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Começo escrevendo esse editorial com uma palavra Iorubá chamada Editor e diretor responsável:
ayo, que na tradução significa alegria. Por isso crianças nascidas em Júnior Porto
dias alegres entre a família o seu nome termina com ayo, como Ade-
bayo. Marginália nasceu em um momento de crise sanitária que assola Diretor de arte:
todo o mundo. No Brasil a situação é crítica, principalmente em gru- Andressa
pos que estão em situação de vulnerabilidade extrema, e o país marca
suas 500 mil mortes causada pela Covid-19. É um número desolador, Diretoria digital:
que nos preenche com um sentimento de luto. Mas como uma palavra Isabela e João Luiz
que significa alegria pode abrir esse editorial? Uma vez li que o amor
nos tempos de hoje é um dos maiores atos de resistência. A alegria Revisão:
em construir novas realidades e válvulas de escape de uma realida- Júnior Porto
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28 Quadro da língua
Exposição de obras de arte
31 Neurolinguística nos tempos
de hoje
Autores: Andressa Pereira
João Luiz Pires
38 A psicologia é linguagem?
Autores: Maria Vitória Rodrigues
Felipe Ripardo
41 O desenvolvimento do
aprendizado da língua em tem-
pos de pandemia
Autores: Elsiane Lara
Joelly Oliveira
43 Agradecimentos especiais
44 Referências
- Através da língua falada e sobre a exis- vens e adultos, sobretudo que eu chamei de
tência de outras formas de expressões, psicopedagogia da linguagem corporal, de
aquela que denominamos nossa língua como o corpo que expressa essa linguagem
mãe, como Vladmir pode se apresentar? se constitui como dispositivo e ferramen-
ta da aprendizagem para jovens e adultos.
Eu posso dizer que a minha língua é uma
língua de matuto, patativamente pensando, - Dentre todos e muitos Vladmis que exis-
como o poeta Patativa do Assaré. Eu nas- tem em você e durante sua jornada, no
ci no sertão e no sertão é a linguagem do Brasil também existem diferentes línguas,
matuto. Eu sou Antônio Vladmir Félix da uma língua que se sobrepôs claramente
Silva, tenho 56 anos, e sou do sertão cen- sobre tantas outras inclusive sobre o pró-
tral do Quixadá, o coração do Ceará. Eu ve- prio português, e que se transformou e
nho de um contexto de cultura oral, onde a continua se transformando em regiões di-
maioria das pessoas realmente não sabiam ferentes, em guetos, em estados, em comu-
ler e nem escrever, e isso me constitui de nidade, como um organismo vivo. Como a
tal forma que me formei depois em alfabeti- gente pode definir o Brasil e a sua língua?
zador de jovens e adultos em função dessa
necessidade e das possibilidades que eu tive Primeiro cito Deleuze, que diz que não exis-
de aprender a ler e a escrever, e de ter feito te uma língua mãe, existe uma língua que
pedagogia. A partir disso, quando fiz peda- é roubada, uma língua que se impõe politi-
gogia tive uma experiência muito boa na al- camente, porque na nossa cultura existem
fabetização de jovens e adultos com a turma múltiplas línguas. Inclusive hoje com a exis-
Maria Preta em Assaré, e essa experiência tência de vários povos indígenas diversas
foi que me fez enviar projeto para fazer uma línguas e essas línguas também nos consti-
formação em Psicopedagogia Clínica na tuem. Só que infelizmente somos analfabe-
Argentina. Nesta formação que eu estudei tos no que diz respeito as línguas indígenas.
a psicopedagogia de aprendizagem de jo- E as vezes, estamos muito mais preocupa-
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dos em aprender a língua do outro, no caso diferença, se fala quais são as ferramentas gemônico. E a pessoa ao fazer isso ela está
a língua de quem nos colonizou do que a conceitos que a gente maneja para resistir e criando e dando vozes, e ela não está esqui-
nossa própria. A nossa própria querendo para lutar contra isso que nos agencia. Não zofrênica porque está fazendo isso, na ver-
dizer as anteriores a portuguesa, pois ela que a gente vá necessariamente conseguir dade ela está inventando uma multiplicidade
não é a nossa língua mãe como se coloca, na romper com tudo isso, mas a ideia é essa. de devires, de saídas. Quando cito no come-
verdade ela é a língua que se impôs as que E com base a pergunta inicial que foi feita, ço Caetano e quando ele diz “minha pátria
existiam. Então, nessa babilônia não dá pra essa relação entre esquizofrenia e esquizo- é minha língua”, porque o Pessoa sendo um,
gente saber qual foi a nossa primeira língua. análise. Isso tem tudo a ver com a pergun- ele é múltiplo ao criar vários estilos de escri-
Em segundo lugar, acho que podemos pen- ta feita com a linguagem, por que nós nos ta em diferentes modos de fazer poesia, de
sar com Viveiros de Castro. Ele diz que essa constituímos nessa linguagem, o próprio escrever a sua literatura. Não é só o Pessoa
nossa noção de nação é um eufemismo, por- Lacan no que diz respeito a concepção do que é assim, todos nós somos assim, temos
que o Brasil não é uma nação: a nação bra- inconsciente vai mostrar que o mesmo se a capacidade da multiplicidade. A partir dis-
sileira. Por que ele coloca isso e porque eu constitui como uma linguagem. Quando a so que vem a concepção da esquizoanálise.
concordo com isso? Como eu falei a pouco, gente diz aqui que o inconsciente se consti- Pensar a subjetividade como sócios, e esses
se existem vários povos indígenas então não tui como uma linguagem, não é no sentido sócios não está restrito ao reflexo da socie-
há povo brasileiro, existe uma ideologia do só lacaniano, é no sentido de que o Lacan dade e não ser como reflexo e sim com a
povo brasileiro que na verdade quando se constatou a realidade, e essa invenção da relação com esse “fora” que nos constitui.
fala a língua brasileira ou a língua portugue- linguagem que nos aproxima ou nos distan- E essa constituição tanto faz a gente estar
sa que se fala no Brasil, é uma tentativa tam- - Tomando a deixa, você é um estudioso de cia da natureza. Para os povos indígenas sujeitado ao que está posto, como também
bém de apagar os diversos idiomas que se Guatarri e Deleuze, eles construíram um aproxima, pois a cosmologia deles é de que nos possibilita modos de produzir saídas
fala no Brasil, como a língua que a gente usa conceito político, de fruição, filosófico e o animal que existe, as pedras, a água, tam- através da língua, que a Ronilk vai chamar
ainda referente a cultura Ioruba, a própria antropológico em cima da palavra esquizo- bém constitui viventes, também constituem de línguas que pedem passagem. O movi-
cultura indígena e suas palavras que usamos frenia, dando nome a esquizoanalise. Como os seres terranos. Estão todos neste espaço mento negro e o movimento transfeminista,
no nosso cotidiano. Às vezes, como algumas a esquizoanalise pode relacionar a lingua- e merecem respeito. Já do ponto de vista de em ambos podemos perceber como essa re-
violências que as cidades sofrem por terem gem com os nossos atravessamentos de quem se distanciou desse reconhecimento sistência por meio da linguagem se amplia,
nomes indígenas que tem de mudar a sua criação, construção, de mundo e de vida? acaba achando que a gente só se constitui a partir do deste movimento que reconhe-
escrita para poder ficar a uma que corres- como linguagem porque somos superiores ce a politização do corpo, a importância de
ponda ao que se possa ser traduzido para o É uma pergunta muito provocativa, porque ao rio, a floresta e aos outros animais. Com que meu corpo é político. E por ser político
inglês. E pensar o Brasil e definir o Brasil e ela faz a gente pensar a filosofia da diferen- essa complexidade, Guatarri observa o que ele pode se reinventar, onde pessoas trans
sua língua é difícil de responder uma coisa ça mesmo que seja a partir de Deleuze e ele chama de uma necessidade de uma éti- podem migrar de gênero, usam essa lingua-
sem pensar em uma outra pois aí temos de Guatarri, mas não restringindo ao pensa- ca ecosófica, uma ética que inclua também gem corporal para performar outro gênero.
pensar em Caetano Veloso, quando ele traz mento deles a diferença, pois é o contrário. nessas ecologias, uma ecologia relacionada Não podemos reduzir essa transição a uma
na perspectiva de Fernando Pessoa, que tem Eles mesmos quando criam esses conceitos, a outros viventes, não só o humano. A es- performance, mas sim a um reconhecimen-
seus heterônimos, o Brasil também é múl- a própria expressão esquizoanálise em um quizofrenia vai se caracterizar por essa ma- to de identidade. Ela se constitui nesse gê-
tiplo, tem muitas línguas que falam Brasil, capítulo do Ilha Deserta, os mesmos vão pe- neira de ouvir vozes, de falar línguas para nero, a partir do ponto de vista do desejo.
lembro agora do Africano Amadú que ele dir para a gente, se quisermos não usarmos, o nosso contexto chamadas de estranhas,
diz que: “tem um português brasileiro”; mas e se quisermos inventarmos um outro ter- que não são do ponto de vista racional do - Tem um texto onde se diz que a mãe do
o português brasileiro que ele conhece é o mo e utiliza-lo. E claro, inventar os nossos normal. No entanto quando a gente vai pen- Brasil é indígena, não é branca e nem por-
que se fala aqui em Parnaíba. Aqui temos os próprios termos, e é muito curioso porque sar, quando Deleuze e Guatarri vão criar o tuguesa, para você onde que a língua con-
sotaques e dialetos, e todos eles constituem eles são os autores que em Mil Platôs, já conceito e a concepção de esquizoanálise, segue ultrapassar essas barreiras de signos
essa multiplicidade que nomeamos de língua falam desse homem branco, heterossexual eles dizem que na arte as pessoas também e significados para nos dizer quem somos
portuguesa no Brasil, que tem pouco portu- e eurocêntrico que impôs para o mundo inventam línguas, por meio da arte a pessoa em um país que fala português, língua
guês no sentido de termos, sentidos, signifi- uma concepção de racionalidade hegemô- inventa uma língua para fazer um protesto, gueto, em diferentes universos e formas?
cados, embora é isso que é exigido de nós. nica. Então, quando se fala da filosofia da pra radicalizar e ser contra aquilo que é he-
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Eu penso que tem um elemento aí que eu nados espaços por exemplo. Para você, a essa opressão elas não ficam passivas. A - Você tem uma ligação com a arte muito
vim me aproximar dele aqui em Parnaíba, linguagem na proporção que ela liberta, própria história mostra isso, desde a consti- próxima, até mesmo por ser produções que
depois do doutorado em Cuba, bem bastan- ela também aprisiona e violenta corpos? tuição de quilombos, da própria resistência partem de momentos esquizos. E a arte pode
te depois, que é a questão da linguagem do indígena de não se assujeitar a escravidão, ser o encontro em diferentes formas, desde
hip-hop. Que envolve dança, o próprio rap e Tudo isso é mais complexo, pois não é só de inclusive se isolar na floresta para poder a pintura, escrita, dança, música. Como
a música, e também o grafite, que é também a linguagem, mas também a cultura como não ser encontrado, não ser civilizada por homem e alfabetizador, qual a importân-
uma língua escrita. Então, essa multiplicida- um todo, Alfredo Bose na Dialética da Na- esses homens considerados brancos, euro- cia da arte e sua relação com a linguagem?
de do hip-hop traduz bem isso que você está tureza vai trazer essa questão da etimologia peus e heterossexuais que queriam destruir
perguntando, no sentido dessa multiplicida- da palavra cultura que vem da mesma da a língua indígena e sua religião. Só que esses É tanta, que isso me lembra que os parâme-
de e de saídas que as populações encontram palavra colonizador/colonizar. A gente não corpos eles nunca foram passivos, mesmo tros curriculares vão falar de múltiplas lin-
para não se assujeitar a uma língua, como se pode esquecer já pensando na sua pergunta os que estavam em silencio estavam traman- guagens para incluir a arte neste contexto,
fosse uma única língua. Então nesse campo e sobre Fanon, de como se deu o proces- do como fugir, como organizar quilombos, pois durante um tempo ela ficou excluída
da multiplicidade é onde opera as diferentes so de colonização, no sentido de encontro, como produzir pela dança o protesto, como de ser uma das expressões como produção
saídas que a população encontra para afir- chegar em um território e invadi-lo, onde produzir pela capoeira a resistência, a luta. de subjetividade. Então, ela tem uma impor-
mar o seu idioma, a sua língua, a sua manei- no caso do Brasil há uma multiplicidade de Hoje quando a gente vê o rap podemos ver tância muito grande. A minha aproximação
ra de falar. Aí vamos ter a língua da periferia línguas e você impõe a língua portuguesa, a relação que ele tem com o repente, a re- com a mesma não significa que eu conheça
que fala em uma linguagem que muitas ve- inclusive para catequisar indígenas. E você lação com a capoeira, então não existe uma tanto da arte, foi muito mais uma necessi-
zes outros contextos não entendem, vamos apaga ou tenta apagar toda uma cultura dos única coisa que diga que se originou aqui dade. A precarização da vida por falta de
ter a língua do contexto rural, dos povos do povos africanos, trazidos para serem explo- ou ali, mas tem uma genealogia porque tem políticas de acesso me fez com que ao alfa-
campo, vamos ter as línguas – já entrando rados como mão de obra escrava e obriga to- uma história e é uma história de resistên- betizar, foi preciso que eu buscasse na arte
para o plural – dos povos indígenas (povos dos a falarem língua portuguesa. Isso já é a cia. Que hoje Achille Mbembe chama de mi- ferramentas que possibilitassem o uso em
da floresta), e vamos ter a linguagem dos primeira violência que é sofrida, que é com croinsurgências. Que são essas insurgências si na língua escrita. E uma das ferramen-
povos das águas. Ou seja, quando eu digo a língua, pois se destituíram as línguas des- que os povos periféricos e populações que tas primeiras que eu busquei foi a poesia
que essa linguagem, isso significa que essas ses povos. Todo o trabalho que é feito hoje, são consideradas marginais produzem para do Patativa do Assaré, porque o Patativa só
populações vão usar o vocabulário do seu principalmente em comunidades de terrei- continuar existindo. E como disse a Con- estudou seis meses e publicava livros. E eu
contexto, palavras que muitas vezes não é ros, ou a partir mesmo das próprias comu- ceição Evaristo “Eles combinaram de nos ia alfabetizar jovens e adultos que iriam es-
de domínio de quem não é daquele contex- nidades indígenas que tem acesso à universi- matar. E nós combinamos de não morrer.”. tudar seis meses a um ano para aprender
to. Não significa dizer que essas pessoas e dade e a escolarização, é uma tentativa para ler e escrever. A entrada que eu encontrei
tudo delas estejam reduzidos a esse lugar aqueles que são mais insurgentes, eles vão foi a arte, e eu tomei gosto por isso, gostei,
e contexto, o sentido que elas atribuem a retornar para suas comunidades para conti- e utilizava essas ferramentas em acompa-
vida delas passam por aquela relação, mas nuar defendo o que eles acreditam, que é o nhamentos psicopedagógicos, pensando a
não significa dizer que elas só possam ter não desaparecimento das línguas. A cultura intervenção clínica sempre através da arte,
acesso a isso e elas estejam irrestritas a isso. não está fora das instituições da violência, usando literatura, seja ela infantil, contando
como nada está fora deste processo e desses histórias, e por aí vai. E levando em conside-
- Em Pele Negra, Máscaras Brancas, Fa- agenciamentos. Neste sentido, como o pró- ração e em divergência em não só reconhe-
non dedica o primeiro capítulo de sua tese prio Paulo Freire diz, a educação pode ser cer arte como aquilo que é clássico ou o que
sobre a relação da língua e do negro, que libertadora, mas pode ser opressora. E den- o outro considera arte, porque é feito pelo o
quanto mais o homem assume e se apro- tro dessa educação, que faz parte da cultura artista, mas também, considerar que aquilo
xima da língua do colonizador, mais pró- também está a língua. Essa é uma marca de que você inventa é uma expressão artística
ximo do homem branco ele fica. No Brasil opressão, só que ao mesmo tempo, eu não que pode dentro de um determinado con-
existe essa distância entre a língua popu- vejo uma perspectiva tão dialética, como se texto ser reconhecido como arte. Um exem-
lar, regionalista, indígena, que em deter- fosse opressor versos oprimido. Do ponto plo disso é a própria história do Arthur
minados momentos separam mais do que de vista de classe é isso, mas do ponto de Bispo do Rosário, que com todo transtorno
aproximam, como a ocupação de determi- vista de subjetividade as pessoas que sofrem mental dele no Engenho de Dentro (hospi-
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tal psiquiátrico), ele organizava na sapateira vários calçados de uma maneira tão estética que
fazia com que o outro visse ali não uma sapateira e sim uma obra de arte. O que vai constituir a
obra de arte é exatamente a própria relação estética que você tem com o objeto. Neste sentido
a arte que a população de rua produz com alumínios mostram que eles também são artistas,
como também a poesia que eles produzem na rua para sobreviver também é arte. Como eu fiz
pesquisa com essa população eu tomei isso como objetos relacionais da arte, que é o conceito
da Lígia Clarck e que a Sueli Ronilk trabalha. Quando comecei a trabalhar com esses objetos,
eu não os chamava assim, pois não conhecia o conceito, mas depois que eu conheci eu percebi
que a primeira vez que eu trabalhei para alfabetizar jovens e adultos já fui utilizando a poesia
como objeto relacional da arte. E não era só a poesia produzida pelo Patativa, era também a
poesia produzida pelos próprios alfabetizandos, tanto é que na própria edição da experiência
com a turma Maria Preta, a própria que leve o nome da turma, recita a poesia dela. Uma po-
esia que ela produziu oralmente, creio que o primeiro verso diz assim “Mariana filha única
sem ter irmão nem irmã, sua mãe se chama Ana seu pai um Damião, porém criara essa filha
com uma grande estimação, quando foi um belo dia o capitão do navio chegando se apaixonou
por ela, rosa verde flor neve, se tu quer casar comigo”, é longo e eu não lembro todo. Mas é
muito interessante pois mostra a força da língua para resistir e para denunciar as violências.
- Para Vladmir, a linguagem faz parte do pro- do Nonato, podemos ver que as comunidades
cesso de criação do homem, ou seria o homem indígenas daquela região para se comunicar
o criador e transformador dessa linguagem? faziam sua arte na própria pedra. Quando
Olha, tudo depende das narrativas, se a nar- caçavam ou quando tinham uma relação com
rativa for indígena nós vamos escutar o David homem e com a mulher, tem desenhos de gê-
Kopenawa dizer que O Mama criou o huma- neros expresso, de afeto e tudo mais. Então,
no, os indígenas, e os alimentava de mel, para aquela linguagem escrita também que é pré-
que eles através dos sonhos se apropriassem -linguagem oral, talvez no caso ali não fosse
dos seus antepassados, da sua ancestralidade ainda, mas é essa linguagem que possibilitou
que já dominavam a linguagem. Nessa pers- também a invenção da linguagem oral, pen-
pectiva essa linguagem já existia e é passada sando na perspectiva da dialética da natureza
através dos sonhos que esses seres foram se de Hegel. O que faz com que a gente aprenda
apropriando da língua. Se a gente ver o que a falar oralmente foram gestos de escrituras
diz o antropólogo Terence McKenna, que pes- no ar. Que é a necessidade meterialístico his-
quisou nas comunidades da Amazônia envol- tórico dialético, ou seja, a pessoa tem a neces-
vendo Brasil, Venezuela, Colômbia e Peru, ele sidade de caçar, então, ela vai atuar naquele
vai mostrar que o que possibilitou o humano contexto. Até no dia que ele gritar, aprender
se apropriar da linguagem foi ele se alimentar a usar o fogo, perceber do ponto de vista eró-
de ervas que tinham poderes alucinógenos. tico a relação entre pessoas de uma tribo e de
Quando eles estavam em transe através destas outra, a invenção do amor que é por meio do
plantas, eles se comunicavam com forças supe- roubo do fogo nas lendas e narrativas. Não dá
riores a eles mesmos, o que fez com que a lin- pra saber primeiro quem veio, se o ovo ou a
guagem fosse inventada e aprendessem a falar. galinha o que dá pra gente saber é que a lin-
Na perspectiva mais aceitável, que mais domi- guagem constitui o humano e o humano inven-
namos e que tem a ver com a história aqui do tou a linguagem em algum momento, que foi
Piauí, mais especificamente em São Raimun- constituída por ela mesma.
9
dossiê
CARTOGRAFIAS
DA
L I N G UAG E M
Brasil língua gueto
13
de Letícia
Quadro da língua
Goulart, 28
Arte em
colagem
A psicologia é linguagem?
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dossiê “Culto” que as universidades, faculdades e tem como objetivo desumanizar, desmora-
bancas de concursos raramente permitem lizar e inferiorizar. Assim, fica muito mais
afastar-se dele. fácil manter o controle sobre as classes do-
BRASIL, A linguagem surge
da necessidade do ser
guísticas como presentes em qualquer lin-
guagem utilizada como algo absolutamente Além disso, os usuários da “língua minadas, afinal essa imagem negativa do do-
humano em expressar natural, longe de serem negativas (OLIVEI- culta” são associados sempre a “poder e minado deve ser principalmente acreditada
LÍNGUA seus pensamentos, ex- RA; SAMPAIO, 2019). A insistência de di- prestígio” dentro da sociedade, e são em sua
maioria representados por imagens de suces-
por eles, levando a submissão (OLIVEIRA;
SAMPAIO, 2019). Os grupos oprimidos dei-
ternalizar seus senti- vidir os grupos falantes de uma linguagem
GUETO
Autor: Júnior Costa
mentos e colocar para
fora os mais profun-
entre os “certos” e os “errados”, surge da
tentativa de dominação por parte das clas-
so e dominação, e por homens e mulheres
brancos heterossexuais cisgêneros. Homens
xam de ver a Língua como deles, e ficam
presos num ciclo de inexistência e impotên-
Rafaela apolinário
dos aspectos da sua ses no poder. Os grupos falantes “margina- negros, mulheres negras e LGBTQIA+ são cia. O rompimento dessa lógica cruel ocorre
existência. A forma lizados” são aqueles que fogem da “língua- associados a falta de conhecimento e domí- quando os grupos exclusos se apoderam da
como essas manifestações ocorrem variam -padrão”, adequando suas falas, palavras, nio linguísticos, colocando-os num lugar ne- Língua, mas não como o opressor deseja, e
de acordo com os interlocutores, lugares e termos e expressões ao seu cotidiano e re- gativo e impotente (OLIVEIRA; SAMPAIO, sim como eles próprios enquanto comunida-
tempos históricos. É digno de nota a padro- alidade. Mesmo assim, a opressão linguísti- 2019). Na contramão dessa triste realidade, de crê ser necessário utilizá-la.
nização da linguagem, para poder ser assim ca continua presente na sociedade, toman- a Doutora em Linguística Kassandra Muniz, Pensar no corpo negro como capaz de res-
usada por um grupo de pessoas, e servir do proporções esmagadoras nos usuários aborda as mudanças sofridas por uma Lín- significar uma linguagem, nos faz pensar o
de meio para comunicação entre eles. No da Língua. As opressões e imposições são gua como formas de agregar potência, po- seu papel na sociedade como um todo. Seria
Brasil, utilizamos principalmente a Língua vistas de forma clara quando ficamos cons- dendo fazer a realidade pessoal e social dos então esse corpo negro realmente ausente
Portuguesa para comunicar nossas ideias, trangidos ao “errar” uma palavra, ou des- indivíduos ser refletida através da linguagem de conteúdo como nos fez acreditar as tenta-
sentimentos e vivências. O Português é en- conhecer determinado termo ou expressão (MUNIZ, 2021). tivas de hegemonia da Língua, ou seria um
sinado nas escolas, e o usamos no dia-a-dia, usados numa conversa simples (OLIVEIRA; Um corpo negro e periférico é atravessado retrato da capacidade de um povo em resis-
seja para comprar pão ou falar com nossa SAMPAIO, 2019). Tão sufocante é o padrão por muitas situações que o forçam a desin- tir e transformar suas comunicações, mesmo
mãe. Mas, existem várias formas de ventar, criar, sobreviver, bater e apanhar en- constantemente atacados e silenciados (MU-
expressar a Língua Portuguesa, sen- quanto sujeito de sua fala. Assim, vemos nas NIZ, 2021). Ao observar as manifestações
do inclusive defendido por alguns a manifestações linguísticas dos corpos ne- artísticas da comunidade negra dentro do
divisão arbitraria entre o “Culto” gros, seja em saraus, shows de hip-hop, mú- cenário musical brasileiro, podemos perce-
e o “Coloquial”. Nessa divisão, se sicas de funk, slams e diversas outras formas ber as potências do corpo negro de forma
falamos “certo”, seremos associa- de expressão, os seus gritos de subversão ao bem clara. A exemplificar, temos um trecho
dos ao padrão culto, e se falamos “padrão” e ao “culto”. Usar a Língua dessa da música Gueto, composta por Iza, Pablo
“errado”, então estamos sendo co- forma toma mais força quando os usuários Bispo, Ruxell e Sérgio Santos, e interpretada
loquiais (OLIVEIRA; SAMPAIO, passam a se ver nas expressões e termos por IZA:
2019). usados (MUNIZ, 2021). O povo negro ao Fecha a rua lá no gueto, gueto
Apesar disso, os estudiosos se manifestar, de forma artística ou intelec- Vai ter samba lá no gueto, gueto
da área discordam dessas divisões, tual, sempre foi atrelado ao lado ruim, sendo Joga bola lá no gueto, gueto
e ainda colocam as variações lin- marginalizados. Ela é cria lá do gueto, gueto
Quando utilizamos o termo gueto para inti- Vixe, ela é fire, asfalto e praia
Eu vim do mar tular esse texto, buscamos lembrar a forma Desce a ladeira, é porta-bandeira
(2020), como esse termo foi usado para referenciar Mais tarde tem baile na quadra
de Letícia
Goulart, comunidades “minoritárias”, sempre no Vixe, ela é fire, sobe a fumaça
arte em colagem sentido de isolamento em relação aos gru- Então brota na base, tem festa na lage
pos “majoritários e dominantes”. Adicionar Com o grave batendo na caixa
na imagem dos excluídos fatores negativos, Sim, sim, sim, sim, sei o que tá reservado
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pra mim palavras é o performar constante do corpo Obviamente, utilizar variações de mes e junções de palavras usadas para titular
Bling, bling, bling, bling, grife no meu cama- negro, permitindo sua resistência e existên- uma Língua para explanar suas próprias ex- as 13 faixas do álbum mostra as singulari-
rim, yeah cia (MUNIZ, 2021). periências e vivências enquanto excluído e dades dela enquanto interlocutora de uma
Sim, sim, sim, sim, mais um contrato pra O silenciamento usando a Língua para opri- minoria resulta em impactos na sociedade realidade. Na quinta faixa “Necomancia”,
mim mir afeta não somente as comunidades ne- como um todo, tanto no sentido de indiví- utiliza-se o termo neca e a palavra necro-
Bling, bling, bling, bling, mamã, eu tô no gras no Brasil, mas quaisquer variantes da duos para buscar compreender as necessi- mancia alterada, dando forma ao título da
plim, plim, yeah norma “culta”. Os sotaques do norte e nor- dades das comunidades exclusas, bem como música. Neca, no Pajubá, significa o órgão
Andando pelas ruas, ela sabe aonde vai dar, deste, as gírias do centro-oeste, as palavras no intuito de menosprezar as tais. Dentro sexual masculino, e a utilização desse termo
aiá e termos que somente usuários locais co- do movimento LGBTQIA+ vários artistas em junção a palavra necromancia advém do
Debaixo da sua trança tem história pra con- nhecem e dominam, diversas são as formas buscam defender a comunidade por meio da intuito de problematizar o endeusamento do
tar, aiá (IZA, 2021) de adequar a linguagem aos seus usuários. musicalidade, como: Pabllo Vittar, Liniker, falo. Necromancia é a prática de utilização
A música traz o gueto para o centro, na pers- Onde existir variações do “normal”, “pa- Gloria Groover, Pepita, Lia Clark, Urias, mística dos mortos para adivinhação e ob-
pectiva pessoal da cantora, enquanto mulher drão”, “certo” e “culto”, existirá preconcei- Jup do Bairro, Jaloo, Jhonny Hooker, Danny tenção de poderes sobrenaturais, assim a ne-
negra. O samba, o futebol, a praia e as fes- tos e discriminações, como no caso do Paju- Bond, Kika Boom, Majur, Potyguara, Linn comancia é a bruxaria, ou “byxaria” (byxa
tas na laje, são algumas das referências usa- bá, utilizado amplamente pela comunidade da Quebrada e outrxs . Dentre xs citadxs + bruxaria), feita contra o falocentrismo
das para trazer o ouvinte ao seu cotidiano, LGBTQIA+ (CRYSTAL, 1998). Este dialeto destacamos Linn da Quebrada, pela carga (LINN DA QUEBRADA, 2017; TORRES,
sendo possível para quem vivencia aquelas tem raízes na Língua Portuguesa e expres- de representatividade nos seus trabalhos 2019).
experiências sentir-se parte do conteúdo, e sões de origem africana, sendo difundido acerca dos corpos negros, transexuais, peri- Seja pela comunidade negra ou pela
não excluído. Indo além, quando ela abor- inicialmente nos terreiros de Candomblé e féricos e marginalizados dentro da socieda- comunidade LGBTQIA+, as manifestações
da questões como “grifes no meu camarim”, Umbanda, posteriormente foi utilizado pe- de heteronormativa (TORRES, 2019). linguísticas são representações da subjetivi-
“mais um contrato pra mim” e “mamã, eu las travestis como uma “linguagem secreta”, Linn Santos, conhecida pelo nome dade humana desses grupos, os gritos con-
tô no plim, plim”, nota-se a intenção de de- indecifrável para os demais e especialmente artístico Linn da Quebrada, busca por meio tra sistemas opressores. A linguagem pode
monstrar potência. Entende-se por esses tre- para os policiais. Depois, o Pajubá é assimi- da sua obra musical transmitir questiona- ser usada para separar toda uma sociedade,
chos a possibilidade do poder de compra, a lado pela comunidade LGBTQIA+, gerando mentos sobre as potencialidades dos corpos e deixar completamente de lado diversas co-
rentabilidade e sucesso financeiro atrelados aos usuários identificação linguística, sendo dissidentes, das feminilidades, das minorias munidades de falantes, colocando-os num
diretamente a imagem do gueto e de pessoas diferenciado do “culto” aceito pela socieda- e das normas impostas pelo dito “padrão”. lugar de marginalizados. O Pajubá, a lingua-
da comunidade negra brasileira, rompendo de na qual estão inseridos (JÚNIOR, 2018). Fazendo referências ao Pajubá em suas le- gem das comunidades negras, os sotaques
ao lugar de marginal e ausente de conteúdo. Podemos perceber de maneira sim- tras, a realidade pobre, exclusa, menorizada espalhados pelo Brasil, as expressões regio-
Também é retratado a versatilidade do cor- ples como a Língua Portuguesa sofre mo- e periférica são claramente expostas, bem nalizadas e singulares, todas essas modifi-
po negro em lidar com questões atravessa- dificações, em função das necessidades da como as relações da comunidade LGBT- cações e variações surgem da necessidade
das nele, gerando a partir das opressões a comunidade LGBTQIA+ de expressar suas QIA+ em relação a família, igreja e escola. humana em ser parte do que fala, de ver-se
potencialidade. A cantora IZA tem através vivências com a criação de novos vocábulos. Essas explanações e exposições são feitas através de suas próprias palavras (MUNIZ,
de si atravessado vivências relacionadas ao Os termos, palavras e expressões pertencen- sempre numa tentativa de chocar e provo- 2021). A ciência nos ensina que por meio dos
racismo e ao machismo. Mas, essas potên- tes ao Pajubá são organizados visando prio- car, usando e abusando das mais diversas sentidos e significados atribuímos explicação
cias e forças do corpo são exatamente com- rizar os membros da comunidade, causando variações linguísticas, seja na forma oral ou aos símbolos e signos, usando-os assim para
posições das linguagens usadas para produ- sentimentos de identificação e pertencimen- visual (TORRES, 2019). comunicação, sejam eles escritos, falados ou
zir conhecimentos. Quando ela traz a si uma to. Quando uma travesti diz: “Tenho um O álbum intitulado Pajubá foi lançado gesticulados (STERNENBERG, 2008). As
imagem de “cria lá do gueto”, está incorpo- babado pra te contar!”, não é apenas o uso no dia 06 de Outubro de 2017, por Linn da vivências e resistências transformam esses
rando suas percepções pessoais de gueto, e de uma gíria, ou do Pajubá, mas é acima de Quebrada, sendo repleto de singularidades processos psicológicos complexos em pro-
separando das concepções negativas e opres- tudo a utilização da linguagem pela qual ela linguísticas específicas da comunidade LGB- cessos humanos de força e potência, diante
soras criadas ao redor da palavra, gerando sente-se confortável e representada (TOR- TQIA+ (TORRES, 2019). A escolha dos no- de qualquer forma de preconceito.
uma potencialidade. Esse “gingar” com as RES, 2019).
“Não é a língua que nos oprime, mas o que fazemos com ela.”
15 16
(KASSANDRA MUNIZ, 2021)
dossiê
LINGUAGEM E OUTRAS
TRANSAS
Autores: Isabela Duarte e Gabriela Ferreira
QUADRO
QUADRO DA LÍNGUA Experienciação em arte das subjetividades
individuais em contextos linguísticos.
DA LÍNGUA Andarandei
não é o meu país
é uma sombra que pende
Torquato Neto, jornalista, poeta e mú- concreta
sico, e as três coisas ao mesmo tempo, do meu nariz
suas poesias se mesclam com elemen- em linha reta
tos musicais e jornalísticos, expressan- não é minha cidade
do a genialidade e força política de sua é um sistema que invento
obra.
me transforma
e que acrescento
à minha idade
nem é o nosso amor
é a memória que suja
(2018),
a história
de Letícia que enferruja
Goulart, o que passou
arte em colagem
não é você
nem sou mais eu
adeus meu bem
(adeus adeus)
você mudou
mudei também
adeus amor
adeus e vem
35
dossiê
A PSICOLOGIA
É LINGUAGEM?
Autores: Maria Vitória Rodrigues e Felipe Ripardo
“A dança me tirou daquela quase depressão, daquele buraco bravo que eu entrei. E parece que ela
juntou o esporte, essa energia física, com a arte” (Deborah Colker, dançarina brasileira de grande
prestígio usa a sua forma inquieta de ver o mundo para mostrar sua expressão da forma mais plena e
leve de comunicação” (Deborah Colker, 2017)
“A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as
mãos vazias. Mas - volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de
minha linguagem.” (uma grande escritora brasileira que conseguia expressar através dos seus textos a
sutileza de situações da realidade brasileira) (Clarice Lispector, 1998)
A linguagem terapêutica
da expressão subjetiva.
um processo pelo qual a linguagem se altera
Margarida Petter (2007) escreve “O interesse e psicologia se reitera para assegurar esses
pela linguagem é muito antigo, expresso por novos caminhos de manifestação do Eu.
mitos, lendas, cantos, rituais ou por trabalhos Dentro de um contexto de vivências diferen-
eruditos que buscam conhecer essa capacida- tes a psicologia alavancou-se para criar mo-
de humana.”. Para que possamos nos atentar dos de desenvolvimento onde coubesse cada
que não é de agora que a linguagem expres- uma delas. Onde o paciente saísse da zona
sa as coisas mais importantes da individuali- de não-lugar para um local de entendimento
dade de cada pessoa e desperta em diversos de si, de reconhecimento e descoberta de um
campos a necessidade do seu estudo aprofun- Eu que palavra nenhuma codificaria, surgin-
dado. Dentro dessa noção a psicologia se en- do terapias alternativas, como a fotografia,
caixa em um papel muito importante de en- escrita, jogos, dança e outras modos, onde a
tender a linguagem e o desenvolvimento dela fala não demonstra o indizível, a expressão
no decorrer de cada subjetividade existente. do elo subjetivo da linguagem ecoa todas
Já que se trata não só de linguagens descri- as necessidades de uma comunicação nova
tas por signos linguísticos, mas de expressão, para demonstrar como o sujeito se expressa.
sentimento, vivência, cultura e Cada uma delas faz o ponto de vista extraor-
Colo D’água necessidades que vão além de dinário de qualquer um surgir, na arteterapia
(2019),
de Letícia padrões ou regras. Criou-se as- utiliza-se da arte e cria-se novos espaços de
Goulart, sim um novo sentido de expres- entendimento do indivíduo e a fotografia é
arte em colagem são onde a fala já não é suficiente um desses meios para chegar a compreensão
para demonstrar subjetividades emocional.
e o entendimento delas cabe em
38
A fotografia como linguagem.
A comunicação fotográfica é um recurso da de “Eu sou meu próprio lar” que demonstra
terapia que vem sendo utilizado a modo de o impacto de uma terapia de expressão indi-
fazer as pessoas mostrarem seus pontos de vidual. Ela destaca como as mulheres sofrem
vista, conseguindo descrever sentimentos, com padrões, violências físicas e psicológicas
emoções, convicções tão fortes, capturando e várias outras questões que marcam a vida
a visão de mundo daquela pessoa que a utili- de muitas outras e que por isso se sentir bem
za. Com significados que somente uma ima- consigo, trabalhando com abordagens tera-
gem demonstra e cria, os mesmos momentos pêuticas de autoconhecimento fazem muita
podem ser vistos de formas diferentes por diferença para gerar esse lugar de encontro
pessoas que o veem e a mesma imagem pode com o ser em si consciente.
criar significados totalmente diferentes com
Fotografia: Maria
o passar dos anos. Fazendo a terapia criar Vitória
um novo molde, um no qual a relação do Arte em Colagem:
terapeuta e paciente se torna mais significa- Andressa Pereira
(2021)
tiva, trazendo grandes avanços do processo
psicológico. A psicóloga e fotografia Bruna
Bardi criou em 2018 um projeto intitulado
Instagram arte dos corpos de Bruna Bardi
DE PANDEMIA (2019),
to por completo. Dessa maneira, o isolamento
social – medida adotada para combater a pro-
pagação do vírus da COVID-19 – pode trazer
Autores: Elsiane Lara e Joelly Oliveira de Letícia
“A linguagem é, assim, polissêmica: requer interpretação com base em Goulart, alguns prejuízos no desenvolvimento da fala e
arte em colagem linguagem das crianças submetidas a ficar em
fatores linguísticos e extralinguísticos. Para entender o que o outro diz,
não basta entender suas palavras, mas também seu pensamento e suas mo- casa devido à pandemia. Isso ocorre especial-
tivações.” (VYGOTSKY, Lev Semionovitch) mente pela ausência de estímulos ambientais e
sociais a que estavam antes expostas.
Aprendizagem, segundo a psicologia moder- A pandemia da COVID-19 trouxe grandes Além disso, outro fator que afetou o desen-
na, é a aquisição de uma técnica qualquer, ou impactos na vida da população mundial em volvimento do aprendizado da língua foi o au-
seja, mudança nas respostas de um organismo geral. Contudo, algumas consequências des- mento da exposição às telas. Esses dispositi-
ao ambiente, que melhore tais respostas com ta ainda não estão em pauta no momento e vos eletrônicos não interagem, e a criança fica
vistas à conservação e ao desenvolvimento podem acarretar certos entraves futuramente. passiva assistindo. Por conseguinte, não são
do próprio organismo. Já a Língua de acordo Uma destas questões envolve o universo infan- recomendadas para crianças de até 2 anos. O
com Saussure é um “conjunto dos costumes til e como seres humanos em desenvolvimento indicado por médicos e especialistas, é que
linguísticos que permitem a um sujeito com- físico e mental tem se comportado e absolvido crianças de 2 a 5 anos podem usar as telas
preender e fazer-se compreender” (Cours de fatos diante de tal situação. virtuais até uma hora por dia e crianças de
linguistique générale, 1916, p. 114). O desen- 6 a 10 anos podem usar telas de 1 a 2 horas
volvimento da linguagem é um processo que Alguns psicólogos do século passado, como por dia. Mas, a realidade é outra. Em muitas
envolve fatores internos, orgânicos, genéticos Vygotsky e Wallon, afirmam que somos seres famílias os pais ou responsáveis precisam tra-
e também depende da interação com o meio sociais e dependentes da cultura e do meio balhar (online ou virtualmente) e por conta da
social, com outros seres falantes para ser com- para nos atualizarmos e desenvolvermos. Po- pandemia não tem com quem deixar os filhos.
pleto. rém, para se evitar a disseminação do vírus Então, recorrem às telas como forma de entre-
em questão, desde março de 2020 são cotadas tenimento infantil.
medidas de isolamento social e lockdown . Es-
colas e ambientes de lazer em geral estiveram
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artista convidada referências
As ilustrações desta edição foram cedidas REDES SOCIAIS:
bibliográficas
ilustremente pela artista Letícia Gulart. A ar- Instagram: - BRASIL LÍNGUA GUETO
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