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RESUMO: Afim de tecer esta discussão é imprescindível corroborar que a arte tem sido um
conceito, uma noção ou ainda uma categoria controversa para a teoria antropológica desde
a sua formulação e (re)formulação e posterior engajamento epistemológico. Mediante isto,
a Antropologia ficou muitas vezes entre o reconhecimento da singularidade cultural de
objetos e práticas que não poderia qualificar como arte sem cair no etnocentrismo,
reducionismo e esforço para compor tão amplas que incluem uma variedade de práticas
humanas e não-humanas sobre os quadros comparativos da experiência estética. Para sair do
espaço definido por estes dois discursos, Alfred Gell o principal propulsor da Antropologia
da Arte moderna, sugeriu que a experiência da arte tem a ver com uma forma especial de
atribuição de agência a objetos e imagens. Assim, podemos considerar que este fenômeno
pode ser o ponto de partida para desenvolver uma verdadeira teoria antropológica da arte,
construída sobre a especificidade e particularidade da disciplina e suas ferramentas
conceituais. Por assim dizer, a abordagem levanta questões sobre a definição dos conceitos
de agência, personalidade e materialidade que comprometem outras versões de análise
crítica cultural. Portanto, o presente capítulo buscar realizar uma investigação histórica do
desenvolvimento da disciplina Antropologia da Arte, perpassando por diferentes teorias,
tradições e perspectivas tendo como eixo propulsor a cultura material, arte e cosmologia
Guarani de Mato Grosso do Sul.
ɼ
o estudo de respostas emocionais, sensoriais e cinestésicas, ao lado de respostas
interpretativas, que ganhou grande notoriedade a partir do antropólogo norte-americano
Clifford Geertz. Portanto, esses desenvolvimentos aproximaram ainda mais a Antropologia
da Arte e está se tornando cada vez mais óbvio que a arte ameríndia tem muito a nos oferecer,
não apenas como objeto de estudo, mas também como interlocutora, colaboradora e
mediadora, a fomentar novas ideias e posteriormente possibilitar novas formas de
abordagens históricas, sociológicas, antropológicas e filosóficas na contemporaneidade.
ɽ
Assim dentro da Antropologia Sociocultural a cultura material de modo geral tem se
mostrado como uma temática de grande valia no mundo contemporâneo, ficando evidente
nas produções acadêmicas nas últimas décadas, no Brasil, Europa e Estados Unidos, onde
vários pesquisadores tem se dedicado a ele. Mas sabemos, que nem sempre foi assim. Em
outrora e, não muito remoto a cultura material era entendida apenas como um elo ilustrativo
de pesquisa, onde o elemento centralizador era a organização social dos povos indígenas, ou
seja, a essência epistemológica era o simbolismo cosmológico. Mas ao longo da história,
foram sendo construído fundamento teórico que modelaram o campo da cultura material
como um campo novo- uma engrenagem nova foi postulada, sobretudo um espaço para
novas abordagem antropológica. Mas a pergunta principal que emerge é a seguinte: quando
surge o interesse em interpretar os povos com base nos objetos propriamente materiais ou
artísticos?
ɾ
Do ponto de vista de Cesarino e Muller (2017 e 2018 respectivamente), não tardou,
entretanto, para que os objetos vindouros das sociedades ditas primitivas fossem também
levados a categoria de arte, principalmente pelas eminências unilaterais de critérios de beleza
e técnica complexa, voltado para a cosmovisão de determinada sociedade. Um exemplo
considerado clássico nesse processo tratam-se das artes das civilizações Maias, Astecas e os
Incas, que a partir do século XIX passaram a ser consideradas obras de artes, como enfatiza
Braun (1993).
A partir dos postulados anteriores, destacamos que seja através do ponto de vista
científico, onde merece destaque a evolução humana com base de séries de artefatos, à
maneira de Pitt-Rivers e de sua singular coleção hoje concentrada na Universidade de
Oxford- Inglaterra (ver Muller, 2018), ou ainda, seja pelo ponto de vista propriamente
estético (Ver Cesarino 2017), no qual o colonialismo ocidental era responsável não somente
por deslocar ou destoar objetos de suas sociedades e contextos, onde merece destaque a
famosa expedição de Griaule e Leiris a Dakar-Djibouti, no qual emergiu inicialmente o
termo arte/artefato de maneira arbitrária, dicotômica ou ainda diferenciada.
ɿ
foram de grande relevância tanto para a (re)formulação da Antropologia como ciência ou
epistemologia (e aqui cabe enfatizar a destruição do Evolucionismo elaborada por Franz
Boas e, isso do ponto de vista teórico, metodológico e expográfico- ver Jacknis, 1985) quanto
ao realçamento da própria estética ocidental, que a posteriori passaria por significativas
transformações através das experiências modernistas contemporâneas.
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famosas Mitológicas, que até o presente momento causa um mal estar nos antropólogos pela
sua complexidade heterogênea de trazer as dinâmica a envolver cosmologias tão dilatadas e
emaranhadas.
ɷɷ
ganha dimensão no perspectivismo ameríndio e multinaturalismo, Viveiros de Castro
(2002), Descola (2006).
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material em híbrida vertente. Um exemplo disso e a mercantilização da produção artística
entre os Samburu no Quênia, adaptando-se as demandas turísticas por meio miniaturização
dos objetos tradicionais.
Já Lux Vidal (2007), destaca que, por muito tempo, as artes indígenas foram
relegadas a segundo plano, por serem consideradas residuais e pouca atrelada a contextos
étnicos específicos. Entretanto, a mesma pensadora argumenta que essa ideia vem sendo
repensada e revisitada, onde estudos artísticos e estéticos no que tangem aos povos indígenas
estão a começar a ganhar espaço, apesar de ainda serem poucos explorados pela
Antropologia e pela História da Arte. Assim, na palavra da autora, a arte gráfica é um
³PDWHULDOYLVXDOTXHH[SULPHDFRQFHSomRWULEDOGDSHVVRDKXPDQD´9,'$/S
Outro pensador que contribuirá para esta tese é Kopytoff (2008), com sua ideia de
que os objetos possuem biografias, ou seja, esses artefatos possuem histórias que se formam
desde a origem até seu destino final. Dessa maneira, para esse estudioso, os objetos possuem
múltiplas histórias e, isso desde a sua manufaturação até seu destino ou descarte final. Por
assim dizer, os objetos possuem diversos valores e significados distintos em diferentes
contextos.
Já, Morphy (1994), propõe uma interpretação dualista à arte. Assim, destaca que os
objetos de arte possuem propriedade semânticas/estéticas, utilizadas para fins de
apresentação ou representação, ou seja, os artefatos artísticos são signos-veículos
(significados) ou tem por finalidade provocar uma resposta estética no indivíduo. Mas ainda
informa que é possível ocorrer à combinação de duas coisas ao mesmo tempo, como foi
possível perceber em dados preliminares encontrado durante a visita a Aldeia Pirajuí em
novembro de 2017, durante o XXIII Encontros dos Professores Indígenas Guarani e Kaiowá.
Portanto, a estrutura da pesquisa envolveu arte, memória cosmologia Guarani, e neste
sentido Gamble (2001) corrobora que os objetos étnicos são carregados de ideias, valores e
VLVWHPDVGHFUHQoDVFRQFHLWRHVVHTXHGHQRPLQDGH³LGHDFLRQDO´'HVVDPDQHLUDDJUDQGH
contribuição do autor britânico está na análise de três elementos fundamentais para a
realização da pesquisa, primeiro os objetos, segundo as paisagens e terceiro os resultados da
interação entre as duas coisas. Por conseguinte, Gamble sustenta que o mais importante no
estudo de cultura material não são os objetos, mas sim as pessoas, ou seja, a própria condição
humana.
Por fim, ratificamos que os objetos de povos ameríndios possuem ações, valores ou
ideias, indo além das questões estéticas e contemplativas. São essas ideias que fundamentam
nossa pesquisa sobre os artefatos de origem Guarani na Aldeia Jaguapirú e Aldeia Bororó,
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VREUHWXGRDQFRUDGRQDVLGHLDVGH³ELRJUDILDVFXOWXUDLV´H³YLGDVVRFLDLV´.RS\WRII
Appadurai 1986).
Outro pensador que contribuiu diretamente para a dissertação trata-se do antropólogo
chinês Ygor Kopytoff (2008), com sua ideia de que os objetos possuem biografias, ou seja,
esses artefatos possuem histórias que se formam desde a origem até seu destino final. Dessa
maneira, para esse estudioso, os objetos possuem múltiplas histórias e, isso desde a sua
manufaturação até seu destino ou descarte final. Por assim dizer, os objetos possuem
diversos valores e significados distintos em diferentes contextos. Kopytoff inicia sua obra
examinando a mercantilização de uma das coisas mais complexas: um escravo. Escravos são
pessoas, mas tratadas como coisas e mercadorias. Depois que um escravo é trocado, ele perde
seu status de mercadoria enquanto tenta construir uma vida como pessoa. Mesmo assim, um
escravo é sempre uma mercadoria em potencial, porque tem um valor de troca potencial que
pode ser realizado pela revenda.
A vida de um escravo exibe um processo de comoditização, decommoditização, que
Kopytoff denomina singularização e recomodificação. O pensador argumenta que esse
processo não é específico dos escravos como pessoas/coisas, mas descreve as mercadorias
de forma geral. Assim, o pensador pede aos historiadores que examinem a biografia cultural
das coisas para entender seus processos de mercantilização e singularização. Kopytoff define
XPD PHUFDGRULD FRPR ³XPDFRLVD TXHWHP YDORU GH XVR H TXH SRGH VHU WURFDGD HP XPD
transação discreta por uma contraparte, o próprio fato da troca indica que a contraparte tem,
QR FRQWH[WR LPHGLDWR XP YDORU HTXLYDOHQWH´ $VVLm, a contrapartida também é uma
PHUFDGRULD1HVVDWURFD³DWURFDSRGHVHUGLUHWDRXLQGLUHWDSRUPHLRGHGLQKHLURHXPDGDV
IXQo}HVpXPPHLRGHWURFD´.RS\WRIIQmRFRQVLGHUDRVSUHVHQWHVFRPRPHUFDGRULDVSRUTXH
não são transações discretas, onde os presentes assumem a abertura de alguma outra
transação ou exigem um presente recíproco. Presentes podem ser commodities, mas quando
trocados como presentes, não são commodities para a Kopytoff porque a transação não é
terminal.
Portanto, commodities podem experimentar singularização no processo de
comoditização. A singularização torna uma mercadoria sagrada ou especial. É dessa forma,
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porção de seu ambiente, marcando-a como 'sagrada', a singularização é um meio para esse
ILP´$VLQJXODUL]DomRQRHQWDQWRQmRJDUDQWHVDFUDOL]DomR6ySRGHSX[DULWHQVSDUDIRUD
de uma esfera de troca. Assim, os Guarani Nhandeva foco de nossa pesquisa, quase que
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unanimes ao dizer que seus objetos possui uma história ou memória atrelado a ela, que seria
a biografia.
Iniciamos com a contribuição clássica de Franz Boas (1947, 1955), dito por muito
como o fundador principal do culturalismo norte americano, sobre a noção de arte primitiva.
Assim, a performance cultural do autor leva em consideração a mudança histórica,
analisando seu percurso, ora mais lento, ora mais acelerado. Nesse viés emerge o
particularismo metodológico, onde Boas pretendia ter um grande alcance a partir da relação
arte e cultura de uma determinada sociedade. Na sapiência de Moura (2004), intérprete de
Boas, o autor supostamente teria retornando ao historicismo particular, afim de interrogar a
história em primeiro lugar, sobretudo, para entender como as coisas são na realidade.
Portanto, isso do ponto de vista de Bueno (2007) indica que a história é um dos elementos
primordiais na interpretação da arte e antropologia- QDSDODYUDGHOD³YDLGDKLVWyULDDKLVWyULD
SDVVDQGRSHODHVWUXWXUD´'$6,/9$S
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histórica. Isso quer dizer que para realizar-se comparações seria necessário o material ou
artefatos ser testado e a posteriori comprovado. Da Silva em sua dissertação de mestrado,
defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (2008) entende que a Antropologia
bosiana procurou formular uma teoria da cultura apoiando-se na estética comparativa. Isso
quer dizer, que com base no estudo de arte, não se chega somente à interpretação de objetos
artísticos, mas principalmente as díspares culturas, a entender que as artes tradicionais tem
muito a falar sobre a sociedade no qual elas foram produzidas ou confeccionadas.
Boas em sua obra El Arte Primitiva (1947, p. 15), corrobora o seguinte postulado
³WRGRVRVPHPEURVGDKXPDQLGDGHJR]DPGRSUD]HUHVWpWLFRLQGHSHQGHQWHPHQWHGRTXmR
diverso seja o ideal de beleza ± o caráter geral do gozo que ela produz é, em todas as partes,
GDPHVPDRUGHP´$SDUWLUGLVVRSRGHPRVGL]HUTXHDDUWHpXPGRVHOHPHQWRVPDLVQRWyULRV
da humanidade em todos os sentidos, embasadas em dois princípios fundamentais: a
semelhança atrelada aos processos psicossociais/mentais e a compreensão um a um dos
principais fenômenos sociais, culturais, políticas, econômicas e ideológicas que surgem em
todas as sociedades existentes, nunca esquecendo-se da histórica. Dessa maneira, Moura
(2004) nos ajuda a entender que no que tange ao raciocínio teórico, o estímulo ancora-se na
compreensão da cultura para o viés histórico tangível e, aqui não estamos a dizer do
particular para o universal, muito pelo contrário, mas vele ressaltar o geral como referência
e o específico como textura viva.
Em sua pesquisa Da Silva (2008), indaga que a arte é a mais alta confirmação da
consideração de Boas aos estudos representacionais humanas. O autor entende que a arte
emerge a partir do reflexo da mente em formular formato intersubjetivo e, posteriormente
essa forma gerada no pensamento assume um segmento valorativo estético. Podemos dizer,
que esse processo transcorre tanta em sociedades tradicionais (indígenas ou ameríndios),
quanto em sociedades urbanas industriais (grandes cidades ou metrópoles). Ainda de acordo
com Franz Boas todas as culturas são capazes de produzir formas que consequentemente
irão desaguar em esteticismo.
Franz Boas (1957), ao referir-se sobre a noção de estilo, demonstra uma estabilidade
de padrão, que pode ser visualizada ou perceptível nas obras de artes. Isso quer dizer que
quando se alcança o objetivo inicial- definido, estabelecido e padronizado, buscam-se umas
ɷɼ
novas formulações artísticas a partir dos mesmos, fazendo com que as tendências sempre
possam renovar-se em deixar de receber influencias direta e indiretamente dos antigos, sem
esquecer-se que há uma distinção significativa entre a noção de padrão e a noção de estilo
ou técnica. Assim, Moura (2004) compreenda que a primeira se ancora na interpretação e
continuidade diacrónica e a segunda reformulação sincrônica. Moura destaca assim:
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Portanto, fica claro que em Boas as obras de artes não expressam apenas elementos
lúcidos ou conscientes, mas também inconscientes, sobretudo. Isso significa que a origem
da arte se dá diretamente no subconsciente interno e eterno do sujeito, onde emerge uma
forma e posteriormente ela ganha vida na produção, diferentemente da impressão visual,
onde há uma força motriz particular, mais intensa que a própria forma já estruturada
internamente, que segundo o pensador imprime um referencial cultural. Nas palavras de
Moura (2004, p³)RUPDHFRQWH~GRVHHQWUHODoDPUXPRDRHQWHQGLPHQWRGRHVWLORH
GRVLPEROLVPRGDDUWH´
Uma certificação se refere de maneira paralelo de acordo com Da Silva (2008) nos
que tangem as artes Maori e Guaicuru, sobretudo a importância atribuída à tatuagem
elaborada. Ao corroborar sobre as iconografias desses grupos étnicos, o lendário antropólogo
belga Claude Levi-Strauss fundador do estruturalismo etnológico, afirma que na cosmologia
³VHOYDJHP´RDGHUHoRpRURVWRRXDQWHVGHWXGRHOHRSURGX]Assim, o sistema de desenhos
gráficos ou estéticos da dupla representação simboliza um desdobramento mais atenuado e
EDVLODUTXHQDVSDODYUDVGH'D6LOYDS³RGR LQGLYtGXRELROyJLFR³HVW~SLGR´
SRLVDTXHOHTXHQmRpSLQWDGRpWLGRFRPR³HVW~SLGR´) e do personagem social que ele tem
SRUPLVVmRHQFDUQDU´
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e da arte da China arcaica) que explique a continuidade e a rigidez com as
quais o processo do desdobramento da representação encontra-se aí
aplicado (LÉVI-STRAUSS, 2003, p. 296-297).
Alfred Gell (1998), inicia tecendo uma discussão sobre a percepção de corpus de
REUDGHDUWHRQGHHQ[HUJDVHQGRXPD³SRSXODomRGHREUDV´HPHVSDoR-temporal dilatados
ou diversificados. Da silva (2008) corrobora que o pensador britânico encontrou uma
singularidade na arte marquesã de forma bem distribuída. Isso significa que a despeito de
transformações de contexto, a arte reserva uma plenitude interior/própria/específica/única,
um todo abrangente, sendo mais que uns elos fragmentados de unicidade. Nas palavras de
BueQRS³FDGDIUDJPHQWRUHVVRDFRPRRXWURSRUTXHFDGDXPSDVVRXSRUXPD
mente marquesã e foi direcionado para uma mente marquesã. O que não quer dizer que a
artHPDUTXHVmpSURGXWRGHXPD³PHQWHJUXSDO´RXFRQVFLrQFLDFROHWLYD´0HGLDQWHLVVR
Gell (1998) elabora o conceito de isomorfia de estrutura entre os procedimentos
cognitivistas ancoradas nas consciências estruturais espaços-temporais. Portanto, a
isomorfia estrutural está vinculada diretamente a mente e a consciência psicossociais
(interna); e atrelados as belas artes, segregação, espacialidade-temporal e coerência
(externo).
ɷɿ
como um organismo de cunho biológico definido, mas como algum objeto/episódio na
natureza, no qual a agência e personalidade consiga ser abduzida. Para compreendermos
melhor essa ideia, o autor corrobora:
Visto sob essa luz, a mente de uma pessoa não está confinada a
coordenadas espaço-temporais específicas, mas consiste em uma
disseminação de eventos biográficos e memórias de eventos, e uma
categoria dispersa de objetos materiais, traços e aparas, que podem ser
atribuída a uma pessoa e que, em conjunto, testemunha a agência e a
paciência durante uma carreira biográfica que pode, de fato, prolongar-se
por muito tempo após a morte biológica (GELL, 1998, p. 222 [Tradução
nosso]).
Outro importante pensador que contribuiu muito para a nossa investigação trata-se
de Mitchell (2005), muito próximo de Gell- recuperou elementos artísticos e artefatuais que
já foram discutidas em outrora por outros pensadores. Este autor prefere usar o termo
³YLWDOLGDGHVGDVLPDJHQV´TXH³DJrQFLD´SUHIHUtvel por seu colega Gell (1998). Dessa forma,
FRUURERUDTXH³DVDWLWXGHVPiJLFDVGiante das imagens são tão poderosas no mundo moderno
quanto elas foram nas assim chamadas idades da fé, que, aliás, eram um pouco mais céticas
GRTXHLPDJLQDPRV´,GHPS Portanto, isso me fez pensar e refletir sobre os elementos
mágicos que estão nos Xirú, Mbaraká e Mymby Guarani Nhandeva levadas as categorias de
humanidades, almas e espiritualidades na Reserva Indígena de Dourados.
ɸɶ
grandes responsáveis por essa virada ontológica- pois os dois mantém uma amizade de mais
de três décadas- a confrontar as ideias ocidentais e ameríndios- um ponto de encontro de
pensares e saberes.
Já de acordo com o filósofo argelino Henri Atlan (1974) entre os Dagara- grupo
étnico do norte de Gana na África, por exemplo, quando uma estátua ancestral desaparece
da comunidade- posterior a um assalto, recomenda-se que se esculpa uma estátua de acordo
com as características exatas daquele que desapareceu, qual delas vai instalar novamente no
altar. Essa prática restaurará a ordem conturbada e, assim, demonstra que o valor real do
objeto deve ser buscado dentro do grupo social como um todo. É porque o corpo social
constitui uma totalidade autônoma que um fato social só tem sentido em relação aos demais
fatos que nele ocorrem. É também graças a essa interação entre os fatos que se justifica a
relevância de uma analogia entre o funcionamento dos sistemas e o princípio do método
etnológico. Portanto, de fato, o corpo social é um sistema vivo dotado de uma organização
interna. Pode ser que ao subtrair um objeto de uma determinada etnia, a sua ausência cause
disfunção nas estruturas sociais. Será desorganizado e poderá, portanto, arriscar sua
existência como um grupo social autônomo. Para salvar esta existência ameaçada, o grupo é
forçado a restaurar a ordem problemática. É obrigado a reorganizar-se considerando a
desordem causada pela ausência de um dos elementos do sistema- entre os Guarani
Nhandeva por exemplo, além de punir gravemente o guardião irá trazer uma desgraça para
toda a comunidade.
5. A Antropologia da imagem
Apesar de Alfred Gell ter formulado uma categoria conceitual para a Antropologia
da Arte primeiramente, outros pensadores que se preocuparam ou se preocupam atualmente
ɸɷ
se afastaram gradualmente desta forma de pensar artes, sujeitos e povos tradicionais em
diferentes contextos. Dito isto o etnólogo francês e pesquisador do College du France
Philippe Descola, se refere sobre aos impasses proporcionados pela mimetização (imitação),
que seria um certo modus operandi propriamente da história da arte. Assim Descola (2010),
FRUURERUDTXHDVLQYHVWLJDo}HVDWpDTXHOHPRPHQWRHUDPJHULGRVSHODV³DQiOLVHGDVIXQo}HV
de tais objetos, do simbolismo a eles associado, das exigências formais às quais devem
responder, das evoluções estilísticas que sofreram, das alterações de sentido que os afetam
TXDQGRVmRGHVORFDGRVGHVHXVDPELHQWHVGHRULJHP´S
A partir de suas ideias descola (2010) propõe em vez de uma Antropologia da Arte
uma Antropologia da Figuração, que segundo Cesarino (2017), que seria habilitado em
ultrapassar os pressupostos e problemas relativo à arte em diferente sociedades e contextos.
O etnólogo francês compreende que a figuração, diferentemente da arte é uma ação
XQLYHUVDO ³pela qual um objeto material qualquer é investido ostensivamente de uma
µDJrQFLD¶VRFLDOPHQWHGHILQLGD´'(6&2/$S3RUILP'HVFRODVHDIDVWD
dos elementos atrelados a Antropologia da Arte, é inegável que teve influência do pensador
britânico, sobretudo do conceito agencyPDVSRUVXDYH]SUHIHUHDV³YDULDo}HVGRVPRGRV
de figuração em distintos regimes ontológicos a que se dedica de maneira mais detalhada em
Par-delà nature et culture ´&(6$5,12S
De acordo com Pedro Cesarino, esse assunto é bastante emblemático porque envolve
diversos assuntos e personagens, onde a história é fundamental:
ɸɸ
Ambos os projetos apontam para essa tendência de uma antropologia da
imagem que, não por acaso, tem também definido as reflexões recentes de
Hans Belting ([2001] 2011, p. 32), para quem qualquer pergunta pelo
estatuto da imagem se torna insuficiente quando não considera noções de
imagem provenientes de outras culturas, capazes de problematizar
definições realizadas no interior da tradição ocidental (CESARINO, 2007,
p. 7).
Cesarino nos ajuda a entender que isso torna a episteme da Antropologia mais
complexas, sobretudo, a envolver as interpretações dos formatos de relações entre três
elementos fundamentais: imagens, corpos e imagens investigadas em sua obra An
Anthropology of Images (2007). Assim de acordo com o historiador alemão, dito como
especialista em arte medieval e arte renascentista Hans Belting deu ênfase as fórmulas
imagéticas no ritual de serpentes de Pueblos influenciou Warburg, sobretudo para
desenvolver a noção de nachleben.
Portanto, autores como Eduardo Viveiros de Castro, Bruno Latour, Carlos Fausto,
Roy Wagner e Aparecida Vilaça nos últimos anos vem a discutir um outro mundo possível
ou viável. Muitos antropólogos da nova geração intitulam esse período que ainda se estende
na atualidade contemporânea como virada ontológica, antropologia compreensiva,
antropologia assimétrica ou ainda antropologia cruzada. Isso seria uma mudança teórica e
metodológica histórica na epistemologia antropológica, muitos dizem que seria a maior
mudança ou transformação da Antropologia desde o seu surgimento como ciência ou
epistemologia (teoria de conhecimento). Esta virada ontológica no entender de Viveiros de
Castro seria o chamado perspectivismo e multinaturalismo, onde tudo deve ser levado em
consideração- desde os pensamentos ameríndio ou tradicionais, as artefatos, os objetos, as
plantas e animais sem delimitar como algo supositório, inverídico ou falso.
Fica evidente que ao longo da história muitas pesquisas foram empreendidas acerca
dos povos indígenas, mas as suas cosmologias sempre eram vistas como conceituais, não
eram levados em consideração seriamente- como uma verdadeira essência ou gênese do
saber. Mas nas palavras de Viveiros de Castro- ³o pensamento indígena deve ser levado em
consideração, literalmente´. Isso não quer dizer que nunca houve antropólogos que se
preocuparam com essa perspectivas, um exemplo claro trata-se do etnólogo marroquino
Bruce Albert e o líder Xamã David Copenawa, com os povos Yanomami na região
amazônica, que segundo os mesmos a natureza está sendo destruída pelos homens brancos,
sobretudo em decorrência da exploração de minerais sem precedentes.
ɸɹ
Outra perspectiva que vem ganhando grande espaço na Antropologia trata-se da
autobiografia indígena, onde muitos indígenas estão acessando a academia, sobretudo,
programas de pós-graduação em Antropologia e estão a escrever sobre seus povos, suas
cosmologias. É importante frisar que isso não diminui a antropologia desenvolvida pelos não
indígenas, muito pelo contrário acrescentam novos elementos a ela, a enriquecer ainda mais
o seu campo epistemológico, teórico e metodológico. Em entrevista realizada com o colega
Lourenço Rodrigues Mamedes- pertencente aos povos Terena, que atualmente está a realizar
uma pesquisa sobre a sua aldeia Tereré em Sidrolândia em Mato Grosso do Sul, afirma que
aparentemente parece super fácil, mas é muito mais difícil descrever sobre o local onde está
inserido- requer ir além dos horizontes físicos, buscar os códigos subjetivos.
Já de acordo com a pensadora Lagrou (2012), fica que entre os ameríndios existe uma
continuidade entre modos de figuração, de um lado, e gráficos, de outro. Frequentemente,
estas são conceitualmente diferentes, mas dentro da estrutura da ontologia transformacional,
a relação entre gráfico e figura também é uma relação de claro transformabilidade, com a
arte gráfica sendo um caminho visual para a visualização de imagens virtuais. Por assim
dizer, a autora procura propor a hipótese de que o uso muito comum do abstracionismo que
evita a representação figurativa dentro de expressões bidimensionais é explicado pelo fato
de que os motivos são aplicados a superfícies ou ajudam a constituir superfícies que contêm
corpos em vez de representar corpos. Desta forma, o fato de vários mitos de origem dos
sistemas gráficos ameríndios fazerem a aprendizagem coincidir ou a aparência dos motivos
ɸɺ
gráficos com a técnica do tecido sugere que o desenho é um elemento constituinte da
fabricação da pele ou da superfície do artefato em geral.
Por fim, a pensadora ao dialogar com Lévi-Strauss (1964), enfatiza que a figuração
na arte dos indígenas das terras baixas emerge, na grande maioria dos casos, na forma
tridimensional e é muitas vezes minimalista, desenvolvendo ao extremo a lógica do "modelo
reduzido", como se pode ver nos zoomorfismos antropo- e discretos das margens do
Xinguanos e Tukano, os bonecos Karajá, os jarros mais antigos de Shipibo-Konon, a efigia
Assurini e as maracas Araweté, para dar alguns exemplos. Todos esses artefatos são
considerados quase corpos. Portanto, para a pesquisadora as indicações da distinção do corpo
são, ao mesmo tempo, índices extremamente sutis.
ɸɻ
A fórmula de "rede ator" refere-se tanto uma rede heterogénea de interesses alinhados
uns com os outros, e o processo que finalmente leva à produção de um artefato sóciotécnico.
Este quadro teórico baseia-se em certos conceitos-chave. Um deles é a própria distinção
entre o conceito de "ator" Central, no qual outros elementos que reflete à vontade em sua
própria língua, e que de "actante" designar ambos os seres humanos e não- humanos da
mesma rede. Outro conceito fundamental é a "controvérsia", que é uma condição necessária
para a criação da rede e sua tradução pelo ator: o termo refere-se a um debate sobre ciência
ou conhecimento técnico que ainda não estão cobertos, e cuja contribuição é, portanto, para
complicar, em vez de simplificar, as incertezas ambientais (sociais, políticas, morais).
ɸɼ
A atitude fundamental subjacente ao estudo da cultura material é, como acontece
com a maioria dos estudos contemporâneos, um determinante difundido. Esta afirmação
pode parecer enfatizar o óbvio, mas um determinismo estrito não apenas subjaz aos outros
aspectos teóricos do estudo da cultura material, mas também dita os procedimentos
metodológicos descritos abaixo, pelos quais, através de uma variedade de técnicas, um
objeto é descompactado. A premissa básica é que todo efeito observável ou induzido pelo
objeto tem uma causa. Portanto, o modo de entender a causa (algum aspecto da cultura) é o
estudo cuidadoso e imaginativo do efeito (o objeto). Em teoria, se pudéssemos perceber
todos os efeitos, poderíamos entender todas as causas; todo um universo cultural está no
objeto esperando para ser descoberto. A abordagem teórica aqui é modificada, no entanto,
pela convicção de que, na prática, a onipercepção que leva à onisciência não é uma
possibilidade real. Informações externas - ou seja, evidências extraídas de fora do objeto,
incluindo informações sobre o propósito ou a intenção do criador - desempenham um papel
essencial no processo. Tal abordagem é inclusiva, não exclusiva.
8. Humanos e não-KXPDQRVDUWHSDUDVHWRUQDU³RXWUR´DJHQWHGDKLVWyULD
De acordo com Da Silva (2008), para os ameríndios das Terras Baixas das Américas
do Sul, a arte é um elemento de transformação, mudança histórica, manutenção e sobretudo,
(re)significação cosmológica. Neste contexto a arte pode ser interpretado como um meio de
conduzir as diversas relações que há entre agentes humanos e não-humanos. Entre os
*XDUDQLGH0DWR*URVVRGR6XORV³REMHWRV´VHPDWHm justamente na interrelação recíproca
ɸɽ
TXH VH GHWHUPLQD HQWUH RV ³REMHWRV´ VDJUDGRV DWUHODGRV DR VREUHQDWXUDO DWULEXtGDV GH
mudanças no tempo-espaço. Desta forma, Overing (1991), através de sua obra intitulada ³A
estética da produção: o senso da comunidade entre os cubeo e os piaroa´FRUURERUDTXHD
ideia da falta de organização social e hierarquias entre os indígenas é extremamente falaciosa
e falsa, pois a estética representa um senso de comunidade político, onde a moralidade é
fundamental- moldada por uma lógica de compreensão. Em nossa etnografia, elaborado
melhor nos capítulos posteriores, pude constatar que o perspectivismo e multinaturalismo é
marcante entre o povo pertencente ao Tronco Linguístico Guarani, onde a animalidade faz
parte de todo o repertório cosmológico, desde o surgimento do universo, relação
sociocultural no Tekohá, até as múltiplas relações e inter-relacionamentos que existem com
os artefatos sagrados e ritualísticos. PortantoRV³REMHWRV´VDJUDGRVLQWHUDJHPGLUHWDPHQWH
no convício social, cultural, político, econômico, simbólico e ideológico Guarani.
A partir dos diferentes conceitos desenvolvidos por Cesarino, Gell, Aguiar, Muller,
Morphy, Moura, Desola, Layton, Latour e os demais autores, que pesquisaram ou pesquisam
atualmente Antropologia da Arte ou Cultura Material em distintos contextos, podemos
enfatizar que a arte é um elemento central em qualquer cultura. Isso é demonstrado desde
pré-história, por grandes construções que foram erguidas em outrora, que serviram como
espaços de rituais, contemplações, defesas, etc. Levanta outra questão acerca da
Antropologia brasileira, que ao longo dos anos, consolidou-se como estudos do simbolismo
e, muitas vezes deixando de lado os elementos artísticos ou materiais.
Observamos que os elementos materiais são de grande valia para essa cultura.
Durante a minha pesquisa, um respeitado líder Guarani disse-me, que sem as artes a cultura
Guarani é rasa, ou seja, incompleta. É aqui quando me refiro às artes, estou a dizer de
adornos, objetos em madeiras (miniaturas), os objetos sagrados como Ambá, Xirú e
Mbaraká. Ainda em campo, pela minha surpresa, uma liderança feminina corroborou-me,
que também há máscaras fabricadas na reserva indígenas de Dourados.
Desta forma, o pensado Latour (1979), nos ajudou interpretar alguns elementos, tais
como relação entre objetos e humanos, todos são atores e possuem suas importâncias. Fica
evidente, que em diferentes culturas, os objetos possuem histórias, memórias, comparadas
aos humanos e, em certas ocasiões tendo até mais importâncias. Assim esses objetos, falam,
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participam das relações sociais, políticas, econômicas, ideológicas, etc. Portanto, os objetos
possuem biografia, desde sua produção, inserção e descarte, onde no fim são ressignificados.
Outra ideia que surgiu no decorrer de nossa pesquisa se refere o que a pesquisadora
fala sobre mudança ou nova geração de personagens ou atores, que emergem dentro de uma
determinada sociedade ou cultura, sobretudo embasados pelas dinâmicas locais a modificar
os fundamentos que ali se encontram- a trazer novos modelos de pensar, coabitar e viver.
$VVLPPXLWDVSHVVRDVGD³QRYDJHUDomR´*XDUDQL- me relataram em campo- dentre os quais
mencionamos a Jaqueline Guarani- que os artefatos sagrados e ritualísticos estão a passar
por um processo de transformação, na palavra dela- ressignificação. Portanto, nesse viés de
pensar, Marilyn Strathern corrobora, diferente de seu colega Alfred Gell, sobre o elemento
de intencionalidade dos objetos em diferentes escalas- pois para a autora acredita que muitas
coisas emergem naturalmente mediante as demandas externas e internas das culturas pelo
mundo- disse que adentrar num contexto novo sempre é desafiador e impossível não criar
novas ferramentas e isso não e dispares como relação aos objetos culturais. Strathern também
se apoiou na metáfora do Ciborgue- que por sua vez realiza seu epicentro através do
hibridismo corporal- desenvolvida ou mantida por compatibilidades entre possibilidades
dicotômicas, e não por afastamento ou comparação. Assim, a autora corrobora o seu
ɸɿ
SHQVDPHQWR³DYLVWDGHXPFRUSRDRLQYpVGDYLVWDGHXPFXPH´the view from a body
rather than the view from above) ([1991] 2004, p. 32). Assim, para Cesarino (2017)- o foco
da autora britânica ao contextualizar as imagens, corpos e artes justamente seria a
compatibilidade e não comparabilidade temporal e não ficar ancorada na categoria interno e
externo- a elaborar futuramente um corpo conectivo gerenciada através de afetação e
configuração cercadas de elementos distintos e subjetivos.
Marilyn Strathern finaliza a dizer que a Antropologia da Arte por muitos anos ficou
no esquecimento- que justamente por isso Gell, se preocupou em reinventar esse campo
epistemológico- disse que praticamente todos os países, onde a antropologia é forte
esqueceram-se dela, exceto seria a França. A antropóloga disse ainda que ela sempre foi
SRVWXODGDFRPRXP³OL[RUHVLGXDO´- onde tudo era inserido sem quaisquer questionamentos
prévios como: esculturas, potes e estatuetas, artes decorativas, adornamentos, etc. Concluiu
a enfatizar que esse campo, agora aberto- está a fazer uma nova história, a reformular
conceitos, elaborar novas tendências, trilhar novos caminhos metodológicos- nas palavras
da pensadora- ³HSDUWHVGHOHIRUDPDSURSULDGas por pessoas interessadas em arte, pessoas
interessadas em coisas, pessoas interessadas em materialidade, pessoas interessadas em
substância (SIMONI, A. T & CARDOSO, G. R. & OLIVEIRA, L. P. & BULAMAH. R. C,
2010, p. 11).
Partindo da ideia anterior, cabe destacar a pesquisa de Thomas Fillitz, que por sua
vez trabalhou extensivamente em bienais de arte e, mais genericamente, em discursos em
torno do conceito de arte global, e se preocupa com o encontro entre o antropólogo e os
protagonistas do mundo das artes, artistas, curadores e exposições, especificamente quando
ɹɶ
o último intervir em um contexto culturalmente diferente do que o definido pela história da
arte ocidental- tratando-se de artes tradicionais. Embora o pensador reconheça a importância
de atividades interdisciplinares, multidisciplinares ou transdisciplinares no campo das artes,
ele continua convencido das diferenças de práticas entre artistas, curadores e antropólogos.
Assim, Fillitz apresenta dois exemplos de sua pesquisa etnográfica a longo prazo na África
Ocidental: um diálogo com a artista marfinense Mathilde Moro e as atividades curatoriais
da Bienal de Dakar no Senegal. Ele argumenta que quando um antropólogo encontra um
artista a questão não pGH³LQWHUSUHWDomR´GHXPDREUDGHDUWHPDVGDFULDomRGLVFXUVLYDGH
XPFDPSRFRPXPGHUHIOH[mRTXHWRUQDYLVtYHLVGLIHUHQWHVIDFHWDVGR³UHDO´2PHVPRp
verdade para práticas curatoriais, que, embora diversas em suas perspectivas, podem
funcionar como catalisadores das alternativas imaginativas da vida social. Assim, emerge
um espaço comum de reflexão sobre a cultura, produzido entre o antropólogo durante o
processo de pesquisa, os artistas e os curadores com quem trabalham.
Uma pesquisadora que nos chamou atenção apesar de tratar da arte grega é Eleana
Yalouri- sobretudo por utilizar-VHGDQRomRRXFDWHJRULD³LQGLVFLSOLQD´DRID]HUDERUGDJHP
antropológica e arqueológica das obras de artes investigadas- como pontos de referência para
uma discussão mais ampla sobre as vantagens e desvantagens de ser indisciplinado. Dessa
forma, a outra problematiza oposições binárias entre o real e o irreal, o literal e a metafórica,
que são comumente associadas à antropologia e à arte, respectivamente, e as situaram
estereotipadamente nos dois lados opostos da cerca científica como uma forma de repensar
ɹɷ
as certezas estabelecidas da ciência e destacar uma possível economia de conhecimento que
reconhece a potencialidade de incerteza e ambiguidade. Portanto, compreendemos que
³LQGLVFLSOLQD´SRGHJHUDUXPDREUDGHDUWHLPSRUWDQWHRXDUWHIDWRVDJUDGRFRPRSXGHFRQVWDU
em minha pesquisa com os Guarani.
ɹɸ
residências artísticas para certos períodos de tempo, o antropólogo realiza a prática do
trabalho de campo.
Da união entre estas duas áreas, Arte + Antropologia, existe uma nova subdisciplina
conhecida como Antropologia da Arte e este fato acontece quando a antropologia cultural
começa a se interessar por arte no início do século XX, disposta a investigar especialmente
a arte primitiva, as produções plásticas tradicionais e pré-históricas de as civilizações
antigas. Antropólogos viram a arte como um sistema simbólico, dotado de significado e além
de meros objetos estéticos. Neste sentido, quando nos referimos as artes indígenas estávamos
a nos envolver nuns universos e dilemas totalmente complexos a perpassar diversas nuances,
dentre os quais interpreto ser essenciais as premissas cognitivas, estéticas, linguísticas,
filosóficas, sociológicas e ambientais.
ɹɹ
comunicação entre diferentes campos de pensamento? Tais questões não são apenas de
relevância epistemológica. O que também está em jogo é a abertura de caminhos e
possibilidades para uma abordagem dinâmica, coletiva e socialmente comprometida de
importantes questões sociais e políticas, quando a arte e a antropologia se encontram. Fica
tangível que existem muitos mais perguntas que respostas- mas cada vez mais tangível que
arte não se resume em beleza contemplativa, mas sim em memória, história, biografia,
humanidade, sonho, ideologia, etc.
Diante de tudo que citados anteriormente- fica claro que um diálogo entre arte e
antropologia, no entanto, pode não apenas promover e levar a colaborações e intercâmbios
em diversas esferas sociais ou culturais, mas pode, por outro lado, provocar resistências,
críticas e contestações de ambos os lados, a evidenciar diferenças entre esses dois campos-
bem como a necessidade de considerar os aspectos políticos da promoção de comunicação
ou colaboração. Torna-se evidente, que RV DUWHIDWRV RX ³REMHWRV´ *XDUDQL perpassam por
toda a comunidade a entrelaçar caminhos múltiplos, onde há sujeito que apesar de residir na
parentela, praticamente não leva em consideração os artefatos- mas sempre há um ator que
utilizando-VHGHOHV³REMHWRV´UHVSRQGHPSRUWRGDRJUXSR
ɹɺ
dialogar entre um/a Xamã e um pesquisador não-indígenas bem intencionado é um ótimo
caminho para trazer da melhor maneira possível os saberes vinculados aos artefatos,
sobretudo, os sagrados afim de revelar os ethos étnico ou cultural.
Deixo em evidência que a palavra arte varia de uma sociedade para outra, também o
que podemos definir ou contextualizar como arte. Assim, uma coisa é certa não cabe mais
nos ocidentais definir o que é arte indígena ou que não é arte indígena. Mas para elaboramos
uma pesquisa antropológica, sobretudo quando se trata de uma monografia sobre uma cultura
específica- é fundamental assumir uma posição não ficando com receio ou medo de receber
crítica posterior. Neste sentido- a arte existe desde da pré-história- ela sempre fez parte da
cultura humana independente do tempo e do espaço.
Tudo isso está relacionado ao patrimônio cultural- que mudou ao longo dos anos, a
HVWHUHVSHLWR³RIDWRUGHWHUPLQDQWHGHILQLRTXHcompreendemos por herança, hoje, é a
sua natureza simbólica e subjetiva, sua capacidade de representar simbolicamente uma
idenWLGDGHXPDSUi[LVRXDLQGDXPDRQWRORJLD´35$76S$VVLPDSDUWLUGH
uma visão estática tem vindo a estabelecer-VHFRPRXPHOHPHQWRYLYRGDFXOWXUDTXHp³QmR
só no aspecto monumental arquitetônico, mas também em elementos substanciais e de vida
cobertos por tradições orais, idiomas e dialetos, memória coletiva e outros valores chamados
LQWDQJtYHLV´(63,126$3HUFHEemos que entre os Guarani não há uma assimetria
clara entre os elementos tangíveis e intangíveis, por exemplo para os artefatos sagrados
ganhar vidas ou complementar-se precisa estar imbricado nesses elos.
Portanto, para os Guarani de Mato Grosso do Sul, por exemplo, arte ultrapassa
FULDomR GH ³REMHWRV´ DUWHIDWRV grafismos, cestarias, colares, pulseiras ou miniaturas de
animais- a roça, as técnicas de plantação, as colheitas, os fazer alimentares, relatos de
memórias e o Jeroky Puku (danças rituais) são consideradas artes. Desta forma, as
elaborações artísticas dos ameríndios são recheadas de herméticas cosmológicas, onde
signos complexos fazem parte dos repertórios identitários. Por fim, apesar de jamais
desvendarmos totalmente uma determinada obra arte, também de uma determinada cultura
e sociedade ele pode relevar muitas coisas, tais como: intercâmbios, políticas, conflitos,
simbolismos, dominações, etc. Assim, os Guarani falam em fH¶HJXDWi0EDUDNi (as palavras
que caminham no Mbaraká)- onde os artefatos sagrados são utilizados principalmente no
fHPER¶H (reza), Guahú (canto de lamentação) e Kotyhú (canto de encontro), nesses
processos ritualísticos são imprescindíveis os usos de Xirú, Mbaraká, Mymby e Takuapú.
ɹɻ
Por assim dizer, no entender de Dona Tereza Guarani os artefatos faz parte da sincronia, sem
elas os espíritos jamais irão manifestar-se nos rituais, assim seriam receptáculos de almas e
espíritos- fica claro os artefatos são rimas, sons e melodias místicas.
Para finalizar minimamente o decorrente artigo cabe ressaltar que estudar, pesquisar,
investigar e a posteriori interpretar as artes, objetos ou artefatos indígenas, ameríndias,
tradicionais ou ainda autóctones é viável a partir de diferentes epistemologias, mas é
privilegiado principalmente com base na Antropologia, mas também é viável através da
História, Arqueologia, Etno-arqueologia, Etno-musicologia, Linguística, Filosofia,
Geografia, Demografia, Biologia, Botânica, Música, Matemática, Psicologia e Literatura.
Dito isso, nossa intenção foi realizar uma investigação etnográfica etnológica e um pouco
histórica acerca das artes Guarani de Dourados- Mato Grosso do Sul. Assim, acreditamos
ser fundamental mencionar as outras ciências ou teorias de conhecimentos para falar da
etnoarte, mas jamais esgotar essa discussão.
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$3$32.89$(0'285$'260$72*52662'268/
$57(675$',&,21$,62%-(7265,78$/Ë67,&26(
&2602/2*,$*8$5$1,
ɺɷ
forma, os principais estudiosos corroboram que desde do princípio os Guarani eram
analisados como um povo que não ficam muito tempo num lugar específico- sempre a
perambular e migrar-se pelas densas florestas que aqui se encontravam em outrora.
De acordo com o arqueólogo jesuíta Pedro Ignácio Schmitz (1982, p. 57), certamente
o arqueólogo mais importante e influente no Brasil- quando os colonizadores europeus
FKHJDUDPD³1RYD7HUUD´RSRYR*XDUDQLRFXSDYDPXPDH[WHQVDIDL[a litorânea que iria
desde de Cananeia em São Paulo até o atual Estado de Rio Grande do Sul, adentrando-se
pelas bacias dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. Assim, na convergência dos rios Paraguai
e Paraná entornavam-se pelas bordas oriental do primeiro e duas margens do Paraná-
fronteira com São Paulo- dessa forma, o rio Tietê localizava- se, ao norte e o rio Paraguai
ficava a oeste, a demarcar os limites de seus alcances territoriais.
ɺɸ
FIGURA I. Localização da Reserva Indígenas de Dourados (Aldeia Jaguapirú e Aldeia
Bororó) em Mato Grosso do Sul. Fonte: Google, 2019.
ɺɹ
fez com que a população Guarani dessa proporção praticamente fosse aniquilada, onde
pouquíssimas resistiram esses cercos. Mas entendo, que nem tudo os que os padres dessa
companhia fizeram foram equivocados, pois eles não permitiram que os Guarani fossem
escravizados pelos encomenderos de Assunção- posso ainda dizer que uma luz no fim do
túnel começou a brilhar. Nesse sentido, Gadelha (1999) indaga que de 1608 a 1768, se
constituíram dezenas de reduções jesuíticas, na época intitulada de Províncias Paraguaias de
Guairá- que abrangeu na época os seguintes territórios: Paraguai, São Paulo e Paraná; Itatim
(Mato Grosso do Sul e Paraguai oriental); Paraná (Paraná e Santa Catarina) e a região de
Tapés (Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraguai ocidental e norte da Argentina)- isso
demonstram que a ocupação Guarani era gigantesco- fico a imaginar, quantas coisas se
perderam e como o esse povo são resistentes- capaz de suportar tantas adversidades.
ɺɺ
Guarani dentro da aldeia Jaguapirú e Bororó é justamente uma Jary, tratando-se de Dona
Tereza Guarani- uma liderança histórica de acordo o professor e historiador Antônio Dari
Ramos. Em minha pesquisa, descobri algo realmente incríveis e fascinante, que jamais
pensei em vivenciar em minha vida, onde apesar de possuir sangue Nhandeva por parte de
minha mãe Vitorina Ivarra, minha educação foi distante do Tekohá, mergulhar nesse
universo Guarani é único, um verdadeiro sonho, surreal.
ɺɻ
Guarani Nhandeva, que há pouco tempo havia passado por esse processo matrimonial, me
indagou que os pais da moça somente aceitam o pedido, caso julga adequado a maturidade
do pretendente, sobretudo, ser capaz de gerir uma casa. Jaqueline ainda me disse que para
ser aceito, o rapaz jamais pode ter sido reprovado por outros pais anteriormente e nem ser
reprovado por má conduta (Tekó Vay) dentro da comunidade Guarani Nhandeva. Para
finalizar, me disse que caso, uma Nhandeva vier casar-se com um Kaiowá seria a condenação
da família, uma verdadeira desgraça, indagou. Portanto, vejo que há uma relação de
perversidade muito representativo entre os Guarani Nhandeva e Guarani Kaiowá, poucas
vezes debatidos e nas maiorias das vezes ignorados pelos antropólogos, historiadores,
geógrafos- os ditos guaraniólogos. Meu objetivo aqui não é fazer uma descrição precisa
GHVVHSURFHVVRPXLWRSHORFRQWUiULRID]HUXPDSHVTXLVDHWQRJUiILFDVDSDUWLUGRV³REMHWRV´
sagrados Nhandeva, mas essas questões precisam urgentemente ser debatidos na academia.
ɺɼ
parentela. Já no caso dos Kaiowá, em conversa com Karai Getúlio Avá Guarani Kaiowá, que
foi a primeira liderança a me receber em sua residência em 2017- o que mais preocupa a
etnia é a poligamia, que caso ocorra, posteriormente irá destruir seu Tekohá, voltando aos
Nhandeva- a poligamia não é proibida- muitos ainda mantém essa tradição.
ɺɽ
Em dezembro de 2017, em companhia de Dona Tereza, Almires Martins Machado,
Jaqueline Guarani Nhandeva e demais parentes, tive a oportunidade, mais que isso julgo-
um verdadeiro privilégio em visitar as plantações no Tekohá Nhandeva- onde percebi que
são bastante significativos, pois eu compreendia ser bem pequenas, mas pelo que vi são
bastante expressivos. Na oportunidade Almires me falou sobre a marcação e delimitação-
disse que a roça geralmente possui de 1 a 6 ha (hectares) por cada parentela ou unidade
familiar. É plantam principalmente milho (Avatí), batata (Jety), mandioca (Mandió), cana
(TaQJXDQUH¶HDEyERUD$QGDtPDPmR0DPRQH, laranja (Naranrra), banana (Paková),
amendoim (Manduví), feijão (Kumandá), arroz (arró), fumo (Penty), remédios (Pohã
Nhanã). Dona Tereza me disse na oportunidade ao apontar para a roça ali está a nossa vida,
a nossa existência, a nossa história, a nossa memória, e por que não- a nossa arte. Almires
ainda me relatou, que o Avatí Morontí (milho branco) é diferente do Avatí Sayjú (milho
amarelo) - o primeiro é sagrado para os Guarani Nhandeva, em que jamais poderá ser
comercializada- é um elemento centralizador no ritual Avatí Kiry (batismo do milho).
Mais do que uma atividade ritual religiosa, a festa do milho novo condiz em um
momento de congraçamento e união entre os povos indígenas e membros convidados e uma
maneira de apresentar uma cultura de resistência aos modelos impostos pela sociedade não
LQGtJHQD 'H RXWUR PRGR *HHUW] S QRV GL] TXH ³SRGHPRV FKDPDU HVVDV
cerimônias totais de "realizações culturais" e observar que elas representam não apenas o
ponto no qual os aspectos deposicionais e conceptuais da vida religiosa convergem para o
crente, mas também o ponto no qual pode ser melhor examinada pelo observador a interação
HQWUHHOHV´O ritual Avatí Kiry foi pesquisado por Raul Claudio Lima Falcão no Mestrado
em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados, cujo título é Avatikyry: o
ritual do milho saboró entre os Kaiowa de Panambizinho-Dourados-MS, defendida em 2018.
Por fim, Dona Tereza Guarani Nhandeva me disse na presença de sua filha-
FRQKHFLGDSRU1KDQGHV\¶LSHTXHQDUH]DGRra), que nesse processo cabe a Kunã (mulheres)
a tarefa de pilar o milho e consequentemente preparar a tão famosa Chicha, fazer o Xipákuera
(chipa). O milho é um item fundamental, pois através dela pode ser feitos muitas coisas
como: farinha (Avatikuí), faULQKD GH PLOKR DFRPSDQKDGD GH EDQKD GH SRUFR +X¶LN\UD
.XUpIDULQKDGHPLOKRPLVWXUDGDFRPPDQGLRFD+X¶L5RYDMD0DQGLyFKLSDHPEUXOKDGD
com folhas (Xipá Mbixi), farinha de milho misturada na panela quente (Mbeju), milho
assado (Avatí Mbixi), milho assado em formato de bolo (Xipa Perõ), milho misturado com
ɺɾ
batata (Xipa Jetyiru), mingau (Mbaipy), milho ralado (Kãguyjy Miri), pipoca (Avati Pororó),
resto de milho (Avatí Kuerreguaré), etc.
Por fim, visualizei que muitos Nhandeva trabalham com vendas-além de vendas de
artes como pulseiras, colares, brincos, cestarias coloridas, miniaturas de animais; também
comercializam produtos oriundos de rosas como mandioca, milho, batata, ovos, frutas- assim
comercializam em mercados locais, fora da aldeia de forma ambulantes em carroças e
entregas, onde as crianças vão juntas- sempre na presença e um ou mais Jaguá (cachorro)
pelas ruas de Dourados/MS. Muitos ainda trabalham em fazendas em arredores dos Tekohá,
outros trabalham em prefeituras de cidades vizinhas- além de Dourados, Douradina, Fátima
do Sul, Rio Brilhante, Ponta Porã- em muitos casos em situação de vulnerabilidade extrema
TXHDRPHXYHUSDVVDGHVSHUFHELGRSHODVDXWRULGDGHV³FRPSHWHQWHV´
ɺɿ
protagonistas Nhandeva Guarani, onde tive a oportunidade de acompanhar as coletas,
produção e confecção das artes dessa etnia- que também é parte de mim por parte de minha
mãe Vitorina Ivarra- que ainda criança fora retirada dessa comunidade por familiares
gaúchas e paraguaias. Destaco que quando criança sempre ouvia a minha mãe mencionar o
seu povo, de como eram feitos os objetos de utilização do dia-a-dia e processamento de
artefatos sagrados, como os casos do Xirú, Mbaraká, Ambá e Takuapú.
Partindo desses pressupostos, gostaria de deixar claro que não concordo com alguns
pesquisadores/as que intitulam a produção artística Guarani Nhandeva de apenas
³DUWHVDQDWRV´$VDUWHVDUWHIDWRVHREMHWRVVDJUDGRV1KDQGHYDXOtrapassam essa barreira, vão
muito além de ser apenas um elo contemplativo e embelezamento, estão nas memórias,
esperanças, sonhos e cosmologia. Dito isso, apresentarei algumas maneiras de
desenvolvimento das artes Guarani Nhandeva na Aldeia Jaguapirú e Aldeia Bororó, que são
trançados, tecidos, armas, instrumentos musicais, miniaturas e adornos.
I. Os trançados Nhandeva Guarani- -i %HUWD 5LEHLUR FRUURERUDUD TXH ³RV
trançados se classificam, segundo suas finalidades, em objetos de uso e conforto doméstico,
objetos de caça e pesca, objetos para processamento da mandioca, objetos de transporte de
carga e de adorno pessoal (RIBEIRO, 1988, p. 197). Até agora os trançados possuem
ɻɶ
presenças marcante na comunidade- Dona Tereza me diz que elas são os caminhos
percorridos por Nhanderú e Nhandesy rumo ao paraíso celestial. Já (PASCHOALICK,
2008), enfatiza que o abano servia para atiçar o Tatá (fogo)- o cesto possuía a finalidade de
inserir frutas como Paková (banana), Araçá (goiaba), Kumandá (feijão), Jety (batata),
Manduví (amendoim) e de sementes para plantação, como é o caso de Andaí (abobora).
Nesse processo ainda cabe mencionar os cestos-armadilhas para capturar os Pirá (peixes)
nos rios que cortam a comunidade, e a peneira chamada de Tipiti, era usada para preparação
de Mandió (mandioca), também havia o cesto-cargueiro, usada principalmente nos Oguatá
Pukú (longa caminhada). Ainda de acordo com a historiadora, os trançados também serviam
de adorno em chapéus, braçadeiras e cintos (idem).
ɻɷ
Em minha pesquisa também pude entender que muitas artes ou objetos deixaram de
ser produzidas na Aldeia Jaguapirú e Aldeia Bororó, não por falta de interesse, mas
sobretudo, pela escassez gerada pelo desmatamento da mata ou floresta que ali estavam- isso
já foi retratada pela historiadora Paschoalick:
ɻɸ
Conforme descreve Shaden (1962), com a confecção de tecelagem o povo Guarani
produzia tecidos para fazer roupas. A indumentária masculina era formada por ponchito
(poncho pequeno), o Txumbé (faixa de algodão usada em torno da cintura) e o Txiripá, pano
de algodão de forma retangular, com três lados de franja que desce até abaixo dos joelhos
(MARQUES; ALVES, 2019, p. 205). Já a indumentaria feminino era composto do Váta, que
corresponde a uma blusa, e o Tupái, semelhante a uma saia (idem). Conforme postula
Paschoalick (2008), com o uso das fibras de caraguatá (Bromelia antiancatha), planta da
família das bromeliáceas, as mulheres Guarani Nhandeva também confeccionavam fios, no
qual produziam redes, utilizadas para as crianças dormirem dentro de casa e, também, para
o descanso dos homens vindas da roça, caça, pesca e encontros.
Uma coisa que eu percebi em minha investigação, já tinha sido também observada
pela hiVWRULDGRUD 3DVFKRDOLFN TXH ³SHOD DXVrQFLD GR DOJRGmR H GR FDUDJXDWi
abandonaram a prática de fiar, Povã, [...] [mas] continuam tecendo com barbante, lã, fios de
tecidos desfiados, estopa, linha, utilizando a mesma técniFD GRV VHXV DQWHSDVVDGRV´
(PASCHOALICK, 2008, p. 68). A artista Guarani Antonia Aparecida faz uso de tear
produzido por ela e pelo esposo, o artista Karai Avá Guarani Nhandeva Admiro Arce- que
na ocasião que disse que produz em seu quintal o pariri, a cabaça e a bananeira. Assim, com
barbante, produzem redes. Já a artista Marilda Duarte elabora faixas e tapetes com o recurso
do tear. Portanto, para substituir o algodão, ela utiliza o barbante e a lã, comprados em casas
comerciais na cidade de Dourados, como também identificou as pesquisadoras Marques e
Alves (2019). Em minha última investigação, pude observar o trabalho de Marilda Duarte
Guarani Nhandeva, onde me disse que as faixas confeccionadas, servem principalmente para
produzir saias- ela aplica uma série de sementes nativas- finaOL]RXDGL]HU³LVVRYDLSDUDR
PHUFDGRPDVOHYDFRQVLJRQRVVDVPHPyULDVQRVVDVKLVWyULDVQRVVRVVRQKRV´
ɻɹ
porte- como anta, veado, queixada, porco-do-mato. É por fim, as armas de sopro são aquelas
que contêm dardos envenenados- usadas para matar animais ou seres possuídos por espíritos
diabólicos (RIBEIRO, 1988).
1R HQWHQGHU GH 6HJXQGR &KLDUD S ³DV DUPDV PDLV FRQYHQFLRQDLV
utilizadas pelos índios são: sarabatana, propulsor de dardos, boleadeiras, borduna (conhecida
tambpPFRPRFODYDRXPDFDQDODQoDHDUFRHIOHFKD´3HUFHELHPPLQKDSHVTXLVDTXHSRU
unanimidades os Nhanderú e Nhandesy, ao lembrar de sua cosmologia sempre se rementem
ao passado- por isso mesmo adotei o termo memória para situar essa problemática. Senhor
Renato Guarani me disse que as armas praticamente perderam suas importâncias em termos
de utilidades, mas não em importâncias históricas e cosmológicas. Já Kuña Karai Tereza
Guarani Nhandeva me relatou que a caça e a pesca é própria vida Guarani- disse que
Nhanderú Tenondé (Deus principal na cosmologia Guarani Nhandeva) deixou a floresta e
os rios para os Guarani viverem em harmonia e em paz, mas que os Karai estão a destruir
tudo- relatou ainda que o fim está próximo, que Nhanderú Tenondé Eté já cansou de ver seu
mundo desvastado.
ɻɺ
Em relação às matérias-primas utilizadas, no presente, os artesãos
informaram que se servem de madeiras como o aguaí (Thevetia peruviana),
o cipó guaimbé (Philodendron bipinnatifidum) e a taquara. Para o trançado
do arco são utilizados, além do cipó, o capim braquiária, a linha e o
barbante. Já foi mencionado que o cipó guaimbé está extinto na reserva e
só é utilizado quando trazido de outras aldeias da região. O caraguatá,
quando encontrado, é utilizado para fazer o cordão dos arcos. Na falta do
caraguatá, é empregado o barbante. As penas que adornam as peças são de
galinhas, tingidas com papel crepom, anilina e outras tintas compradas em
casas comerciais da cidade (MARQUES; ALVES, 2019, p. 207).
Em minha investigação também pude perceber que caule de palmeira, bambu, cordão
de caraguatá, cipó e penas coloridas são as principais matérias-primas encontradas na Aldeia
Jaguapirú e Aldeia Bororó- as flechas possuem tamanho aproximado de 150 cm como me
mostrou a Nhandesy Dona Floriza Guarani Kaiowá no interior de sua casa de reza
(Oga/Opy).
IV. O fim da cerâmica Nhandeva Guarani- Berta Ribeiro também corroborou que a
FHUkPLFD p D ³DUWH GH FRQIHFFLRQDU DUWHIDWRV FRP DUJLOD VXEPHWLGRV j FRPEXVWmR H DOWD
WHPSHUDWXUD´5,%(,52S(PUHODomRjVIXQo}HVGRVDrtefatos cerâmicos na
vida dos povos indígenas, Willey (1987) enfatiza que eram confeccionados pelas etnias
indígenas como utensílios para conservar, preparar e a posteriori consumir alimentos sólidos
e líquidos. Muitas peças também tinham função cosmológica e ritualística, como aquelas
empregadas como urnas mortuárias. É de acordo com Paschoalick (2008), a cerâmica foi
imensamente produzida em outrora pelos Guarani, e na atualidade contemporânea tem sido
um recurso de grande relevância para identificação étnica em sítios arqueológicos.
Atualmente muitos sítios vêm sendo identificados em Mato Grosso do Sul, como demostram
os pesquisadores Kashimoto e Martins (2008):
ɻɻ
Em minha pesquisa na Reserva Indígena de Dourados (RID), não encontrei nenhuma
cerâmica e, isso me chamou bastante atenção- no início acreditava que os Guarani Nhandeva
ainda produziam cerâmicas como antigamente, sobretudo, por que outras etnias as produzem
na atualidade como os Kadiwéu e os Kinikinau. Mediante isso, fui procurar saber- o por quê
dos Guarani não produzirem mais esses objetos milenar. Almires me disse que os Nhandeva
não encontram mais facilidades para produzi-las e, atualmente possuem outros prioridade,
sobretudo, pelo contexto de violências e violações que se encontram. Já o artista Karai
Guarani Nhandeva Jorge da Silva me relatou que ainda há várias pessoas na RID que sabem
todos os processos de produção da cerâmica. Frisou ainda que não existem mais madeiras
apropriadas ou adequadas para ser retiradas da mata para queimar e posteriormente produzir
a cerâmica. Disse que ser for confeccionado de qualquer maneira, a comunidade ou
parentela pode ser punido por Nhanderú Eté Tenondé. Já Karai Renato Guarani Nhandeva
me disse que na RID não há lugares adequados para guardar os materiais. Por fim, a
KLVWRULDGRUD 3DVFKRDOLFN WDPEpP SHUFHEHX LVVR HP ³DOJXQV DVSHFWRV SRGHP WHU
contribuído para esse fato, como o conhecimento do metal, o deslocamento dos indígenas de
suas aldeias tradicionais e o confinamento em reservas- o novo modo de viver imposto aos
*XDUDQL SHOD VRFLHGDGH FDSLWDOLVWD FRQWULEXLX SDUD R DEDQGRQR GD SUiWLFD ROHLUD´
(PASCHOALICK, 2008, p. 94).
ɻɼ
braçadeiras, as tornozeleiras, as saias, os cintos e os brincos. Ainda nesse sentido as
pesquisadoras postulam:
ɻɽ
harmonia conforme vibração do ar soprado no interior de um receptáculo, onde há
participação marcante dos instrumentos de sopro. Já os cordofones são instrumentos que
produzem som mediante a vibração de cordas. É os idiofones são instrumentos sonoros entre
os quais se classificam o Mbaraká e o bastão oco de ritmo. É por fim, os membranofones
são instrumentos dotados de caixa de ressonância (MARQUES; ALVES, 2019, p. 212).
Mediante isso Seeger indaga:
Apesar de não ser meu objetivo realizar uma investigação acerca da etnomusicologia
Nhandeva Guarani, compreendo que seja importante destacar, mesmo que seja de maneira
conceitual. Já no entender de Deise Lucy Oliveira Montardo (2018) - a principal
pesquisadora da HWQRPXVLFRORJLD *XDUDQL QD DWXDOLGDGH ³RV FDQWRV H GDQoDV FRQVWLWXHP
ɻɾ
caminhos que permitem aos Guarani o encontro com os seres espirituais, com seus heróis
FULDGRUHVHYLVLWDVDDOGHLDVGLYLQDV´0217$5'2S$SHVquisadora ainda
corrobora que os Guarani Nhandeva cantam muitas vogais, o que foi percebido por diversos
estudiosos, como cantos sem letras- que seria um grande equívoco. Portanto, numa
interpretação mais detalhada, dos mesmos cantos executados em dias distintos, percebe-se
TXHRV³DVHVLVHRV´HVWmRVHPSUHQRPHVPRPRPHQWRGDPHORGLDLGHP3RUILPFDEH
destacar o relato de Dona Tereza Guarani Nhandeva, que o cantar para os Guarani significa
renovar a alma, o espirito, conectar-se com as divindades e entidades cosmológicas em
múltiplas possibilidades, sobretudo de sonhos, esperanças e memórias. Assim em minha
pesquisa, pude deparar em diversos momentos, que na hora da produção das artes, artefatos
e objetos os Nhandeva cantam.
Nos dias atuais o poder econômico das famílias tem outra fonte geradora de recursos,
não se concentram mais nas roças, na produção de alimentos. Hoje está diretamente ligada
a um trabalho assalariado de um ou mais membros da família. O homem e a mulher
geralmente trabalham fora e, por conseguinte, todos os demais membros da casa que estão
aptos a vender sua força de trabalho, nas fazendas ou usinas de álcool, prefeitura e empresas
prestadoras de serviços. Os programas de assistência social do governo, assim como o
auferido pelos aposentados, contribuem para a renda das famílias. Nesse quadro, muitas
mulheres assumiram a chefia da família.
ɻɿ
rompimento com lideranças locais, marcado pela avidez do poder aquisitivo, na incessante
imitação do modo de vida do não indígena, para parecer moderno e interligado com o mundo
exterior, querendo demonstrar prestígio dentro e fora da aldeia.
Nessa fronte de lutas, cada povo se valerá da Constituição Federal para fazer valer o
seu Direito, interpretando de acordo com os seus valores culturais e pelo que dita a sua
cosmologia. Nesse âmbito o Direito deve ser buscado nas mais diversas frentes de luta, seja
no campo da saúde, alimentação, educação, proteção e preservação da natureza, seja no
âmbito dos ecossistemas e biomas quase sempre ameaçados pela ocupação desordenada do
entorno das terras indígenas.
ɼɶ
reconhecimento da diferença, é necessário prover formas de coexistência considerando a
alteridade: a ideia do relativismo, multiculturalismo, direitos humanos, remete às identidades
coletivas na perspectiva da construção de novos paradigmas que, de fato, construa a
cidadania, efetivando o reconhecimento da diferença e do direito à diferença e de ser
diferente.
2³YHOKR´HR³QRYR´FRQYLYHPQDVUHVHUYDVLQGtJHQDVDWHLDGHVLJQLILFDGRVHQUHGD-
se no saber local (GEERTZ, 2000), dando forma, fluidez, porosidade, permeabilidade,
flexibilidade as fronteiras culturais, reinterpretando, ressignificando, reelaborando a sua
cultura, rede social, modo de pensar, ver e agir, conforme a situação o exigir, legitimando-a
ou não. Não está passivo, aceitando o papel de vítima, o paradigma da aculturação, de visões
estereotipadas, de sujeitos de segunda categoria, de incapaz. O século XXI permite ir muito
DOpPGRLPDJLQDGRWDQWRTXHR³tQGLRGHYHUGDGH´KRMHHVWiQDVXQLYHUVLGDGHVID]SDUWH
das redes sociais da internet, twitando e trocando informações via facebook, netizado.
Continuamos na luta com a esperança de dias melhores são possíveis e estes podem estar
próximos, estamos nos empoderando de armas muito mais poderosas do que o velho e bom
arco e flecha, que o diga o poder das palavras.
ɼɷ
inscreveu uma diferença entre os artefatos utilitários pertencentes à indústria artesanal e
outros, onde a marca de uma significação adicional social, simbólica, religiosa, estética, etc.
ɼɸ
participam no sentido de conectar sentidos, experiências, praticas, que se constituirão em
modelos a serem seguidos pelas futuras gerações, a educação se faz presente como uma
necessidade de se fazer sentir e se fazer ser social e pertencer a coletividade e para esta
contribuir para sua existência. Nesta acepção, conseguimos perceber o ritual como uma
espécie de linguagem coletiva, um símbolo representativo de algumas verdades
transcendentais, que incorporam uma pratica dinamizada que permeia por uma rede
complexa de ações significativas capazes de unir um grupo e convencê-lo por meio de sua
eficácia (MAUSS, 2003). Mais do que um movimento cosmológico de ordem reflexiva e ou
contePSODWLYD ³RV ULWXDLV GH XPD VRFLHGDGH DPpliam, focalizam, põem em relevo e
MXVWLILFDPRTXHMipXVXDOQHOD´3(,5$12S
FIGURA III. Xirú Kurussú Ambá Guarani em frente de Oga/Opy (casa de reza ou casa ritual).
Recentemente esta casa de reza foi queimada. Fonte: Thailla Torres, 2019.
Dessa forma, começo discussão trazendo à tona as palavras de minha guia espiritual
Dona Tereza Guarani Nhandeva. Disse para ela, a senhora poderia me contar um pouco sobre
o Jeroky (a dança ritual). Ela me disse, claro que posso, mas cuidado é longo (risos), eu disse
será um prazer- acima de tudo uma honra. Ai ela, então vai. O trecho a seguir é uma
adaptação do que a Nhandesy me relatou em sua residência. O Sol vai se pondo no Tekohá,
membros de várias parentelas vão chegando com seus apetrechos (Xirú, Mbaraká, Mymby
e Takuapú) para passar a noite a dançar no ritmo do Jeroky Pukú (canto-longo),
acompanhados de seus filhos vão acomodando-se pela Nhanderogaii (residência Nhandeva),
a gritaria/tumulto é total, com as crianças a correr, a rir, outras a chorar; os Jaguá (cachorro)
ɼɹ
se encontram e se estranham, a provocar em seus donos gritaria para que cada animal retorna
a casa. Enquanto não chega a hora, os homens preparam a roda de Teréréiii (bebida típica
do Mato Grosso do Sul-similar ao mate gaúcho, mas com adaptação Nhandeva) e as
PXOKHUHVVHMXQWDPDRVPHVPRVRXIRUPDPRXWUDURGDGH.Di¶\FKLPDUUmRRXPDWHPDLV
utilizadas pelas mulheres Guarani).
0DVYROWDQGRD1KDQGHDUDRX2JD*XDVVXVHOiMiKRXYHU<Y\UDt¶MiSRUWDGRUGR
bastão ritual), este já se adianta ao Nhanderú e vai verificando as condições dos instrumentos
rituais, se a casa já foi toda varrida, verificado se o pote com casca de cedro vermelho, está
cheio de água. Em dado momento o Nhanderú e Nhandesy se levantam, pegam o seu
Mbaraká, pigarreia, olha para todos e começa o Jerovassá (abençoar, limpar o corpo), para
dar início a dança ritual. Quase sempre acontece de exercitar o seu Mbaraká por um certo
WHPSRGLDQWHGR<Y\UD0DUDQJDWXDOWDUHR1KHPER¶HRUDomRHQFDQWDPHQWRSRGHVHURX
não audível a todos. Caminha-se pelo terreiro da casa, em círculo, terminando na frente do
altar, fechando o formalismo inicial do ritual.
ɼɺ
ancestrais, com Nhanderú Vussú (nosso Pai/Deus maior), e todos os seres que porventura
possam encontrar no caminho dos espíritos, o visível e o invisível se visitam, iniciando o
estabelecimento de um futuro parentesco, uma rede social espiritual é formatada.
ɼɻ
é para não errar o caminho que leva ao destino desejado durante o ritual ou a subida, pode
ser sem volta; as palavras denotam o seu poder de agir, fazer, transformar, trocar de estado
da matéria para o do espírito. Enquanto o Nhanderú (rezador)ou Nhandesy (rezadora) vai
seguindo a sua viagem, orientado pelo Mbaraká, ele vai fazendo as suas orações e
encantamentos, abrindo as passagens e caminhos, considerando que muitas são as Tava
(aldeia de pedra) na terra que não se morre mais, sempre haverá a possibilidade de estar indo
a um novo Tekohá. Por vezes o cântico/encantamento é audível a todos os presentes no ritual,
significando que o caminho é fácil, conhecido, já trilhado, em outros momentos é apenas
grunhidos, em razão de estarem sendo usados os encantamentos mais secretos recebidos de
Nhanderu Vussú, pois há perigo constante a vista, espíritos malignos à espreita.
A Kunã Karai Tereza Guarani Nhandeva, relatou-me que o Guarani precisa cuidar
da alma e do corpo, ambas se alimentam e precisam de cuidados, considerando a crença que
se possui duas almas: a humana e a animal, deve-se estar sempre atento ao equilíbrio das
mesmas, a primeira é lugar da esperança, bondade, realizações profícuas, a segunda é o lugar
do mal, do receio, do medo, do desequilíbrio. Assim, na primeira repousa a divindade, razão
do esforço para que a mesma tenha garantido o seu lugar na terra, onde não se morre mais,
alcançado pelo estado de alma chamado de Aguyjê; na segunda reside maldade, perigo, o
risco de ser condenado a ser um espectro que vaga na noite em forma de Anguere ou ser
transformado em Jepota.
Agora, Karai Renato Avá Guarani, me disse que o Mbaraká precisa ser exercitado
nos locais de origem, os cânticos necessitam alçar os caminhos do céu, a alma precisa ficar
leve. Se antes se acreditava que poderia alcançá-la pela via terrestre, rumando-se a leste ou
oeste e atravessando o mar, hoje já se partilha o pensamento que o caminho é o espiritual,
ɼɼ
para tanto é primordial que tudo volte ao seu lugar de princípio, o território tradicional,
juntamente com todos os seus objetos sagrados, de perto e os de longe. Os que tem poder
associado ao Mbaraká, os homens-deuses que percorrem constantemente os caminhos do
que é designado como Yvã Rapê Jara (caminho do céu), dia após dia persistem no Jeroky,
com Takuá e MbarakaY, nesse caminho onde humanos e divindades repousam sob o mesmo
teto no Ambá (aldeia celeste), onde exercitam o Ayvu 1KH¶sIDODGDDOPDFRQVLGHUDQGR
os caminhos do céu é possível ver os seus rastos, do leste (Nhandehovái) ao oeste
(Nhandekupê).
ɼɽ
avarento, raivoso. Os homens apresentam condutas dos animais, que por sua vez o espírito
animal toma a forma de homens. Nessa situação a alma animal sobrepuja a humana.
Aprendendo o bem viver e exercitando-o, agrada os que moram no Ambá (Xirú em tamanho
maior), dessa forma com as constantes visitações a suas moradas, logo reconhece o Guarani
como seu parente e com este estabelece a solidariedade e reciprocidade, indo e vindo
descendo e subindo ao Ambá. O visitante então é revestido do Arandu Porã (bom
entendimento), essencial para um dia ir de vez para a terra sem mal, sem que para isso passe
pela experiência da morte física.
Vejo que nessa terra, o exercício é o de viver o mais correto possível, para não se
deixar levar pela animalidade da alma, em contraste o que vale é o exercício da humanidade,
que aproxima do modo de vida dos que estão na terra onde não se morre. Lembrando que
esse modo de ser não é exercitado por todos, com dito acima, faz parte do livre arbítrio. A
viagem em que o Mbaraka é o guia ou o marcador da condição da alma no caminho trilhado,
une o humano e o divino, nessa superação que é possível somente como a boa conduta, o
bom viver, ter boas maneiras de conduzir o ser, implica em ter acesso na presença do divino.
É a superação de limites de mundos que um dia não terão mais separações, um estará
imbricado no outro.
Fica evidente que todo o esforço físico desprendido no Jeroky, resultam nos sonhos
que Nhanderu Vussu (Deus criador Nhandeva) envia ao Guarani, para que o mesmo saiba,
como proceder no dia de amanhã, mostrando as coisas que irão acontecer, é o futuro sendo
revelado por meio dos sonhos. Assim, uma caminhada ou visita a uma parentela distante
pode e quase sempre se inicia com um sonho. Nas caminhadas exercita-se um saber fazer,
um conhecer, um aprendizado, pois como dito no início, o Mbaraká é guardião de
conhecimentos, a agencia orientadora por onde seguir nos caminhos espirituais. Dessa
forma, caminha-se por diferentes lugares, adentram-se segredos da botânica, fauna e flora
são esquadrinhados, no caso de danças para cura, diferentes essências assomam-se para
compor o conjunto de um conhecer para saber fazer.
De acordo com Karai Renato Guarani Nhandeva- com os primeiros sinais da alvorada
impulsionada pelo Mbaraká Jú termina o Purahei Pukú (cântico-longo), o corpo extenuado,
suado, pela longa caminhada de ida e volta aos Tekohá celestes, o/a Nhanderú/Nhandesy e
todos os que participaram do ritual se sentam para saudar o Kuarahí (Sol), não que ele seja
mais divino que qualquer um dos que ali estão sentados, mas porque ele é o irmão gêmeo de
ɼɾ
Jacy (Lua), o parente que está no céu, marcando uma trajetória que pode ser seguida por
qualquer um de seus irmãos terrenos e por ser segundo as histórias que são contadas, ele é
que trouxe DR PXQGR D KDUPRQLD 3RUWDQWR p MXVWDPHQWH GHVVH DPELHQWH TXH R ³REMHWR´
sagrado que está no exílio, sente saudades, da sua vida social, o exercitar a reciprocidade,
fraternidade, reverencia e respeito tanto a humanos e não humanos. É preciso liberta-se da
prisão de vidro e unir-se aos seus, ainda que demore um pouco mais de tempo.
Dessa forma, nos rituais religiosos e festivos, como em outros eventos sociais onde
se reúnem grandes coletivos, existem conexões e transformações múltiplas e estas estão
vinculadas as variadas formas de se pensar a cultura como um sistema de significados que é
transmitido e se comunicam historicamente, incorporado por meio de símbolos ± sagrados
ou não ± em um sistema de concepções herdadas e expressas em formas simbólicas por meio
das quais os homens e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida e
a sua práxis. Pensando um viés social de magnitude extensiva Nhandeva, para além de sua
simples forma de viver em grupo e se comunicar, esses sujeitos se constituem em atores
capazes de dinamizar sua vida individual e coletiva, porém, sempre necessitando de
elementos capazes de entrelaçar seu sentimento aos do grupo social do qual está imerso.
ɼɿ
fundamental no tocante aos conhecimentos tradicionais, cosmologia e discutir os artefatos
sagrados em diversos contextos acerca desse povo milenar que mantém sua cultura viva ao
longo dessa trágica história de violações.
Corroboro ainda que povo Guarani Nhandeva possui muitos saberes míticos que
orientam sua organização social, dos quais são transmitidos há outras gerações por meio das
histórias contadas e cantadas- o canto exerce importância primaz para sua existência e para
a perpetuação de suas tradições, além de garantir a reprodução cultural de sua sociedade.
Este é ensinado desde a maturidade e realizado para que seja propagado e não haja o fim
terreno do povo. Outro elemento importante para entender a organização social Nhandeva e
conectar ao processo educacional familiar são os princípios cosmológicos, pois estes se
constituem como fator essencial para se entender a origem e a própria concepção de
existência do povo Guarani, que mantém relações múltiplas e intrínsecas com os artefatos
sagrados e ritualísticos.
FIGURA IV. Nhanderú e Nhandesy Guarani portando objetos sagrados em Brasília. Fonte: Tiago
Miotto/CIMI, 2017.
Digo ainda que em atenção ao que preconiza Baniwa (2006), percebo que esse
processo educacional desenvolvido nas práticas rituais e ampliado pelos mitos e nas
tradições orais passadas pelas gerações anteriores é fundamental para a transmissão e
produção dos conhecimentos tradicionais indígenas além de se constituir em um importante
ɽɶ
instrumento de fortalecimento de culturas e das identidades individuais e coletivas. Nesse
sentido- cabe falar dos Ivyrá Ijá Kuera (xamã em processo de iniciação, ajudante de
Nhanderú e Nhandesy nos rituais). Sendo também um forte elemento constituinte para o
estabelecimento de direitos e busca por outros não conquistados ainda ou violados por náo-
indígenas ao longo da história. É ao falar de arte, artefato, objeto, agência, eficácia Guarani
Nhandeva é trazer à tona as memórias que ainda estão vivas através da materialidade. Ao
findar, gostaria de mencionar- por qual motivo utilizei a terminologia ou categoria
³RQWRJUDILD *XDUDQL 1KDQGHYD´- principalmente pelos fatos de os artefatoV RX ³REMHWRV
sagrados fazer parte intimamente da vida em comunidade- assim embasa-se na experiencia
através das diversas representações que eles são capazes de proporcionar aos grupos ou ainda
parentela. Evidentemente que meu objetivo não é fazer uma investigação filosófica- talvez,
no máximo uma etnografia ontológica ameríndia.
Portanto, para finalizar este artigo falarei da relação que há entre cosmologia e
³REMHWRV´ VDJUDGRV 1KDQGHYD TXH HP Mi KDYLD SXEOLFDGR XP DUWLJR FXMR WtWXOR p
Mbaraká Ju: arte, memória e fala sagrada Guarani juntamente com meu colega e amigo
Almires, mas na ocasião era exclusivamente sobre o Mbaraká (chocalho). Dessa forma,
tratando-se de processos específicos e particulares, os artefatos sagrados Nhandeva são
usadas, sobretudo nos seguintes processos ritualísticos: Jerosy Puku (canto-dança longo),
-HURV\0E\N\FDQWRFXUWRfHPER¶H.XQXPL0ERUR¶\KDULWXDOGHSHUIXUDomRGHPHQLQRV
afim de acalmar), Ñevanga (ritual doméstico- um dos mais antigo que ainda se praticam
entre oV1KDQGHYD3RURPRWƭKDID]HUUHWURFHGHUDOJRRXDOJXpP- afim de resolver conflitos
internos nas comunidades ou parentelas), Poromondoha (conduzir o/a Nhanderú e Nhandesy
para o plano ou terreno espiritual), Ñemoeondeha (palavra bem sucedida- encontrar algo
EXVFDGR FRPR DQLPDLV FDoD H SHVFD fHPER¶H fHKRYDLWƭ ULWXDO GH HQIUHWDPHQWR-
SULQFLSDOPHQWH DILP GH HYLWDU R VXLFtGLR QD FRPXQLGDGH fH¶×HQJDUDL SDODYUD Pi RX
maldição- ritual de conhecer os espíritos malignos para posterior evitar)- sempre guiado por
um ou uma líder espiritual diferentemente dos Kaiowá e Mbyá. Para concluir- gostaria de
enfatizar que Umberto Eco e Charles Sanders Peirce foram fundamentais para a finalização
desta investigação, sobretudo ao corroborar que os artefatos sagrados Nhandeva podem ser
interpretados como mantenedores de ordem dentro da comunidade (Tekohá). Dessa forma,
RV³REMHWRV´*XDUDQLGHQWURGDFRPXQLGDGHSRGHLQGLFDUGHVLJQDomRVHPHOKDQoDDQDORJLD
alegoria, metonímia, metáfora, simbolismo, significação e principalmente comunicação-
indo muito além da linguagem, onde signos se entrelaçam nessa complexidade. Peirce
ɽɷ
(1983), embasado em sua obra intitulado Estudos coligidos fala da concepção tríade do
homem- isso também transcorrem entre as artes Nhandeva que passam pela primeiridade,
secundidade e terceiridade. Na primeira está a mentalidade do seu produtor/artesão, na
segunda está a representatividade e pertencimento e no terceiro está o significado real afim
de representar efetivamente o Tekohá Guarani. Dito isso- os artefatos ganham vidas e
biografias nos ícones (proximidade sensorial e emotiva), índices (representação subjetivo e
intersubjetivo) e símbolo (ideias- uma verdadeira lei para a etnia).
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ɽɼ
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RESUMO: Arte é um assunto que a antropologia ocupa há bastante tempo, onde diversos
pensadores trouxeram suas visões- a perpassar por diferentes escolas ou tradições:
evolucionismo, funcionalismo, culturalismo, funcional-estruturalismo, estruturalismo, pós-
estruturalismo até adentrar na antropologia pós-moderna. Assim, a antropologia
propriamente dita foi criada pela eliminação do conceito ocidental de arte para perceber mais
claramente a relação entre arte e vida social. Desta maneira facilitou o estudo das
manifestações artísticas das sociedades tradicionais em diferentes tempos e espaços. Assim,
o presente capítulo traz uma visão ameríndia Guarani acerca dos objetos sagrados- a partir
de etnografia realizada na Aldeia Jaguapirú/Bororó em Dourados, Mato Grosso do Sul-
região Centro-Oeste do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Olhar Guarani; Arte; Cosmologia.
Partindo desta visão- um autor que se preocupou com artes e povos tradicionais,
desde um viés antropológico propriamente dito foi o britânico Alfred Gel (1998), onde
destacou que a partir do momento em que os objetos são inseridos nas condições de atores
sociais em diferentes sociedades e contextos, acabam influenciando diretamente o fluxo da
vida social e produzindo um encantamento tecnológico nos indivíduos. O autor ainda destaca
que as artes levam a abduções, ou seja, inferências com relação às intenções e ações de outro
agente. Desta forma, são carregados de emoções, relações, ações e sentidos diversos, como
ɽɽ
destaca Lagrous (2010). Por mais que haja crítica sobre a obra de Gell, o autor continua
sendo fundamental para estudo da cultura material. Complementando Gell ideia de que em
certas sociedades os objetos são equiparados aos humanos, ou seja, dotados de essência,
intencionalidade e agências, algo que ganha dimensão no perspectivismo ameríndio e
multinaturalismo (VIVEIROS DE CASTRO, 1996).
Já Lux Vidal (2007), destaca que, por muito tempo, as artes indígenas foram
relegadas a segundo plano, por serem consideradas residuais e pouca atrelada a contextos
étnicos específicos. Entretanto, a mesma pensadora argumenta que essa ideia vem sendo
repensada e revisitada, onde estudos artísticos e estéticos acerca dos povos indígenas estão
ɽɾ
a começar a ganhar espaço, apesar de ainda serem poucos explorados pela Antropologia.
$VVLPQDSDODYUDGDDXWRUDDDUWHJUiILFDpXP³PDWHULDOYLVXDOTXHH[SULPHDFRQFHSomR
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Já, Morphy (1994), propõe uma interpretação dualista à arte. Assim, destaca que os
objetos de arte possuem propriedade semânticas/estéticas, utilizadas para fins de
apresentação ou representação, ou seja, os artefatos artísticos são signos-veículos
(significados) ou tem por finalidade provocar uma resposta estética no indivíduo. Mas ainda
informa que é possível ocorrer à combinação de duas coisas ao mesmo tempo.
Gamble (2001) por sua vez, corrobora que os objetos étnicos são carregados de
LGHLDVYDORUHVHVLVWHPDVGHFUHQoDVFRQFHLWRHVVHTXHGHQRPLQDGH³LGHDFLRQDO´Por assim
corroborar, a grande contribuição do autor britânico está na análise de três elementos
fundamentais para a realização da pesquisa, primeiro os objetos, segundo as paisagens e
terceiro os resultados da interação entre as duas coisas. Por conseguinte, Gamble sustenta
que o mais importante no estudo de cultura material não são os objetos, mas sim as pessoas,
ou seja, a própria condição humana.
ɽɿ
estéticos para essa comunidade, quais objetos são essencialmente utilitários ou ambos estão
associados? Em quarto está a história desta arte, onde pretende estabelecer datas para esses
objetos e também procura atribui-los a uma determinada localidade. Além disso, procurar
identificar períodos e tendências através do tempo e espaço.
ɾɶ
traduzida como violão de Ñanderú, o principal papel dela é difundir sons e melodias. Não
somente uma, mas várias- seguir uma frequência carregada de notas musicais, uma
verdadeira harmonia sinfônica.
Figura I. Mapa da Reserva Indígenas de Dourados (Aldeia Jaguapirú e Aldeia Bororó) em Mato Grosso do
Sul- onde a maior parte da pesquisa foi realizada. Fonte: Google, 2019.
O povo Guarani são os únicos que se reconhecem como tal, embora chamados de
forma pejorativa de Ñandeva por muitos estudiosos- mesmo que seja indiretamente, o
desenvolvimento das considerações ao logo do texto, segue o modo de pensar Guarani, sua
lógica, cosmovisão, particularidades do mundo holístico. A escrita caminha por sobre a trilha
de um afastamento forçado ou não, da convivência com os seus familiares ou com quem se
tem afinidade, tendo como foco os objetos que foram levados desta etnia e se encontram
hoje em vários museus.
ɾɷ
razão da ausência do bem viver, o artefato precisa ajudar a sua comunidade, por isso longe
perde totalmente sua essência natural.
Figura II. Morro do Chapéu (Serra de Maracaju) - Aquidauana/MS. Fonte: Mapio.net (2019).
Não desenvolve uma visão crítica sobre o caminho do exilio sofrido pelos objetos
sagrados, no processo de coleta livre ou forçada, da exposição obrigada, que resvala na
própria representação da cultura, considerando que na luta pela sobrevivência os povos
indígenas reformulam, reinterpretam, ressignificam suas culturas e sociedades para manter-
se vivos. Acreditamos que os Guarani são um povo extremamente resistente, onde ao longo
da história passou por tantas coisas ruins, violências horripilantes sem precedentes. Neste
sentido, Vitorina Ivarra narra- que seus irmãos foram levados de suas comunidades para ser
escravos de fazendeiros, frisou que sua mãe Eulalia deu um Mbaraká para cada um dele,
ɾɹ
forma de proteção- ir cantada pelo caminho, que poderá um dia poderá retornar, fazer uma
nova história.
Dona Tereza Guarani- nos disse que as amostras de arco e flecha, zarabatana, tacapes,
bordunas entre outras, induz a ideia de uma inferioridade tecnológica, bélica, se confrontada
com as armas de fogo do colonizador, uma primitividade, frente a uma ideia de civilização,
ou um estágio de barbárie ou mesmo outros objetos da cultura material, representados no
mais das vezes como algo exótico. O trato dos achados arqueológicos e antropológicos, tem
o cuidado, mas não exatamente o respeito a toda simbologia do sagrado, de um universo
intangível. Este cuidado é para que a memória ali presente, não seja apenas uma relíquia a
mais ou simplesmente prova material de um passado tradicional ou ainda ser categorizado
como patrimônio cultural. Por assim dizer, há tensões e disputas nesse trilhar caminhos de
uma representatividade, espaços mesmo de poder, especialmente se considerarmos que não
há uma continuidade da vida dos objetos, mas sim um congelamento no tempo.
ɾɺ
1998 um importante Xirú foi roubado e posteriormente recaiu uma praga sobre a Reserva
Indígena de Dourados (RID), onde um espírito maligno se apropriou do artefato e quase
gerou uma guerra entre os Guarani e os Kaiowá, mas muitos Nhanderú e Nhandesy rezaram
dias e noites e os mal espíritos se retiraram, mas mesmo assim deixou sequelas na
comunidade, que segundo o mesmo até o presente momento se sentem.
ɾɻ
Figura III. Artes Guarani em variadas formas. Fonte: Moraes, 2012.
A partir dos postulados anterior, compreendemos que os objetos expostos nos museus
sofrem inicialmente dois sintomas do trauma de estar no exílio: a) o silencio do concreto e
do aço; b) as indiferenças de quem os visitam, em sua prisão de vidro. Desta maneira, os
objetos têm uma identidade e alteridade, que caminham lado a lado, assim como a
semelhança/diferença; assim quem visita a exposição, direciona o seu olhar sempre se
acercando de comparações entre uma cultura e outra, o que quase sempre redunda em
conflitos de olhares, juízo de valores dissonantes, mesmo porque as pessoas são diferentes.
Portanto, a comparação é uma imprudência metodológica, podendo se apresentar ingênua,
enganosa e corromper quem está a observar, quando o que se quer de imediato é encontrar
diferenças ou contrastes, como nos ajuda a pensar Moreira (2005).
ɾɼ
Neste contexto- os objetos sagrados Guarani nos museus ou exposições, muito
provavelmente começam a sofrer de saudades, de sua vida social, de seus companheiros
humanos, das conversas, das danças rituais dos quais faziam parte inicialmente. A partir de
diálogo com várias lideranças, percebemos que certamente por sentirem-se sozinhos os
objetos começam a sentir a pressão dos olhares estranhos, de pessoas que não falam a sua
linguagem, não o entendem, não são amigas, não há comunicação, entendimento neste
processo tão doloroso. Esse ser/objeto ouve apenas ecos de sons insignificantes e a cena se
repete diariamente, anos após anos, então chega o stress. Portanto, sente falta do seu Tekohá,
do seu povo, dos seus animais, das suas plantas, pois ele é parte desse ambiente.
Figura IV: Xirú Ambá Guarani em frente da casa de reza. Detalhe este Xirú é mais conhecido pela terminologia
Ambá Celestial ou Kurusú Ambá Kuera (onde repousam as almas/espíritos de Nhanderú e Nhandesy). Fonte:
arquivo pessoal, 2018.
No decorrer de nossa investigação, também pudemos notar que onde estão enterrados
os seus antepassados, representando o seu poder sócio- cultural, as artes Guarani reinventam
a sua cosmologia, no qual cada planta, animal, pedra, tem a sua importância para a
ɾɽ
comunidade. É o ambiente onde desenvolvem as suas epistemologias, formas de pensar, agir
e ver o mundo- onde os objetos participam direta e indiretamente nas multiplicas relações
imbricadas no Tekohá. Assim, não restam dúvidas que o território é todo o conjunto de seres,
espíritos, bens, conhecimentos, usos e tradições. É onde se articula, define e mobiliza as
pessoas em torno de um bem comum, garantindo a vida individual e coletiva. Portanto, é
sempre a referência à ancestralidade, à formação de sua cosmologia e de sua rede de
significações, onde passado e presente estão em constante sintonia, vivos e mortos habitam
o mesmo espaço, onde estão os heróis que povoam as histórias e as memórias.
ɾɾ
provido de alma, a terra também adoece e somente um/a verdadeiro/a Ñanderú ou Ñandesy
poderá curá-la; sua doença é um mal espiritual e quando ela se torna enferma, todos os que
dependem dela adoecem juntos- a causar um efeito dominó, por isso mesmo é fundamental
que os líderes espirituais dotados dos objetos sagrados precisam se mobilizar sempre,
principalmente promover o Jeroky Puku (dança ritualística mais longa).
Figura V. Mymby Guarani (também conhecida por Mimbiretá, Mïmbïretá, Mymbyretá, Mimbi-reta,
Mimbireta). Esta flauta é composta de tubos e poros em geral tocados por mulheres com jogos de 3 a 4,
estabelecendo uma diafonia com um ostinato e uma melodia de frases muitos breves imitando pelo canto geral
das aves. Fonte: Instrumundo, 2013.
Retornando a discussão que envolve a retiradas dos objetos do Tekohá- fica evidente
que esses objetos sagrados são obrigado a manter-se afastado dos seus pares, com os quais
o relacionamento pode ser sucursal e pela razão de viver uma inercia existencial na
exposição, uma verdadeira melancolia social, não ter se (re) significado no local onde foi
suplantado, sua risibilidade se altera em razão de todos os seus direitos serem entravados,
desconfigurada sua condição de agencia ativa e desprezadas as suas intencionalidades, assim
como a sua benevolência, sensibilidade e essência também transformam-se bruscamente.
Figura VI. Meninas Guarani tocando Mymby. Fonte: Blog Bitácora, 2013.
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Entendemos que todos esses objetos considerados sagrados pela cosmologia Guarani,
tais como: Xirú, Mbaraká, Mymby, Takuapú, Ambá são extremamente importantes,
possamos dizer que eles dão os ritmos do Tekó Porã (modo correto de ser Guarani) dentro
do Tekohá. Desta forma perguntamos para Dona Tereza, o que realmente acontece, caso os
objetos estejam no exílio- ela nos respondeu: eles param de trilhar o caminho de luz, o
caminho de esperança, o caminho da renovação, se está preso, distante- se torna apenas um
objeto à toa, corrobora. Nele se transfiguram os desejos de uma terra pródiga com seus filhos
e com suas filhas, terra que seja fértil, dê fartura e seja propícia para as boas palavras, o bem
viver. Assim, Almires nos disVH³pFRPRVHIRVVHSRVVtYHODOFDQçar a perfeição, sem precisar
UHVROYHU R FRQIOLWR FRP RV QRYRV FRORQL]DGRUHV RV YLVLWDQWHV GR PXVHX´ 3RUWDQWR
consideramos a cultura como um conjunto de experiências vivenciadas, assim como
respostas aos desafios enfrentados no cotidiano, onde haverá uma constante
(re)contextualização a considerar a dinâmica espacial-temporal e o modo de ser, mas o
exilado está impossibilitado de tal ação, pois foi bloqueado na sua embalagem protetora.
Em nossa vivencia realizada nos anos de 2017, 2018 e 2019, na comunidade de Dona
Tereza- nos faz compreender que esse modo de ser ensina não exclusivamente a austeridade,
mas, principalmente ser/tornar pessoa agradável, satisfeito, fadada, prestativa, onde tudo é
motivo de riso, graça; não sem singeleza somos também o povo do sorridente e caridoso,
como me disse a Xamã. As Oga (casas) ou em qualquer lugar, onde os Guarani ficam
reunidos a cantar com seus instrumentos sagrados, sempre alguém representa algo, faz rir,
faz o disforme torna-se exuberante/belo, o desagradável ser benévolo/humano, as memórias
de outrora ganhar vidas novas, vidas de esperanças, reviver sonhos antigos. Assim, o
Mbaraka Ju faz uma alma que perambula pelos esconderijos da deslembrança e sofrimento,
regredir a si e se recordar que é Guarani, que mesmo a fazer uso de metáfora, ela tem a sua
dádiva. Portanto, os líderes Guarani ensinam as crianças e jovens que a vida também é
humor, é rir, afetos, compartilhar, sonhar, estar junto, ser um povo, ainda que diferente, no
entanto que conhece os caminhos da alegria, sobretudo, acreditam que os diferentes moldam
o universo. Desta maneira, entendemos que a filosofia de vida e arte Guarani é caminhar,
percorrer a estrada do destino, guiado sempre pelo Ayvú (som/falar-advinda do plano
imaterial/subjetivo) - ³QRVVRHVWLORGHYLYHUpVHUHHVWDUVHPSUHEHPGLYHUWLGRV´FRPRQRV
relatou a artesã Guarani Dona Maria Avá Guarani. Destarte, isso significa que os artefatos
ɿɶ
exilados não conseguem atingir e, por isso mesmo traz consequências graves para as
parentelas Guarani, dentro e fora da comunidade.
ɿɷ
florestas densas, no qual o Xirú em formato de cruz chamou muito atenção dos europeus,
muito chegando a entender que os Guarani eram católicos, mas cabe destacar que esse objeto
não tem absolutamente nada a ver com o crucifixo, enfatiza.
Percebemos em nossa pesquisa que uma aflição sempre presente flutua sobre e/na
prescrição de limites territoriais com a demarcação de território para o Guarani e a posteriori
acompanhada de marcos limítrofes, da intimidação constantes. Não obstante, a sua lógica
está ancorada na concepção de liberdade e o território, sem limites que impossibilitam o
Oguatá (caminhada para o futuro). Sem embargo, aparente uma antítese, as fronteiras e as
cercas não são parâmetro de/para a configuração de um Ñandé Aikóhara (onde Guarani
vivem), se as mesmas são necessárias, não impedem a caminhada, apenas dificultam, sendo
ignoradas e transpostas o tempo inteiro, pois o que determina o limite do Tekohá são as
relações de afinidade ou inimizade, dado que as linhas étnicas são fluidas.
ɿɸ
Por assim dizer, as metáforas usadas para assinalar as características da mãe terra,
são geralmente ligadas ao Reté (corpo Guarani), relacionadas as funções primárias de
alimentação, descanso e trabalho diário. Assim, os rituais ligados aos Ñemongarai (batismo)
e os Jeroky (danças) têm por função mantê-la com a saúde equilibrada, livre de doenças ou
qualquer outro mal, razão das longas ÑHPER¶H (orações) e os Purahei/Mboraei (cânticos de
invocação), que atravessam a noite, onde os objetos sagrados como Xirú, Mbaraká e Mymby
são extremamente fundamentais. Fica evidente que o Xirú é o objeto mais sagrado dos
Guarani, porém não podemos dizer que ele é o mais importante, pois todos os objetos
possuem suas importâncias- como se fosse um elo conectados, dotadas de essências,
fragrâncias.
ɿɹ
modelos a serem seguidos pelas futuras gerações, a educação se faz presente como uma
necessidade de se fazer sentir e se fazer ser social e pertencer a coletividade e para esta
contribuir para sua existência.
ɿɺ
Figura VII: Fotografia histórica de Guarani portando os objetos sagrados, tais como: Mbaraká, Xirú,
Takuapú/Taquarapukuera, onde percebe-se que um Mitã (menino) carrega um Mbaraká. É importante destacar
que o Xirú em formato de crucifixo não é uma influência do Catolicismo, o Xirú muito antes das chegadas dos
colonizadores já era utilizado pelos Tupi-Guarani. Fonte: Egon Shaden, 1949.
ɿɻ
a dança ritual. Quase sempre acontece de exercitar o seu Mbaraká por um certo tempo diante
do Yvyra Marangatu (altar) e o ÑHPER¶H (oração, encantamento) pode ser ou não audível a
todos. Portanto, caminha-se pelo terreiro da casa, em círculo, terminando na frente do altar,
fechando o formalismo inicial do ritual.
ɿɼ
feminina); o movimento corporal dos homens produz uma performance pelo terreiro do
Ogapysy, é chamado em duas das suas etapas mais usuais de ÑHPRQJX¶r (movimentar-se),
e a outra Ñemomisy (agachar-se).
A Kunã Karai Tereza Guarani, relatou-nos que o Guarani precisa cuidar da alma e
do corpo, ambas se alimentam e precisam de cuidados, considerando a crença que se possui
duas almas: a humana e a animal, deve-se estar sempre atento ao equilíbrio das mesmas, a
primeira é lugar da esperança, bondade, realizações profícuas, a segunda é o lugar do mal,
do receio, do medo, do desequilíbrio. Assim, na primeira repousa a divindade, razão do
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esforço para que a mesma tenha garantido o seu lugar na terra, onde não se morre mais,
alcançado pelo estado de alma chamado de Aguyjê; na segunda reside maldade, perigo, o
risco de ser condenado a ser um espectro que vaga na noite em forma de Anguere ou ser
transformado em Jepota- que na atualidade as crianças e os jovens Guarani intitulam de
espiritus kué.
O Mbaraká precisa ser exercitado nos locais de origem, os cânticos necessitam alçar
os caminhos do céu, a alma precisa ficar leve- afim de flutuar no espaço e a posteriori
deslocar-se para o local de destino. Se antes acreditava-se que poderia alcançá-la pela via
terrestre, rumando-se a leste ou oeste e atravessando o mar, hoje já se partilha o pensamento
que o caminho é o espiritual, para tanto é primordial que tudo volte ao seu lugar de princípio,
o território tradicional, juntamente com todos os seus objetos sagrados, de perto e os de
longe. Os que tem poder associado ao Mbaraká, os homens-deuses que percorrem
constantemente os caminhos do que é designado como Yvã Rapê Jara (caminho do céu), dia
após dia persistem no Jeroky, com Takuá e MbarakaY, nesse caminho onde humanos e
divindades repousam sob o mesmo teto no Ambá (aldeia celeste), onde exercitam o Ayvu
ÑH¶s (fala da alma), considerando os caminhos do céu é possível ver os seus rastos, do leste
(Ñandehovái) ao oeste (Ñandekupê).
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entanto o que os diferencia dos demais, é a capacidade de percepção em como proceder para
estar cada vez mais próximo de alcançar a perfeição, o Tekó Aguyjê. O cuidado que os
Yvyraijá tem durante o Jeroky, se explica porque assim como essências aromáticas se
fundem a pele, a essência ruim dos invisíveis que estão no caminho espiritual, podem ojá
(grudar) na pele do Ñanderú e com ele se fazer presente no Tekohá, a causar males súbitos,
doenças, desgraças, a razão de estar alerta e saber o momento certo de passar do Jeroky Hatã,
para o Jeroky Mbegüe.
Vejamos que nesta terra- o exercício é o de viver o mais correto possível, para não
se deixar levar pela animalidade da alma, em contraste o que vale é o exercício da
humanidade, que aproxima do modo de vida dos que estão na terra onde não se morre.
Lembrando que esse modo de ser não é exercitado por todos, com dito acima, faz parte do
livre arbítrio. A viagem em que o Mbaraka é o guia ou o marcador da condição da alma no
caminho trilhado, une o humano e o divino, nessa superação que é possível somente como a
boa conduta, o bom viver, ter boas maneiras de conduzir o ser, implica em ter acesso na
presença do divino. É a superação de limites de mundos que um dia não terão mais
separações- estará imbricado no outro.
Torna-se evidente que todo o esforço físico desprendido no Jeroky, resultam nos
sonhos que Ñanderu Vussu (Deus criador) envia ao Guarani, para que o mesmo saiba, como
proceder no dia de amanhã- mostrando as coisas que irão acontecer, é o futuro sendo
revelado por meio dos sonhos. Assim, uma caminhada ou visita a uma parentela distante
pode e quase sempre se inicia com um sonho. Nas caminhadas exercita-se um saber fazer,
um conhecer, um aprendizado, pois como dito no início, o Mbaraká é guardião de
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conhecimentos, a agencia orientadora por onde seguir nos caminhos espirituais. Desta
maneira, caminha-se por diferentes lugares, adentram-se segredos da botânica, fauna e flora
são esquadrinhados, no caso de danças para cura, diferentes essências assomam-se para
compor o conjunto de um conhecer para saber fazer.
Desta forma, nos rituais religiosos e festivos, como em outros eventos sociais onde
se reúnem grandes coletivos, existem conexões e transformações múltiplas e estas estão
vinculadas as variadas formas de se pensar a cultura como um sistema de significados que é
transmitido e se comunicam historicamente, incorporado por meio de símbolos- sagrados ou
não- em um sistema de concepções herdadas e expressas em formas simbólicas por meio das
quais os homens desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida e a sua
práxis. Pensando um viés social de magnitude extensiva Guarani, para além de sua simples
forma de viver em grupo e se comunicar, esses sujeitos se constituem em atores capazes de
dinamizar sua vida individual e coletiva, porém, sempre necessitando de elementos capazes
de entrelaçar seu sentimento aos do grupo social do qual está imerso.
ɷɶɶ
seja ela no seio da família, na comunidade ou na escola- neste sentido podemos evidenciar
a abordagem apresentada por Baniwa (2006) em que conecta educação à socialização de
indivíduos e suas práticas coletivas.
Corroboramos ainda que povo Guarani possui muitos saberes míticos que orientam
sua organização social, dos quais são transmitidos há outras gerações por meio das histórias
contadas e cantadas- por assim dizer, o canto exerce importância primaz para sua existência
e para a perpetuação de suas tradições, além de garantir a reprodução cultural de sua
sociedade ou cultura. Este é ensinado desde a maturidade e realizado para que seja propagado
e não haja o fim terreno do povo. Outro elemento importante para entender a organização
social propriamente Guarani é conectar ao processo educacional familiar- que são os
princípios cosmológicos, pois estes se constituem como fator essencial para se entender a
origem e a própria concepção de existência do povo Guarani, que mantém relações múltiplas
e intrínsecas com os objetos sagrados-ritualísticos.
ɷɶɷ
Figura VIII. Rezadores Guarani em Brasília- portanto objetos sagrados (Xirú, Mbaraká e Takuapú). Fonte:
CIMI, 2019.
Digamos ainda que em atenção ao que preconiza Baniwa (2006), percebemos que
esse processo educacional desenvolvido nas práticas rituais e ampliado pelos mitos e nas
tradições orais passadas pelas gerações anteriores é fundamental para a transmissão e
produção dos conhecimentos tradicionais indígenas, além de se constituir em um importante
instrumento de fortalecimento de culturas e das identidades individuais e coletivas. Neste
sentido- cabe falar dos Ivyrá Ijá Kuera (xamã em processo de iniciação, ajudante de Ñanderú
e Ñandesy nos rituais). Sendo também um forte elemento constituinte para o estabelecimento
de direitos e busca por outros não conquistados ainda ou violados por não-indígenas ao longo
da história. É ao falar de arte, artefato, objeto, agência, eficácia Guarani é trazer à tona as
memórias que ainda estão vivas através do simbolismo, mas também presente na
materialidade. No limiar, gostaríamos de mencionar- por qual motivo utilizamos a
terminologia ou categoria ontografia Guarani- principalmente, pelos fatos de objetos
sagrados fazer parte intimamente da vida em comunidade, assim embasa-se na experiencia
através das diversas representações que eles são capazes de proporcionar aos grupos ou ainda
há uma parentela. Evidentemente que nosso objetivo não é fazer uma investigação filosófica-
talvez, no máximo uma etnografia ontológica ameríndia da arte.
ɷɶɸ
Portanto, para finalizar este artigo falaremos da relação que há entre cosmologia e
³REMHWRV´ VDJUDGRV *XDUDQL 'HVVD IRUPD WUDWDQGR-se de processos específicos e
particulares, os artefatos sagrados Guarani são usadas, sobretudo nos seguintes processos
ritualísticos: Jerosy Puku (canto-dança longo), Jerosy Mbyky (canto curto), fHPER¶H
.XQXPL 0ERUR¶\KD (ritual de perfuração de meninos afim de acalmar), Ñevanga (ritual
doméstico- um dos mais antigo que ainda se praticam entre os Guarani), 3RURPRWƭKD (fazer
retroceder algo ou alguém- afim de resolver conflitos internos nas comunidades ou
parentelas), Poromondoha (conduzir o/a Ñanderú e Ñandesy para o plano ou terreno
espiritual), Ñemoeondeha (palavra bem sucedida- encontrar algo buscado como animais,
caça e pesca), fHPER¶H fHKRYDLWƭ (ritual de enfretamento- principalmente afim de evitar o
suicídio na comunidade), fH¶×HQJDUDL (palavra má ou maldição- ritual de conhecer os
espíritos malignos para posterior evitar)- sempre guiado por um ou uma líder espiritual
diferentemente dos Kaiowá e Mbyá.
Para concluir- gostaríamos de enfatizar que Umberto Eco (1988) e Charles Sanders
Peirce (1983) foram fundamentais para a finalização desta investigação, sobretudo ao
corroborar que os artefatos sagrados Guarani podem ser interpretados como mantenedores
de ordem dentro da comunidade (Tekohá 'HVVD IRUPD RV ³REMHWRV´ *XDUDQL GHQWUR GD
comunidade pode indicar designação, semelhança, analogia, alegoria, metonímia, metáfora,
simbolismo, significação e principalmente comunicação- indo muito além da linguagem,
onde signos se entrelaçam nessa complexidade. Peirce (1983), embasado em sua obra
intitulado Estudos coligidos fala da concepção tríade do homem- isso também transcorrem
entre as artes Guarani que passam pela primeiridade, secundidade e terceiridade. Na
primeira está a mentalidade do seu produtor/artesão, na segunda está a representatividade e
pertencimento e no terceiro está o significado real afim de representar efetivamente o Tekohá
Guarani. Dito isso- os artefatos ganham vidas e biografias nos ícones (proximidade sensorial
e emotiva), índices (representação subjetivo e intersubjetivo) e símbolo (ideias- uma
verdadeira lei para a etnia).
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+,67Ï5,$25*$1,=$d262&,$/32/Ë7,&$(&21Ð0,&$(
352'8d2'($57(6*8$5$1,
Resumo: O presente artigo traz informações sobre a Aldeia Jaguapirú e Aldeia Bororó-
localizada no município de Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul (Centro-Oeste do
Brasil). A investigação foi desenvolvida no Mestrado em Antropologia da Universidade
Federal da Grande Dourados entre os anos de 2017, 2018 e 2019. Dessa forma, perpassamos
por questões que envolvem história, organização social, política, econômica até adentrar nas
produções de artes, artefatos e objetos sagrados e ritualísticos Guarani. Portanto, o nosso
objetivo é realizar uma análise, descrição e posterior interpretação das múltiplas nuances,
conceitos ou categorias que envolvem esse coletivo, que na atualidade contemporânea
encontram-se numa situação extremamente emblemática, sobretudo a envolver o Yvy (terra).
Instituída no ano de 1917, pelo Decreto 401 do Presidente do então Estado do Mato
Grosso, obtendo o título definitivo em 1965. Mas a concessão foi feita pelo governo federal
junto a Companhia Matte Laranjeira, já no ano de 1883. Sobre esse evento histórico,
Monteiro postulam os seguintes itens:
ɷɶɼ
consanguíneos, não levaram em consideração quem os ofereceu hospitalidade, não
respeitando quem tinha o poder de decisão, no local onde estavam sendo aceitos ainda que
temporariamente.
Nesse sentido toma vulto acusações de feitiçaria, insultos, ameaças, tudo em razão
de controlar o poder político, muito embora as interferências externas potencializassem o
fato e pessoas (mediadores) de uma representatividade que não possuem, carecendo de
legitimidade, pois quem conhece a aldeia e seus bastidores são os que nela vivem e exploram
possibilidades práticas de mediação e as relações de poder, que envolve o econômico, o
político, o prestígio, idoneidade, dependência ou subordinação, dilemas não resolvidos nessa
teia de significações.
ɷɶɽ
um cachorrinho magro amarrado no esteio do acampamento), a partir de
então recebeu o nome de Jaguapirú. Esse relato sempre ouvia de meu avô
paterno. 3 Quando ainda pequeno, uns três anos de idade, passei muito mal,
os médicos da missão caiuás, não sabiam o que eu tinha, de certeza era que
estava morrendo, com doença de índio como diziam. Meus pais, segundo
FRQWDPLQKDPmHMiVH³GHVSHGLDP´GHPLPHVSHUDQGRVRPHQWHRFRUSR
esfriar. Então, a xe jary (avó) chega da changa (trabalho temporario em
fazendas). Ela foi avisada em sonhos que eu estava muito mal, saiu a pé da
ID]HQGDRQGHHVWDYDHODH[HUDP}LDY{FKHJDUDPHQWRDQGRDQKHPERெH
QKHெHQJDUDu VXSOLFDV FDQWDGDV HP ULWPR OHQWR RX ODPHQWR HQTXDQWR
cantava e dançava, ordenou que xe ramõi (avô), fosse colher ervas com as
quais me banharam e me deram de beber. Curado completamente, fui
batizado, recebi o meu ayvu rera (nome alma), mas é o nome que não se
pronuncia e no outro dia já brincava no oká (terreiro). Talvez em razão
GLVVRSDVVHLDVHUR³SUHIHULGR´GD[HMDU\DYyPDWHUQD2EVHUYRTXHDR
referir uma expressão em guarani, farei entre parênteses a possivel
tradução. Considerando a impossibilidade de traduzi-la faço anotação de
rodapé, dada as muitas possibilidades de tradução e/ou compreensão. Não
grafo as expressões Guarani em itálico, por ser falante da linguagem.
(MACHADO, 2015, p. 16).
Com o surgimento de 22 caciques no âmbito da RID, reclamando influência e poder
político, em contraponto aos capitães, novamente o conflito emerge em 1998, nas mesmas
proporções. Felizmente ninguém morreu dessa feita, mas muitas famílias foram expulsas da
convivência na aldeia, outras ficaram por jurarem não fazer política na comunidade.
Novamente as divergências não foram totalmente resolvidas, os dissensos persistem, a
aparente paz subjaz, o conflito se avizinha, é um barril de pólvora com pavio curto. Até onde
se conseguirá conviver, somente o tempo dirá.
Fui conhecer a RID pela primeira vez no ano de 2016 na companhia do experiente
professor Levi Marques Pereira, através da disciplina ministrada pelo meu atual orientador
SURIHVVRU5RGULJR/XL]6LPDVGH$JXLDUFRPEDVHQDGLVFLSOLQDLQWLWXODGD³DUWHFXOWXUD
PDWHULDO H DJHQFLD´ TXH QD RFDVLmR HUD PLQLVWUDGD SHOR professor Rodrigo, no curso de
graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal da Grande Dourados. Confesso que
até então meu interesse era seguir para Ciência Política, mas ao adentrar na Aldeia Jaguapirú
na presença de meus colegas e professor Levi, onde o mesmo nos levou para conhecer a casa
ɷɶɾ
de reza do Senhor Getúlio Guarani Kaiowá- que a época nos recebeu com boas vindas,
sorridente e feliz a nos receber juntamente com sua família.
A partir disso, um episódio marcou a minha vida para sempre, onde havia juntos com
DJHQWHXPDFROHJDHYDQJpOLFD³UDGLFDO´TXHGHVGHGRLQtFLRQmRTXHULDLUQDDOGHLDDSHVDU
de residir muito próximo da comunidade, me lembro como se fosse hoje, eu insistindo para
ela a nos acompanhar, frisando será um momento único em sua vida, que provavelmente
será inesquecível, mas mesmo assim a mesma mantinha resistência, mas no fim depois de
muitas insistências acabou topando em ir com a gente e professor Levi.
(OD IRLFRPPXLWR PHGR VHPSUH PH GL]LD ³VHUi TXH HOHV YmR UH]DUHP PLP, que
poderá me fazer muito mal, meu pastor diz que se eu for lá, poderei ser condenada a ir no
inferno, me disse que eles usam artefatos diabólicos, me parece que se chama Xirú e outro
0EDUDNiVmRIHLRVHFDUUHJDGRVGHPDJLDVQHJUDV´(HXVHPSUHGL]LDD ela, acalma-se, a
gente precisa abrir a nossa mente, sobretudo, vislumbrar novos horizontes de possibilidades,
mas ela sempre com muito medo, tremia muito.
Assim, ao chegar na casa do Karai Getúlio Avá, ela foi sentar bem longe dos demais,
onde chamou atenção do experiente Nhanderú, onde parecia que o mesmo sentia que a nossa
colega o incomodava com seu olhar desesperador. Assim o Xamã começou a dizer se acalma
moça, todos nós somos filhos de Nhanderú que nada mais significa Deus. A partir daí ela
começou a perder o medo inicial, mas ainda com receio- posteriormente o experiente
Guarani Kaiowá nos convidou para entramos na casa de reza chamada de Ogapysy recheadas
de artefatos tais como: (;LU~0EDUDNi7DNXDS~9DQFR,¶*XLUiNXHUD9LFKRNXHUD.XUXV~
Ambá Kuera, Po'y, Mbo'y, Poapykwaha, Jegwaka e outros).
Dito isso, confesso que os objetos ou artefatos que se encontravam ali me chamou
muito atenção, imediatamente comecei a indagar- seu Getúlio, me diz uma coisa se for
possível fazendo favor- já teve alguém interessados em pesquisar os conjuntos de artes que
aqui se encontram, e o mesmo me disse- para te falar bem a verdade, quase ninguém, no
máximo eles querem saber do Xirú e do Mbaraká, mas bem relativo. Realmente há pouca
procura e, julgo que precisa ser mais investigado, disse-me na oportunidade. Isso me chamou
atenção de verdade, antes já havia lido várias monografias de mestrado e doutorado e alguns
artigos a envolver o universo Guarani, mas sempre os artefatos eram tratadas de formas
contextuais e, cabe destacar que não estou a reduzir a importância do imenso trabalhos que
foram elaborados ao longo da história sobre os Guarani, entendia talvez que algo precisa ser
ɷɶɿ
feito, sobretudo investigar a dinâmica que diferenciam os Guarani do Kaiowá com bases em
dados artísticos, mas no final de minha pesquisa, vejo que isso pode ser irracional, pois é
quase impossível segregar famílias, onde há pessoa que possui ascendência materna Guarani
e ascendência paterna Kaiowá- só depois de mergulhar no mundo Guarani pude perceber o
quão complexos e dilatados essas nuances de diferenciação.
Kunã Karai Guarani- como é chamada na Aldeia, Dona Tereza me ensinou muitas
coisas- uma experiencia inesquecível, que levarei para a minha vida inteira. Assim a Xamã,
ɷɷɶ
me disse em sua residência, conhecida como Ogapisy, que cabe aos pais e filhos o papel de
distribuir as famílias pela comunidade, plantar suas roças, utilizar os recursos disponíveis no
ambiente natural- esse contexto familiar é denominado por estudo de parentesco de família
nuclear. Portanto, durante a minha estadia na casa de Dona Tereza Guarani, percebi que
PXLWDVIDPtOLDVDLQGDPDQWpPYLYDVDWUDGLomR³SXUD´ Guarani de ser e viver no Tekohá,
onde geralmente em cada comunidade há uma casa de reza com um altar chamada de 0ED¶H
Marangatú, para a realização do Jeroky Pukú e Jeroky Mimky (dança ou ritual longa e curta),
de acorda com Dona Maria Guarani, outra importante liderança pode ser interpretada como
os rituais mais importantes e sagrados dos Guarani, onde os artefatos sagrados são
imprescindíveis.
Karai Renato Guarani- outra liderança política de grande relevância para os Guarani
da Reserva Indígena de Dourados (RID) me disse que antigamente os homens (Rajero)
casavam- entre 15 e 20 anos, enquanto as mulheres (Kunã) casavam-se a partir da terceira
menstruação, por volta de 13 e 15 anos- mas o mesmo me relatou também que esse processo
sofreu grande alteração nos últimos anos, sobretudo por influência da sociedade ocidental.
De acordo com Dona Rosangela Guarani- uma importante liderança da nova geração, a
tradição Guarani de outrora, mas ainda mantida viva na atualidade faz que a menina (Mitã
Kunã), na primeira menstruação cortasse ou corta o cabelo e mantém resguardada dentro de
sua casa (Oga), por volta de um mês, onde fica impossibilitada de sair, nesse contexto recebe
alimento e agua.
No que tangem ao casamento, os Guarani, de acordo com Dona Maria e Dona Tereza,
hão variações a depender exclusivamente da parentela- mas uma coisa é certa, cabe aos pais
do rapaz (Ymenarã) entrar em contato e posteriormente se dirigir a residência dos pais da
moça (Kunãtãy), pedindo a mão de sua filha (Tajira). Dessa forma, Jaqueline Guarani, que
há pouco tempo havia passado por esse processo matrimonial, me indagou que os pais da
moça somente aceitam o pedido, caso julga adequado a maturidade do pretendente,
sobretudo, ser capaz de gerir uma casa. Jaqueline ainda me disse que para ser aceito, o rapaz
jamais pode ter sido reprovado por outros pais anteriormente e nem ser reprovado por má
conduta (Tekó Vay) dentro da comunidade Guarani. Para finalizar, me disse que caso, uma
Guarani vier casar-se com um Kaiowá seria a condenação da família, uma verdadeira
desgraça, indagou. Portanto, vejo que há uma relação de perversidade muito representativo
entre os Guarani e Kaiowá, poucas vezes debatidos e nas maiorias das vezes ignorados pelos
antropólogos, historiadores, geógrafos- os ditos guaraniólogos. Meu objetivo aqui não é
ɷɷɷ
fazer uma descrição precisa desse processo, muito pelo contrário, fazer uma pesquisa
HWQRJUiILFDV D SDUWLU GRV ³REMHWRV´ VDJUados Guarani, mas essas questões precisam
urgentemente ser debatidos na academia.
ɷɷɸ
tema. Mas voltando a falar genericamente sobre assunto, entendo que o Tamoy (avô) e Jary
(avó), Nhanderú (guia espiritual homem), Nhandesy (guia espiritual mulher) são os mais
importantes, pois através deles que sem mantém a tradição e oralidade Nhandeva ao longo
da história. Também verifiquei em minha pesquisa, que os Nhandeva não precisam
exclusivamente viver todos juntos, é importante, mas muitos lembram constantemente dos
parentes que residem distantes- dessa forma, os vínculos familiares não se perdem, muito
pelo contrário, são realçados o tempo inteiro, onde a terminologia Oguatá (caminhar/andar)
sempre requisitados entre os Guarani Nhandeva da Aldeias Jaguapirú e Bororó.
Dito isso, cada Tekohá (território Guarani Nhandeva), é constituída por uma
OLGHUDQoDRXVLPSOHVPHQWH³FKHIH´³FDSLWmRRXDLQGD³FDFLTXH´pLPSRUWDQWHPHQFLRQDU
que todas essas categorias analíticas tratam-se de termos gerados pelos colonizadores ao
longo da história, sobretudo, para se referir a pessoa que ditam leis, regras ou normas, não
somente em sociedades Nhandeva, mas em todas as etnias indígenas presentes no Brasil,
mas fica claro que essa terminologia ganhou mais força ou notoriedade em território Guarani,
principalmente por tratar- se de interesse do Estado brasileiro em explorar em essa região.
ɷɷɹ
O espaço de discussão dos Guarani Nhandeva e também Kaiowá e mais recentemente
os poucos Terena que residem nas Aldeias Jaguapirú e Bororó é o Aty Guassú (grande
assembleia), encontros de lideranças, onde as demandas são levadas para as pautas. Essa
assembleia foi amplamente discutida e elaborada pela tese de doutorado de Spensy Kmitta
Pimentel intitulado Elementos para uma teoria política kaiowá e guarani (2012). Onde o
pesquisador percebeu que o Aty Guassú mobiliza todas as comunidades existentes na
Reserva Indígena de Dourados (RID), se tornou o evento mais importante para os Nhandeva
e os Kaiowá nos últimos tempos. Dessa forma, muitos políticos de Dourados, Mato Grosso
do Sul e da União participam do evento. Em minha investigação e ao participar desse evento,
pude perceber que há muitas negociações entre as lideranças locais e os de fora, vi também
que há subgrupos Nhandeva, onde cada um é responsável por um setor- como saúde,
educação, saneamento básico, religião, construção, equipamentos no Tekohá, punição, etc.
ɷɷɺ
(7DQJXDQUH¶H), abóbora (Andaí), mamão (Mamone), laranja (Naranrra), banana (Paková),
amendoim (Manduví), feijão (Kumandá), arroz (arró), fumo (Penty), remédios (Pohã
Nhanã). Dona Tereza me disse na oportunidade ao apontar para a roça ali está a nossa vida,
a nossa existência, a nossa história, a nossa memória, e por que não- a nossa arte. Almires
ainda me relatou, que o Avatí Morontí (milho branco) é diferente do Avatí Sayjú (milho
amarelo) - o primeiro é sagrado para os Guarani Nhandeva, em que jamais poderá ser
comercializada- é um elemento centralizador no ritual Avatí Kiry (batismo do milho).
Mais do que uma atividade ritual religiosa, a festa do milho novo condiz em um
momento de congraçamento e união entre os povos indígenas e membros convidados e uma
maneira de apresentar uma cultura de resistência aos modelos impostos pela sociedade não
indtJHQD 'H RXWUR PRGR *HHUW] S QRV GL] TXH ³SRGHPRV FKDPDU HVVDV
cerimônias totais de "realizações culturais" e observar que elas representam não apenas o
ponto no qual os aspectos deposicionais e conceptuais da vida religiosa convergem para o
crente, mas também o ponto no qual pode ser melhor examinada pelo observador a interação
HQWUHHOHV´O ritual Avatí Kiry foi pesquisado por Raul Claudio Lima Falcão no Mestrado
em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados, cujo título é Avatikyry: o
ritual do milho saboró entre os Kaiowa de Panambizinho-Dourados-MS, defendida em 2018.
Por fim, Dona Tereza Guarani Nhandeva me disse na presença de sua filha-
conhecida por 1KDQGHV\¶L (pequena rezadora), que nesse processo cabe a Kunã (mulheres)
a tarefa de pilar o milho e consequentemente preparar a tão famosa Chicha, fazer o Xipákuera
(chipa). O milho é um item fundamental, pois através dela pode ser feitos muitas coisas
como: farinha (Avatikuí), farinha de milho acompanhada de banha de porco (HX¶LN\UD.XUp),
farinha de milho misturada com mandioca (+X¶L5RYDMD0DQGLy), chipa embrulhada com
folhas (Xipá Mbixi), farinha de milho misturada na panela quente (Mbeju), milho assado
(Avatí Mbixi), milho assado em formato de bolo (Xipa Perõ), milho misturado com batata
(Xipa Jetyiru), mingau (Mbaipy), milho ralado (Kãguyjy Miri), pipoca (Avati Pororó), resto
de milho (Avatí Kuerreguaré), etc.
ɷɷɻ
³PDQLSXODP´RVUHFXUVRVH[LVWHQWHVQRVDPELHQWHVQDWXUDLV. Dessa forma, o que mais me
chamou atenção de imediato, foi o cuidado em manusear a terra, chamado por eles de Ivy.
De acordo com Kari Renato Guarani- os Guarani usufruem do Tekohá com cautela, pois se
caso ofende a terra, Nhanderú não irá gostar, porque ele mesmo deixou a terra para a boa
convivência- em hipótese algum poderá judiar dela, me indagou. Almires finalizou a me
dizer, há algum tempo vários agrônomos passaram por aqui- fazendo vários perguntas e se
surpreenderam com nós Guarani, principalmente pela nossa organização a envolver o Ivy-
bem dinâmico e estruturado, não faltando absolutamente nada- chamou a nossa técnica de
atividade ou manejo Agroflorestal- interligar caça, pesca e coleta ao mesmo tempo, sempre
tomando em cuidado em não destruir permanentemente os recursos disponíveis, corroborou.
Por fim, visualizei que muitos Guarani trabalham com vendas-além de vendas de
artes como pulseiras, colares, brincos, cestarias coloridas, miniaturas de animais; também
comercializam produtos oriundos de rosas como mandioca, milho, batata, ovos, frutas- assim
comercializam em mercados locais, fora da aldeia de forma ambulantes em carroças e
entregas, onde as crianças vão juntas- sempre na presença e um ou mais Jaguá (cachorro)
pelas ruas de Dourados/MS. Muitos ainda trabalham em fazendas em arredores dos Tekohá,
outros trabalham em prefeituras de cidades vizinhas- além de Dourados, Douradina, Fátima
do Sul, Rio Brilhante, Ponta Porã- em muitos casos em situação de vulnerabilidade extrema
TXHDRPHXYHUSDVVDGHVSHUFHELGRSHODVDXWRULGDGHV³FRPSHWHQWHV´
ɷɷɼ
social Guarani e Kaiowá baseia-se em dois princípios metafísicos: ore e pavém. Estes se
constituem enquanto um mecanismo que dispõe os sujeitos em relação às outras de forma
diferente. Assim, para compreendê-los, é preciso primeiramente reconhecer algumas
unidades sociológicas ou até mesmo ontológicas para então reconhecer os princípios que as
regem posteriormente- a cosmovisão dessas etnias, depois de tudo que já foi pesquisado,
ainda é cercado de mistérios.
Agora no que tange a unidade sociológica mínima, o experiente autor enfatiza que o
pertencimento a um fogo doméstico é pré-condição de existência humana e espiritual entre
os Guarani, isso de um modo geral significa que somente há existência social se a pessoa
pertencer a um determinado fogo (2004, p. 51-52). Esse fogo remete aos princípios
sociológicos, ontológicos e cosmológicos, pois a conduta dos integrantes deve seguir a dos
fundadores da humanidade Guarani, principalmente o Tekó Porã (caminho do bem) que é a
do casal viver com os filhos ao redor de seus fogos a ressignificar a sua cosmovisão.
ɷɷɽ
sem autonomia. Isso de uma forma geral significa dizer que sem a presença das mulheres o
Tekohá inexiste completamente.
No limiar de sua argumentação, o pensador destaca, que por não ser totalmente
autônomo, na unidade do fogo doméstico existe a possibilidade, muito frequente, de
associação de vários fogos, que ao se associarem, formam um núcleo de produção e
consumo, denominado Jehuvy 3(5(,5$S³Che jehuvy expressa a ideia da
convivência e autoajuda (Jehu = ajuda), ressaltando os laços de solidariedade presentes no
LQWHULRUGHVVDLQVWLWXLomR´3(5(,5$, p. 96). Esta é uma unidade intermediária entre
o fogo e a parentela, e é formada por parentes mais próximos e aliados. Nossa pesquisa
comprovou isso durante a nossa estadia na casa de Almires Martins Machado, onde várias
pessoas reuniram-se a demonstrar todos os repertórios, desde danças, cantos, comidas e
bebidas típicas.
ɷɷɾ
estes vetores são acionados a partir da figura central do cabeça de parentela
(PEREIRA, 2004, p. 91).
Retornando ao pensamento do etnólogo Egon Schaden (1962), que por sua vez,
DILUPD TXH ³VHJXQGR RV SDGU}HV WUDGLFLRQDLV D FKHILD SROtWLFD GR JUXSR FRLQFLGH FRP D
liderança carismática do sacerdote ou médico-feiticeiro (conhecido como Pajesero). Esta
pode ou não coincidir com a autoridade do chefe de família-JUDQGH´ , p. 99). Este
importante estudioso realizou pesquisas fundamentais entre os Kaiowá e Nhandeva Guarani
do então Sul de Mato Grosso, entre 1949-1951. Schaden (1962) também percebeu que em
alguns Tekohá ou aldeias Indígenas, a ação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) teve um
ɷɷɿ
papel significativo. Ainda sobre esse importante papel atribuído ao capitão nesta época,
Egon Schaden (1962) corrobora TXH HVWH HUDHVFROKLGR SRU³TXDOLGDGHV ItVLFDVFRUDJHP
generosidade, talento de comando e de orador, e mantido no cargo enquanto não aborreça a
FRPXQLGDGH´Sa dizer ainda que ele era mão direita do encarregado do SPI,
cabia a ele representar a parentela ou comunidade de um modo geral. Enquanto a chefia
política tradLFLRQDOp³GHEDVHHVWULWDPHQWHORFDO´6&+$'(1Sa atingir todo
o TekoháDFKHILDUHOLJLRVDVHULDPDLV³IDPLOLDO´DEUDQJHQGRXPJUXSRIRUPDGo por mais
de uma família ao redor do Nhanderú ou Nhandesy, que é a liderança religiosa (xamânica),
e constituindo uma proximidade:
ɷɸɶ
Com a Constituição de 1988, Mura (2006) corrobora que a redefinição institucional
da União (Estado Brasileiro ou poder federal) significou, nesse contexto, a atribuição da
defesa de minorias étnicas para o Ministério Público Federal. Para os Kaiowá e Guarani de
Mato Grosso do Sul, isso significou a extirpação formal do papel do chamado capitão
³IDYRUHFHQGR DVVLP R PDQLIHVWDU-se de uma pluralidade de lideranças tradicionais,
subjugadas durante as ~OWLPDVGpFDGDV´085$SPor conseguinte, em minha
pesquisa na RID pude perceber que a capitão ainda existe, mas não tem tanta importância
como em outrora recente. Mediante isso, Meyer (2014) através de sua dissertação de
mestrado corrobora os seguintes postulados:
De acordo com pesquisa recente realizada por Santos (2016), a formatação de chefia,
embasada na organização política tradicional (pelo reconhecimento da organização social da
família extensa e da liderança tradicional- Mburavicha), ou através do sistema da chamada
capitania (pois embora esta última tenha sido introduzida artificialmente de fora para dentro
da cultura Nhandeva e Kaiowá, transfigura nova forma de organização política
administrativa diferentes Tekohá, são modos diversos que expressam o princípio Pavêm. Já
para Pereira (2004, p. 147), esse fundamento, por sua vez, sintetiza a ³solidariedade
ampliada, geralmente exercida por homens (embora não exclusivamente), não diretamente
ɷɸɷ
ligada à parentela, e onde se exercita o contato com as divindades´. É por limiar, Santos
(2016), enxerga que a autoridade ritualística atua ou age diretamente na estrutura
cosmológica Guarani, principalmente com base na comunicação ou diálogos
(intercomunicação), ³onde se contradiz o ideal da união inspirada pelo Teko Katu (prática
de solidariedade e cooperação), por alguma rivalidade política dentro da parentela, onde
deveria haver a ampliação do horizonte social´ (SANTOS, 2016, p. 32).
Por fim, outra unidade sociológica, ainda mais ampliada, é o chamado Tekoha.
6HJXQGR 3HUHLUD HWLPRORJLFDPHQWH D SDODYUD p IXVmR GH GRLV WHUPRV ³Teko´ -
sistema de valores éticos e morais que orientam a conduta social (...), - e ha, que como sufixo
nominadoULQGLFDDDomRTXHVHUHDOL]D´Dito isso, em uma tradução literal ou aos pés das
letras, pode ser interpretada como o lugar em que a comunidade Nhandeva e Kaiowá ³YLYH
GHDFRUGRFRPVXDRUJDQL]DomRVRFLDOHVHXVLVWHPDFXOWXUDOFXOWXUD´S. Além
disso, Pereira (2004) corrobora esta unidade sociológica como uma rede de relações
cosmológicas (político, econômico, social, ideológico), como uma articulação entre dispares
comunidades ou parentelas.
O que é significa xamã? O que faz um xamã? O que é xamanismo? Essas e outras
perguntas foram formuladas, reformuladas e respondidas nos últimos 500 anos. Eles foram
perguntados pela primeira vez por viajantes e missionários nos séculos XVI e XVII, quando
encontraram as figuras performativas ambíguas da Sibéria, que praticavam técnicas de
êxtase para seus voos mágicos. Dito isso, no limiar do século XIX, os antropólogos e
historiadores estavam profundamente envolvidos em um discurso que buscava compreendê-
lo como um fenômeno indígena praticado por grupos aborígenes ou ameríndios que
compartilhavam histórias geográficas e culturais. Dessa maneira, desde a década de 1950, o
discurso antropológico tem sido acompanhado por intelectuais de outras disciplinas, bem
como por buscadores de práticas espirituais alternativas, interessados em drogas psicoativas,
estados alterados de potencial conscientH H WHUDSrXWLFR 0DLV UHFHQWHPHQWH RV ³QDWLYRV´
tornaram-se agentes importantes na multiplicidade de vozes. Portanto, ao invés de servir
como interlocutores para os antropólogos e demais pesquisadores que fazem as perguntas,
eles realizam xamanismos em uma variedade de contextos, e xamanismo e xamãs,
³DXWrQWLFRV´ RX QmR HPHUJHP GHVVH LQWHUFkPELR GH H[SHFtativas e interações
contemporâneas múltiplas.
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Embora o fenômeno xamanismo tenha sido tratado na antropologia e na história
como especificamente uma categoria primitiva, indígena ou ameríndia, a ascensão de rituais
xamânicos praticados nas áreas urbanas ou cidades em todo o mundo, nos obrigaram a rever
nossos modelos, conceitos, noções ou ainda metodologias analíticas interpretativos acerca
do mesmo. Por assim explicitar a difusão do xamanismo para culturas não indígenas é parte
de um contexto mais amplo de intercâmbio entre o local e o global que está no centro das
questões atuais na investigação antropológica sobre noções de cultura, tradição,
continuidade, lugar e tempo. Portanto em síntese o xamanismo não pode ser considerado
como uma filosofia ou lógica isolada sem considerar os contextos sociais, políticos,
econômicos, históricos e ideológicos de suas práxis.
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quantitativo na pesquisa desde a década de 1960 permitiu o crescimento qualitativo de
modelos teórico-analíticos para a compreensão e comparação das culturas das terras baixas
da América do Sul. Estudos das concepções nativas da natureza e do corpo, da organização
social, da sociabilidade, do gênero, assim como da mitologia, cosmologia, estética e ritual,
contribuíram para o surgimento de modelos teórico-analíticos para a compreensão e
comparação dessas culturas. Eles, por sua vez, contribuíram de maneira importante para o
entendimento do xamanismo indígena.
Em 1979, um artigo seminal foi publicado propondo que o corpo e sua fabricação
deveriam servir como o paradigma organizador central para entender as culturas nativas da
planície sul-americana, ao invés de modelos de organização social emprestados do estudo
das sociedades africanas (SEEGER, 1987). O impacto desta proposta, que as cosmologias,
mitologias e rituais sejam reexaminados à luz da fabricação do corpo, é amplamente
evidenciado na etnologia contemporânea. Um dos temas importantes é o da
consubstancialidade, sugerida primeiramente por Roberto DaMatta (1976). Entre os grupos
das terras baixas, as práticas de socialidade, como os atos de comer juntos ou a
coparticipação em rituais, criam um corpo social que compartilha substâncias. O corpo do
xamã é fabricado através de pintura e adornos, dietas especiais e ingestão de tabaco,
ayahuasca ou outras substâncias psicoativas. Conhecimento, emoções, memória e
consciência não podem ser separados da experiência corporal. Nesse sentido, torna-se
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fundamental citar a participação dos artefatos sagrados e ritualísticos, muitas vezes
ignorados pelos pesquisadores, mas certamente sem elas não há práticas xamânicas.
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como pude observar em minha investigação na RID- Dona Tereza fala que o principal Xamã
canibal Guarani foi Avá Roú Rapixá Kaaguire.
A história começa assim- conta que antigamente existiam muitos Avá Guarani
Nhandeva canibal ou antropófago que viviam no Kaagui (mata ou floresta densa), mas esses
índios não comiam a carne de sua própria etnia, comunidade ou parentela, mas sim de outras
etnias ou principalmente dos não-indígenas chamadas de Raekuera (outros). Há diversos
relatos sobre a chegada dos Karai kuera (pessoas vindas de fora) no Tekohá (onde os
Nhandeva viviam ou vivem atualmente) - muitos chegaram com a intenção de fazer mal
exclusivamente, a incendiar os Ogapysy (casa ritual), molestarem Mitã Kuña (meninas),
alterarem os padrões culturais locais, modifiFDUDHVWUXWXUDSROtWLFDMXQWDUYHOKRV³LQLPLJRV´
locais, sem contar as inúmeras doenças, etc.
Mediante o que foi dito- vamos falar um pouco da matança ocasionado pelos Avá
Guarani Nhandeva canibais- um caminhão carregados de homens estavam a adentrar na
mata, trazendo mantimentos- os homens iam a conversar sobre tudo dentro da carroceria,
IDODYDPGRSHULJRHPHQWUDUHPWHUUDGH³tQGLRVIDPLQWRV´- que poderiam devorar a qualquer
PRPHQWR0XLWRVGL]LDPTXHHUDP³SLDGDV´SRUWDQWRQmRDFUHGLWDPPDVPXLWRVestavam
a sentir medo- falava da morte que em outros tempos já foram acometidos. Ao seguir pela
estrada de chão a beira do rio sob o luar da madrugada de primavera, que ora ficava escuro,
ora claro devido a mata, os homens começaram a escutar um grito no coração da floresta- a
princípio muitos de assustaram, mas falaram que eram outros homens a trabalhar ou residir
na região. Mas o velho caminhão de origem alemã marchavam lentamente pela estrada- ao
chegar no clarão- quase a amanhecer- o gerente da empreitada foi acordar os homens que
estavam no caminhão e posteriormente conferir se todos estavam lá, mas logo perceberam
que três faltavam- apenas encontraram sangue no caminhão e um rastro similar a pegada de
onça, porém misturada com pegada humana- isso começou a gerar comoção nos demais
trabalhadores- mas o motorista logo indagou- precisamos seguir até amanhecer totalmente,
caso contrário- iremos perder mais homens.
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tiveram sorte por estarem vivos, passar por essa mata a noite é terrível, quase ninguém
sobrevive- há nela um homem-onça, que os paraguaios intitulam de Jaguaretê-Avá- uma
besta sanguinária, devoradora, monstruosa que vivem matando gados e cavalos dos
fazendeiros- inclusive comendo trabalhadores- mas somente come o coração o resto joga
fora. O experiente senhor continuou a dizer- essa espécie não é lobisomem- muito mais
perigoso e assustador- muitos falam que ela está a se vingar dos homens que vieram de fora
afim de aniquilar os Guarani- dizem ainda que seu espirito é muito forte- precisa batizar as
balas pata mata-lo, mas não é fácil- todos os que tentaram morreram.
Partindo desses pressupostos, gostaria de deixar claro que não concordo com alguns
pesquisadores/as que intitulam a produção artística Guarani Nhandeva de apenas
³DUWHVDQDWRV´$VDUWHVDUWHIDWRs e objetos sagrados Nhandeva ultrapassam essa barreira, vão
muito além de ser apenas um elo contemplativo e embelezamento, estão nas memórias,
esperanças, sonhos e cosmologia. Dito isso, apresentarei algumas maneiras de
desenvolvimento das artes Guarani Nhandeva na Aldeia Jaguapirú e Aldeia Bororó, que são
trançados, tecidos, armas, instrumentos musicais, miniaturas e adornos.
I. Os trançados Nhandeva Guarani- -i %HUWD 5LEHLUR FRUURERUDUD TXH ³RV
trançados se classificam, segundo suas finalidades, em objetos de uso e conforto doméstico,
objetos de caça e pesca, objetos para processamento da mandioca, objetos de transporte de
carga e de adorno pessoal (RIBEIRO, 1988, P. 197). Até agora os trançados possuem
presenças marcante na comunidade- Dona Tereza me diz que elas são os caminhos
percorridos por Nhanderú e Nhandesy rumo ao paraíso celestial. Já (PASCHOALICK,
2008), enfatiza que o abano servia para atiçar o Tatá (fogo)- o cesto possuía a finalidade de
inserir frutas como Paková (banana), Araçá (goiaba), Kumandá (feijão), Jety (batata),
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Manduví (amendoim) e de sementes para plantação, como é o caso de Andaí (abobora).
Nesse processo ainda cabe mencionar os cestos-armadilhas para capturar os Pirá (peixes)
nos rios que cortam a comunidade, e a peneira chamada de Tipiti, era usada para preparação
de Mandió (mandioca), também havia o cesto-cargueiro, usada principalmente nos Oguatá
Pukú (longa caminhada). Ainda de acordo com a historiadora, os trançados também serviam
de adorno em chapéus, braçadeiras e cintos (idem).
Em minha pesquisa também pude entender que muitas artes ou objetos deixaram de
ser produzidas na Aldeia Jaguapirú e Aldeia Bororó, não por falta de interesse, mas
sobretudo, pela escassez gerada pelo desmatamento da mata ou floresta que ali estavam- isso
já foi retratada pela historiadora Paschoalick:
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A cestaria não é muito praticada no momento pelos Kaiowá e isto se deve,
sobretudo, pelo fato de não ter mais utilidade no novo modo de ser,
tekoyahu, visto que está diretamente relacionada ao transporte por terra de
crianças e carga, para uso e conforto doméstico como suporte de cabaça,
abanador, esteira, entre outros (PASCHOALICK, 2008, p. 66).
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qual produziam redes, utilizadas para as crianças dormirem dentro de casa e, também, para
o descanso dos homens vindas da roça, caça, pesca e encontros.
Uma coisa que eu percebi em minha investigação, já tinha sido também observada
pela historiadora Paschoalick (2008), que ³SHOD DXVrQFLD GR DOJRGmR H GR FDUDJXDWi
abandonaram a prática de fiar, Povã, [...] [mas] continuam tecendo com barbante, lã, fios de
tecidos desfiados, estopa, linhD XWLOL]DQGR D PHVPD WpFQLFD GRV VHXV DQWHSDVVDGRV´
(PASCHOALICK, 2008, p. 68). A artista Guarani Antonia Aparecida faz uso de tear
produzido por ela e pelo esposo, o artista Karai Avá Guarani Nhandeva Admiro Arce- que
na ocasião que disse que produz em seu quintal o pariri, a cabaça e a bananeira. Assim, com
barbante, produzem redes. Já a artista Marilda Duarte elabora faixas e tapetes com o recurso
do tear. Portanto, para substituir o algodão, ela utiliza o barbante e a lã, comprados em casas
comerciais na cidade de Dourados, como também identificou as pesquisadoras Marques e
Alves (2019). Em minha ultima investigação, pude observar o trabalho de Marilda Duarte
Guarani Nhandeva, onde me disse que as faixas confeccionadas, servem principalmente para
produzir saias- ela aplica uma série de sementes nativas- fLQDOL]RXDGL]HU³LVVRYDLSDUDR
PHUFDGRPDVOHYDFRQVLJRQRVVDVPHPyULDVQRVVDVKLVWyULDVQRVVRVVRQKRV´
No entender de 6HJXQGR &KLDUD S ³DV DUPDV PDLV FRQYHQFLRQDLV
utilizadas pelos índios são: sarabatana, propulsor de dardos, boleadeiras, borduna (conhecida
também comRFODYDRXPDFDQDODQoDHDUFRHIOHFKD´ Percebi em minha pesquisa que por
unanimidades os Nhanderú e Nhandesy, ao lembrar de sua cosmologia sempre se rementem
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ao passado- por isso mesmo adotei o termo memória para situar essa problemática. Senhor
Renato Guarani me disse que as armas praticamente perderam suas importâncias em termos
de utilidades, mas não em importâncias históricas e cosmológicas. Já Kuña Karai Tereza
Guarani Nhandeva me relatou que a caça e a pesca é própria vida Guarani- disse que
Nhanderú Tenondé (Deus principal na cosmologia Guarani Nhandeva) deixou a floresta e
os rios para os Guarani viverem em harmonia e em paz, mas que os Karai estão a destruir
tudo- relatou ainda que o fim está próximo, que Nhanderú Tenondé Eté já cansou de ver seu
mundo desvastado.
Em minha investigação também pude perceber que caule de palmeira, bambu, cordão
de caraguatá, cipó e penas coloridas são as principais matérias-primas encontradas na Aldeia
Jaguapirú e Aldeia Bororó- as flechas possuem tamanho aproximado de 150 cm como me
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mostrou a Nhandesy Dona Floriza Guarani Kaiowá no interior de sua casa de reza
(Oga/Opy).
IV. O fim da cerâmica Nhandeva Guarani- Berta Ribeiro também corroborou que a
cerâmica é a ³DUWH GH FRQIHFFLRQDU DUWHIDWRV FRP DUJLOD VXEPHWLGRV j FRPEXVWmR H DOWD
WHPSHUDWXUD´5,%(,52S Em relação às funções dos artefatos cerâmicos na
vida dos povos indígenas, Willey (1987) enfatiza que eram confeccionados pelas etnias
indígenas como utensílios para conservar, preparar e a posteriori consumir alimentos sólidos
e líquidos. Muitas peças também tinham função cosmológica e ritualística, como aquelas
empregadas como urnas mortuárias. É de acordo com Paschoalick (2008), a cerâmica foi
imensamente produzida em outrora pelos Guarani, e na atualidade contemporânea tem sido
um recurso de grande relevância para identificação étnica em sítios arqueológicos.
Atualmente muitos sítios vêm sendo identificados em Mato Grosso do Sul, como demostram
os pesquisadores Kashimoto e Martins (2008):
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conhecimento do metal, o deslocamento dos indígenas de suas aldeias tradicionais e o
confinamento em reservas- o novo modo de viver imposto aos Guarani pela sociedade
FDSLWDOLVWDFRQWULEXLXSDUDRDEDQGRQRGDSUiWLFDROHLUD´3$6&+2$/,&.S
V. Os adornamentos Guarani: dentro e fora da RID- Para Berta Ribeiro (1988) adornos
são objetos utilizados para ornamentar o corpo indígena. Esse processo envolve diversas
matérias-primas, como recursos vinda da flora, da fauna, minerais e, inclusive, produtos
industrializados. Já no que tange a característica étnica, Paschoalick (2008) corrobora:
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Antônio João em Dourados-MS, que ela procura produzir muitos brincos- isso porque é a
arte mais procuradas pelas mulheres da cidade. Ainda me disse que até há encomenda.
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Apesar de não ser meu objetivo realizar uma investigação acerca da etnomusicologia
Guarani, compreendo que seja importante destacar, mesmo que seja de maneira conceitual.
Já no entender de Deise Lucy Oliveira Montardo (2018) - a principal pesquisadora da
etQRPXVLFRORJLD *XDUDQL QD DWXDOLGDGH ³Rs cantos e danças constituem caminhos que
permitem aos Guarani o encontro com os seres espirituais, com seus heróis criadores e visitas
a aldeias divinas´0217$5'2 S$SHVTXLVDGRUDDLQGDFRUURERUDTXHRs
Guarani cantam muitas vogais, o que foi percebido por diversos estudiosos, como cantos
sem letras- que seria um grande equívoco. Portanto, numa interpretação mais detalhada, dos
mesmos cantos executados em dias distintos, percebe-se TXHRV³DVHVLVH RV´HVWmRVHPSUH
no mesmo momento da melodia. (idem). Por fim, cabe destacar o relato de Dona Tereza
Guarani, que o cantar para os Guarani significa renovar a alma, o espirito, conectar-se com
as divindades e entidades cosmológicas em múltiplas possibilidades, sobretudo de sonhos,
esperanças e memórias. Assim em minha pesquisa, pude deparar em diversos momentos,
que na hora da produção das artes, artefatos e objetos os Guarani cantam.
Nos dias atuais o poder econômico das famílias tem outra fonte geradora de recursos,
não se concentram mais nas roças, na produção de alimentos. Hoje está diretamente ligada
a um trabalho assalariado de um ou mais membros da família. O homem e a mulher
geralmente trabalham fora e, por conseguinte, todos os demais membros da casa que estão
aptos a vender sua força de trabalho, nas fazendas ou usinas de álcool, prefeitura e empresas
prestadoras de serviços. Os programas de assistência social do governo, assim como o
auferido pelos aposentados, contribuem para a renda das famílias. Nesse quadro, muitas
mulheres assumiram a chefia da família.
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acúmulo de riquezas se convertem em poder político, fomentando intrigas, inimizades,
fuxicos, podendo criar um poder paralelo e quase sempre o faz. Isso pode significar o
rompimento com lideranças locais, marcado pela avidez do poder aquisitivo, na incessante
imitação do modo de vida do não indígena, para parecer moderno e interligado com o mundo
exterior, querendo demonstrar prestígio dentro e fora da aldeia.
Nessa fronte de lutas, cada povo se valerá da Constituição Federal para fazer valer o
seu Direito, interpretando de acordo com os seus valores culturais e pelo que dita a sua
cosmologia. Nesse âmbito o Direito deve ser buscado nas mais diversas frentes de luta, seja
no campo da saúde, alimentação, educação, proteção e preservação da natureza, seja no
âmbito dos ecossistemas e biomas quase sempre ameaçados pela ocupação desordenada do
entorno das terras indígenas.
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Entender que toda cultura é dinâmica, que a vida social é imbricada a ponto de que não é
possível análises isoladas, pois aí existe uma rede de totalidades. Não basta o
reconhecimento da diferença, é necessário prover formas de coexistência considerando a
alteridade: a ideia do relativismo, multiculturalismo, direitos humanos, remete às identidades
coletivas na perspectiva da construção de novos paradigmas que, de fato, construa a
cidadania, efetivando o reconhecimento da diferença e do direito à diferença e de ser
diferente.
2³YHOKR´HR³QRYR´FRQYLYHPQDVUHVHUYDVLQGtJHQDVDWHLDGHVLJQLILFDGRVHQUHGD-
se no saber local (GEERTZ, 2000), dando forma, fluidez, porosidade, permeabilidade,
flexibilidade as fronteiras culturais, reinterpretando, ressignificando, reelaborando a sua
cultura, rede social, modo de pensar, ver e agir, conforme a situação o exigir, legitimando-a
ou não. Não está passivo, aceitando o papel de vítima, o paradigma da aculturação, de visões
estereotipadas, de sujeitos de segunda categoria, de incapaz. O século XXI permite ir muito
DOpPGRLPDJLQDGRWDQWRTXHR³tQGLRGHYHUGDGH´KRMHHVWiQDVXQLYHUVLGDGHVID]SDUWH
das redes sociais da internet, twitando e trocando informações via facebook, netizado.
Continuamos na luta com a esperança de dias melhores são possíveis e estes podem estar
próximos, estamos nos empoderando de armas muito mais poderosas do que o velho e bom
arco e flecha, que o diga o poder das palavras.
Referências Bibliográficas
ɷɹɾ
CHIARA, V. Armas: bases para uma classificação. In: RIBEIRO, D. (ed.). Suma
Etnológica Brasileira, v. 2. Petrópolis: 1987. p. 117-137.
COQUET, Michèle. Chapitre 7- L'anthropologie de l'art, Martine Segalen éd., Ethnologie.
Concepts et aires culturelles. Armand Colin, 2001, pp. 140-154.
ɷɹɿ
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Hau 4 (2): 41-71, 2014.
VIVEIROS DE CASTRO, E. Os Pronomes Cosmológicos e o Perspectivismo Ameríndio.
Mana, Rio de Janeiro, v. 2, p. 115-144, out. 1996.
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