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Trincas em chaminé de termoelétrica

As chaminés constituem o sistema de exaustão de gases e particulados das


usinas termoelétricas. Geralmente estas são construídas com alvenaria
estrutural revestida, internamente, com tijolos sílico-aluminosos para
proteção da ação de gases e particulados com alto teor de enxofre. A chaminé
em estudo neste trabalho, devido à sua elevada altura (150 m) e diâmetros
(17 m na base e 15 m no topo), foi externamente construída em concreto
armado (figura 1a) e internamente formada por um conjunto de três
condutos independentes (figura 1b).

Cada conduto constitui-se de paredes duplas, sendo as externas em concreto


armado e as internas com alvenaria de tijolos sílico-aluminosos com função
isolante. As paredes isolantes possuem cerca de 15 trechos de alvenaria de 9
m de altura, apoiados em consoles de concreto armado engastados na parede
externa dos condutos (figura 2). No espaço vazio entre a parede externa e a
interna (10 cm) ocorre injeção de ar frio para impedir o efeito da
temperatura das emissões sobre o concreto armado.

Nos três condutos da chaminé foram observadas trincas predominantemente


verticais, alinhadas ao longo de toda sua altura, cortando os tijolos sílico-
aluminosos e atravessando toda a espessura da parede (figura 3). Em alguns
pontos, as trincas chegam a 20 mm de largura, comprometendo a
estabilidade da parede.

No conduto 1, responsável pela eliminação de gases e particulados da Fase A


(Unidades I e II), foi observado baixo número de trincas. Tal fato justifica-se
pela manutenção continua-da e alternada de funcionamento de suas
unidades, fato esse que mantém o conduto sempre aquecido. O reduzido
número de paradas para manutenção das caldeiras diminui os efeitos de
tensões de natureza térmica nas paredes de tijolos sílico-aluminosos desse
conduto. Tal situação não se verifica nos condutos 2 e 3.

Para o diagnóstico das prováveis causas das trincas observadas nos condutos
da chaminé foram, inicialmente, caracterizados e analisados os tijolos sílico-
aluminosos usados na construção das paredes e, posteriormente, fez-se uma
análise compor-tamental da parede isolante considerando-se os efeitos de
temperatura e do somatório de esforços provenientes da sobrecarga e do
fluxo de gases e particulados.

Caracterização e análise dos tijolos sílico-aluminosos


Para observação das atuais condições dos tijolos sílico-aluminosos usados na
construção das paredes foram utilizados tijolos novos de composição
semelhante obtidos comercialmente. Ambos foram caracterizados
laboratorialmente para determinação de sua absorção de água e porosidade
aparente (ASTM C 373/94-88), resistência à compressão (ASTM D 133/97),
análise microestrutural (por microscopia eletrônica de varredura) e análise
mineralógica (difratômetro de raios X, método do pó). Os resultados obtidos
(média de 20 corpos-de-prova) foram comparados entre si.

A figura 4 apresenta os resultados e mostra que não há variação significativa


na absorção de água e porosidade aparente dos tijolos sílico-aluminosos
usados em relação aos novos. Porém, quanto à resistência à compressão
verifica-se que no tijolo usado ocorre perda de cerca de 30%. O aumento da
porosidade é em muitos casos um dos fatores responsáveis pela menor
resistência mecânica. Entretanto, não é o que ocorre nessa situação.

Em vista disso, conclui-se que a diminuição da resistência mecânica do tijolo


usado deve-se, provavelmente, à presença de trincas observadas em sua
microestrutura (figura 5).

Por outro lado, resultados dos difratogramas de raios X dos tijolos mostraram
um aumento da fase tridimita (q) no tijolo usado. O gradiente de temperatura
associado à presença de tridimita no tijolo sílico-aluminoso usado promoveria
expansão volumétrica súbita e não homogênea ao longo da espessura da
parede, ocasionando o surgimento de trincas.

Paredes de tijolos sílico-aluminosos


Efeito do gradiente de temperatura
Segundo Verçoza (1991), paredes de alvenaria muito extensas, sujeitas a
gradientes térmicos, tendem a sofrer tensionamentos que, para serem
aliviados, geram trincas tipicamente verticais que, em função da natureza dos
componentes da alvenaria, manifestam-se espaçadas longitudinalmente. As
trincas provocadas pelas movimentações térmicas normalmente iniciam na
base da parede, em razão das restrições oferecidas pelas fundações à sua
livre movimentação.
Na fase de aquecimento, a alvenaria dilata-se, sendo o material solicitado à
compressão, por efeito de sua vinculação que restringe o movimento de
dilatação. Na fase de resfriamento, o material é solicitado à tração,
criando-se, na medida em que é ultrapassada a resistência à tração da
estrutura, trincas regularmente espaçadas.

A figura 6 ilustra, esquematicamente, as temperaturas das paredes dos


condutos da chaminé em análise. Devido à passagem dos gases quentes, a
face interna da parede fica sob efeito de temperaturas elevadas (170°C a
190°C), enquanto que a face externa mantém-se resfriada (20ºC). O
gradiente térmico na parede de tijolos sílico-aluminosos é de cerca de 150ºC.

Para o tratamento teórico, assumem-se as paredes isolantes como elementos


homogêneos e isotrópicos, embora estas sejam constituídas por tijolos e
argamassa de assentamento. Tome-se primeiramente a parede AB,
homogênea e de seção uniforme, apoiada em uma superfície lisa horizontal
(figura 7).

Elevando-se a temperatura da parede de um valor AT ocorrerá, como mostra


a figura 8, um alongamento de valor dt, que é proporcional tanto à variação
de temperatura quanto ao comprimento da parede L. Tal fato conduz à
equação 1, que representa a proporcionalidade das variações.

onde a é o coeficiente de dilatação térmica. Como L e dt são expressos em


unidades de comprimento, a representa uma quantidade por grau Kelvin.
Considerando que a deformação total dt está relacionada a uma deformação
específica(ET = St/L), reescrevendo a equação 1 tem-se que a deformação
específica é função do coeficiente de dilatação e do gradiente de temperatura
(equação 2).

O Et é chamado deformação térmica específica, uma vez que é causada por


variação de temperatura na parede. No caso em questão, parede livre nas
extremidades, não existem tensões relacionadas com a deformação Et .
Considera-se agora que a parede AB de comprimento L foi colocada, como
mostra a figura 9, entre dois anteparos fixos, separados pela distância L,
comportando-se semelhantemente a uma parede circular, como as paredes
isolantes de uma chaminé. Não existem tensões ou deformações nessa
condição inicial. Se a temperatura for elevada de DT , o alongamento da
parede será nulo, pois os anteparos impedem qualquer deformação. Sendo a
barra homogênea e de seção uniforme, a deformação específica (Et = St/L)
em qualquer ponto será também nula.

Porém, mesmo que não ocorram deformações específicas, após a elevação da


temperatura, os anteparos evitarão o alongamento da parede, criando as
forças P e P' e um estado de tensão sobre esta.

No cálculo da tensão s criada pela variação da temperatura, verifica-se que o


problema é estaticamente indeterminado. É necessário inicialmente calcular a
intensidade da força P, le-vando em conta as condições de alongamento da
parede.

Utilizando o método da superposição de esforços, retira-se o anteparo B que


restringe a deformação da parede. Esta então se alonga livremente, com a
variação da temperatura DT . Aplicando-se agora à extremidade B da barra a
força P, pode-se representar a deformação provocada por esta força como a
razão do produto (P) e o comprimento (L) pela área (A) e o módulo de
elasticidade (E), de acordo com a equação 3.

Como a deformação total deve ser nula, tem-se (equação 4):

de onde se conclui que (equação 5):


A tensão atuante na barra devido à variação na temperatura DT é dada então
pela equação 6.

Considerando a similaridade das situações, adotou-se a equação 6 para a


verificação das tensões máximas a que as paredes isolantes dos condutos
estão sujeitas. Para o cálculo utilizou-se o coeficiente de dilatação térmica (a
= 7x 10-6 / 0K) e o módulo de elasticidade (10 x 109) dos tijolos sílico-
aluminosos usados e o gradiente de temperatura (150ºC) das redes. Como
resultado obteve-se uma tensão máxima de 105 MPa.

Cabe salientar que os dados obtidos resultam de um modelo simplificado,


onde toda a deformação devida à dilatação térmica é transformada em
tensão, o que não traduz rigorosamente a realidade.

Analisando-se o resultado, observa-se que a tensão gerada pela deformação


térmica é muito superior à de ruptura à compressão do tijolo sílico-aluminoso
(8,17 MPa). Teoricamente, pode-se supor que os tijolos sílico-aluminosos
possuem resistência mecânica muito inferior à necessária para suportar os
efeitos térmicos a que estão sujeitos.

Efeito do somatório de esforços


A tensão gerada pelo próprio peso pode ser calculada a partir da altura das
paredes (9,0 m). Considerando-se o peso de cada tijolo (4,2 kg), sua
quantidade por parede (129) e a ação da gravidade tem-se atuando nos
apoios uma carga total de 5.314 N. Dividindo-se esse valor pela área do tijolo
(0,0276 m2), obtém-se um valor aproximado de 0,2 MPa, que é bastante
inferior à tensão de ruptura por compressão do tijolo sílico-aluminoso (6,0
MPa).

Da mesma forma, considerando a elevada altura dos condutos, poder-se-ia


supor que para cada reinício de processo ocorra uma ação de pressão sobre
as paredes, proveniente da inér-cia dos gases presentes no interior dos
condutos. De acordo com as curvas de desempenho da chaminé em estudo
verificou-se que a pressão exercida não é suficiente para a ocorrência de
danos de qualquer ordem, uma vez que em nenhum momento esta chega a
alcançar sequer 1 atm.

Como as tensões devidas ao peso próprio e à pressão dos fluxos dos gases no
interior da chaminé são pouco significantes em relação à resistência à
compressão do tijolo, pode-se considerar que estas não têm influência na
formação de fissuras. As sobrecargas poderão se originar a partir do efeito do
gradiente de temperatura e da restrição à expansão das paredes. De acordo
com a tensão calculada pela equação 6, verifica-se que esses valores podem
se elevar até o ponto de provocar a ruptura dos tijo-los por compressão na
face interna da parede. Tal situação só se processa, efetivamente, se consoles
atuarem como uma restrição indeformável à movimentação térmica da
parede.

Entretanto, uma vez que na quase totalidade dos casos as trincas partem da
base da parede, pode-se supor que esta sofre um pequeno deslocamento em
relação ao apoio na fase de compressão, aliviando as tensões calculadas na
equação 6. Assim, quando o conduto é resfriado, a parede deslocada retrai,
solicitando os tijolos à tração, situação onde apresentam a menor resistência
mecânica, ocasionando as trincas verticais observadas na figura 3a.

Conclusões
As paredes isolantes dos condutos sofrem efeitos de expansão e contração
térmicas durante o aquecimento/resfriamento da chaminé da usina, a cada
parada para manutenção das caldeiras. As tensões térmicas geradas são
responsáveis pelo surgimento e propagação das trincas observadas. A
restrição do movimento pelos consoles durante sua dilatação/contração
térmica gera tensionamento nas paredes de tijolos sílico-aluminosos.

O alívio dessas tensões ocorre com a formação de trincas. A presença de


tridimita na composição mineralógica dos tijolos sílico-aluminosos pode gerar
um tensionamento extra pelos sobressaltos na dilatação/contração,
associados às transformações de fase que ocorrem na faixa de temperatura
de trabalho da chaminé.

Envie artigo para: techne@pini.com.br. O texto não deve ultrapassar o limite


de 15 mil caracteres (com espaço). Fotos devem ser encaminhadas
separadamente em JPG.

LEIA MAIS

Refractories production and properties. J. H. Chesters. 3a edição, 553


páginas. London, 1993
Trincas em edifícios: causas, prevenção e recuperação. E. Thomaz.
IPT-Epusp-PINI, 194 páginas. São Paulo, 1989
Patologia das edificações. E. J. Verçoza. Sagra, Porto Alegre, 1991

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