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FILOSOFIA  NO  BRASIL


MIGUEL REALE
 
                   Nenhum ramo do conhecimento e das artes se improvisa, mas é,
necessariamente, o fruto amadurecido de uma longa experiência cultural. É o
que, mais uma vez, ficou demonstrado pelo VII Congresso Brasileiro de
Filosofia realizado, com êxito excepcional, em João Pessoa, capital da Paraíba,
de 18 a 23 do corrente mês de agosto.
                   É claro que esse evento não teria sido possível se não fosse a
competência e a dedicação de Tarcisio de Miranda Burity, magnífica figura de
filósofo do Direito, por duas vezes governador do Estado da Paraíba, mas os
resultados nele atingidos decorreram dos fatores logo mais analisados.
                   Preliminarmente, quero realçar que o mencionado congresso,
promovido pelo Instituto Brasileiro de Filosofia, contou com a participação de
treze representantes de universidades da Alemanha, da Argentina, da
Espanha, do Equador, da Inglaterra, da Suiça e de Portugal, o que lhe deu um
alcance internacional.
                   Cerca de setenta pensadores brasileiros, oriundos de quase todos
os Estados da Federação, puderam dialogar entre si e com os mestres
estrangeiros sobre os problemas universais da filosofia, os quais nunca deixam
de revelar algo de próprio e peculiar às nações a que pertencem. Não há, em
verdade, “filosofias nacionais”, a não ser como expressão do que resulta da
pluralidade dos idiomas, sendo a língua, no dizer de Heidegger, o solo da
cultura; e também pela opção e o predomínio dos temas universais preferidos
em cada uma das comunidades nacionais, o que se poude notar bem no
encontro de João pessoa.
                   O VII Congresso Brasileiro de Filosofia notabilizou-se pela grande
diversidade dos problemas debatidos, desde os da metafísica até as questões 
de ordem econômica  e política, não faltando sequer o estudo do terrorismo,
visto por uns como fenômeno local, mas apreciado pela maioria como uma
ameaça internacionalizada no mundo contemporâneo em virtude dos
processos eletrônicos que tornam o mundo cada vez mais um só, o que,
porém, não legitima a iniciativa da luta anti-terror por um só país, por maior que
seja o seu poderio cultural e militar.
                   Ora, o alto nível das questões analisadas em João Pessoa
resultou, no que se refere ao Brasil, da formação intelectual propiciada pela
fundação de nossas universidades a partir da década de trinta do século
passado, com faculdades ou cadeiras destinadas ao estudo de problemas
filosóficos.
                   Se, todavia, as universidades consagraram os processos
metodológicos dessa pesquisa a partir da crítica dos textos dos pensadores
europeus ou norte-americanos, não se deve esquecer que o pensamento
brasileiro ficara insulado em cada região de nosso imenso território, não raro
com o predomínio desta ou daquela doutrina, como aconteceu, por exemplo,
na Universidade de São Paulo, na qual, durante muito anos, o marxismo foi
considerado “a filosofia de nosso tempo”.
                   Foi diante de um quadro dessa natureza que, em 1949, com o
apoio de alguns pensadores integrados ou não nas universidades oficiais ou
particulares, considerei imprescindível criar um organismo capaz de entrelaçar
nossos cultores de filosofia para um grande diálogo nacional. Foi essa a origem
do Instituto Brasileiro de Filosofia, com a criação da Revista Brasileira de
Filosofia, como órgão essencial de comunicação, sem preferência por
qualquer doutrina, e aberta à colaboração de todos os interessados,
pertencessem ou não aos quadros universitários. O ano passado, essa revista
comemorou meio século de existência, com a publicação trimestral, até agora,
de 206 fascículos, cada um com cerca de cento e vinte páginas.
                   Por outro lado, o IBF reagiu contra o exclusivo estudo crítico dos
textos de maneira passiva, fossem eles de Platão ou Aristóteles, Santo Tomás
ou Descartes, Kant ou Hegel, Marx ou Heidegger, para exigir uma atitude
criadora, ainda que limitada, mas já denotadora da intenção de expor idéias
próprias, qualquer que fosse o seu alcance.
                    Contra essa iniciativa pronunciaram-se certos círculos habituados
apenas a pensar o já pensado alhures, até o ponto de se declarar que a
história da Filosofia no Brasil não passava da seqüência das influências
recebidas, e seus mentores arrogantemente nos negaram o título de filósofos,
apelidando-nos  de “filosofantes”.
                   Podemos, hoje em dia, passado mais de meio século, proclamar
que os fundadores do Instituto Brasileiro de Filosofia estavam certos, ao
reclamarem a presença criadora do Brasil no diálogo universal das idéias,
como o reconheceram os mestres estrangeiros que compareceram a João
Pessoa para estudo das contribuições luso-brasileiras ao mundo da filosofia.
                   Mas, voltando ao congresso da Paraíba, desejo salientar que ele
não se distinguiu apenas pelo alto nível das discussões havidas entre
brasileiros e estrangeiros, mas também pela presença impressionante de
jovens que não somente assistiram aos debates, mas deles participaram,
reforçando nossa confiança no futuro da filosofia no Brasil.
                   Finalmente, não posso deixar de proclamar que o Instituto
Brasileiro de Filosofia, para realização do certame de João Pessoa, poude
contar com a colaboração inestimável do Governo do Estado da Paraíba, do
Tribunal de Justiça local e da UNIPÊS, centro universitário católico que, com
cerca de 7.000 alunos, enriquece a cultura do Nordeste. Devo, ainda, realçar a
contribuição decisiva da classe empresarial com o apoio dado ao certame pelo
Banco do Brasil, pelo Banco Real, pelo Banespa e pela Caixa Econômica
Federal, numa demonstração expressiva de que os homens do mundo dos
negócios estão cientes e conscientes do valor representado, para o bem
comum, pelos que se dedicam ao mundo das idéias.
                   Como estamos longe da época em que se dizia,
desconsoladamente, que “o brasileiro não tem bossa para filosofar”!
        
                    31/08/2002

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