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Tempos Sombrios: reflexões sobre a pandemia
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Tempos Sombrios: reflexões sobre a pandemia
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Tempos Sombrios: reflexões sobre a pandemia

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"Tempos sombrios: reflexões sobre a pandemia" reúne artigos escritos durante a pandemia da Covid-19 que assolou o mundo. Os textos abordam diversos temas e compartilham análises e observações baseadas em pesquisas e no compromisso com a produção de conhecimento. Esta publicação dissemina as reflexões dos pesquisadores e pesquisadoras em um momento de questionamento do conhecimento científico. Questionamento esse que deixou ainda mais sombria a pandemia no Brasil, ao negar a eficácia e urgência da vacinação, do uso de máscaras e de tantas outras medidas sanitárias. Ao reunir fatos, apontar consequências e compartilhar análises sobre as implicações da pandemia em um cenário já tão desigual e injusto como o Brasil, este livro registra o que ocorreu nos dois últimos anos e, com isso, contribui com a disputa da memória sobre esses anos pandêmicos.
LanguagePortuguês
Release dateSep 12, 2022
ISBN9786584735057
Tempos Sombrios: reflexões sobre a pandemia

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    Tempos Sombrios - Rafael Godoi

    Fronteiras, imobilidades, distanciamentos no presente pandêmico: Reflexões entre dois mundos

    Livia De Tommasi


    Noi, costruttori di ponti, saltatori di muri, esploratori di frontiere³.

    — A. Langer

    Introdução


    Não tem sido fácil nomear, comunicar, compartilhar experiências no presente pandêmico, esse novo normal que desfigurou nosso cotidiano. E não somente pelo ineditismo. Diferentes situações políticas, sociais, econômicas, geográficas influem na maneira como vivemos os trágicos acontecimentos do último ano.

    A pandemia de Covid-19 escancarou as enormes desigualdades que caracterizam o mundo em escala local e global. O isolamento social voluntário e as restrições impostas à circulação preservam uma parte da população da contaminação, enquanto outra é obrigada a se expor ao risco para poder sobreviver. Uma parte significativa da população nunca parou de trabalhar, lotar o transporte público, procurar na rua seu sustento. Como observou o escritor Marco d’Eramo, a expressão distanciamento social que regula nosso cotidiano deveria ser lida em sentido literal, como distância social, ou melhor, abismo social, entre quem pode ficar no abrigo da casa e quem não pode (GRANDE COME UNA CITTÀ, 18/04/2020). Hoje, também, entre quem terá acesso à vacina e quem não terá. Distância que separa indivíduos por classe, raça, gênero. Distância que separa as nações do globo, diversamente afetadas e com enormes diferenças de acesso a recursos. Distância que separa dentro dos limites nacionais, entre regiões com índices de transmissão e de mortes distintos, marcadas nos mapas com diferentes cores que delimitam fronteiras que não podem ser cruzadas.

    A pandemia fez eclodir novas e velhas rivalidades na escala da geopolítica mundial. Um evento dramático dessas proporções, que afeta todos os países e todos os habitantes do globo ao mesmo tempo, poderia ter provocado uma maior consciência individual e coletiva acerca da interdependência existente entre todos, humanos e não, na aldeia global. É o contrário. O medo, a limitação da mobilidade, a hiperexposição a notícias e imagens contraditórias dificultam nossa capacidade de enxergar para além das fronteiras (da nossa casa, cidade, região, país).

    Mesmo no interior da pequena Europa, decênios de aposta na construção de uma unidade política supranacional desmoronaram, tornando manifesto o nacionalismo míope ainda bem saldo e difuso. No lugar de solidarizar-nos e estabelecer estratégias em comum para conter a difusão do vírus, desde o começo os países se roubaram máscaras, equipamentos de oxigênio; agora, vacinas. O combate ao vírus é feito aleatoriamente, cada país (e cada região, no interior dos países) estabelecendo suas regras e limitações, o que compromete a possibilidade de contenção; porque o vírus se insinua entre as fronteiras que desajeitadamente tentamos erguer e a pandemia é produto, também, da interconexão entre as economias, da intensidade dos fluxos de pessoas e coisas que chamamos de globalização.

    Estamos fechados em casa, dentro dos limites do município, da região ou do departamento, da nação. A mobilidade, paradigma da modernidade, é bloqueada. As fronteiras são agora para toda a população mundial aquilo que nunca deixaram de ser para uma parte significativa dela: fronteiras intransponíveis. De que forma a limitação da mobilidade imposta pela pandemia modifica nosso olhar sobre os outros, os que vivem do lado de lá das fronteiras, geográficas e simbólicas, nosso entendimento sobre o sistema-mundo?

    Limitar os fluxos, a circulação de pessoas, as ocasiões de encontro tem sido a principal medida à qual recorrer para enfrentar um evento que coloca em xeque os sistemas sanitários nacionais, já amplamente debilitados após décadas de políticas neoliberais que apostaram na privatização e na concentração dos recursos em centros de excelência especializados; fragilizando, em contrapartida, a medicina territorial e a prevenção. Mas enquanto a imposição do lockdown e, sobretudo, a nebulosa racionalidade dos limites impostos à mobilidade pela maioria dos governos têm sido questionadas por uma parte da população dos países centrais, como limitação da liberdade individual que choca com os valores da democracia (e não somente por pessoas com orientações políticas de direita), em regiões distintas do globo essas mesmas limitações são reivindicadas como um direito à proteção, diante de governos que criminosamente insistem em negar a gravidade e a letalidade do vírus.

    Os temas da mobilidade, das fronteiras, da nacionalidade como moldura e pressuposto da cidadania sempre foram, para mim, questões existenciais — que se tornaram, também, interesses de estudo e premissas epistêmicas. Como superar o sedentarismo do olhar e situá-lo, em vez disso, no espaço entre, nas passagens, nos atravessamentos das fronteiras, geográficas e disciplinares, valorizando a viagem, o percurso, mais do que os pontos de partida e de chegada? Como superar o pensamento binário radicado e naturalizado na modernidade ocidental (Chatterjee, 2004; Said, 2007)? Como defender direitos que não sejam atrelados ao pertencimento a um Estado-nação (Arendt, 2012)?

    Nos últimos decênios, as ciências sociais avançaram em direção à definição de paradigmas para um pensamento mais móvel. Num texto inspirador, Ulf Hannerz (1997) repercorre a trajetória da afirmação de conceitos que ele considera centrais para uma antropologia transnacional: fluxos, fronteiras, híbridos.

    Nos últimos tempos, em vez de buscarmos a confortadora intimidade da vida provinciana, temos debatido a distância cultural que separa navio e terra firme, e as maneiras de atravessá-la. Fluxo, mobilidade, recombinação e emergência tornaram-se temas favoritos à medida que a globalização e a transnacionalidade passaram a fornecer os contextos para nossa reflexão sobre a cultura. Hoje procuramos locais para testar nossas teorias onde pelo menos alguns dos seus habitantes são crioulos, cosmopolitas ou cyborgs, onde as comunidades são diásporas e as fronteiras na realidade não imobilizam mas, curiosamente, são atravessadas. Frequentemente é nas regiões fronteiriças que as coisas acontecem, e hibridez e colagem são algumas de nossas expressões preferidas por identificar qualidades nas pessoas e em suas produções (Ibid., pp. 7-8).

    Outra importante contribuição nessa direção veio dos estudos sobre mobilidade (Sheller e Urry, 2016) que convidam a pensar o mundo não a partir da dicotomia mobilidade/imobilidade, mas da ideia de mobilidades desiguais. Quem e o que pode cruzar as fronteiras e de que forma? Quem e o que permanece capturado em suas malhas? Como operam os dispositivos de regulação dos fluxos? Os paradigmas da mobilidade produziram deslocamentos epistêmicos fecundos, em particular no âmbito dos estudos sobre migrações e turismo. Circulação e acessibilidade constituíram um plano de referência importante também para pensar a cidade e suas questões (Freire-Medeiros, Telles e Allis, 2018). Hoje, podem se tornar ferramentas chaves para observar as práticas diferenciadas de gestão da pandemia. O que e quem foi bloqueado? O que e quem continuou circulando? O que foi considerado como atividades essenciais e o que não foi?

    Meu intuito neste texto é mais limitado. Quero, a partir de minha experiência situada entre mundos, chamar a atenção para o encolhimento de nossos horizontes, alguns efeitos da imobilidade imposta pela pandemia que limitam nossa capacidade de pensar os espaços entre e para além das fronteiras (geográficas, sociais, culturais, disciplinares), a distância entre navio e terra firme (para utilizar a metáfora de Ulf Hannerz).

    Na minha juventude, viajava com frequência de trem entre Roma e Paris, apreciando sobremaneira as 12 horas de viagens que me separavam do destino e me permitiam viver um tempo suspenso entre duas realidades, dois mundos de afetos, amores, cotidianos distintos. No trem, vivia como num limbo, um espaço-tempo de autêntica liberdade, um espaço liminar (Turner, 2008), deixando para trás as angústias de um presente acorrentado pelo passado antes de mergulhar num outro presente que sentia projetado em direção ao futuro. No trem se faziam encontros, confissões, se estreitavam amizades com outros passageiros; encontros, amores, de passagem. Que congelam o tempo, que não dão tempo ao cansaço da rotina cotidiana.

    Deve ser por isso que, muitos anos depois, percebi como familiar e precisa a metáfora de Paul Gilroy (2001) sobre o navio negreiro como símbolo organizador: um sistema vivo, microcultural e micropolítico em movimento; o navio como modo de produção cultural distinto que ajuda a reconceituar a modernidade como relação constitutiva com o estrangeiro. A metáfora funciona, a meu ver, para pensar os indivíduos no mundo contemporâneo como viajantes que, no interior do navio, criam um microcosmo, uma cultura em comum. De vez em quando descem na terra firme, misturam-se com lugares, culturas, pessoas, para depois subir a bordo e mesclar e ressignificar o que embarcaram, num espaço-tempo próprio, distinto dos espaços-tempos visitados. No navio se cria uma sociedade, uma cultura, em permanente circulação que mantém, em seu interior, certa coerência e estabilidade. Um território circulatório, para utilizar a feliz expressão de Alain Tarrius (1993), que a concebeu pensando em como os migrantes carregam consigo seus territórios mesmo circulando e permanecendo no exterior.

    É do navio, do olhar situado no meu território circulatório, que vivo e tento refletir sobre o presente pandêmico. Habito, sem dúvida, uma condição de migrante privilegiada; mas nunca foi fácil comunicar minhas vivências sobre essa condição. Quando as travessias passaram a ser menos frequentes e o lugar de destino, no Brasil, se tornou minha residência, no meu país de origem, a Itália, os amigos reclamavam da minha falta de manejo com os códigos da atualidade, sociais, políticos, culturais, linguísticos. Como me disse um amigo com quem compartilhava a experiência de viver entre mundos, o interesse de parentes e amigos italianos por relatos sobre a vida no exterior termina no trajeto entre o aeroporto e a casa. Morar num país exótico, desenhado no imaginário social dos brancos europeus como uma grande praia com palmas e águas de coco é sempre fonte de curiosidade. Mas está lá longe, e o cotidiano eurocêntrico coloca limites quase intransponíveis, que prejudicam a escuta, a possibilidade de compreender.

    No Brasil, meu sotaque nunca deixou de denunciar minha origem. Como nota apropriadamente Elsje Lagrou (1994), a arte de cativar visitantes e torná-los um de nós é provavelmente o que mais me seduziu tanto no Brasil quanto entre os Kaxinowá. (...) O maior elogio que um brasileiro pode dar a um estrangeiro é dizer-lhe que este já está ficando brasileiro (pp. 93-94). O brasileiro é um povo acolhedor que faz questão de te fazer sentir em casa, inclusive incitando a consciência dessa assimilação. Mesmo assim, quando meus estranhamentos e problematizações sobre política e comportamentos incomodam, sou apostrofada como a italiana, estigmatizando minha condição de estrangeira que pouco entende da realidade local. Às vezes acontece, na minha vida acadêmica, de ser convidada para uma banca de defesa sobre um tema distante dos meus campos de estudo só porque a tese se debruça sobre um autor italiano.

    No Brasil, sou a italiana (até um tempo atrás, assim se justificavam meus pelos no sovaco); na Itália, a brasileira (e isso explicaria meu vestuário colorido). Ou seja, sempre a estrangeira cuja assimilação é incompleta. Mas é durante os mundiais de futebol que se exige de mim um posicionamento nacionalista identitário: você vai torcer para Itália ou para o Brasil? Os hibridismos, no tempo da Copa, devem ser suspensos.

    Onde está minha casa? A essa pergunta só posso responder com outra, que me acompanha desde que a li nas páginas do meu escritor preferido, Bruce Chatwin: o que faz casa? Sempre me senti mais em casa nas periferias brasileiras do que nos bairros nobres das cidades, e particularmente da minha cidade natal, Roma, onde se respira um racismo e uma distância social que não me pertencem. Faço casa, sobretudo, com os que vivem em trânsito como eu, nômades por escolha, migrantes, exilados. Habitar um lugar nunca foi, para mim, algo naturalizado.

    A condição de nunca estar totalmente aqui tem seus prós e seus contras, mas a balança sempre pendeu mais do lado dos primeiros. Essa condição se tornou mais crítica de um ano para cá, quando fiquei presa na Itália nesse tempo suspenso, consequência da pandemia. Faz mais de um ano vivo um cotidiano dividido entre o Brasil da tela do computador (meu país de escolha há mais de 30 anos), onde trabalho e dialogo diariamente com amigos, alunos e colegas, e uma casa no campo, num pequeno município do interior da Itália (minha nação de nascimento). Faz um bom tempo, tento nomear e dar sentido a essa experiência de vida dissociada, complicada pela diferença de fuso horário e não só, que questiona as representações difusas sobre a facilidade da mobilidade transnacional em tempos de globalização. Os dramas do presente pandêmico, tempos que, alternativamente, ficaram mais sombrios aqui ou ali, hoje parecem impor uma distância intransponível que, pessoalmente, vivo com uma angústia que preciso nomear.

    Peço licença, portanto, por essas reflexões que tentam produzir sentidos ao redor de minha experiência pessoal, uma tentativa de construir pontes entre situações e vivências que parecem, ao contrário, sempre mais distantes. Procuro, assim, refletir sobre alguns conceitos chave no debate sociológico contemporâneo: mobilidade, fronteiras, distância (social, cultural, política).

    # Io resto a casa


    Em 13 de março de 2020 eu ia tomar o avião de volta para São Paulo, após um período de férias na Itália. Mas, no dia 9, fomos surpreendidos por uma medida do governo absolutamente inédita: a proibição, em todo o território nacional, de sair de casa. O que, até então, eram somente acalorados conselhos, incitações ao distanciamento social, se tornou abruptamente uma injunção.

    Quando, no final de janeiro, começaram a circular as notícias de um novo vírus que infectava as pessoas numa cidade lá longe, na China, como muitos eu não prestei muita atenção. As notícias sobre a gravidade do vírus eram decididamente discordantes. Cientistas e políticos inundavam os meios de comunicação para falar e se contradizer, numa competição evidente pela legitimidade da fala. A verdade sobre os acontecimentos era (e ainda é) objeto de intensas disputas políticas. Mesmo quando, em final de fevereiro, apareceram os primeiros casos de contágios não importados, continuei tranquila. Na ocasião da difusão de outras Sars, em anos passados, aos alarmes não tinha se seguido uma efetiva difusão maciça do vírus. Portanto, era mais cômodo acreditar que dessa vez não seria diferente.

    Mas, rapidamente, a vida mudou de rumo. Uma avalanche de casos provocou uma sucessão de proibições, até o fechamento das escolas, em 4 de março e a delimitação das primeiras zonas vermelhas no norte do país; logo, em 9 de março, um decreto ministerial (portanto, uma medida de exceção) determinou um lockdown nacional. Só podíamos sair de casa, sozinhos, para nos abastecer de comida e bens de primeira necessidade, ou para ir trabalhar em ocupações consideradas necessárias (entre elas, a produção de armas). Ou para levar o cachorro para fazer suas necessidades, num raio de 200m ao redor de casa. Só depois de mais de um mês, e após muita pressão social das mães, as crianças puderam ser levadas para um banho de sol, com a proibição de brincar ou fazer atividade esportiva.

    Minha primeira reação (eu, uma libertária radical) foi de raiva: como assim, um decreto governamental determina que não podemos nos abraçar, nos beijar, apertar a mão? E todos nos submetemos sem protestar a essa domesticação dos corpos, imaginável até então somente nos contos de ficção cientifica? Sentimento de raiva alimentado também pelos encontros com a polícia, que, invariavelmente, esbarrava no meu caminho quando eu inocentemente tentava ir às compras de bicicleta (atividade proibida) ou a pé (só podíamos circular com os carros poluentes?). E não eram somente as forças da ordem a controlar. Todos os cidadãos se tornaram delatores em potencial, gritando pela janela contra quem circulava nas ruas ou ligando para a polícia para que batesse na porta do vizinho que recebia alguns amigos.

    Após a raiva, o medo, alimentado pelas dramáticas imagens e notícias divulgadas nos meios de comunicação. Em pouco tempo, chegamos a mais de mil mortos por dia. Acredito que, durante alguns dias, cada um de nós pensou que todos iríamos morrer. Uma notícia, em particular, alimentou o medo e reacendeu a raiva: foi divulgado um memorando interno no qual médicos e enfermeiros definiam o código de conduta a ser seguido em caso de saturação dos leitos nas UTIs. A prioridade deveria ser dada aos pacientes mais jovens, com mais chance de sobreviver. Quem, como eu, estava na faixa dos 60, se imaginou condenado. A raiva, dessa vez, tinha um alvo mais preciso: o desmonte do sistema sanitário público nacional, operado pela lógica privatizante das políticas neoliberais instaladas ao governo desde alguns decênios. Políticas que fizeram estragos no sistema público de saúde, no sistema educativo, na regulação da previdência e do trabalho, produzindo uma enorme precarização da vida; redefinindo constantemente as regras para aposentadoria, com consequentes e contínuos reenvios, para a grande maioria da população, do direito ao benefício. Difusão do desemprego e do subemprego, dos contratos eufemisticamente chamados de atípicos, ou seja, a tempo determinado, a chamada, intermitentes; dos trabalhos al nero (sem contrato), do caporalato⁴ na agricultura. Na escola, com a proliferação das classes galinheiros e a multiplicação do precariado (Standing, 2015) docente; na saúde, com o desmantelamento do sistema de atenção primaria, territorial, em benefício do crescimento de uma rede hospitalar privada e especializada, supostamente de excelência; na universidade, com a privatização dos recursos para pesquisa, o sucateamento do corpo docente, a institucionalização e difusão do precariado. Acirramento das desigualdades regionais, entre um sul tradicionalmente emblema do atraso e um norte modelo de sucesso econômico e da modernização tecnológica, inclusive no campo da última aposta do capitalismo, a economia criativa. Mesmo no norte, o deslocamento da produção tem provocado o desmanche do tecido produtivo, a requalificação das cidades industriais e o investimento pesado no setor do turismo. Um país com uma dívida pública imponente (mais de 2.500 bilhões de euros). Se essa era a situação da Itália de antes da pandemia, um país do qual os jovens são incitados a fugir (o maior objetivo de uma família italiana de classe média é ter um filho que estuda no exterior), o fechamento das fronteiras, além da proibição de sair de casa, provocou a impossibilidade de trabalhar para o exército de trabalhadores sazonais que recebem um salário somente durante os meses de alta estação. Muitos estabelecimentos comerciais (bares, restaurantes, hotéis) não irão conseguir reabrir.

    Acima de tudo, o escândalo da situação dos migrantes: o mar mediterrâneo transformado em necrotério, os centros de acolhida onde vigora o estado de exceção (Agamben, 2015 ); o fechamento dos portos e uma política de segurança nacional decretada em 2019 pelo governo de centro-direita e nunca totalmente revogada pelo atual governo supostamente de centro-esquerda. O escândalo, também, dos campos onde vivem como escravos os trabalhadores sazonais das colheitas, no sul do país, geralmente migrantes ilegais, confiscados (Villela e Vieira, 2020), à mercê de intermediários (o chamado caporalato) ligados às redes da máfia — que, aliás, estão proliferando, no vazio deixado pela quebra de muitas atividades comerciais e pela necessidade de muitos de conseguir empréstimos e dinheiro para sobreviver.

    Dia 18 de março, que para sempre será comemorado na Itália como o dia nacional das vítimas de Covid-19 — as imagens das centenas de féretros levados por uma longa fila de carros militares, em Bergamo, rica cidade industrial da região norte —, ficará para sempre impresso na memória coletiva. Nesse dia, meus amigos brasileiros, assustados com as dramáticas notícias sobre a difusão do vírus na Itália que circulavam mundo afora se solidarizaram comigo com mensagens de afeto. Eu, desde aquele momento, fiquei mais preocupada pensando nos estragos que o vírus iria provocar no Brasil, país já tão abissalmente desigual, onde para muitos é impossível ficar no abrigo da casa (e para muitas mulheres e crianças a casa não é um lugar seguro) e a punição e o controle por parte de agentes diversos estão na ordem do dia. Num longo e-mail, tentei alertar os colegas sobre a necessidade de levar a sério a difusão do vírus e ficar em casa, encerrando as atividades presenciais na universidade. Quando isso aconteceu e amigos e colegas começaram a ficar em casa, escrevi um longo post me solidarizando (e dando dicas concretas) com as amigas brasileiras não acostumadas a dar conta da limpeza da casa, da cozinha, das tarefas domésticas. Desse lado de cá, ter uma pessoa que trabalha em casa assumindo essas tarefas é algo que não faz parte dos hábitos da enorme maioria das famílias de classe média; as mulheres, aprendemos cedo a conciliar as atividades domésticas com o trabalho.

    Ficar em casa, certo, como principal defesa contra a difusão do vírus. Mas e os que não vão poder ficar em casa? Porque precisam procurar na rua seu sustento cotidiano, porque a casa é pequena demais, porque trabalham para levar comida para os que podem ficar em casa? E como seria administrar os excessos de controle, os abusos de autoridade, num país já muito fustigado pelas atrocidades cometidas por operadores da violência em disputa?

    Nosso primeiro lockdown foi marcado pelos cantos corais nas janelas; pela mobilização da emoção coletiva; pela abundante vaquinha nacional em favor da emergência; pelas maratonas dos artistas nos meios de comunicação digitais; pela tomada de consciência sobre a impossibilidade de voltar ao normal porque o problema é o normal; pelos bons propósitos com respeito à necessidade de repensar nossa maneira predatória de viver em relação ao meio ambiente; pelos muitos debates inspiradores sobre o mundo que virá. Como dizia a letra da música que o governo oportunamente escolheu para ser a trilha sonora do lockdown: vai ver que o mundo irá mudar, suas feridas irá curar (…) vai ver que a noite irá acabar e o homem irá acordar⁵.

    Naquele primeiro lockdown, aqui em casa, fortalecemos os laços familiares, tomamos muito banho de sol no jardim, desaceleramos as atividades.

    Encontrei uma forma prazerosa para ficar em contato com meus alunos, mesmo nos meses sem aulas: ofereci um curso de italiano a distância baseado na aprendizagem de letras de músicas. Foram momentos intensos, de troca de afeto e proximidade. As aulas terminavam com um coral liberatório que aquecia os corações e nos fazia sentir mais pertos.

    Hoje, a um ano de distância daquele primeiro lockdown, estamos todos cansados. Já não acreditamos mais que sairemos melhores dessa pandemia; aliás, como vários cientistas repetem, a saída está ainda bem longe. Mesmo se agora temos um banqueiro como chefe de governo, que já foi presidente do Banco Central Europeu e é, portanto, muito bem recebido pelos poderes econômicos que contam na Europa, supostamente a pessoa certa para nos fazer acreditar que a retomada do crescimento poderá salvar uma economia que desde a crise de 2008 nunca retomou vigor; e que, como dizia Il gattopardo no famoso romance de Tomasi de Lampedusa, será possível tudo mudar para que nada mude.

    Hoje6 (já não sei mais quantos decretos de lockdown tivemos, nem em que número de onda de contágio estamos, mas sei que ainda tem uma média de 500 mortos por dia) reorganizamos nossa rotina ao redor do computador. A DAD (didática a distância) e o "smart working" são o novo normal que parece ter chegado para ficar. Esperamos, pacatamente, nossa vez na fila caótica e nebulosa da vacina, observando com desencanto os muitos tropeços da campanha vacinal (hoje chefiada por um militar da tropa alpina) e para os lucros estratosféricos das casas farmacêuticas que as produzem. Algumas perguntas rondam pela cabeça: por que não se fez um investimento sério na procura e difusão de protocolos para o tratamento (e não somente na produção da vacina)? Por que paramos a estratégia, defendida por muitos cientistas e pelos políticos com muitos alardes no ano passado, de monitoramento dos contágios, de fechamentos localizados? Por que as patentes não podem ser quebradas e as vacinas produzidas de forma descentralizada? Porque os culpados pela difusão do vírus são sempre os comportamentos individuais (primeiramente os dos jovens) e não o descaso do governo com a necessária ampliação dos transportes públicos, a falta de financiamentos adequados para o setor de saúde, as empresas que nunca pararam as atividades (mesmo não produzindo bens de primeira necessidade)?

    De vez em quando muitos de nós encontramos alguma desculpa mais ou menos disfarçada para fugir do confinamento, ir visitar uma mãe idosa em outra região, ir ver o mar ou simplesmente fazer um passeio no meio do mato. Os centros das cidades estão vazios, muitos comerciantes fecharam, alguns hotéis se reconverteram em abrigos para os que perderam seu lar. Hoje temos um milhão a mais de pobres (ou seja, um em cada dez) e um milhão a mais de desempregados (mesmo com a proibição de demitir ainda em vigor). Os poucos ricos ficaram vergonhosamente mais ricos. Nossas atenções estão voltadas para as novas mobilizações, sobretudo de artistas, entregadores e trabalhadores da Amazon, que estão conseguindo ter alguma visibilidade, por vezes driblando a repressão policial, e algumas vitórias em termos de reconhecimento de direitos.

    Da minha parte, quero voltar para casa. Minha casa no Brasil.

    Fronteiras e deslocamentos


    Há mais de um ano, com poucos períodos de exceção, as fronteiras estão fechadas. Dos municípios, das regiões, dos países. Nosso horizonte encolheu. E, com ele, nossa capacidade de enxergar para além das fronteiras, das paredes de casa, dos abismos que nos separam. Estamos convencidos de que tudo depende do sucesso da campanha vacinal nacional e que logo mais estaremos livres. É só isso que interessa. Cada cidade, região, país poderá mesmo se salvar sozinho? A multiplicação das variantes do vírus (contra as quais a eficácia das vacinas é uma incógnita) que, invariavelmente, atravessam as fronteiras fechadas, mostra o contrário.

    A tragédia brasileira, política, social, sanitária, ambiental, raramente é noticiada por aqui. Talvez porque as tragédias são muitas ao nosso redor, então as que estão mais perto têm (um pouco) mais de visibilidade. O encarceramento e a repressão dos dissidentes na Turquia, onde o governo autoritário é grande aliado da União Europeia; as muitas guerras esquecidas e as de baixa intensidade que assolam o Oriente Médio; a violência cotidiana nos territórios ocupados; o cerco da Síria aos territórios curdos; a repressão aos dissidentes na Rússia; o abandono dos migrantes no mar, nos campos de refugiados, nas montanhas do Bálcãs. Enfim, o Brasil está longe. Pouco interessa que o vírus, correndo solto por lá, está se reproduzindo de forma mais letal.

    As fronteiras estão oficialmente fechadas. Mas, seletivamente, abrem. Nas férias de Páscoa os mais endinheirados podiam ir passar alguns dias em algumas poucas localidades da Europa (enquanto todos estávamos proibidos de sair do nosso município). Na televisão passam publicidades de ilhas "covid-free", no exterior, onde os poucos muito ricos podem ir passar férias.

    Alguns países utilizam como estratégia de combate ao vírus a blindagem das fronteiras. Ninguém entra nem sai da Austrália e da Nova Zelândia. Os poucos que entram são obrigados a passar 15 dias em quarentena em estruturas específicas, onde as vagas são limitadas e a estadia (caríssima) fica a cargo dos cidadãos. Estratégia de sucesso, já que agora, nesses países, as pessoas podem andar na rua sem máscara.

    Países vizinhos, fora da União Europeia, utilizam a disponibilidade de vacinas para aumentar seu peso político na região. Com um estoque de vacinas russas e chinesas considerável — que não foram liberadas pela agência europeia de regulação dos fármacos e, portanto, não estão disponíveis nos países europeus —, o governo da Sérvia doou milhares de doses aos países vizinhos. Além disso, durante um tempo qualquer estrangeiro podia ser vacinado no país, mesmo sendo turista.

    Os pacotes turísticos com inclusão de vacinas estão começando a movimentar o setor do turismo, um dos mais afetados pela crise econômica provocada pela pandemia. São, obviamente, destinos reservados a um nicho muito privilegiado de turistas, como as Ilhas Maurício e as Bahamas.

    Outros países estão oferecendo incentivos fiscais para atrair estrangeiros trabalhadores (com altos salários) em smart working, os chamados nômades digitais. A lista desses países se alonga a cada dia, mesmo se as exigências econômicas não são indiferentes. Na Itália, segundo um estudo recente do Observatório Smart Working do Politécnico de Milão, os trabalhadores ágeis passaram de 570 mil em 2019 a 6 milhões e meio durante o primeiro lockdown (GALEOTTI, 04/04/2021).

    A tragédia brasileira passa na tela do meu computador, nas notícias de jornal, nos relatos de amigos e alunos, nas fotos postadas dos que faleceram, sempre mais frequentes. Nos apelos dos amigos artistas, nos desenhos sombrios de João Lin (antes tão coloridos). No desânimo dos alunos. Nos apelos para arrecadação de dinheiro para distribuir cestas básicas. Nas vaquinhas dos amigos desempregados. Tento mostrar que, do lado de cá, as coisas também não andam nada bem. E que, de fato, estamos todos no mesmo barco. Ninguém, no Brasil acredita quando digo que a campanha vacinal na Itália, como nos outros países europeus, está lenta e confusa. Fechados nos limites de nossas fronteiras, para cada lado parece que a tragédia no meu país é maior. Para quem vive na ponte, a comunicação é sempre mais difícil.

    Segundo os dados do Instituto Nacional de Estadística (Istat) da Itália, no país, no último ano, houve um aumento de um milhão de pessoas na pobreza absoluta, chegando a 5,6 milhões, ou seja, 9,4% da população. Se o fenômeno é mais acentuado nas regiões do sul, tradicionalmente mais pobres, o maior crescimento durante a pandemia afetou o norte, onde a difusão do vírus foi muito mais acentuada e produziu mais vítimas. A pobreza atinge, sobretudo, as pessoas entre 35 e 44 anos e as famílias numerosas (NADOTTI, 04/03/2021). A porcentagem de novos pobres que pedem ajuda à Caritas passou de 31% entre maio e setembro 2019 a 45% no mesmo período de 2020. Entre esses, aumentou o número de mulheres, de jovens, de italianos (que, hoje, são mais do que os estrangeiros) (DE LUCA, 17/10/2020). Esses números são destinados a aumentar drasticamente quando o governo liberar as demissões, até então bloqueadas; mesmo se, de fato, muitas pessoas já perderam suas rendas, num país onde o trabalho precário camuflado de autônomo já é a regra há alguns decênios.

    Sem dúvida, naturalizamos, ainda mais, nossas desigualdades endêmicas.

    Talvez, não nos fechamos repentinamente, não paramos abruptamente a mobilidade. Talvez, nunca fomos efetivamente conectados, do ponto de vista humano e cultural. Apesar da retórica sobre a transnacionalidade, a globalização, a transdisciplinaridade, nosso olhar continua sedentário, fechado nos limites arbitrários das fronteiras nacionais e disciplinares. Enquanto os fluxos globais, econômicos e epidemiológicos, nos esmagam, não conseguimos pensar nas lutas, nos dramas, como globais. No começo da pandemia, o racismo contra os chineses, supostamente culpados de espalhar o vírus, o hino nacional cantado nas janelas, a corrida para pegar o último trem para voltar para a cidade natal expressaram o sentimento mais radicado entre nós: precisamos sentir que estamos em casa, na nossa cidade, no nosso país, sobretudo agora que casa, bairro, país, viraram sinônimos; desconfiamos sempre do outro, do estrangeiro, do que vem do exterior. Nós/não nós. A radicalização e difusão das políticas de identidade vão na mesma direção.

    Do apego que temos pela expressão nesse país com a qual começamos o discurso, como definidor da moldura do nosso pensamento, das nossas premissas implícitas, decorre uma substancial dificuldade para pensar o outro que está dentro de nós (e não o outro como diferente de nós). As fronteiras são reconfortantes, somos culturalmente sedentários.

    Do meu lado, me interrogo com frequência sobre essa coisa chamada cidadania. Porque precisamos nos pensar a partir de uma identidade e de uma cidadania definidas dentro dos limites do Estado-nação? Quando, na escola, junto com Petrarca ou d’Annunzio, nossos filhos lerão os poemas dos indígenas das Américas? Quando o tema central do curso de história não será mais o período da unidade da Itália (uma unidade nunca efetivamente realizada, que produziu enormes disparidades regionais, a eterna questão meridional como problema)? Quando conseguiremos nos livrar da necessidade dessas comunidades imaginadas (Anderson, 2008), ou pelo menos limitá-las a uma definição burocrática, um dispositivo de governo, e não a uma identidade originária ou adquirida, mas acionada em diferentes contextos e para responder a necessidades diversas? Um artefato que nada tem a ver com nossa subjetividade. Quando conseguiremos pensar efetivamente o que significa ser cidadão do mundo e aprender a lição dos direitos humanos (dos humanos diferentes e diversos, e não dos homens brancos europeus, que a Carta Internacional dos Direitos do Homem pensou como protótipo do homem universal)? Quando não teremos mais medo das contaminações?

    Quando conseguiremos aprender a lição dos teóricos pós-coloniais (ou de-coloniais), que radicalmente questionaram nossas premissas epistemológicas radicadas na existência de fronteiras fixas, de identidades definidas uma vez por todas a partir do lugar de nascimento e de outros marcadores como gênero binário, raça, dos binarismos como nós/não nós, modernidade/atraso, civilizado/selvagem, natura/cultura, corpo/mente? Como diz Homi Bhabha (1996), a história do colonialismo é uma contra-história do Ocidente, seu exterior constitutivo. As identidades devem ser pensadas como relacionais, não essenciais, não fixas, como algo acionado a partir de posições diferentes dos sujeitos que se movimentam no espaço social.

    Por que temos que viver no país onde nascemos?

    Para Sandro Mezzadra (2020), a cristalização ontológica do ilegalismo dos migrantes tem, como contrapartida, a naturalização e a cristalização ontológica da cidadania. Por isso é preciso renovar a crítica teórica do conceito de cidadania (Ibid., p. 156). Mezzadra cita as palavras de um migrante tunisino:

    A Terra não é minha, não é de vocês. Não pertence nem a Obama nem a Berlusconi, a Terra pertence a todos. Se quero respirar oxigeno italiano, respiro oxigeno italiano. Se quero respirar o canadense, respiro o canadense (European Peace is not Ours, 2012, in Mezzadra, 2020, p. 162).

    O autor discute a proliferação das fronteiras no mundo contemporâneo. A fronteira não é uma coisa, mas uma relação social entre coisas. Ou seja, é uma instituição complexa marcada por práticas de fortalecimento e atravessamento. Analisando as tensões e contradições que marcam a figura do migrante ilegal, ele interroga os processos que denomina inclusão através da ilegalização, questionando a oportunidade de postular uma oposição binária entre a figura do cidadão (o espaço da inclusão) e as diversas figuras da exclusão (tanto internas quanto externas) para chegar a elaborar o conceito de inclusão diferencial (Ibid., p. 165). Pensar a fronteira como lugar epistêmico permite interrogar radicalmente a ideia de cidadania como conceito confinado (Isin apud Mezzadra, 2020, p. 171).

    Quais são hoje os sujeitos, os movimentos, as lutas que superam as fronteiras nacionais, produzindo de forma localizada e situada as condições de possibilidade para a superação do capitalismo? É essa a importante agenda de pesquisa proposta por Mezzadra. Nas palavras dele: "Ao invés de procurar velhos e novos sujeitos universais, deveríamos indagar os processos, tensos e produtores de conflitos, de produção das condições comuns que podem indicar o caminho para novos modos de habitar o mundo" (Ibid., p. 236).

    Termino este texto, que não tem conclusão, somente perguntas, lembrando dois jovens italianos com os quais, sem dúvida, poderia fazer casa.

    Antonio Megalizzi, 29 anos, jornalista, escritor, comunicador, trabalhou incansavelmente para tornar realidade o sonho de uma união europeia. Vivia entre Estrasburgo e Trento, viajando nos ônibus de noite, para fazer funcionar uma rede de rádios universitárias europeias (Europhonica) cujo intuito é divulgar os temas europeus entre jovens universitários. Morreu no atentado terrorista de Estrasburgo em 11 de dezembro de 2018.

    Lorenzo Orsetti, 33 anos, deixou sua vida tranquila de cozinheiro na região da Toscana para ir combater com o exército curdo das Unidades de Proteção Popular (YPG), na Síria, principal responsável pela queda militar do Estado Islâmico na região. Como disse com alegria e convicção no último vídeo gravado antes daquela que sabia que poderia ser sua última batalha, entre os companheiros combatentes curdos ele se sentia em casa.

    Referências


    Agamben, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2015.

    Anderson, Benedict. Nações como comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

    Arendt, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

    Bhabha, Homi. O terceiro espaço. Entrevista a Jonathan Rutherford. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, no 24, pp. 35-41, 1996.

    Chatterjee, Partha. Colonialismo, modernidade e política. Salvador: Histórias do Sul, 2004.

    Freire-Medeiros, Bianca; Telles, Vera da Silva;Allis, Thiago. "Apresentação: Por uma teoria social on the move". Tempo Social vol. 30, no 2, pp. 1-16, 2018.

    Gilroy, Paul. O Atlântico negro. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001.

    Hannerz, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: Palavras chaves da antropologia transnacional. Mana, vol. 3, no 1, pp. 7-39, 1997.

    Lagrou, Elsje. A sedução do objeto. In: Silva, Vagner Gonçalves da; Reis, Leticia Vidor; Silva, José Carlos (orgs). Antropologia e seus espelhos: A etnografia vista pelos observados. São Paulo: FFLCH/USP, 1994, pp. 90-101.

    Mezzadra, Sandro. Um mondo da guadagnare. Milano: Meltemi, 2020.

    SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    Sheller, Mimi; Urry, John. Mobilizing the new mobilities paradigm. Applied Mobilities, vol. 1, no 1, 10-25, 2016.

    Standing, Guy. O precariado: A nova classe perigosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

    Tarrius, Alain. Territoires circulatoires et espaces urbains: différentiation des groupes migrants. Les Annales de la Recherche Urbaine, no 59-60 (Mobilités), pp. 51-60, 1993.

    Turner, Victor. Dramas, campos e metáforas. Niterói: Eduff, 2008.

    Villela, Jorge Mattar; Vieira, Suzane de Alencar (orgs). Insurgências, ecologia dissidente e antropologia modal. Goiânia: Editora da Imprensa Universitária, 2020.

    Fontes da imprensa


    De Luca, Maria Novella. Donna, italiana e con due figli. È l’identikit della nuova povertà: Rapporto Caritas 2020: ‘Così la pandemia ha messo in ginocchio i giovani e le famiglie senza più lavoro’. Boom di richieste, prese in carico oltre 450mila persone, una su due ha chiesto aiuto per la prima volta. La Repubblica, Cronaca, 17 de outubro de 2020. Disponível (on-line) em: https://www.repubblica.it/cronaca/2020/10/17/news/donna_italiana_e_con_due_figli_ecco_l_identikit_della_nuova_poverta_-270820208/

    GALEOTTI, Stefano. Smart working all’estero: ecco i Paesi che hanno introdotto agevolazioni (fiscali e non) per attrarre nuovi lavoratori. E i loro redditi. Il Fatto Quotidiano, Lavoro & Precari, 4 de abril de 2021. Disponível (on-line) em: https://www.ilfattoquotidiano.it/2021/04/04/smart-working-allestero-ecco-i-paesi-che-hanno-introdotto-agevolazioni-fiscali-e-non-per-attrarre-nuovi-lavoratori-e-i-loro-redditi/6146408/

    GRANDE COME UNA CITTÀ. La politica della paura, la paura della política: Presentazione del sesto numero di Jacobin Italia. Grande come una città, Incontri, 18 de abril de 2020. Disponível (on-line) em: https://grandecomeunacitta.org/incontri/la-politica-della-paura-la-paura-della-politica/

    NADOTTI, Cristina. Istat: ‘In Italia nel 2020 un milione di persone in più in povertà assoluta. L’aumento maggiore al Nord’: Si tratta di circa 5,6 milioni, il 9,4% della popolazione. Al Sud il fenomeno è più diffuso, ma è nelle regioni settentrionali che è cresciuto di più. Colpiti soprattutto i lavoratori tra i 35 e i 44 anni e le famiglie numerose. La Repubblica, Cronaca, 4 de março de 2021. Disponível (on-line) em: https://www.repubblica.it/cronaca/2021/03/04/news/istat_in_italia_nel_2020_un_milione_di_persone_in_piu_in_poverta_assoluta_-290254449/


    Dos gestos (e imagens) necessários à afirmação da vida: Cultura política, práticas de memória e pandemia

    Fabiana A. A. Jardim


    Hoje, ainda se coloca a todos nós a questão de saber se os sofrimentos de um povo pertencem a ele a um tal ponto que apenas esse povo pode se referir a esse sofrimento? Existe alguma possibilidade de compartilhamento das memórias do mundo e, caso exista, quais são as condições?

    — Achille Mbembe

    E então? Pois bem, é suficiente — porém um trabalho imenso — fazer da dor, e, logo, da história e das emoções que a acompanham, nossos bens comuns: nossos objetos de pensamento para troca, e não nossa reserva de caça.

    — Georges Didi-Huberman

    Introdução


    Finalizamos este texto no início de 2021. Apenas no Brasil, desde março de 2020 perdemos quase 230 mil vidas para a Covid-19 — embora as estimativas que levam em conta a subnotificação apontem que esse

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