complexa entre o impacto
externo do mercado e as relações internas do sistema, no sentido em que as últimas
podem ser tomadas como tendo exercido a influência decisiva.

Determinantes do declínio 

 Ineficiência do feudalismo como sistema de produção associado à necessidades


crescentes de renda pela classe dominante, uma vez que a necessidade de renda
adicional promoveu uma pressão sobre o produtor ao ponto em que tornou
literalmente insuportável.
 Baixa produtividade do trabalho.
 Exaustão do solo (perca do poder produtivo).
 Aumento das necessidades das classes dominantes por renda crescente  pressão
sobre os produtores, subenfeudação (tendência à multiplicação de vassalos para
com o objetivo de fortalecimento militar dos senhores maiores), aumento das
famílias nobres (sustentadas pela classe serviu).
 Devido à pressão, ocorre um movimento emigratório ilegal das propriedades
senhoriais (deserção), aumentando a população das cidades em desenvolvimento
e provocando crises no sistema feudal entre os sec. XIV e XV).
 Possível relação do declínio do crescimento da população a partir de 1300 devido à
baixa produtividade do trabalho nas terras camponesas associado a imposições
feudais maiores sobre o campesinato. Embora em geral atribui-se à devastação da
peste negra e das guerras a exclusividade no declínio populacional e à crise
econômica do feudalismo do sec. XIV, existem evidências de que tal declínio possui
raízes econômicas já observadas antes de 1300 . Podemos ainda associar o
impacto da Peste com o estado de subnutrição em que os camponeses viviam,
com ausência de reservas alimentícias e viveres.  escassez de mão de obra nos
campos feudais.
 Pressão da população sobre a terra disponível da aldeia, tornando mais difícil ao
aldeão sua subsistência, e por conseguinte tornando o trabalho assalariado mais
barato e relativamente abundante, que proporcionou o incentivo à comutação.

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BLOCO III

Fonte de renda e a forma de ser aumentada pela classe dominante durante o feudalismo
 Tempo de trabalho excedente da classe serviu (camponesa), além do trabalho
necessário para subsistência desta última (baixa produtividade do trabalho e estado
estacionário).

Comutação entre serviços prestados compulsoriamente e serviços assalariados 


Quanto mais escassa a terra com relação à mão-de-obra, mais alta deveria ser a
rentabilidade da terra e, por isso, tanto maior o incentivo à adotar uma política de
arrendamento em detrimento da prestação de serviços. Enquanto o inverso deveria ser
aplicado onde a terra fosse abundante e os seres humanos fossem escassos. (em termos
marxianos, a composição orgânica do capital deveria manter relação com a
explorabilidade da terra, isto é, a absorção de mais ou menos força de trabalho estava
sujeita à extensão de terra cultivável, em posse do senhor).

Fator importante para o aumento dos arrendamentos assalariados na Inglaterra 


surgimento de uma classe de camponeses-agricultores que conseguiam estabelecer
diferenciação entre os camponeses mais pobres, incentivados pelo comercio local e
capazes de acumular pequena importância de capital.

Tributo como fator de reforço da escravidão  embora o tributo substituísse os serviços


em alguns casos, ele não perde seu caráter compulsório, uma vez que o produtor não
tinha liberdade de se mudar e sua subsistência se mantinha dependente da vontade do
senhor.

BLOCO IV

 O surgimento das cidades como organizações coorporativas que passam a possuir


independência política e econômica em diversos graus  imãs de atração da
populacional rural, como locus de fuga das exações feudais. Em épocas de ruins
(de guerra ou de extrema fome) donos de propriedades menores passavam a se
endividar com mercadores e estabelecer relações de dependência devido aos
empréstimos contraídos. Em épocas mais prósperas, tratavam de se empenhar nas
atividades comerciais.
 Embora tenham contribuído para a desintegração da ordem feudal, por
constituírem centros independentes de comércio e de transações contratuais, é
errôneo encará-las neste estágio como microcosmos do capitalismo. Neste

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estágio inicial, o modo de produção era simples, onde o artesão possuía os meios
de produção para produzir seu artesanato (produção em pequena escala).
 Com o tempo as comunidades mercantis urbanas conquistam liberdades em
relação à autoridade feudal, fazendo solapar a economia feudal. Estabelecem
relações novas na qual o lucro do campo não mais vai para as mãos dos senhores
feudais, mas sim dos mercadores.

O surgimento das cidades guardam diversas controvérsias. Explicações sobre as


origens das comunidades urbanas:
1) Cidades medievais como sobrevivência das cidades romanas  continuidade
de instituições (de caráter episcopal ou de guarnição)
2) Origem puramente rural, desenvolvendo-se a partir do aumento da densidade
populacional, se diferenciando meramente de seu caráter rural pelo fato de
possuir muros de proteção.
3) Explicação de Pirenne  origem no acampamento de caravana de mercadores
(pobres camponeses desertores) que através do comércio passaram a
constituir um espaço propício ao desenvolvimento urbano, locais de
interligação entre os feudos.
4) O crescimento da cidade como um direito de refúgio, concedido pela
autoridade feudal  locais originados não espontaneamente, mas como uma
necessidade dos senhores feudais para guarnição de mercadores e artesãos,
sendo um imã de atração para peregrinos e fugitivos.

Para Dobb, devemos nos contentar com uma provável explicação eclética sobre
o surgimento das cidades, estabelecendo por aproximação que a maioria das
cidades tenha surgido por iniciativa de alguma instituição feudal, e não como
corpo estranho ao sistema feudal (diferentemente do que argumenta Pirenne,
que atribui destaque a formação de grupos de comerciantes (artesãos e
mercadores) semi-independentes.

Dobb concorda com Pirenne que o renascimento das cidades depois de seu
declínio e desaparecimento em muitas regiões, foi o ressurgimento do comércio
no Mar Mediterrâneo (feito obtido pelas cruzadas), com incentivo das caravanas
transcontinentais entre os sec. XI e XII.

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