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A LINGUAGEM DO ADVOGADO
Theotonio Negrão

Transcrição de palestra aos alunos do 3º ano da Faculdade de Direito de São


Bernardo do Campo, em 11-11.86. Cadeira de Direito Processual Civil I.
Reprodução de texto gravado, conservada a linguagem, apropriada aos
estudantes do 3º ano (Nota S. A. B.).

Prezado Prof. Dr. Calixto Antônio, prezado Prof. Dr. Sidnei Beneti, meus alunos.

Confesso que estou um pouco preocupado por ter que falar coisas a vocês,
porque não tenho o hábito de fazer palestras. Sou um advogado militante há
quarenta e tantos anos, tenho o hábito de falar aos juízes nos Tribunais, mas não
o de falar aos estudantes de Direito.

Quanto aos juízes, tenho a dizer o seguinte: nem sei mesmo se sou bem ouvido,
porque geralmente, depois que faço minhas sustentações, os juízes “acordam”.
Leio sempre, no final das decisões coletivas, que os juízes “acordam”... A
impressão é a de que não me devem ouvir com muito prazer. Peço, por isso, a
indulgência de vocês, e esta indulgência deve ser revestida de um certo tom
sentimental, porque, voltando a São Bernardo do Campo e encontrando aqui meu
querido Prof. Dr. Calixto Antônio, sou levado ao passado, a 1961, quando tive a
honra de presidir aqui um Congresso de Associações de Advogados.Tivemos,
naquela oportunidade, 15 entidades de classe que resolveram salvar o país; só
que não tomaram muito conhecimento de nossa deliberação... mas a verdade é
que fizemos o que estava ao nosso alcance.

O Prof. Sidnei Beneti me propôs o seguinte tema: “A Linguagem do Advogado”.

Sei por experiência própria, pois tenho ouvido uma porção de palestras, que o
orador nunca se atém ao tema, e as partes mais interessantes são exatamente
aquelas que estão de fora dele. Por isso, peço licença para não falar apenas sobre
a linguagem do advogado. Falarei um pouco mais, também, sobre o estilo do
advogado, sobre a conduta do advogado, que está mais ou menos ligada à
linguagem do advogado, e que talvez seja mais importante que esta.

A nossa profissão, e me orgulho muito de ser advogado (sou advogado há quase


cinqüenta anos), é uma profissão que tem um Código de Ética Profissional, e esse
Código de Ética Profissional tem validade não só legal, como validade pessoal,
moral.

Ninguém pode ser um grande advogado, ninguém pode pretender estar


desempenhando a sua profissão como deve, se não cumprir os preceitos da ética
profissional. A isso retornaremos. Comecemos pela linguagem.
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Que seria possível dizer a respeito da linguagem?

À primeira vista, é que a correção da linguagem é fundamental para o advogado.


E por que fundamental? Não por patriotismo, mas porque o advogado que não
consegue ter uma linguagem correta também não consegue exprimir
adequadamente o seu pensamento.

A linguagem é uma forma de comunicação. A nossa forma de comunicação é o


português; quem não domina o português não tem possibilidade de se comunicar
perfeitamente com alguém.

A nossa função é convencer e, se vamos convencer, temos de exprimir essa arte


que é a comunicação, através do perfeito domín io da linguagem.

De que maneira se obtém esse perfeito domínio? A primeira coisa que o advogado
deve pensar é que existem estilos, e, entre eles, o estilo forense; esse estilo
forense é mais ou menos clássico: o advogado não pode se dar ao luxo de usar
expressões coloquiais, assim como na Faculdade de Direito o professor não pode
se dar ao luxo de usar expressões chulas.

O advogado não pode recorrer à gíria, não pode usar expressões menos
adequadas, nem expressões vulgares. A linguagem tem uma certa dignidade e
essa dignidade deve ser atingida pelo advogado, que não deve transigir.

E, quando falo em linguagem, refiro-me, também, à apresentação física do


trabalho do advogado.

Um saudoso mestre, o Prof. Noé Azevedo, contava que, certa vez, Aristides
Malheiros, que foi seu secretário, levou uma petição para despachar. Quando
Aristides voltou, disse: “Professor, nós vamos ganhar esta causa!” ao que o
mestre perguntou: “Por quê?” . A resposta de Aristides foi: “porque o juiz disse:
Que beleza de trabalho de datilografia!”.

Realmente, devo acrescentar que ganharam.


E por quê?

Porque acontece que a limpeza do trabalho dá impressão de honestidade, de


seriedade, de vontade de colaborar com a justiça.

Eu me permito dar algumas sugestões. Sei que vocês talvez ainda não estejam
advogando, mas estarão, dentro em breve: então, pensem nisto: há algumas
coisas que são importantes, no trabalho forense, a começar pelo modo de
datilografar.

Deve haver um espaçamento razoável entre os assuntos; há quem escreva em


espaço simples; espaço simples é mais ou menos ilegível. E mais adiante vou
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dizer qual a regra mais importante, a regra que considero áurea para o advogado,
e vocês verão por que o espaço simples não deve ser utilizado.

Entre cada parágrafo, deve haver um espaço maior. Os parágrafos compridos


desesperam os leitores e o juiz é um mau leitor, porque ele se vinga de quem
escreveu, e sua vingança é muito mais séria, é julgar contra o advogado. Pensem
nisso.

Tenho um amigo a quem prezo muito, mas não consigo ler o que ele escreve,
porque os períodos dele têm três páginas. Não consigo ler períodos de três
páginas: fico aflito, desesperado, sinto-me sufocado.
Em todo caso, estou dando minha experiência, estou lhes dizendo isto: por favor,
tenham pena do juiz, porque, assim, vocês estarão ajudando seu cliente.

Evitem as orações compridas, os longos parênteses e digressões. Infelizmente,


tenho o defeito de escrever com muitos parênteses, mas devo dar uma
explicação: é que tenho um trabalho, que vocês devem ter aí, o Código de
Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, e fui forçado a escrever com
muitos parênteses, porque não podia fazer notas sobre notas. Mas não é um bom
estilo. Os parênteses devem ser evitados, deve-se escrever em linguagem direta.

Tenho uma outra experiência com um livro, um best seller que me foi dado por u m
saudoso e grande amigo. Esse livro se chama Anatomia do Crime e principia com
a seguinte frase: “O telefone tocou”. Comecei a ler o livro, esperando que
atendessem ao telefone. Pois, olhem, até o quinto capítulo o cidadão não tinha
atendido ao telefone... Não consegui ler o livro. Desisti.

Aí, então, vamos entrar mais um pouquinho no estilo do advogado.


Tenho para mim que existe uma regra de ouro para o advogado, quando escreve
nos autos. Ele está escrevendo para convencer o juiz. Então, qual a regra mais
importante? É pensar da seguinte forma: “Se eu fosse o juiz, como é que gostaria
que esse trabalho fosse apresentado?“ pois, é claro, estou trabalhando para
convencer o juiz; devo, por isso, facilitar a vida dele.

Vamos ver, portanto, quais as coisas que poderiam facilitar a vida do juiz. Uma
delas é a clareza. E a clareza é absolutamente necessária. Escrevam com a maior
clareza possível, voltem, refaçam a frase, mas sejam claros. Principalmen te, não
se preocupem muito com a repetição de palavras. Em estilística, existe a idéia de
trocarem-se as palavras por sinônimos, para que se evitem as repetições. A
linguagem da lei, a linguagem do jurista, porém, não é avessa a repetições. Se eu
falo “posse”, tenho de falar “posse”, porque é um termo técnico; se eu falo
“servidão”, tenho que continuar falando “servidão”, porque é um termo técnico.
Devo evitar, inclusive, mudar as palavras porque facilito ao juiz acompanhar o meu
raciocínio, usando sempre as mesmas palavras.

O Código de Processo Civil, que é um modelo de boa linguagem, feito pelo Prof.
Alfredo Buzaid, teve uma correção sintomática, em matéria de agravo de
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instrumento. Fora aprovada uma modificação no Código de Processo, quando


entrou em vigor; na parte de agravo de instrumento, ela dizia “o recorrente” e “o
recorrido” . Então, veio uma nova modificação no texto, para “o agravante” e “o
agravado”.

Por quê?
Porque aquele era o sistema da lei, que se manteve coerente.
Isto é importante num arrazoado. Um arrazoado deve ter uma estrutura
arquitetônica. Gosto de dizer isto, porque sinto, pelo menos no trabalho que faço,
que procuro fazê-lo como se fosse uma obra de arquitetura. Ele tem início, tem
meio e tem fim; ele se desdobra em idéias, eu passo de uma idéia para outra e,
sempre que o encerro, faço um resumo da idéia, porque tenho a impressão de que
o juiz, e peço licença para dizê-lo, ou está muito atarefado, ou não percebeu
exatamente onde quero chegar. Resumo minha idéia e meu argumento, e é só ali
que me repito, porque acho que o advogado não tem o direito de repetir; se ele
disse, falou. Só deve se repetir quando resume seu argumento, a cada vez que o
encerra.

E dêem primeiro a exposição dos fatos, para depois dar a exposição do direito. Há
advogados que escrevem, escrevem, e até a terceira ou quarta página e, às
vezes, até o fim, não se fica sabendo se se trata de uma ação de despejo, ou se é
um compromisso de compra e venda, ou mesmo uma separação judicial litigiosa...
O leitor fica pensando: “acho que é uma ação de despejo; ou então, não, não,
deve ser uma ação possessória”... e nunca se fica sabendo exatamente.

Por isso, não deixem de expor os fatos inicialmente. É importante, e vou dizer por
que: o advogado tem de separar argumentos jurídicos de argumentos
extrajurídicos ou parajurídicos, argumentos que não têm relação direta com a tese
jurídica, mas que são importantes, que fazem aquilo que no rádio se chama
moldura, dão uma idéia simpática, trazem simpatia para a causa.

Digamos o seguinte: se estou defendendo uma senhora que está sendo


despejada, digo, na exposição dos fatos: “Trata-se de uma ação de despejo
movida contra uma octogenária” . Claro que o fato de estar sendo movida a ação
contra uma octogenária não traz nenhuma conseqüência jurídica. Mas, vejam
bem, será que o juiz já não ficou com pena só de ver que a ação de despejo era
contra uma velhinha? Coitadinha da velhinha!

Depois, é preciso selecionar os fatos. Primeiro, há necessidade de expor


sistematicamente a matéria, para que o juiz trabalhe sobre ela, e dar umas
“deixas” , umas oportunidades para que o juiz verifique não só que temos direito,
como também que a causa é simpática. A simpatia é muito importante.

Agora, falo de clareza. Já disse que as palavras podem ser repetidas, e devem
ser repetidas, para maior clareza. Por exemplo, o adjetivo “seu”; o “seu ” tem de
ser relacionado com o substantivo mais próximo. Agora, “este” e “aquele” são
problema: “O juiz tem de dar atenção a “este” (o autor) . E qual é “aquele”? O réu.
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É muito comum o advogado se enganar, e não saber dizer se é o autor ou o réu,


principalmente porque às vezes se sente meio réu, quando é, na verdade autor...

Agora, expressões pedantes devem ser extirpadas, evitadas. Há uma porção de


coisas que, francamente, não me agradam. Vejam. p. ex. “peça exordial”. Meu
Deus do céu, o Código de Processo fala em “petição inicial”... Tão simples!

Havia um Professor da Faculdade que falava em “retomada edilícia”. Mas não é


uma “dilícia”? Retomada de imóvel para uso próprio, retomada “edilícia”!

Acho, p. ex. muito esquisita a expressão “decisão monocrática”, porque o prefixo


“mono” dá duas idéias: dá idéia de uno e idéia de macaco. Decisão monocrática
dá a impressão de que se acha o Meritíssimo com cara de macaco. Além do mais,
monocrática tem também a segunda parte da palavra: “crática” sugere a idéia de
que é o juiz quem governa; eu sei que ele me governa, mas não gosto. Há certas
coisas que não se deve admitir...

Expressões vulgares absolutamente não podem ser utilizadas. A Justiça tem a sua
dignidade.
Agora, uma coisa que não parece tão contra-indicada, mas que às vezes
acontece: é o ser claro demais. Vocês devem evitar o óbvio, aquilo que se chama
de óbvio ululante, aquilo que todos percebem, acredito que “até o juiz perceberá”...
Não há necessidade de ser tão claro. Essas coisas acontecem até no STF. Um
dos maiores juizes do STF cunhou a seguinte ementa para um acórdão: “Ao início
do processo, cada parte alega que tem razão; mas só no fim do processo é que o
Tribunal dará razão a quem efetivamente a tem” (RTJ 103/465). Ora, acho que
não preciso dizer mais nada, não é? É duro ter que chegar até o Supremo para
ouvir isso!

Evitem as palavras em demasia. Isto é tão importante nos escritos como,


principalmente, na parte verbal; na audiência e na sustentação oral.

Eu diria que o advogado deve ter, quanto possível, um estilo ático. Cada palavra
deve ser necessária, não deve haver palavras sobrando, nem faltando. E quando
digo estilo ático, sinto-me à vontade, porque já uma vez disse que o Prof. Beneti
tem “um estilo ático” , lembra-se Professor?

De maneira que vocês estão em boa companhia, porque têm exatamente um


professor com estilo ático. Outra coisa: há algumas expressões que enfraquecem
um pouco a linguagem. O uso de gerúndio, por exemplo. O gerúndio é uma
construção fraca da língua portuguesa; é pouco incisiva e pouco clara. Evitem o
gerúndio. Evitem o excesso de subordinadas: que... que... que, e o período não
termina mais. Coloquem um ponto final, e sigam adiante. Frases curtas, diretas.

O livro Como se Faz uma Tese, de Umberto Eco, autor de O Nome da Rosa, dá
uma porção de conselhos que são úteis até para o advogado, e dá também alguns
conselhos úteis apenas àqueles que vão fazer uma tese na Faculdade de Direito.
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Por exemplo: diz que as reticências não devem ser usadas. Claro, um trabalho
científico deve ser um trabalho firme, e não deve ter insinuações. Mas acho que o
advogado pode perfeitamente usar reticências, porque as reticências fazem
pensar, insinuam muita coisa que o advogado não quer ou não quis dizer, ou n ão
teve a capacidade de dizer e espera que o juiz lhe complete o pensamento.
As reticências são importantes quando usadas com sobriedade, porque fazem
com que o juiz se detenha sobre aquele ponto da argumentação. Os grifos. Aí eu
retomo outra vez Umberto Eco. Ele diz que os textos grifados devem ser de
palavras e frases e que os grifos devem ser evitados: só as palavras e as frases
essenciais devem ser grifadas. Notei que ele grifa parte das orações, e não o todo.
Não considero isto bom, porque quero crer que os juízes, muitas vezes, não lêem
tudo o que está escrito; eles olham o texto por alto e, assim, algumas vezes vêem
apenas o grifo e, então, este tem que ser uma idéia completa, para chamar a
atenção.

Existe outra forma de grifar que nem todos utilizam. Se quero chamar a atenção
para determinado argumento, uso um texto latino, ou cito em francês, ou mesmo
em inglês, porque aí o juiz, que está meio distraído lendo, fica um pouco
assustado com meu latim ou meu francês, e aquilo chama a atenção fortemente. É
outra forma de grifar.
Já falei nos argumentos metajurídicos, parajurídicos ou extrajurídicos. São
inteiramente vedados na parte em que se discute o direito, mas são muito
aconselháveis se usados modicamente na parte da exposição dos fatos.

Agora, chego a um ponto que seria realmente fora do nosso tema, porque não se
refere exatamente à linguagem do advogado, mas à sua conduta. É a conduta do
advogado que inspira a sua linguagem. A conduta é muito importante, antes
mesmo que ele se torne advogado da causa.

Quando pode o advogado aceitar a causa e quando não deve aceitá-la?

Há duas posições que devem ser examinadas: a primeira é a do advogado do


autor; a segunda é a do defensor do réu. Num processo penal, todo réu tem direito
à defesa e, portanto, o advogado que defende o réu num processo criminal está
inteiramente à vontade para aceitar a causa.

Mas falemos sobre o advogado do autor.

O advogado do autor, antes de aceitar a causa (não se esqueçam disso), é juiz da


causa. Ele não pode aceitar qualquer causa, não deve fazê-lo. Só pode aceitar a
causa que tenha base legal ou a que tenha base moral.

Há causas que têm base moral, embora não tenham base legal, e um dos méritos
do advogado é exatamente fazer com que o rigor dos textos acabe sendo elidido
por um sentimento de piedade e justiça; isto é muito importante.
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O advogado que é procurado por um cidadão que lhe diz: “Olhe, eu quero que o
senhor faça isso”, pode responder: “o que o senhor pretende é considerado ilegal,
mas, dentro de meu sentimento de justiça, o senhor tem razão, e estará mais do
que justificado para aceitar a causa.

Sabemos que nem tudo o que é lícito é honesto. O advogado deve recusar uma
causa que considere desonesta: mas sabemos que muita coisa que é honesta não
é reconhecida pela justiça ou, mais propriamente, pelo direito. E aí está a beleza
da profissão, porque o advogado esclarece o juiz, que poderá, assim, fazer justiça.

Tive na minha vida como advogado algumas alegrias, por fazer prevalecer aquilo
que era o verdadeiro espírito da lei, acima do texto frio da lei. Acho que esta é
uma das alegrias do advogado. E não digo isso por glória, estou dizendo para
contar uma experiência a vocês, porque todos podem e devem fazer isso. Esta é a
beleza de nossa profissão.

Há uma coisa que é muito importante na advocacia, e que se refere tanto ao


advogado do autor quanto ao do réu, principalmente, talvez, ao advogado do réu:
é evitar o recurso a expedientes protelatórios. O advogado não tem o direito de
procrastinar o andamento do feito. Não tem o direito de criar incidentes, de
sonegar provas, de dificultar a apreciação, a distribuição da justiça. O advogado é
um auxiliar da justiça, não um inimigo dela. Ele está para servir a algo mais alto do
que o cliente – a justiça. Pode até perder uma causa, mas não pode perder sua
ética profissional. Ganhar tempo indevidamente é contra a ética profissional.

E porque usei o advérbio “indevidamente”?


Porque, às vezes, o advogado o faz licitamente. Primeiro, o advogado tem certos
prazos que a lei lhe concede e, neste caso, está ganhando tempo de acordo com
a lei. Está absolutamente dentro da ética profissional.

O advogado que espera um fato superveniente que poderá modificar a situação


processual em que se encontra o seu cliente tem o direito de protelar o andamento
da causa.

Vamos dar um exemplo próximo. Dizia-se que ia ser promulgada uma lei
suspendendo as ações de despejo. Muito bem: está para ser executado um
despejo; qual é a conduta do advogado, sabendo que a lei está para ser
aprovada? Deve permitir que seu cliente seja despejado? Não; deve usar de todos
os meios protelatórios válidos para evitar que o cliente seja despejado. Direi
sinceramente, pois não quero ser hipócrita: eu usaria de todos os meios para que
meu cliente não fosse despejado, e por isso não posso aconselhar que vocês
ajam de outra forma.

Ainda recentemente, tive um problema semelhante. O STF modificou a regra do


recurso extraordinário a partir do começo do ano, dificultando a sua
admissibilidade. Havia um caso que ia ser julgado no fim do ano passado: se
fosse julgado naquele fim de ano, haveria maior possibilidade de dar recurso
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extraordinário. Eu tinha ganho por dois a um na apelação e, agora, iam ser


julgados os embargos. Como entraram mais dois juízes novos, aritmeticamente
havia maior possibilidade de ganhar que de perder esse embargos; então, eu
poderia correr o risco calculado de tentar o adiamento, para que os embargos
fossem julgados sob a vigência da Emenda Regimental 2 do STF. Foi o que fiz. A
lei me permitia, o Código de Processo me permitia e eu o fiz tranqüilamente.
Felizmente, tudo deu certo, porque, já na vigência dessa emenda, ganhamos por 3
a 2.

O advogado deve expor os fatos com honestidade total. Essa honestidade total
começa, inclusive pela obrigação de citar as folhas dos autos. O advogado
cuidadoso de verdade jamais menciona fato que se encontra nos autos sem
imediatamente dar a contraprova de que ele se acha a folhas tais. Mesmo porque
o advogado da parte contrária pode ser mais minucioso do que ele e citar um
documento oposto que está em outra folha e que o juiz vai ler, porque este
advogado citou a folha, e não vai ler o documento que o primeiro advogado citou,
sem dizer onde podia ser localizado...

Menos ainda se pode entender que o advogado faça alterações em citações, para
atender às necessidades da argumentação, isto é, que “colabore” com o autor
citado, ou modifique um pouco o português, para que a frase fique melhor. Não;
ele tem de citar exatamente como está: quando omitir, tem de colocar reticências;
se, no final, a citação ainda não estiver completa; será bom que coloque um “etc”,
para mostrar ao juiz que, se lhe interessar ler a citação na íntegra, ainda
encontrará aí algo mais. Isto tudo, para não parecer que o advogado está faltando
com a verdade, porque a coisa mais importante que há para o advogado é a sua
credibilidade. O juiz tem de acreditar no advogado. Isto é importante, porque o
advogado, na realidade, não se pertence; ele pertence a todos os seus clientes. O
advogado que às vezes faz uma citação pouco correta num processo, com a idéia
de favorecer seu cliente, corre o risco de prejudicar outro cliente mais adiante,
porque o juiz vai pensar; “Este advogado eu ponho sob reserva, porque não
acredito nas citações que ele faz”.

Outro problema de conduta é o que diz com o problema do respeito aos juízes,
aos colegas e aos clientes.

Quanto ao respeito aos juízes, existe uma disposição do Estatuto da Ordem dos
Advogados que situa a questão de maneira precisa, tanto para os advogados
quanto para os magistrados: o advogado deve respeito ao juiz, mas não deve
subserviência; e nenhum temor de desagradar o juiz deve reter o advogado no
exercício de sua profissão. Se proceder assim, se tiver receio do juiz ou das
conseqüências, estará prevaricando. O advogado não pode fazer isso. Mas tem
de respeitar o juiz.

E esse respeito começa pela forma de tratamento: Meritíssimo juiz. Começa aí,
inclusive por não fazer menções pessoais ao juiz. Não é permitido fazer menção
pessoal ao juiz. Na realidade, nem mesmo é recomendável que se diga: “o MM.
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juiz decidiu assim”, mas: “A respeitável sentença apelada julgou” etc. A atividade
do juiz é impessoal, ele é apenas o intérprete da lei. O juiz não está em causa.

E digo a mesma coisa com relação ao advogado. Geralmente os advogados


recém-formados têm a intenção de levar a ferro e fogo a sua conduta, e sua
atitude em relação ao colega também é a de que não lhe devem fazer
concessões. É preciso distinguir: o advogado não deve fazer concessões ao
adversário, mas ao colega ele pode e deve fazer concessões, quando justas.

Conto um caso pessoal meu, para me penitenciar, de público: um colega, cujo pai
falecera, enquanto seu prazo para falar estava correndo, me perguntou se eu
concordaria com uma dilação do prazo. Pensei duas vezes: “Acho que vou dizer
não”, mas, de qualquer modo, indaguei de outro colega mais idoso como fazer, e
ele me disse: “Você não pode se negar, você não está advogando contra o colega,
está advogando contra a parte contrária”. Quero que vocês aprendam isto: que
estão advogando contra a parte contrária, e aí devem ser intransigentes; mas
contra o colega, não. O respeito ao colega, a deferência, isto é fundamental para o
advogado.

Geralmente os clientes têm péssima impressão quando vêem um advogado


conversando com o colega adversário; logo pensam: esse advogado aí está
conchavando, porque está conversando com o colega... Nada disso. As brigas
entre as partes são as brigas entre as partes. O advogado não tem absolutamente
nada com elas.

Lembro-me que certa vez um velho advogado, que eu muito respeitei, ouviu de
outro a seguinte observação: “O seu cliente não presta”. Ao que ele respondeu:
“Olha, eu não tenho nada com isso, isso é problema de meu cliente, eu só
defendo os direitos dele”.

E, realmente, o advogado não tem o direito de ofender a parte contrária. Uma


expressão mais viva, sem entretanto ser contundente, ofensiva, pode ser usada. O
advogado não deve ter um estilo frio; deve fazer o juiz sentir que ele acredita na
causa, porque isso é importante. É importante para ele, porque lhe dá entusiasmo
para defender a causa, e é importante para o juiz, que, sentindo a sinceridade do
advogado, também pode se sensibilizar.

Eu me lembro de uma vez, um grande juiz, que fora meu colega de turma, me
dizer, depois de minha sustentação oral: “Você sabe por que perdeu esta
questão? Porque você sustentou sem nenhuma convicção”. Até ali, ele tinha
razão. O que não esperava era a resposta que lhe dei: “Eu sustentei sem
convicção porque sabia que neste Tribunal ia perder, mas vou ganhar no Supremo
Tribunal”. E, realmente, ganhei.

Então, eu dizia que nem mesmo o adversário merece comentários desairosos.


Não se deve dizer senão o necessário. Manter a questão numa dignidade tal que
não pareça uma campanha eleitoral...
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Creio que examinei, mais ou menos, os aspectos importantes do tema que me foi
proposto, até com alguma digressão além daquilo que me foi proposto.

Coloco-me à disposição dos senhores para quaisquer esclarecimentos e agradeço


a atenção e a paciência. Foi um prazer falar com vocês.

Maio-2003

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