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Legado
da revolução de 1917 e desafios atuais. São Paulo: Expressão Popular, 2017, p. 207-232.
Gaudêncio Frigotto1
1
Professor do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado o
Rio de Janeiro (Uerj) e professor titular, aposentado, na Universidade Federal Fluminense (UFF).
É a partir da análise de duas referências da interpretação do legado de Marx ao
longo do século XX e parte do XXI, que encontramos uma resposta e um testemunho
inequívoco para esta questão. Ambos coetâneos do tempo histórico que deflagrou a
Revolução Russa e o que a conduziu ao colapso, mas não ao fracasso como eles
mesmos nos mostram. O primeiro, Eric Hobsbawm, que nasceu justamente em junho de
1917 e, o segundo, Antônio Cândido, que nasceu um ano depois, julho de 1918.
Com efeito, em dois textos de uma mesma coletânea que discute o colapso do
projeto socialista de 1917, setenta anos depois, Hobsbawm, num primeiro, faz um
balanço daquela experiência com o título: Adeus a tudo aquilo (HOBSBAWM, 1992).
No outro, com o título Renascendo das cinzas, todavia, mostra que aquela experiência
não foi em vão e que, pelo contrário, o socialismo está na agenda. E, de forma sucinta,
assinala a tarefa dos socialistas neste renascimento. “Os socialistas estão aqui para
lembrar que as pessoas devem vir em primeiro lugar e não a produção. As pessoas não
podem ser sacrificadas” (HOBSBAWM, 1992a, p. 268).
Antônio Cândido, em entrevista para o jornal Brasil de Fato em 2011, explicita
por que o socialismo é uma “doutrina triunfante” e não o capitalismo que nada tem a
oferecer à humanidade a não ser a exploração da classe detentora do capital sobre a
maioria dos seres humanos e a desigualdade como necessidade estrutural. Ao responder
à questão — O senhor é socialista?, nos mostra que todas as conquistas para barrar a
violência destrutiva do capital e, portanto, de direitos que dilatam a vida humana
resultaram e resultam das lutas empreendidas ao longo da história por diferentes
tendências socialistas.
2
pedagogia socialista. Sobre as contribuições especificamente de Marx à obra de Mário
Manacorda, em três volumes, sobre Marxismo e l’educazione (MANACORDA, 1964,
v.I; 1966, v.II e v.III),
Em português temos a coletânea Marx & Engels. Textos sobre educação e
ensino (1980), amplamente divulgados em deferentes versões. Mais recentemente a
tradução do Livro de N. K. Kruspkaya (2017) nos traz um denso material sobre o
exercício prático do legado de Marx na construção da pedagogia socialista.
Tomo como horizonte de análise, nos aspectos que esquematicamente irei
abordar, o contraponto que Saviani (2008) efetiva entre pedagogia que, a partir do
legado de Marx, tem como centro os indivíduos concretos ou os indivíduos, como
síntese de relações sociais, e a pedagogia tradicional (empirista e idealista), que elide a
história, naturalizando as relações e supondo uma natureza humana a-histórica.
Para o propósito deste debate, vou me ater a três aspectos e algumas
considerações finais: o fundamento da pedagogia socialista na formação humana para
uma nova sociedade; a ontologia materialista; o princípio educativo do trabalho na
formação do homem novo na contradição do atual modo de produção; e a ciência que
interessa ao projeto da pedagogia socialista, o caráter científico da escola e a educação
omnilateral e politécnica como horizonte em construção de seres humanos
desenvolvidos em todas as dimensões.
3
este legado que a tarefa histórica, que perdura até o presente, é o acerto de contas com a
concepção de homem, natureza, trabalho conhecimento e formação humana da
burguesia.
Marx nos mostra que se de fato a burguesia, em seu projeto societário, foi levada
a romper com a concepção da essência divina como força externa, que define o ser
humano, a substituiu por uma essência humana utilitarista e egoísta inscrita em cada
indivíduo que o impulsiona da luta para seus interesses. Essência esta chave para o
progresso individual e coletivo, na concretização dos seus interesses privados. De John
Locke, David Hume a Adam Smith e de seus seguidores até os dias atuais, toma-se o
ideário da concepção do homem burguês e de sua racionalidade que determina
relacionar-se com outros pela mediação dos seus interesses egoístas, como a natureza
eterna dos seres humanos.
Sob esta concepção, considera-se a desigualdade econômica, social, educacional
etc., entre os seres humanos, não como resultantes de um processo histórico marcado
pela cisão de classes sociais com poder assimétrico e, portanto, relações sociais
marcadas pela dominação de uns sobre os outros, mas como resultantes de escolhas
individuais ou do não esforço individual. O acúmulo de riqueza, assim, adviria do
esforço individual, do empenho e da dedicação de cada indivíduo e não da exploração
da classe trabalhadora.
Do mesmo modo, tomados os indivíduos isoladamente e de forma abstrata, a
desigualdade que se expressa na escola no processo de aprendizagem e, portanto, da
apropriação do conhecimento científico, cultural, estético etc., historicamente
produzido, advém do esforço e empenho de cada um e não das determinações
subjacentes resultantes da estrutura das classes sociais.
A ontologia materialista, de forma oposta, parte do fato de que o ser humano é
um ser social historicamente constituído nas relações sociais, e que não há limites ao
desenvolvimento humano a não ser aqueles construídos pelos próprios homens. Assim,
na Sagrada família, Marx destaca:
4
O que Marx evidencia é de que não há um mundo humano fora da história e que
não nascemos humanos, mas nos tornamos humanos em sociedade. A frase que
antecede o texto acima se reveste de uma atualidade extrema em relação à violência e
seu caráter social e não individual.
Marx descobriu também a lei específica que move o atual modo de produção
capitalista e a sociedade burguesa criada por ele. O descobrimento da mais-
valia deixou claro tais problemas, enquanto todas as análises anteriores, tanto
as dos economistas burgueses como as dos críticos socialistas vagaram nas
trevas. (Ibid. p. 1)
O que Marx nos lega, portanto, como algo fundamental é o método dialético
materialista histórico mediante o qual se pode compreender a especificidade, as
contradições dos diferentes modos de produção da existência humana e como estes
foram superados. O ponto central da concepção materialista histórica e do método
5
científico de apreendê-la é o de que, para entender o processo histórico real, o ponto de
partida não é a política, a ciência, a arte, a religião, a educação, mas como se definem
nas relações sociais a produção dos meios de vida imediatos. É para sustentar e
reproduzir estas relações sociais de produção dos meios de vida imediatos que se
estrutura uma determinada forma de estado, instituições políticas, científicas e
educacionais, e as ideias, teorias, ideologias etc.
Partindo deste pressuposto, Marx nos transmite como a produção imediata dos
meios de vida se efetiva sob o modo de produção capitalista, e a natureza das
instituições e das concepções dominantes que buscam reproduzir este modo de
produção.
Um ponto central para apreender o legado de Marx para o projeto de pedagogia
socialista é o de que o ser humano é um ser da natureza e que, ao tornar-se humano,
distinguindo-se da natureza em geral, não elimina que ele é parte dela. Deste modo, a
compreensão das leis da natureza e de como os seres humanos se constituem em
sociedade e em relação à natureza obedece a especificidades, mas não há duas histórias
— da natureza e dos homens, mas apenas a “ciência da história”.
Com efeito, Marx e Engels no livro Ideologia alemã, ao analisar as concepções
metafísica e idealista da formação da consciência, descontadas da base material que as
produz, mostram como estas concepções separam a história da natureza.
Até agora, toda a concepção de história deixou de lado essa base real da
história ou a considerou como algo acessório sem qualquer relação com a
história. É por isso que a história deve sempre ser escrita segundo uma norma
situada fora dela. A produção real da vida aparece como separada da vida
comum, como extra ou supraterrestre. As relações entre os homens e a
natureza são por isso, excluídas da história, o que engendra a oposição
entre natureza e história [grifos meus]. (MARX; ENGELS, 1989, p. 37)
Florestan Fernandes na obra Marx & Engels. História recupera uma passagem
na qual Marx e Engels explicitam a inseparabilidade da história dos homens e da
natureza, conformando a única ciência, a ciência da história.
Nós conhecemos somente uma ciência singular, a ciência da história. Pode-se
encarar a história de dois ângulos e dividi-la em história da natureza e em
história dos homens. Os dois ângulos, entretanto, são inseparáveis; a história
da natureza, também chamada ciência natural, não nos diz respeito aqui; mas
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nós temos de examinar a história dos homens, pois quase a totalidade da
ideologia reduz-se à interpretação adulterada dessa história, seja à completa
abstração dela. A ideologia é em si mesma um dos aspectos da história.
(MARX; ENGELS, apud FERNANDES, 1989, p. 31)
7
Em O 18 brumário de Louis Bonaparte, esta ideia é retomada. “Os homens
fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; em
circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente
encontradas, dadas e transmitidas. A tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o
cérebro dos vivos como um pesadelo” (MARX, 1982, p. 21). Em seguida, Marx, no
plano da luta histórica, mostra como as circunstâncias foram sendo modificadas na luta
e na ação prática. Há, pois, uma relação dialética entre as circunstâncias e a ação prática
na transformação das circunstâncias.
Assim, entendemos que a ontologia materialista constitui-se na base
fundamental do projeto da pedagogia socialista na formação do homem novo para uma
nova sociedade sem classes. Um projeto que não é idealista nem somente teórico, ele se
concretiza na ação prática, vale dizer, na práxis revolucionária. A ação prática que
define a especificidade do ser humano em relação aos demais seres da natureza é o
trabalho produtivo e socialmente útil. Este não engloba todas as atividades humanas,
mas é a condição necessária e imperativa de possibilidade destas. Não há reino da
liberdade sem que se satisfaça, em cada tempo histórico, o reino da necessidade.
Estamos tratando aqui dos cem anos da revolução socialista e seu legado. No
campo da educação escolar, mas não apenas, no campo da arte e da cultura, foi a
primeira ampla experiência de trazer ao plano da ação prática o legado de Marx, num
contexto em que a Revolução Russa de 1917 não significou, num passe de mágica, a
superação das velhas estruturas sociais e concepções. Velho e novo conviveram numa
mesma unidade no processo de superação das relações sociais capitalistas. Por razões
que não serão desenvolvidas neste texto, esta passagem para uma sociedade sem classes
e sem exploração não teve continuidade. Todavia, é dessa experiência histórica de
apropriação e exercício prático do legado de Marx e Engels que estamos buscando
elementos para, em nosso contexto histórico, avançar num projeto de pedagogia
socialista. Por isso, a Revolução Russa de 1917 traz um legado que nos permite afirmar
que foi derrotado, mas não foi um fracasso.
De fato, no legado de Marx não encontramos o ideário do dever ser nem o
voluntarismo político, por isso que a travessia para a nova sociedade implica uma
processualidade histórica em que o novo é construído na luta concreta, teórica e prática,
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dentro de velhas relações. Em Marx, não faz sentido a pergunta que reiteradamente
ouvimos nos meios acadêmicos: Como o trabalho pode ser educativo dentro das
relações sociais capitalistas?
O trabalho como princípio educativo deriva, em Marx, do fato de que é pelo
trabalho que o ser humano se torna humano e por ele produz e reproduz a sua vida. Ou
seja, como um ser da natureza e em relação com ela, pela ação vital do trabalho, cria as
condições de produção e reprodução de si mesmo ao longo da história. Em O capital,
Marx traz o conceito “antediluviano” do sentido ontocriativo do trabalho.
Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em
que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu
metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural
como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se
apropriar da matéria natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar, por
meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e, ao modificá-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, 1983, p. 149).
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Este rompimento, para Marx, não se dá no plano ideal, mas concretamente no
seio das contradições, do processo histórico no qual se desenvolveu o próprio sistema
capitalista e o qual não define o fim da história como quer a doutrina burguesa. É,
portanto, das e nas contradições deste sistema que se desenvolvem as condições para a
sociedade socialista.
A união do trabalho social produtivo e da educação escolar deriva, por um lado,
do entendimento que como todos dependem do comer, vestir-se, ter um teto etc., é
tarefa de todos e nas possibilidades de cada um, desde a infância, e, por outro, que esta
atividade não é fixa, por não serem fixas as necessidades humanas, ela vai sendo
mediada pelo desenvolvimento de instrumento e novos conhecimentos que necessitam
de aprendizagem.
Em Marx, tanto a natureza do trabalho quanto da educação escolar, da ciência e
da tecnologia são definidas em determinadas relações sociais; e que a superação das
relações sociais capitalistas e das formas que assumem o trabalho, a educação, a ciência
em seu interior desenvolvem-se, contraditoriamente, neste mesmo espaço.
É nesta compreensão que Marx, ao mesmo tempo que condena sem concessões a
exploração do trabalho infantil em diferentes textos, em especial em O capital, quando
discute a grande indústria e a maquinaria, vê na sociedade capitalista, na união do
trabalho infantil e educação obrigatória, e na luta de classes, a união do trabalho infantil
com a educação, ou seja, contraditoriamente, desenvolve o germe do novo para a
sociedade comunista. A luta de classes, pois, não é a eliminação do trabalho infantil e de
sua união com a educação, mas a eliminação sob a forma capitalista.
Acusai-nos de querer abolir a exploração de crianças por seus próprios pais?
Confessamos esse crime. Dizeis também que destruímos os vínculos mais
íntimos substituindo a educação doméstica pela educação social. E a vossa
educação não é também social e determinada pelas condições sociais em que
educais vossos filhos, pela intervenção direta ou indireta da sociedade, por
meio de vossas escolas etc.? Os comunistas não inventaram essa intromissão
da sociedade na educação; apenas mudaram seu caráter e arrancaram a
educação à influência da classe dominante. (MARX; ENGELS, 1999, p. 36)
É dentro desta compreensão que em O capital sublinha o avanço, ainda que pobre, no
fato das leis fabris regularem o trabalho infantil e as implicações pedagógicas desta
união.
Por parcas que pareçam no todo, as cláusulas educacionais da lei fabril
proclamam a instrução primária como condição obrigatória para o trabalho.
Seu êxito demonstrou, antes de tudo, a possibilidade de conjugar ensino e
ginástica com trabalho manual, por conseguinte também trabalho manual
com ensino e ginástica. Os inspetores de fábrica logo descobriram, por
depoimentos de mestres-escolas, que as crianças de fábricas, embora só
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gozem de metade do ensino oferecido aos alunos regulares do dia inteiro,
aprendem tanto e muitas vezes. (MARX, 1984, p. 86)
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Como, então, estabelecer a união do trabalho com a educação e colocar a ciência
e a formação tecnológica e/ou politécnica num projeto de educação socialista para uma
sociedade sem classes e sem exploração?
A resposta a esta questão segue, em primeiro lugar, a mesma direção da não
proibição do trabalho infantil. Não se trata de negar a ciência e a tecnologia, pelo
contrário, a tarefa histórica da classe trabalhadora é libertar a ciência e a tecnologia das
mãos do capital e, portanto, da burguesia. Em segundo lugar, essa luta dá-se no plano
real contraditório das relações sociais capitalistas.
2
. A parte referente à ciência e à cientificidade do conhecimento tem como base a abordagem de José
Barata-Moura no item que trata da cientificidade do saber em Marx (BARATA-MOURA, 1997, p. 69-
88).
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do real. Os fatos e fenômenos existem independentemente do que pensamos sobre eles.
No segundo caso, trata-se de não tomar as aparências do fenômeno como sendo o real.
A compreensão de qualquer fenômeno demanda apreender as mediações ou conexões,
contradições e particularidades que o constituem no plano histórico. E, como vimos
acima, em Marx só há uma ciência: a ciência da história.
O que Marx sublinha é que seu crítico entendeu que sua concepção materialista
da realidade e o método dialético histórico de desvelar o que está subjacente aos fatos e
fenômenos não se esgotam na compreensão. Seu método tem implicada a determinação
das condições da transformação prática da realidade. Vale dizer, no atual momento
histórico, de uma práxis que conduza à superação das relações sociais capitalistas.
Aqui reside um ponto central do legado de Marx para o projeto de pedagogia
socialista em relação à escola, o qual estabelece um confronto com as teses da
neutralidade do conhecimento — foco central do Movimento da Escola sem Partido3 —
3
. Sobre a gênese e as teses ultraconservadoras deste organismo e não simples movimento ver Frigotto,
2017 (Org.).
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quanto ao dogmatismo e à doutrinação. Em Marx, a escola tem a função de desenvolver
a cientificidade do conhecimento na relação teoria e prática.
O caráter político e, portanto, nunca neutro da escola no interior das relações
sociais capitalistas situa-se nos processos pedagógicos que dão as bases científicas para
que o estudante possa desvelar o que é subjacente aos fenômenos na perspectiva da ação
prática para a sua transformação4. Por outra parte, em Marx, a atividade formativa
escolar, também, não pode ser doutrinária ou dogmática. Por isso, a escola não pode
estar sob a orientação nem do Estado nem da Igreja.
4
. Dermeval Saviani explicita, de forma densa, a partir de Marx e Gramsci, as relações entre escola e
política (SAVIANI, 1980).
5
Note-se que Marx, no mesmo texto, utiliza os termos de educação tecnológica e politécnica como
sinônimos, ambos entendendo as bases científicas que facultam os princípios gerais de todos os
processos de produção.
14
seres humanos desenvolvidos em todas as dimensões. (MARX, 1984, v.I,
tomo 2, p. 87)
15
satisfazer a fome. “Para o homem que morre sob a fome, não existe a forma humana do
alimento, mas só o seu caráter abstrato de alimento” (Ibid. p. 144).
Os pedagogos russos, especialmente na primeira década da Revolução Russa de
1917, sob a ontologia e epistemologia materialista, avançaram numa forma escolar
pautada no desenvolvimento de todas as dimensões do ser humano e nos legaram pistas
concretas para serem desenvolvidas dentro de nossa particularidade histórica..
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para eles. Daí por que o sentido ontológico do princípio educativo do trabalho não pode
ser confundido com as pedagogias ativistas ou pragmáticas do aprender fazendo.
Um aspecto que assume centralidade e urgência nos movimentos sociais do
campo e da cidade e do conjunto da classe trabalhadora é que da ontologia materialista
deriva o projeto da pedagogia socialista que não separa a ciência dos homens da ciência
da natureza. Trata-se de dimensões diversas, mas não separáveis. Neste particular,
ganha importância basilar o desenvolvimento da ciência da agroecologia e sua aplicação
prática em larga escala. Nela reside a possibilidade da soberania alimentar em
contraponto à agricultura centrada na produção de alimentos altamente contaminados
por venenos cada vez mais potentes e destruidores da saúde e da vida
Por fim, cabe-nos indagar em que espaços concretos o projeto da pedagogia
socialista se mostra como germe em nossa sociedade e quais os embates que o tempo
presente nos demanda para seu desenvolvimento. Na construção, ao longo de nossa
história, certamente vislumbramos isso no pensamento autonomista e dos socialistas nas
primeiras décadas do século XX. Também, nos seus acertos e equívocos, encontramos
este germe entre os comunistas, nas lutas camponesas e de movimentos urbanos.
O livro Pedagogia do oprimido, de autoria de Paulo Freire, é síntese de lutas na
sociedade e na educação popular. A partir dos estudos mais sistemáticos das obras de
Marx, Engels, Gramsci e Lenin, Pistrak e Makarenko e, mais recentemente, na de
Shulgin e Krupskaya encontramos, tanto na pedagogia histórico-crítica quanto nas
experiências teórico-práticas do legado dos pedagogos russos, o avanço da pedagogia
socialista no âmbito dos conteúdos e da forma de organização da escola.
No presente, quem mais avançou no plano teórico e na ação prática, num terreno
adverso pelas condições materiais e pela criminalização e perseguição dos aparelhos
repressivos do Estado, foram escolas que estão sob a orientação do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra. A dilatação do projeto de pedagogia socialista implica, antes
de tudo, pedagogia da luta de classes no campo e na cidade. O desafio é, pois, avançar
na radicalidade teórica da ontologia e epistemologia materialista para aguçarmos o olhar
e perceber em que momento se expressa esta luta e as formas concretas de sua
ampliação. Trata-se de dilatar entre nós o que levou Antônio Cândido a concluir que, de
fato, no plano das conquistas na ampliação dos direitos e desenvolvimento das
potencialidades humanas, o socialismo é a “doutrina triunfante”.
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