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b a . Geografia Agraria il - Profa. Dra. Valeria de Marcos Texto 4 GRAZIANO = da_—s SILVA, O novo — rural. —_rasileio. nwww.ecounicamp brineairurbano/textosicongrsem/rurbano7 htm) >of © Novo Rural Brasileiro’ x, cop José Graziano da Silva’ 1. INTRODUGAO O propésito deste texto é chamar a atengao para o que ha de novo no chamado meio rural brasileiro. Na verdade, esta cada vez mais dificil delimitar o que é rural e 0 que urbano. Mas isso gue aparentemente poderia ser um tema relevante ,nao o é: a diferenca entre o rural ¢ 0 urbano @ cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje 6 pode ser entendido como um “continuum * do urbano do ponto de vista espacial; e do ponto de vista da organizagdo da atividade econémica, as cidades nao podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuaria, Em poucas palavras, pode-se dizer que o meio rural brasileiro se urbanizou nas duas ultimas décadas, como resultado do processo de industrializacao da agricultura, de um lado, e, de outro, do transbordamento do mundo urbano naquele espaco que tradicionalmente era definido como rural. Como resultado desse duplo processo de transformagao, a agricultura - que antes podia ser caracterizada como um setor pradutivo relativamente autérquico , com seu préprio mercado de trabalho e equilibrio interno - se integrou no restante da economia a ponto de nao mais poder ser separada dos setores que the fornecem insumos e/ou compram seus Produtos. Ja tivemos oportunidade de mostrar que essa_ integragao terminou por se consolidar ‘nos chamados “complexos agro-industriais” que passaram a responder pela propria dinamica da atividades agropecuarias ai vinculadas’. Mas isso € apenas suficiente para explicar parte das transformagées do mundo rural contemporaneo, em particular aquelas que se coadunavam com o paradigma da industrializagao da agricultura, que previam as “fabricas verdes” como prototipo da organizagao social do trabalho Ros campos’. Nao ha diivida que poucas décadas atrés ndo se pensava que haveria um decréscimo gradual e persistente do emprego total dos setores industriais, a semelhanga do que ocorria nas atividades agricolas, nem que o emprego por conta prépria e outras formas flexiveis de contratagao tipicas do mundo rural viessem a Ser uma alternativa a estrutura fordista das fabricas modernas, Tampouco que o crescimento do emprego temporario & sazonal tomasse conta dos servigos urbanos, nem que o trabalho a domicilio - tido como um proceso transitério. “Publicado na revista Nova economia, Belo horizonte.7(1)'43-81 (maio de 1987), Profesor de Ezoroma Ags do Insist de Econom da UNIGAMP & conslor da Fundecto SEADE (e mal “Graziano@TurngUncamp 7) © aie agradece a calasraczo de Maul ese, Ola Saison & Flaw Bott to pocnssamaran Gos dado cos Oientros So Pak santo ratinarm se Vanden Guana 00 SE rasan dat Siva (1000) A Nova Dames da Agricultura Grassra Compas isto te Esonomil Unicon, 217 B. ‘Também do ponto da organizayao do trabalho a cidade se parece cada vex mais com a.do campo e vice-versa: recentemente lum grande jornal paulsta mostfou, para espanto de mustos, os Bolas ‘ras da uma usina da So Paulo marcando ahora e de ‘saida do trabatho, ou soja, batendo ponte como um bamabe qualquer destes pais. Casado, José. Bb.a-ina ja bale ponto. O Estado de §.Pauo, ed SI/96. pag. P'S caracteristico apenas das atividades manufatureiras prévias 4 industria mecanizada, viesse a ressurgir nas industrias de ponta no século XX.” E a que se deve tudo isso? Parece nao haver mais dividas de que as transformagdes nos campos politico, econdmico e social ocorridas neste final de século apontam para uma nova sociedade em gestacao. Hoje, as dimensdes do estilo qualidade de vida ganharam importancia dentro do “status profissional’: e as inovacdes nos setores das comunicagées e transportes tornaram possivel a globalizacao e mudaram completamente as nocées relativas criadas pelas distancias fisicas até entéo conhecidas. Possivelmente a emergéncia de um novo paradigma, que vem sendo chamado de “ pés-industrial”, por uns e de pés-fordista por outros* assentado nessas novas tecnologias - com destaque para a informatica e microeletronica-_permitira alterar simuitaneamente a natureza das inovagdes tecnolégicas e as formas de organizagao industrial decortente de sua aplicagao ainda nesse final de século XX. Nao € nosso propésito nos aprofundarmos nesses aspectos aqui. Apenas reconhecer que tanto na industria, como na agricultura, esas novas tecnologias ja estao alterando profundamente nao s6 as formas de organizacdo do processo de trabalho, conforme mencionado anteriormente, mas também reduzindo a escala minima necessaria da atividade econémica e redefinindo os requisitos fundamentais de sua localizagdo espacial’. O desejo de uma estabilidade social representada pelo empregado das grandes corporagées cedeu lugar, no imaginario popular, a0 prestador de servigos auténomo que trabaiha em sua propria casa. A utilizagao que os autores classicos (como por exemplo, Marx e Weber) davam ao corte urbano/tural relacionava-se ao conflito entre duas realidades sociais diferentes (uma em declinio, outra em ascensao) em fungao do progresso das forcas capitalistas que minavam a velha ordem feudal. A dicotomia urbano-tural procurava representar, portanto, as classes sociais que contribuiram para © aparecimento do capitalismo ou a ele se opunham na Europa do século XVII @ ndo propriamente um corte geogrdfico. E a partir dai que o “urbano” passou a ser identificado com 0 "novo", com o “progresso” capitalista das fabricas; e os rurais - ou a “classe dos Proprietarios rurais", com o "Velho" (ou seja, a velha ordem social vigente) e com o “atraso" no sentido de que procuravam impedir 0 progresso das forgas sociais, como por exemplo na famosa disputa pela revogagao das leis que limitavam a importacao de cereais pela Inglaterra na época de Ricardo, Os funcionalistas americanos deste século terminaram por fazer a identificago espuria de rural com atrasado para justificar as suas propostas intervencionistas "de fora", entre as quais os programas de assisténcia técnica e extensao rural. O diagndstico neoclassico dizia que os agricultores eram pobres, mas eficientes: o problema nao estava no uso dos “fatores de producao" disponiveis, mas_sim que os fatores disponiveis nao propiciavam o retomo necessario para superar a condicéo de pobreza em que viviam. Dai a proposta de modemizagao ser entendida como a introdugao de "novos fatores” que incluiam desde as sementes geneticamente Pugliese, E. (190) . Agriculture and the New Division ou of Labour in-Frieidiand, W. el all, (eds). Towards a New Political Economy of Agriculture. Boulder. Westiview Press (cap6). Termos que mutas vezes mais confundem do que esciarecem. Veja.se a respeito: Goodmann O.e M. Watts(1994), Reconfiguiing the rural or fording ine dwvide? Capitalist Reestructury and the globat agto-food sysstem. The journal of reasant studies 22(1): 1-49(0c). LUpietz. Ae D. Leborgue (1988). 0 Pés fordismo # seu espaco Revista de Estudos Regionais e Urbanos, S Paulo 8(25):12- 2. meinoradas da Revolugdo Verde, os adubos e defensivos quimicos. as maquinas e equipamentos, até a educacao formal, nos moldes urbanos, é claro Menéndez’, ressalta que 0 sural ainda hoje é definido usualmente como o mundo ndo- urbano ou nao-metropolitano. E que a visao que se tem do mundo tural ainda esta compictamente vinculada a evolucdo do mundo agrario, enquanto a industria e os servicos Parecem ser caracteristicas "naturais" do meio urbano, mas ja ndo se pode falar de mundo rural ‘dentificando-o exclusivamente com as atividades agropecuarias por isso 6 que Marsdem® ressaita que "é preciso reconceituar o agrario" pois nesse final de século XX as areas rurais dos paises desenvolvides comegam a exibit formas sociais e econdmicas de organizagao Paradigmaticas 4 medida que a sociedade sai fora dos “padrées fordistas’. Tais desenvolvimentos pressionam por novos modos de regulagao por parte do Estado que incluam as politicas ambientais e de planejamento do uso do solo e da agua, de bem estar social, de desenvolvimento rural, ete, O autor cita 3 pontos focais do debate atual a) a mudanga rural é multidimensional, ov seja, ndo pode ser vista apenas da otica econémica ou social, nem do ponto de vista estrito da praducao e/ou do consumo: b) & preciso incorporar a esfera da circulagao como parte das “novas formas, mais especificamente, 0 capital financeiro ", ¢) © significado do atual processo de "commodotization" é que as areas rurais estao crescentemente associadas com atividades orientadas para o consumo , tais como, laser, ‘urismo, residéncia, preservacdo do meio ambiente, etc. Para Blakely & Bradshaw” a emergéncia de uma sociedade avangada ou "pés-industrial" é caracterizada pelo crescimento das empresas do setor servigos, pelo decréscimo relative da Producdo de bens materiais e pela substituicao dos processos intensivos em mao-de-obra pela producao com base na aplicacao intensiva do conhecimento e manejo da informagéio. Ademais, a sociedade industrial avancada rural incorpora diversas oportunidades para diversos estilos de vida tais como administragao profissional, organizacoes burocraticas = melhoria das comunicagses. Os autores mostram que nos EUA desde 1977 0 pessoal técnico € administrativo (‘white collar’) superava © pessoal abrero ("blue collar’) nas zonas rurais, com uma constante elevacao do nivel de escolaridade @ de profissionais tecnicos de nivel superior. Em 1980, 0 emprego em servigos respondia por mais de 60% do emprego rural nos EUA. A América rural tomou-se assim, ndo um residuo ou um participante minoritario nas forcas sdcio-econémicas que configuram a na¢do norte-americana, mas parte da sua evolucao para uma sociedade pos- industrial avangada. Pela primeira vez desde a expansao para o Oeste Shultz (1966), Transtormando a Agricultura Tradicional. Rio de Janel, Zahar Ediores, Note-se que a proposta & exatamenta © contiano da alual "Revolucde cuplamente verde" onde Se procure elminar a pobreza rural @ partr de uma ‘etnor combinagao dos recursos cisponivers no melo rural. Vera respesio. ABRAMOVAY Re Ignacy Sachs (1995). Habtat 8 contribulgdo do mundo rural So Paulo em Perspectiva, FSEADE, 5. Paulo 9(3):11-16 (ulsed) MENENDEZ. Luiz Sanz (1985) Tondencias recientes en las zonas rurales: de la mdustiatzacion 9 los servicios?, Agricultura y Sociedad, Madrid, no 36-37 (ul ee } MARSDEN, (1989). Reestructuring «urshly from order to disorder in agrariam peliical econony. Sociologia Ruralis, 294314) 312-47 Blakely, E © T. Bradshaw (885), Amerea Rurat um Novo Gonleno, Agricultura © Sociedade, Magna n° 26-7 fados Unidos, as areas rurais voitaram a ser parte integrante da sociedade © da economia dos EUA do ponto de vista do seu “way of life”.conciuem Blakely & Bradshaw. Os autores destacam ainda que, apesar de todas essas mudancas, as politicas rurais ontinuam a ser cirecionadas basicamente para reduzir o isolamento das populacées rurais ‘methoria nos sistemas de transporte ¢ de comunicagao) e methorar as suas condigées de vida (habitacao, satide, etc.) e de qualificacao (ensino basico e tecnico). Nao se tem levado em conta 0 fato de que as zonas rurais tem necessidades novas tipicas de uma sociedade pds-industrial, como por exempio, a de estabelecer um zoneamente para definir areas industriais e de moradia, areas de presetvacao ambiental, etc. Nesse sentido, a reforma de 1992 da Politica Agraria Comum Europeia representou um significative avango no sentido de tratar seus agricuitores de maneira mais abrangente, indo alm da ética meramente produtiva. A introducao de pagamentos compensatorios como um dos instrumentos fundamentais de protecdo dos pequenos produtores em regides desfavorecidas e a sieicdo da preservagao ambiental e do reflorestamento como diretrizes centrats representou uma possibilidade concreta de reduzir a protecao via precos que determina o carater eminentemente produtivista das politicas rurais da comunidade"”. No mundo rural dos paises desenvolvidos esse novo paradigma “pés industrial” ten um ator social ja consolidado: o part-time farmer que podemos traduzir por agricultores em tempo parcial. A sua caracteristica fundamental é que ele ndo é mais somente um agricultor ou um pecuarista: cle combina atividades agropecudrias com outras atividades nao-agricolas, dentro ou fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano- industriais, como nas novas atividades que vem se desenvolvendo no meio rural, como lazer. turismo, conservacao da natureza, moradia e prestagao de servigos pessoais. Em resumo, o part-time nao é mais um fazendeiro especializado, mas um trabalhador auténomo que combina diversas formas de ocupagao (assalariadas ou ndo}.Essa é a sua caracteristica nova: uma plutiatividade que combina atividades agricolas e nao-agricolas. Na verdage, a novidade em relagao aquilo que na visdo dos classicos manxistas seria considerade camponeses em processo de proletarizagao é a combinagao de atividades nao- agricolas fora do seu estabelecimento, 0 que nao ocorria anteriormente. E mais: os cléssicos consideravam que a existéncia de membros da familia camponesa trabalhando fora de sua unidade produtiva era um indicador do processo de proletarizacao e. consequentemente, de desagregacao familiar, empobrecimento e piora das condigdes de sua reprodugao social. & preciso recordar que 3 camponeses nao eram produtores agricolas especializados: combinavam atividades néo-agricolas de bases arlesanais dentro do estabelecimento envolvendo praticamente todos os membros da familia na producéo de doces e conservas. fabricagao de tecidos risticos, méveis e utensilios diversos, reparos e ampliacao das construgdes e benfeitorias, etc. O sinal visivel de que nao podiam mais garantir a sua feproducao era 0 assalariamento temporario fora, que ocorria fundamentaimente em unidades de produgao vizinhas por ocasido da colheita Ver a resceito: Bonete Perales, R (1994) Condictonamentos internos y externos de la PAC: elec abandono de la proteccién via precios. Madea, Min. Agicultura 482 p. (Serle Estudios) | mantenimionto y 5 Segundo Mingione e Pugliese'', o part-time é o elemento fundamental da nova base social da agricultura moderna. Eles atribuem essa possibilidade de combinar atividades agricolas com atividades nao-aaricolas fora do estabelecimento familiar a um processo de “desdiferenciacdo" ou “desespecializacao” da divisdo social do trabalho que tem na sua ofigem a modificacao do Proprio processo de trabalho, tanto na agricultura moderna como na industria de base fordista Varios fatores vem contribuindo para impulsionar essa nova tendéncia no mundo rural dos paises desenvolvidos. entre os quais deve-se destacar a crescente semelhanca das formas de organizacao © contratagao de trabalho na indiistria com aquelas secularmente existentes na agricultura (flexibiidade de tarefas e da josnada, contratacdo por tarefa elou por tempos determinados, etc}, a volta da industria para os campos”, a methoria nos sistemas de comunicagao ¢ transporte e o aparecimento de novas formas de trabalho a domicilio. Como também assinalam Mingione&Pugliese, a pluriatividade na maioria das vezes se associa a um outro fator complexo que a a combinacao, cada vez mais frequente, numa mesma Pessoa, do estatuto de empregado com o de conta prépria. O resultado dessa associacao € 0 aparecimento de tipos que, tanto do ponto de vista social como profissional, sao dificieis de classificar, E citam 0 exemplo do alugador de maquinas que trabalha com seu proprio trator em varias exploragdes agricolas e que muitas vezes recebe um salario diario em fungao das horas trabalhadas. Alem disso tudo, concluem, "assemetha-se mais a um mecanico do que a um camponés, do mesmo modo que hoje em dia o agricultor tende a preocupar-se mais com ‘questdes comerciais do que com o crescimento das culturas em si (op.cit., p. 96-7) Em resumo, a pluriatividade pode se configurar de duas formas basicas a) através de um mercado de trabalho relativamente indiferenciado, que combina desde a prestagao de servigos~manuais até 0 emprego temporario nas _industrias tradicionais(agroindustrias, t&xtil, vidro, bebidas,ete); b) através da combinagao de atividades tipicamente urbanas do setor terciario com o “management” das atividades agropecuarias, E por essa segunda forma que, de um lado, milhares de profissionais liberais urbanos, atraides pelas facilidades decorrentes dos novos servigos disponiveis para apoio das atividades agropecuarias, passaram a olhar os campos como uma oportunidade também para novos negocios. E de outro, milhdes de agricultores por conta propria e até mesmo trabalhadores rurais assalariados nao especializados buscam formas de prestacdo de servigos tipicamente urbanas. A generalizacdo da atividade agropecuaria em tempo parcial nos paises desenvolvidos decore fundamentalmente de uma redugdo do tempo de trabalho necessario dos produtores familiares e por conta propria .Isso se tornou possivel gracas ao: a) crescimento da mecanizagao das atividades agricolas e da automagao nas atividades criatérias; Mingione.€. © . Puglese (1987). A fic Delimitsedo do “Urbano’ ¢ do “Rural’ Revista Critica de Cidncias Socials, vg. sboa, 22 83-89(abni) Vale lombrar que as primeias indiisiias inglesas tinham que se locakzar na campo, dada a necessidade de estarem Broxmas das fontes de energia hidrdulica. Com ¢ advento da maquina a vapor, elas se mudam para as cidades, onde havia ator cispomibildade de forga de trabalho. E por Wes0 que a maquina a vapor € considerada “a mae das cxlades inglesas por Mare (© Capital, vol |, capiuio 13 Maquinana e Industria Moderna}. b) programas de reducao das areas cultivadas (set-aside) e/ou extensificacao da produgao agropecuaria. Em funcao dessas mudangas duas grandes transformagées ocorreram nas atividades agropecuarias do mundo desenvoivido a) as unidades familiares se individualizaram no que diz respeito a gestao produtiva, liberando os membros da familia para buscarem fora outras atividades b) 05 membros da familia que ja trabalhavam individuaimente ou por conta propria feduziram 0 tempo dedicado as atividades agropecuarias em busca de outras atividades rurats ou urbanas que thes assegurassem maior nivel de renda’” Ha um outro elemento que viria a se somar ao crescimento da alividade agropecudria em tempo parcial para garantir a pluriatividade no meio rural dos paises desenvolvidos, que é a dinamica de crescimento das atividades rurais nao-agricolas. & aqui novamente ¢ preciso chamar a atengao do que € novo no processo de transferéncia de atividades urbanas - em particular das atividades industriais - para os campos. E sabido que muitas industrias tradicionais (que muitos preferem chamar de “sujas “ou “decadentes” ha muito ja vem procurando reftigio no espaco agratio per razées de custos internos (maior proximidade das materias primas, busca de mao de obra barata e nao sindicalizada, etc) e custos extemos (dificuldades de transporte de cargas, menor rigor no controle de poluicao, etc) Mas, mais recentemente, estimuladas pelo desenvolvimento das telecomunicacées - e em particular da telematica- novas indistrias e servicos auxiliares da producgso, de alto nivel tecnoldgico, também tem se mudado para os campos em busca de melhores condigdes de produgao e de trabalho. Tomando-se a pluriatividade como a marca fundamental desse “novo agricultor’, podemos assinalar aqui varios outros fendmenos relacionados que podem ser observados no “novo mundo rural“ dos paises desenvoividos: a) 0 “desmonte” das unidades produtivas em fungao da possibilidade de externalizagao de varias atividades que antes tinam que ser realizadas na fazenda fazenda através de contratagao de servigos externos (aluguel de maquinas, assisténcia técnica, etc.)"* b) especializacao produtiva crescente permitindo o aparecimento de novos produtos e de mercados secundarios, como por exemplo, de animais jovens , mudas e insumos"® ©) formagao de redes vinculando fomecedores de insumos, prestadores de servicos, agricultores, agroindustrias e empresas de distribuigao comercial™ 4) crescimento do emprego qualificado no meio rural, especialmente de profissoes tecnicas e administrativas de contetido tipicamente urbano, como motoristas, mecanicos, digitadores e profissionais liberais vinculados a atividades rurais nao agricolas: Baptista Femando (1984) Familias e Exploracdes Agricalas. IV Gongresso Latino-Americano de Sociologia Rural Concepcion, Chile 10 p. Alegre € Amat (7989) Estrutura de las explotaciones agraias y extemalaacién del proceso productive. Revista de Economia, Madna, 666-101-117 (led) "2 Goowmann, 0, 8.S01)€ J. Wikinson (1990) Da lavoura as biotecnologias. Rio. Ex. Campus Green Raul & R dos Santos (7891), Economia de red y reestruturacion del sector agroalimentatio. Paris, INRA. 2] melhoria da infra-estrutura social e de lazer , além de maiores facilidades de transporte maios de comunicacao, possipilitando matores facilidades de acesso aos bens publicos como previdéncia, saneamento basico, assisténcia médica e educacao, além de Substancial na qualidade de vida para os que moram nas zonas rurais ” uma methora E evidente que esse novo mundo rurai dos paises desenvolvidos no é nenhum paraiso. 0s Indices de pobreza e miséria, bem como o isolamento das populagées de menores rendas. apesar de terem se reduzido, ainda continuam altos vis-d-vis os das regides urbanas. Mas fambem ja @ evidente que, para uma dada renda monetaria, os padrées de vida dos {rabalhadores rurais sao iguais ou superiores aos dos pobres urbanos. Talvez seja esse o ponto fundamental de interesse na nova relacao de trabalho representada pelo “part-time” nos paises desenvolvidos: 0s custos monetarios de reproducdo sda mais baixos no contexto rural, especialmente quando, através da alividade agricola a tempo parcial, também ha interligagao via ‘mercado de trabalho (Mingione & Pugliese, op.cit 92) Nos paises subdesenvolvides também ja se pode observar com clareza o fenémeno dos Part-time’ embora_sem a mesma magnitude que assume nos paises desenvolvidos” . E evidente que ha diferencas substanciais, ainda que se possa observar, em graus diferontes de importancia relativa conforme as diferentes regides do pais, os mesmos fenémenos apontados anteriormente: 0 “desmonte’ e especializagdo das unidades produtivas, o crescimento da prestagao de servigos .a formagao de redes dentro dos distintos complexos agro-industriais, 0 crescimento do emprego rural nao agricola ¢ a meihoria das condigées de vida e lazer no meio rural Nas proximas secdes vamos procurar mostrar algumas dessas dimenses para o Brasil a partir dos dados das PNADs para 1981 e 1990. Bariet,P (1986) Parttime Farming. Sawing the Farm of Saving the Lyfestyle? Rural Sociology, EUA. §1(3) 299-913 (al) Ver a tespeto Graziano da Siva, | (1995), Resistresisti, resis. Consideragbes acerca co Futuro do Campesinato na Brosil, Schnerder, 5 (1996). As Transformagdes Recentes da Agricutura Famitar no RS. O Caso a Agrlcutura em Tempo Parcial Ensaios FEE. Porto Alegre 16/1) 105-129. E também “Anjos Flawe Sacco (1995). Agreultura Familiar em ‘Transformagao: 0 Case dos Colonos-Opersrios de Massaranduba SC, Pelolas, Ed. Universtéa, 469p. AS esimabvas vanam musto de pais para pais, mas certamenta constitvem de ha musto a maioria da populagSo cural na Europa, Jopao e Estados Unidos. Ver a respeto. Gasson Ruth (1988). The Economics of Part-time Farming. Longmen, Englan 2. AEVOLUGAO DA PEA RURAL E DA PEA AGRICOLA NOS ANOS 80 A tabela 1 mostra os dados das PNADs relativos aos anos de 1981, 1986 e 1990 para a Populacae Economicamente Ativa (PEA) ocupada segundo a situagao do domicilio (rural ou urbano) € a na:ureza da atividade (agricola, ndo-agricola) Tabela 1 PEA Ocupada segundo 0 domicilio ¢ atividade: Brasil 1981. 1986 e 1990. SER [100 pessoas) Toa Gesamane aa] 188i 08s 1990 75600 7367350 Urbana es ARE was a 38 Rural 13.797 18170 16321 19 18 19 rica % asa éo-agricola 32165 41.105 45676 50 27 40 TOTAL 25.465, 55.436 59673 40 19 a Fonte’ PADS 1081 @ TOES oades pubicados 71000 Gados reVsados Esses dados permitem demonstrar um primeiro e crucial aspecto: o crescimento da PEA tural @ muito maior do que o da PEA agricola, especialmente na segunda metade dos 80, quando a taxa de crescimento desta foi negativa. Ressalta-se que o final dos 80 sao considerados anos extremamente favoraveis do ponto de vista da absorgao de mao-de-obra pelas atividades agropecuarias”. Em 1990, a PEA rural ja superava a PEA agricola em mais de 2.3 mihdes de pessoas. A tabela 2 permite mostrar que nos anos 80 ndo se alterou significativamente a distribuigao da PEA agricola sendo suas componentes rural e urbana, mas 0 peso celativo da PEA tural na PEA total caiu de 29.4% para 26.1%. Nota-se também que cresceu a proporcao de desocupades (procurando emprego) que tem domicitio rural, o que significa que a pressao sobre © mercado de trabalho urbano nao ver mais apenas via éxodo rural, mas que pode haver uma disputa crescente de postos de trabalho urbanos pelas pessoas com domicilio rural. Esse ¢ mais um dos aspectos da urbanizacao de meio rural brasileiro a que ja nos referimos anteriormente. * Isso porque. ros anos 60, apesar da crise o setor agricola teve um desemprenno attamente favoravel Adm disso. a violenta queda do valor real do salano minime, que {01 reduzido a praticamente @ metade no petiodo consideraso, permits 2 ‘expansao do wabalho assaianado em praticamenta todas 2s regibes do pais. Tabela 2 Distribuicgao Relativa (%) da PEA Agricola, dos Desocupados © da PEA total segundo o local domicilio: Brasil, 1981, 1986 e 1990. DOMCTIC, E81 86 0) PEA AGRICOLA Rural 808 zaB eae Urbano 192 202 191 DEsocuPADOS Rural 38 59 23 Urbano 93.2 94 ou? PEA TOTAL Rural 29.4 239 254 Urbano, 708 734 739, TOTAL 700.0, 700°) Wooo ante: PNADs 167, 1986 @ 1800 (go reusado| tebulacdes especian repiocessados a pari dae fRGE orginal, por Mauro Del A tabela 3 mostra a distribuicdo relativa da PEA rural segundo os principais ramos de atividade econdmica em 1990 para as grandes regides do pais. Chama a atengdo 0 fato de que fo Sudeste, neste ano, mais de 40% da PEA rural ja estava ocupada em atividades nao- agricolas com destaque para servicos pessoais e agro-industriais, Tabela 3 Distribuicao da PEA rural segundo o ramo de atividade econémica Brasil e regides. 1990. RANG NE SE. 3u, ae ‘Agropscusria 718 B85 Tat Baa Ind Teansfoxm 61 92 65 63 Ind Constructo 28 48 23 32 Gutras nave o9 29 a 19 Comerco ay 38 27 38 Senncos Pes, 60 330 6a a0 Serv Aun Pros 04 03 03 08 TranspeCom 4 18 15 14 Social 42 33 28 38 ‘Adm Publica 1a 13. 15 14 utras N-Agro oz 08 os oa Desemprege Soeeeeeee Ta 44 12 TOTAL, 70000 Too 7600) Too Gos Fonte dos tads basicos, PNAD ce 1990 sem revisdo, feproceszados a part das Htas ovgisers for Mauro Det Grosse A tabela 4 mostra a decomposigao da taxa de crescimento da PEA rural pelos principais setores de atividades, segundo as grandes regides pesquisadas pela PNAD (que exclui a regiao Norte) 10 Tabela 4 Taxas de crescimento (%a.a) da PEA rural segundo os principais ramos de atividade: Brasil @ grandes regioes 1981/1990. Agiccta Ing. Teanst Ing Const, Outras Indust Ser. Pessoais 28 ev Auxibar 33 TranspiGomun 131 Soetal 124 dm Publica 13 Outtas N-Agro 32 Desemorego. za ‘OAL 30 Fonte dos dados basics: PNADS 1981 € 1990 (nds rewsada) reprecessados a parte das Has orginas por Mauro Del Gress. Como se pode perceber, exceto pela distorgao dos dados no ramo da construgao civil no Nordeste“', tocas as taxas de crescimento das pessoas ocupadas em atividades rurais nao- agricolas séo positivas e bastante superiores as taxas de crescimento da ocupacao em atividades agropecuarias de suas respectivas regiées. Note-se tambem 0 extraordinario crescimento das pessoas com domicilio rural ocupadas na industria da transformagio, no comércio e , de modo muito especial, nos servicos, tanto Pessoais, come nos auxiliares da produgao e publicos Note-se ida que a taxa de crescimento média da PEA agricola nos anos 80, embora baixa, ainda é positiva. Isso sé foi possivel gragas ao desempenho altamente favoravel que tiveram a PEA agricola das regides Nordeste (que sofreu seca em 1981) e Centro-Oeste (expanséo da fronteira agricola dos cerrados) nos anos 80 por razées que dificilmente se Tepetirao. Ressalte-se que no mesmo period o crescimento da PEA agricola ja foi negativo para as regides Sudeste e Sul (-0,3 ¢ -0,6 %a.a., respectivamente), tendo sido contrabalancado pelo expressivo crescimento da PEA rural, particularmente na regiao Sudeste onde superou 2,6%a.a (ver tabela 4) Nao é rosso objetivo detalhar aqui 0 que se passou em cada um desses ramos. Apenas gostariamos de assinalar que essas tendéncias sao muito parecidas com as apontadas por Blakely.& Bradshaw (op.cit.|, que mostram também um grande crescimento dos servicos Pessoais produtivos e governamentais no meio rural dos EUA no final dos anos 70 Segundo os autores citados, 0 crescimento dos servigos governamentais nas zonas rurais, especialmente dos servicos de assisténcia técnica a producdo e a prevengao de doencas, acompanhados de uma substancial_melhoria da infra-estrutura social (escolas. hospitais, ,ambulatérios, etc.) e da rede previdenciaria, mudou o estilo e a qualidade de vida do farmer norte-americano. E lornou Possivel, em muitos lugares antes estritamente agricolas, a construgao de casas de campo "A BNAD de 1981 inciuu no ramo da consttucdo cil as pessoas contratadas nas fienles Ge trabaino oa regio Nordeste. 0 que infou artficiaimente os dados da oeupagao naquele ano. "1 Para lazer da populacao urbana mais proxima e a vinda de turistas. especialmente de pessoas aposentadas Os dados das PNADs tambem permitem uma analise desagregada ao nivel dos principais Grupos de ccupagao da PEA rural, conforme apresentado na tabela 5. Por precaugao em felagao @ desagregacao possivel dos dados, optamos por apresentar apenas os dados relativos a Sao Paulo e Sudeste. Os dados para Sao Paulo sao exemplares: as duas categorias que mostraram redugao no nUmero de pessoas ocupadas nos anos 80 foram os produtores agropecuarios auténomos ¢ os ‘rabalhadores rurais ocupados em atividades agropecuarias, Todas as demais categorias apresentaram taxas elevadas de crescimento, com destaque para ‘+ empresarios ndo agricolas residentes no meio rural (21,6%a.a), que ja somavam mais de 25 mil em 1990; tecnicos de segundo grau e nivel superior (18,8%a.a.}, que somavam 14 mil em 1990; jardineiros (exciuidos todos os trabalhadores hortigranjeiros) (18.1%a.a), mais de 11 mil, + tabalhadores da industria alimentar (agroindustria) (18,2%a.a.), quase 22 mit trabalhadores do comércio (16,2%a.a.) que alcancavam o expressivo numero de 72 mil Tabela 5 Distribuigao da PEA rural segundo os principais grupos de ocupagao: Sao Paulo e demais estados da regido Sudeste (SE-SP), 1981/90 ‘SOUPAGRS 1000 PESSOAS EM 1900 7819 aay PRINCIPAL, SESP__skOPAUG __ ssp sho patna. rod Agrop Auk 5124 1138) 08 “28 Trabal Agron 1180'8 4188 19 ng Tratonsias 256 328 2a 37 Admin Agron. 195 ns ar Cuttos. Prot Agro 495 46 108 103 Jaraineres 42 8 4 1B Trab Bacal SiDeFin 481 50.1 53. 188 Trab Construcaa 902 ar 58 100 Motonstas 507 33 80 107 Trab Esertone 25 582 19 78 Trab Vestuasia 502 4a 52 98 Trab Agrandustna 183 215 65 182 Trab Comercio 783 723 59 162 Trab Serv Asseio e Viglantes 458 68.2 118 147 Empr Damesico 1883 185. 85 108 Mecanico +Metalurgi 208 543 99 89 Trab Hote! Bar Rest 300 280 123 145 Professores 341 82 10 aT “Teenicas 20.Grau+Superior x00 142 8S 18 Emarosarios N-Agro 205 25.4 215, 216 Outros 175 2182 67 58 TOTAL 25793 T4979 a7. a3 Fonte dos dados basicos: PNADS TOUT © T98D{ ndo reusada), repiocessados @ part Gas Was Gngihas Ge Mauro Del Gross Vale a pena chamar a atencao também para o crescimento dos empregados domésticos (10,6%a.a) © dos trabalhadores bragais sem especificagao (18,6%a.a.), que reforcam a “desdiferenciagao" da divisdo social do trabalho a que ja nos referimos anteriormente. 12 Resumindo. podemos dizer que entre as principais atividades nao-agricolas com { importancia crescente no meio rural brasileiro deve-se destacar, em primeiro lugar, aquelas | ©elacionagas som a proliferagao de industrias, em particular das agroindustrias. no meio tural. Em segundo lugar vern aqueias atividades relacionadas a crescente urbanizacae do meio ural (como moradia, turismo. lazer e outros servigos) € a preservacao do meio ambiente Finalmente, em terceiro lugar, mas nao menos importante nesta rapida caracterizacao das atividades nao-agricolas que vern se desenvolvendo no nosso meio rural , é preciso destacar a proliferacao dos sitios de recreio, ou simplesmente chacaras, como sao chamadas no interior do estado de Sao Paulo”. Sao pequenas areas de terra destinadas ao lazer de familias de classe media urbana, geralmente inferiores a 2 hectares, localizadas nas periferias dos grandes centros urbanos, na orla maritima ainda nao densamente povoada ou em areas proximas a rios, lagos, represas ou reservas florestais, € com facil acesso através das principais rodovias asfaltadas do pais ‘As Estat'sticas Cadastrais do INCRA de 1978 revelam a existéncia de inexpressivos 18.482 sitios de recreio ocupando uma area total de 896.586 hectares, num total de mais de 3 milhées de iméveis e quase 420 milhdes de ha em todo o pais. Para o Estado de Sao Paulo, apenas 9.094 iméveis, com uma area de 306.954 ha, num total de mais de 268 mil iméveis e 20 mithdes de ha recadastrados naquela data. Ocorre que o INCRA classifica como sitios de recreio apenas os iméveis sem deciaracao de qualquer exploracao agropecuaria e nao classifica 0s com atividades nao-agricolas; ou seja, apenas os com areas de lazer. Embora uma parte significativa das chacaras de recreio seja exclusivamente para lazer, como @ 0 caso dos “ranchos de pescaria’. & comum encontrar também - 2 provavelmente séo muito mais representativas - unidades que combinam as atividades de fim de semana do proprietario e seus familiares com alguma atividade produtiva -agropecuaria ou nao- do seu morador, geralmente chamado de “casero” Muitas dessas chacaras de recteio apresentam atividades produtivas de valor comercial consideravel, ultrapassando até mesmo a idéia corrente de “abater parte das despesas de sua manutengao”, Em 1995, uma exposicao desses pequenos iméveis rurais, realizada em Sao Paulo, estimou em cerca de 70 mil os pequenos chacareiros com atividades comerciais no Estado de Sao Paulo. Eles se dedicam principalmente a criacao de abelhas, peixes, aves outros pequenos animais, producao de flores e plantas omamentais, frutas e hortaligas, atividades de recreagao e turismo (pesque-pague, hotel fazenda, pousadas. restaurantes, spas) © impacto da proliferagao das chacaras de fim de semana tem sido notavel sobre a paisagem rural Primeito, contribuem para manter areas de preservacao/ conservagao do que estou da flora locale _muitas vezes dao inicio a um processo de reflorestamento, mesclando espécies exoticas e nativas, Segundo, expulsam as “grandes culturas” que, em geral, utilizam-se de grandes quantidades de insumos quimicos e de maquinas pesadas, das periferias das cidades. Terceiro, do novo uso a terras antes ocupadas com pequena agricultura familiar, inclusive assalariando antigos posseiros e moradores do local como “caseiros’, jardineiros outras praticas de preservagao e principalmente guardides do patriménio ai imobilizado na auséncia dos p-oprietarios, 0 tewo que se segue esta baseado em Graziano da Siva. J. et ali (1996). © Rural Paulista: muto além do agricola © do ‘grdno, Revista Sdo Paulo em Perspectiva, FSEADE. Sdo Paulo 10(2) 60-72 (abujun) 13 As chacaras de fim de semana representam, na nossa opiniio, uma versdo “terceiro ‘Mundista’ da politica europsia das "duas velocidades”, onde se procura atribuir aos pequenos produtores das regides desfavorecidas a tarefa de guardides da natureza, reservando as grandes exploracées 0 papel produtivo classico. Infelizmente, até agora, tém sido dada maior atencdo @ tarefa de coibir os aspectos negativos desse importante fenémeno, como, por exemplo, a especulagao imobiliaria, a sonegacao fiscal e trabaihista. e o desvio de recursos do crédito rural, que ocorrem com muita frequéncia. Ha porem aspecios positives que, se devidamente direcionados, poderiam vir a ser objeto de novas poiiticas publicas. O primeiro é 0 do emprego: bem ou mal, o contingente de caseiros representa hoje um segmento expressivo dos trabaihadores domésticos (quase 8% da PEA rural Paulista, conforme os dados da tabela 2) que esta por merecer uma atengao especifica da legislagdo trabalhista brasileira. Segundo: a cessao da casa de moradia (e por vezes também do direito de manter uma horta doméstica e criagdes) que, em geral, acompanha o vinculo empregaticio. Prefeituras do interior do Estado de S4o Paulo, por exemplo, tm desenvoivido verdadeiros programas habitacionais, visando recuperar casas abandonadas nas antigas colénias das fazendas e disponibilizando meios de transporte publico para os trabalhadores urbanos que ai vierem a residir. Terceiro: 0 uso menos intensivo do solo, de agua e de outros recursos naturais tém favorecido um novo tipo de povoamento rural, antes desconhecido num pais que se caracteriza por grandes conglomerados urbanos. Quarto, a emergéncia de um Conjunto de atividades intensivas (como olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura, criagao de pequenos animais tipo ra, canarios, aves exoticas) cujos produtores - muitos dos quais de origem urbana - buscam “nichos de mercado” especificos para sua insergéo, como uma forma altemativa de complementar a renda familiar. A atual crise agricola - que se traduz basicamente por uma queda dos precos das principais commodities, como suco de laranja, café © grdos, € numa queda do valor dos iméveis rurais - impés limites 4 expansdo das tradicionais atividades agropecuarias. Nesse contexto, ganham importancia essas “novas atividades rurais” altamente intensivas e de pequena escala, propiciando novas oportunidades para um conjunto de pequenos produtores que ja nao se pode chamar de agricultores ou pecuaristas; e que muitas vezes nem sao produtores familiares, uma vez que a maioria dos membros da familia esta ocupada em outras atividades ndo-agricolas e/ou urbanas. ea 4 3. AJMPORTANCIA DAS RENDAS NAO-AGRICOLAS NOS ANOS 80 Ruth Gasson (1988, op. cit.) argumenta que foi so com as rendas ndo-agricolas do part- time que se conseguiu atingir os dois principais abjetivos sempre perseguides mas aié entao nunca aicangados das politicas agricolas dos paises desenvolvidos: estabilizar e elevar a renda das familias rurais ao nivel das urbanas Os dados das PNADs que estamos analisando também permitem mostrar que no caso brasileiro as rendas nao-agricolas sao substancialmente maiores que as rendas agricolas dentro de uma mesma regio do pais. Na tabela 6, a coluna rur indica quanto a renda rural dos ramos nao agricolas ¢ maior que a da atividade agropecuaria; e urb, quanto a renda urbana é superior a rural para um mesmo ramo de alividade. A primeira constatacdo é que a renda média das pessoas ocupadas em atividades agropecuarias no meio rural sO era superior a renda média das pessoas empregadas em servigos pessoais na regiao Centro Oeste: para todo o restante do pais para todos os demais ramos de atividades. as pessoas ocupadas no meio rural em ramos de a atividades ndo agricolas tinham uma renda média maior do que a dos que trabalhavam em atividades agropecuarias, em 1990, Em alguns ramos, chegava mesmo a ser de 4 a5 vezes maior, como, por exemplo, no caso das pessoas ocupadas em servigos auxiliares da producéo e na administragao publica da regiao Sul. Por outro lado, na regido Centro Geste como um todo, as rendas médias rurais superam em apenas 9% a das pessoas residentes no meio rural ocupadas em atividades agropecuarias, alcancando 37% na regido Sudeste. Para o conjunto do pais esse valor é de 32%, ou seja, na média do pais as rendas rurais superam em quase um terco a renda “per capita” das atividades agropecuarias. Isso significa que sdo as rendas provenientes das atividades nao agricolas que puxam para cima a renda média das pessoas residentes no meio rural brasileiro, A segurda constatacao & que para 0 mesmo ramo de atividade a renda media das pessoas com domicilio urbane é sempre maior que a renda média das pessoas com domicilio tural. Dentre 2s pessoas que trabalham em atividades agropecuarias, as que moram na cidade ganham em média quase trés vezes mais que as que moram no campo; no caso da industria essa relacdo cai para duas vezes; e no caso da construgdo civil ndo alcanga uma vez e meia Ou seja, as rendas medias das atividades nao agricolas das pessoas que moram no campo esto mais proximas das rendas dos seus pares urbanos que a das pessoas ocupadas em atividades agrepecuarias Evidentemente ha muitas razdes que justificam as evidéncias _anteriormente apresentadas”. Nossa intengdo aqui 6 apenas chamar a atencao para o fato de que as rendas. das atividades agropecusirias estdo entre as menores remunerages que se pagavam no pais em 1980, tanto no meio urbano, como no meio rural. E que. portanto, a possibilidade da pluriatividade com ocupagoes nao-agricolas era fundamental para elevar - e porque nao dizer também estabilizar - as rendas das pessoas residentes no meio rural em todo o pais. ® oporuno relembrar que em 1980, quando ainda visa @ Plano Collor os nivess de tflagdo eram bastante reduzidas @ que ‘eduz os pratlemas de atualzagao des valores recebicos em periods de tempo dilerentes, como no caso dos agiculiores vis-a-vis 08 assalanacos, 15 Tabela 6 Rendas médias relativas da atividade agricola segundo a locaiizagéo do domicilio (rural e urbano): Brasil e regises, 1990. Ramo de W Seeerte esas Urea Alvigace sue sue ut ur ute Agropee 700 2 ‘00 joo ~2e2 too 26300 Ing Tran 1158 238 16s 21758 lnd Conte 437207 2 0 t238 136824 usa ind 1900 att 190 276362180304 Comercio 4 11278 198 381 bad 15020 SenPes 7165 isT 1509751032118 Serv Aux, 127 300825 219 200473 aa 88 FranseCom 74202363 356 134375125368, Soda 92 320146 1742393198582 Adm Pubs 203 214280 a 168 420129323 Sue N-Age 17929257 23528937309 ae Total ig 229130 974 137° 256131276 199 302 Nota: {eiagdo erive a renda mevia da abvidade de um delerminado rama © @ fenda agricola Ho melo ural, urb= relaglo nite arenda media urbana © aural de um dade ramo de ativdade, Fonte dos dases basicos: PNADS 1981 @ 1990, reprocessados a part das fas originals por Mauro Del Grossi © fundamental é que as pessoas ocupadas em atividades agricolas ¢ residentes no meio ‘ural tém hoje uma altemativa, que parece se desenhar como cada vez mais importante a partir dos anos 80, para aumentarem sua renda sem terem de se mudar para a cidade: mudar de ramo de alividade. 4, AEVOLUGAO DA PEA RURAL E DA PEA AGRICOLA NOS 90. Antes de mais nada é preciso alertar que os dados das PNADs de 1992 em diante nao a0 diretamente comparaveis com os das PNADs anteriores, inclusive 1990, devido a mudancas no eritério de enumeracao das pessoas de 10 anos e mais economicamente ativas (PEA) que Passaram a incluir aqueles que declararam nao receber nenhuma remuneragao (em dinheiro, produtos, mercadorias ou beneficios) e trabalhar: a) 1 hora e mais (antes eram 15 horas e mais); b) na produgao agrépecuaria apenas para o proprio consumo e/ou na construgao para o préprio uso (antes nao eram considerados parte da PEA). Embora essas mudangas permitam um maior detalhamento das pessoas nao Femuneradas que realizaram algum trabalho na semana de referéncia, a sua sifrples inclusao no 16 total de pessoas ocupadas pode levar a erros grosseiros de interpretacdo da tendéncia dos dados quando comparados aos anteriores E por isso que apresentamos separadamente, na tabela 7. diferentes estimativas da PEA ocupada segundo as horas trabalhadas, Quando consideramos todas as pessoas economicamente alivas com 10 anos e mais que trabalham 1 hora ou mais na semana de referencia, excluidos aqueles que trabalharam somente para seu proprio autoconsumo - daqui em diante denominada simplesmente PEA 1+ - podemos dizer que o niimero de ocupados em atividades agricoias caiu em quase 360 mil pessoas entre 1992 e 1995. Mas se considerarmos 08 com 10 ancs e mais que declararam trabalhar 15 horas e mais, excluidos também os que trabalharam somente para o proprio autoconsumo - daqui em diante denominado simplesmente PEA+15 - veremos que a queda dos ocupados em atividades agricolas é ainda maior: cerca de 460 mil pessoas.”* Tabela 7 Pessoas economicamente ativas (PEA) ocupada segundo as horas trabalhadas na semana de referencia: Brasil, 1992, 1993 e 1996. TE 12 a TERE a) Todos: PEA TH) TOTAL 68.295 68.70 9.029 4234 NAO AGRICOLA 46.695 48.318 51468 4873 AGRICOLA 18.500 18.254 1.184 “346 + empregacos 5 064 4935 4784 280 conta propria 4526 aan 4504 “12 empregador 54 532 530 aaa “no remuneracts 5.122, 5.468 5098 24 = auloconsumo. 3211 3.198 3.223 12 (Agicoa sem auto} is2a5) 75058) —_ 493%) 38 'b) Ale Ta horas [PEA “Ta) TOTAL 3931 4281 4416 485 NAO AGRICOLA 1459 4670, 4770 an AGRICOLA 2art 2810 2646 472 Sempregadas 2 3 38 12 “conta propria 108 a7 Bw 19 Sempregador 15 u 20 5 nao remunerade 325 238 380 64 autoconsumo 1998 2439, 2.072 74 Farce sem autoy TiS) ‘ari era) 381 (©) Mais ce 15 5 (PEA Fi5) TOTAL, 614s 62.269 e522 3748 NAO AGRICOLA 45.436 46.645, 49698 4262 AGRICOLA 16.020 18.643 15.509 520 ‘empregados 5040 4901 4747 298 ‘conta propria 4419 4331 4338 at empregacor 530 521 510 49 “nao remunerado 4796 4.830 4708 7 “ autoconsumo 1213 1059 1152 81 jy rigor, 08 aados das PNADs de 1982 em dante nao devem ser comparados com as anterio‘es até que a !OGE refaca os besos de expansio da amostra, uma vez que os alualmente disponiveis. se baseiam em projecoes do Censo de 1880, aa Sabidamente superestimados em rela¢ao ao crescimento populacional encontrado pelo Censo de 1991 ‘A PEAY 15 no pode ser tampouso drelamente comparavel com 0 dados das PNADS anteriores a 1292 porque exclu 05 fabalhadores remunerados que deciararam irabalhar menos de IS haras na semana de relerencia, # que representavam ‘em 1995 cerca 2 350 mi pessoas, 7 Aqsa Ser aa) Fonte, PNADS de 1995 aa aS 6 10: SBT cm Essa diferenca pode ser explicada principalmente pelo crescimento das pessoas ocupadas parcialmente , ou seja, aquelas que declaram trabalhar de uma a 14 horas na semana de referéncia - daqui em diante denominadas PEA -14 - que aumentou em mais de 380 mil pessoas no perioda considerado. Note-se que todas as categorias da PEA até 14 horas aumentam no periodo com destaque para os trabaihadores agricolas nao remunerados, que aumentam em mais de 60 mil. Esse € mais um indicativo da importancia que vem assumindo as atividades agricolas em tempo parcial no meio rural brasileiro. Vale a pena destacar também o crescimento dos ocupados exclusivamente na produgao para 0 proprio consumo, especialmente daqueles em tempo parcial (até 14 horas), que aumentaram mais de 70 mil pessoas. Isso é muito importante porque permite relativizar muito a idéia de que as pessoas ocupadas na produgao para consumo préprio possam ser consideradas pessoas economicamente ativas como outras quaisquet e comparadas com as pessoas que se encontram formaimente empregadas trabalhando 15 horas ou mais na semana. Esse é um tema que esta por merecer uma meihor analise, 0 que as novas informagées agregadas agora pelas PNADs possibilitam. A tabela 8 compara a evolugao dos cortes rural e agricola da PEA total, que inclui além dos ocupados em tempo parcial (ou seja, os que trabalharam até 14 horas na semana de referéncia), mais as pessoas que se dedicavam somente a0 proprio autoconsumo e mais os desocupados”, E sintomatico 0 contraste: enquanto 2 PEA rural aumentou em quase 200 mil pessoas no periodo 1992/95, a PEA agricola diminuiu em quase 350 mil e 0s desocupados em cerca de 64 mil pessoas. Isso significa que mais de 550 mil pessoas residentes no meio rural encontraram ocupacao em atividades nao agricolas nesta primeira metade dos anos 90, considerando-se que a PEA agricola com domicilio urbano manteve a mesma tendéncia de queda apresentada no final dos anos 80, como mostram os dados da tabela 2. Tabela 8 Populagdo Economicamente Ativa Ocupada uma hora ou mais na semana de referéncia: Brasil 1992 e 1995 A a Vanaeaa ibaa 536 Tos0s 3069 Rural 2 17333. ‘752 : Aayicota +8500 8164 346 Nao-agrcola 45895 Suara 4879 32 Desocupacos 374 4510 “4 28 Tas a6 — ras a 1 Fonte: PNADs 16D TOBS{dades pubicados) 3k cada novo citer de abertura da PEA urbana eiou rural, surge um mimeso de pessoas qive nBo informaram aquete ainbuto, Para manter a comparabiidade dos dads, nossas tabulacdes especiais ncluiram sempre os que nso informaram Siramo de abvidade entre os desocupados, © que obviamentre acarfela uma sobrestimativa desea catogori.

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