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VII COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX ENGELS

GT 4 - Economia e política no capitalismo contemporâneo

ECOLOGISMO, ANTI-ECOLOGISMO E CAPITALISMO DEPENDENTE: LIMITES


DA EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE NO CONTEXTO BRASILEIRO

Inny Accioly1, Celso Sánchez2

A partir da constatação de que hoje, no Brasil, a consciência ambiental é maior do que há


décadas atrás e de que, ainda assim, a degradação ambiental não diminuiu, lançamos a
hipótese de que grupos que assumem posicionamentos anti-ecológicos impedem avanços na
defesa do meio ambiente, ao mesmo tempo que se auto-proclamam ecológicos e sustentáveis.
Verificamos que o Brasil, enquanto país “capitalista dependente” 3, carrega consigo esta
contradição: de um lado a tentativa de “conversão” (sob o nome de “conscientização”) da
população (tanto as classes populares quanto as frações burguesas) ao ideário ambiental da
sustentabilidade (enquanto tendência mundial) e do outro lado a necessidade de manutenção
do ideário anti-ecológico, que dará o suporte para que setores produtivos possam continuar
destruindo a natureza em nome de um suposto desenvolvimento que geraria empregos e
acabaria com a miséria e a fome. Neste sentido, constatamos sérios limites da ação educativa
na tarefa da “conscientização ambiental”.

Palavras-chave: Ecologismo, Anti-Ecologismo, Capitalismo Dependente, Educação


Ambiental.

INTRODUÇÃO

Considerando que o ano de 2012 é o ano da Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (RIO+20), sediada no Rio de Janeiro (Brasil), a presente
investigação parte de uma pergunta que é, em parte, uma constatação: Se hoje em dia muito se
fala na defesa do meio ambiente, por que as práticas são tão devastadoras? Na ocasião da
RIO+10, em 2002, o ambientalista Fabio Feldmann, que trabalhou na construção da política
nacional de educação ambiental (lei 9795/99) já constatara que: “Desde a Rio 92, a
consciência ambiental aumentou, mas nem por isso a degradação ambiental diminuiu.” 4 Esta
preocupação deixa exposta a incapacidade da “consciência ambiental” por si só fazer frente ao
desafio da problemática ambiental no Brasil.

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Pesquisadora do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ) e do
Coletivo de Estudos em Educação e Marxismo (COLEMARX/UFRJ). innyaccioly@hotmail.com
2
Doutor em Educação. Professor, Pesquisador e chefe do Departamento de Didática da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). celsosanchez@unirio.br
3
Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
4
Philippe Layrargues, Educação no processo da gestão ambiental: criando vontades políticas, promovendo a
mudança. In: ZAKRZEVSKI, S.B.B., VALDUGA, A.T., DEVILLA, I.A. (Orgs.) Anais do I Simpósio Sul
Brasileiro de Educação Ambiental. Erechim: EdiFAPES. p. 127-144. 2002.
Nossa hipótese para esta questão, no Brasil, é a existência de grupos que exercem forte
influência política e que assumem posicionamentos “anti-ecológicos”, atuando
sistematicamente de forma a impedir os avanços na defesa do meio ambiente e no caminho
para a sustentabilidade. Como estratégias, os sujeitos do fenômeno denominado “anti-
ecologismo”5 utilizam: a desinformação; a distorção de descobertas científicas; a má
interpretação de dados - para construir uma certa visão do mundo e sustentar uma agenda
política; se auto-intitulam promotores do desenvolvimento, geradores de emprego, divisas
e produtos; se organizam para exercer pressão a favor da flexibilização da legislação
ambiental e do desmonte do aparato público administrativo para a gestão ambiental,
assim como a redução de verbas públicas para a fiscalização; adotam a política do “fato
consumado” para a aprovação de leis a seu favor; atacam movimentos ambientalistas,
desqualificando-os pretensamente em prol da “soberania nacional” e do “interesse social
relevante”, gerando confusão e confundindo a opinião pública, deliberadamente.

O objetivo deste estudo, portanto, é buscar uma compreensão acerca dos limites da
ação educativa na tarefa da conscientização ambiental em um país de economia capitalista
dependente e conformado pela luta de classes, assim como repensar o papel das
Universidades na formação de sujeitos críticos, que possam atuar estrategicamente frente ao
embate político.

Como metodologia, elegemos a dialética marxista e sua perspectiva de totalidade.

Buscando uma análise do fenômeno anti-ecologismo e suas formas de expressão na


sociedade brasileira, voltamos nossos olhares para um setor do Estado, o poder legislativo.
Considerando o conceito Gramsciano de “Estado Ampliado”, onde o Estado se forma na
conjunção de uma sociedade política (Estado stricto sensu ou Estado - coerção) e uma
sociedade civil (esfera da disputa da hegemonia e do consenso) 6 -, acreditamos ser o
Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) palco de disputas políticas
que traduzem os tensionamentos que ocorrem nas demais esferas da sociedade.
Utilizamos como instrumentos de pesquisa: a análise documental dos pareceres dos
relatores do Projeto de alteração do Código Florestal Brasileiro (PL 1876/99) na Câmara e no
Senado; recolhimento de dados sobre o financiamento das campanhas eleitorais (disponíveis
na internet a partir da lei 11.300/06 7) dos parlamentares membros das mesas diretivas das
Comissões de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em 2010 e
2011, assim como dos relatores do Projeto de Lei que altera o Código Florestal; investigação
sobre a atuação (no tocante às questões ambientais) das empresas financiadoras das
campanhas eleitorais dos parlamentares estudados; acompanhamento dos processos de
discussões, votação e aprovação na Câmara (por 410 votos a favor e 63 votos contra) do
relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) que altera a legislação florestal brasileira;
análise de pronunciamentos de parlamentares envolvidos nas discussões acerca da revisão do
Código Florestal em diferentes mídias, privilegiando as mídias oficiais da Câmara e do
Senado. Em trabalhos anteriores8 já nos foi possível utilizar estes dados para observar a

5
Inny Accioly; Celso Sánchez; Philippe Layrargues, Anti-ecologismo no Congresso Nacional: o meio ambiente
representado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Anais do VI Encontro Pesquisa em Educação
Ambiental. Ribeirão Preto, setembro de 2011. Disponível em <http://epea2011.webnode.com.br/products/a0063-
1-/>. Acesso em 28 nov. 2011.
6
Carlos Montaño; Maria Lúcia Duriguetto, Estado, Classe e Movimento Social. São Paulo: Cortez, 2011.
7
Os dados coletados são oficialmente divulgados pelo TSE no endereço < http://www.tse.gov.br/>.
8
Inny Accioly; Celso Sánchez; Philippe Layrargues, Op. Cit.
formação do discurso anti-ecológico e entender onde o mesmo se situava no contexto das
disputas simbólicas na alteração do Código Florestal Brasileiro em favorecimento dos setores
produtivos.
Escolhemos focar nossos olhares sobre o Código Florestal e o projeto de lei que
promove a sua alteração por considerar ser esta uma arena de disputas onde emergem as
representações de natureza dos atores envolvidos e suas visões acerca do meio ambiente,
assim como as estratégias adotadas em um confronto direto no momento exato de revisão das
políticas de gestão dos “recursos” naturais, quando poderiam ser alteradas as “regras do
jogo”. Outro motivo desta escolha se deu por este ser um dos temas mais importantes em
votação - envolvendo as questões ambientais - no período da investigação e por ter circulado
exaustivamente pela imprensa nacional.

A QUESTÃO AMBIENTAL NO BRASIL


O processo de acumulação capitalista tende a transgredir o limite das condições naturais de
reprodução, ou seja, o processo metabólico de ampliação continuada do capital não considera
e não se relaciona per se com os limites do meio natural. Considerar a natureza no processo
de acumulação capitalista pareceu desnecessário enquanto se desconheciam “os limites do
crescimento” ou os problemas do meio ambiente e, portanto, estes não eram temas no
discurso político ou científico 9.
O meio ambiente aparece majoritariamente como “o meio ambiente construído”,
produzido pelo homem. É concebido como a provisão de bens públicos, que incluem
não só os bens culturais e naturais, mas também a infra-estrutura material e imaterial
produzida. 10

Na teoria de Marx, o meio ambiente é sempre “meio ambiente construído”, sendo


tratado como “as condições gerais de produção”, que em um sistema capitalista, como regra,
têm de ser providas pelo Estado, “ao menos enquanto o sistema de direitos de propriedade não
estiver suficientemente desenvolvido para oferecer ativos seguros aos investidores
privados”11.
Desta forma,
O discurso sobre as condições gerais de produção, quer dizer, sobre os bens
públicos, é um tema de caráter politizado em essência porque o Estado, o sistema
político e a estrutura de poder de uma determinada sociedade estão envolvidos desde
o seu começo. 12

Os conflitos sociais e as lutas discursivas se centram não só em torno das estruturas de


classes em uma sociedade capitalista, mas também ao redor da relação social entre o homem e
a natureza, o meio ambiente construído, as condições gerais de produção, o tema da
qualidade e quantidade de provisão dos bens públicos.
Essa restrição que exercem as classes possuidoras ou proprietárias sobre as
despossuídas não tem comparação nas outras espécies de seres vivos. É como se um
grupo de pássaros se encarregasse de tirar as asas dos pombinhos de outros grupos
de sua mesma espécie ao nascer para deixá-los impossibilitados de acessar os meios
de vida. Ou como se um grupo de gatos se encarregasse de mutilar as garras de

9
Elmar Altvater, Existe um marxismo ecológico? In: BORON, A.; AMADEO, J.; GONZÁLEZ, S. (Orgs.) A
Teoria Marxista hoje: Problemas e Perspectivas. São Paulo: CLACSO/ Expressão Popular, 2007. P. 327- 349.
10
Ibidem, p.338
11
Ibidem, p.339.
12
Ibidem, p.340.
outros grupos, deixando-os indefesos frente ao meio ambiente. Também aqui as
relações sociais se antepõem e terminam as relações ecológicas. 13

As discussões acerca das “condições gerais de produção” e da provisão dos “bens


públicos”, apesar de estarem na raiz da “questão ambiental”, não foram as propulsoras para a
criação e disseminação dos movimentos ambientalistas em solo brasileiro14.
No plano político internacional, a década de 60 marcou a emergência de uma série de
movimentos sociais que não criticavam exclusivamente o modo de produção, mas,
fundamentalmente, o modo de vida, caminhando de forma descolada das tradicionais
reivindicações socialistas que priorizavam a luta operária e sua missão histórica de derrubada
do capitalismo.
Assim, promoveu-se um deslocamento de ênfase nas lutas dos movimentos sociais:
enquanto o movimento operário e sua vertente marxista insistia em uma luta única do
proletariado para um futuro comum, os movimentos que emergiram na década de 1960
passam a atuar de forma a fragmentar as lutas, baseando-se em reivindicações oriundas do
cotidiano, da crítica ao modo de vida, do clamor por mudanças em condições pontuais das
vidas de distintos grupos (jovens, mulheres, “minorias” étnicas, etc).
Neste contexto, o movimento ambientalista ganha força e amplitude ao questionar as
condições presentes da vida e desenvolver suas lutas em torno de questões as mais diversas
como extinção de espécies, desmatamento, poluição, uso de químicos, urbanização
desenfreada, explosão demográfica, contaminação de alimentos, erosão dos solos, ameaça
nuclear, corrida armamentista, entre outras. Em meio a tantas lutas dispersas, ficou bastante
difícil identificar o eixo que une todas elas.
Gonçalves15 aponta que, no Brasil, o movimento ambientalista emerge na década de
1970 em um contexto muito específico, pois vivia-se sob uma ditadura que se abateu de forma
cruel sobre movimentos como o sindical e o estudantil.
A nossa esquerda de então acreditava que o subdesenvolvimento do país se devia
fundamentalmente à ação do imperialismo, que tinha como aliado interno a
oligarquia latifundiária. Essa era a razão do atraso e da miséria em que vivia o povo
brasileiro e, em decorrência, deveríamos nos bater por uma revolução
antiimperialista, de caráter popular, e com o apoio de setores da burguesia nacional.
Assim, acreditava-se, estaria aberto o caminho para a modernização da sociedade
brasileira, etapa necessária para consolidar uma classe operária que pudesse
empunhar a bandeira do socialismo. 16

A partir desta colocação de Gonçalves, podemos notar o alinhamento da esquerda


brasileira da época com uma visão desenvolvimentista baseada em um modelo de
industrialização que até então desconsiderava a dimensão ambiental. Nesta visão, a
modernização/industrialização do país traria condições para a promoção da justiça social entre
o povo brasileiro. A natureza, vista como sendo apenas a paisagem e os animais não-
humanos, precisaria ser sacrificada para este fim.

13
Guillermo Foladori, O capitalismo e a crise ambiental. Outubro: Revista do Instituto de Estudos Socialistas.
São Paulo, n. 5, p. 117, 2001.
14
Carlos Walter Porto Gonçalves, Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2008.
15
Ibidem.
16
Ibidem, p.13.
O que tem sido observado em nosso contexto nacional é que o projeto de
desenvolvimento levado adiante não foi prioritariamente o da melhoria nas condições sociais
da população e da qualidade e quantidade de provisão dos “bens públicos”, mas sim um
desenvolvimento unicamente no plano técnico-econômico de abertura para o capital
estrangeiro e benefício das alianças entre as burguesias nacionais e internacionais.
Para atrair mais capital estrangeiro para o país, em uma época em que as preocupações
ambientalistas cresciam a nível internacional, o Estado brasileiro teria que se alinhar às
exigências das instituições financeiras. Desta forma, “antes que houvesse enraizado no país
um movimento ecológico, o Estado criou diversas instituições para gerir o meio ambiente, a
fim de que os ansiados investimentos pudessem aqui aportar” 17.

Em finais da década de setenta, com a anistia, retornaram ao Brasil diversos exilados


políticos que vivenciaram os movimentos ambientalistas europeus e que, em seu retorno,
acabaram por se juntar a outros que já vinham defendendo teses ecologistas junto a
movimentos sociais em solo brasileiro. Assim, de diferentes lugares sociais emergem
discursos ecológicos e práticas contraditórias entre si: o Estado, interessado nos investimentos
estrangeiros que só chegariam caso se adotassem medidas de caráter preservacionista; os
movimentos sociais que lutavam pontualmente em diversas regiões do Brasil; e, finalmente, a
contribuição dos exilados políticos que aqui chegaram no final da década de 70.

A CRÍTICA AO ECOLOGISMO NOS MOLDES CAPITALISTAS

João Bernardo, autor português, em 1979 lançou o livro O inimigo oculto: Ensaio
sobre a luta de classes: Manifesto anti-ecológico. Interessado em analisar os possíveis efeitos
das remodelações propostas pelos movimentos ecológicos sobre a sociedade contemporânea,
Bernardo busca desvendar quem ganha e quem perde com tais remodelações.
Na falsidade da sua argumentação, na ignorância dos processos históricos de
relacionação entre os modos de produção e a natureza, no escamoteamento das
transformações sofridas pelos elementos da natureza em virtude da ação de todas as
sociedades humanas, nesta ausência de uma fundamentação científica séria, as
ideologias ecológicas aparecem na sua verdadeira função demagógica. Os
argumentos de caráter genérico invocados limitam-se a servir de preâmbulo
estilístico para propor modificações circunstanciais que adaptem o capitalismo às
novas condições da sua existência. É a partir daqui que podemos compreender a
função da ecologia na luta de classes hoje travada. Só neste sentido devemos enten-
der as referências ao pretenso “equilíbrio natural”. 18

Bernardo lança este manifesto anti-ecológico tecendo sérias críticas aos


ambientalismos que se expressavam na época e que apelavam para os “limites da natureza”,
para “alterações das fontes energéticas”, para a “redução do consumo” e o “crescimento
zero”. O autor compreendia a ecologia enquanto ideologia e os “ecológicos” como ideólogos
das classes dominadoras. Assim, afirmava o papel do ambientalismo enquanto ideologia no
processo de remodelação do capitalismo:
Para compreendermos como o programa ecológico se refletirá nas contradições
sociais internas do sistema capitalista precisamos desagregar o “crescimento zero”
nos seus componentes essenciais. Só assim podemos definir quem com ele lucra e
quem o paga. O equilíbrio estagnante proposto nesta tese requer uma redução muito

17
Ibidem, p.15.
18
João Bernardo, O inimigo oculto: Ensaio sobre a luta de classes: Manifesto anti-ecológico. Porto:
Afrontamento, 1979.
considerável do nível médio de vida, que compense a concentração dos
investimentos nas condições gerais de produção e a acumulação de capitais
destinada a esse sector. O «crescimento zero» é o modelo da mais-valia absoluta, em
que, no interior de limites constantes, é crescente a mais-valia de que o capitalista se
apropria e decrescente o salário proletário. 19

Segundo o autor, a teoria do “crescimento zero” implicaria a manutenção das grandes


diferenças de nível de vida entre os países industrializados e os países exportadores de
matérias-primas, conservando-se vastas regiões na situação de dependência tecnológica e
econômica, sendo esta a mais extremada manifestação contemporânea do imperialismo.
Quanto às teorias da “redução do consumo”, o autor alega que “propor que as pessoas
consumam menos sob o pretexto de que assim atacariam o capitalismo é tão imbecil e tão
reacionário como seria impor aos proletários um salário menor invocando o argumento de que
assim por-se-ia em causa o regime do assalariamento”.
João Bernardo propunha “nem a negação utópica e reacionária da indústria, nem a
mera recusa de algumas matérias-primas, o controle de certas poluições e a extinção de certo
tipo de bens”.
Trata-se de, partindo necessariamente da maquinaria hoje existente, desenvolver a
standardização, que resulta da igualdade no processo de fabrico, mas fazê-lo num
sentido inteiramente novo, eliminando a cisão entre o produtor e o processo de
produção, de modo que a standardização possa fundamentar a criatividade
permanente, expressão da gestão da vida social pelos próprios trabalhadores. Nada
há de comum entre esta tendência e a remodelação das condições gerais de produção
concebida pelos universitários do Massachusetts Institute of Technology ou pelos
gestores de O Clube de Roma. Estes se preocupam exclusivamente em conceber
novas fontes de energia, selecionar matérias-primas e planejar a transição do sistema
atual para aquele que propõem. São absolutamente silenciosos quanto às relações
sociais no processo de produção, quanto à propriedade dos meios de produção,
quanto ao controle da gestão e à orientação das decisões. O movimento operário
nada tem de comum com esta orientação.20

Através destes argumentos podemos observar que João Bernardo tece suas críticas aos
ambientalismos que desconsideram a luta de classes e não questionam a exploração do
trabalhador nos processos produtivos e que, desta forma, servem muito bem ao capitalismo
por apagarem os conflitos e se apresentarem com discursos de aparente neutralidade em
defesa de um meio ambiente comum. Assim, “a capacidade do movimento ecológico para
fundir esquerdas e direitas revela que ele é parte integrante de um realinhamento das
oposições sociais” 21. Para o autor, quem perde com as “remodelações ecológicas” é o
movimento operário, pois, “se a corrente ecológica vier a confirmar-se como o principal
campo atual de unificação das classes22, a sua cisão será então a condição necessária para o
prosseguimento do movimento operário” 23.

19
Ibidem.
20
Ibidem.
21
Ibidem.
22
Os estudos de Lamosa (2010) confirmam que a Educação Ambiental tem servido como instrumento utilizado
pelo empresariado para disseminar um novo padrão de sociabilidade, com novos preceitos de participação e
cidadania baseados na negação dos conflitos e das diferenças de classes. Rodrigo Lamosa, A educação ambiental
e o novo padrão de sociabilidade do capital: um estudo nas escolas de Teresópolis (RJ). Rio de Janeiro:
UFRJ/Faculdade de Educação. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Faculdade de Educação/Programa de Pós-
Graduação em Educação, 2010.
23
Ibidem
O que prega o manifesto anti-ecológico de Bernardo - “A cisão da corrente ecológica
como condição necessária para o prosseguimento do movimento operário” – não é o fim de
todo e qualquer cuidado com o meio ambiente. Seu manifesto aponta mais uma vez a arena
conflituosa que é o campo ambiental, onde projetos societários conservadores camuflam-se
atrás de “belos” discursos de sustentabilidade e equilíbrio ecológico. Ao mesmo tempo, quem
informa o momento de empregar este ou aquele discurso ecológico permanece sendo o
mercado capitalista.

ANTI-ECOLOGISMO ECOLÓGICO?
Jean-Pierre Dupuy, em seu livro Introdução à crítica da ecologia política 24, nos alerta
para as transformações processadas pela ecologia no capitalismo:
A ecologia no capitalismo é a integração dos constrangimentos ecológicos na lógica
capitalista. (...) O capitalismo será, sem dúvida, fortemente transformado, mesmo se,
a um nível suficientemente profundo, houver sempre a possibilidade de detectar sua
lógica destrutiva. 25

Ao prosseguir sua análise da ecologia do capitalismo, Dupuy nos afirma que “a


realidade dos constrangimentos ecológicos não é em nada portadora de uma ética, não mais de
que de uma política”. Estando dentro da lógica capitalista, portanto destrutiva, a ecologia
torna-se igualmente perversa como “ciência dos equilíbrios naturais”.
Em uma sociedade marcada pela miséria e pela desigualdade social - como a
sociedade brasileira - falar de “equilíbrios naturais” soa tão perverso quanto falar em reduzir a
produção de alimentos para não avançar sobre matas nativas e não prejudicar o meio
ambiente. Por detrás deste questionamento surgem os termos “crescimento econômico” e
“desenvolvimento”, quando não “desenvolvimento sustentável”. Desta forma, incentiva-se a
vinda para o Brasil de indústrias pesadas, reconhecidamente poluidoras, para gerar empregos
e acelerar o nosso “crescimento” 26.
Dupuy expressa sua preocupação com os usos possíveis da ecologia no capitalismo
mundial ao afirmar:
Contudo, ao invés de defender a ecologia examinando diretamente o seu conteúdo
real, prefiro colocar o problema no único nível em que deve ser: o do realismo. Com
efeito, a questão não é: devemos levar a ecologia a sério? Se alguns progressistas
atrasados, à direita ou à esquerda, ainda fazem essa pergunta ou respondem pela
negativa, o capitalismo mundial já resolveu pela afirmativa.27

Tendo em vista esta constatação de Dupuy, o que nos interessa investigar é em que
medida o capitalismo mundial, ao mesmo tempo em que afirma a ecologia e o ecologismo,
24
Jean-Pierre Dupuy, Introdução à crítica da ecologia política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1980.
25
Ibidem, p.16
26
“Este novo “boom” do setor siderúrgico faz parte de uma nova divisão internacional do trabalho, com a
chamada “fase quente” da siderurgia sendo transferida dos países mais ricos para os países emergentes, como o
Brasil, Coréia do Sul, Índia e China, os quais possuem um crescente papel na exportação mundial do aço
enquanto commodity metálica. Contudo, por se tratar de uma indústria eletrointensiva, poluente e perigosa, as
novas siderurgias localizadas no litoral brasileiro, como a Companhia Siderúrgica de Pecém (CE) e a TKCSA
(RJ), representam também uma nova divisão internacional de riscos e fonte de injustiças ambientais, pois afetam
as populações, inclusive as tradicionais, que vivem nos territórios onde estão sendo implementados tais
empreendimentos.” (FIOCRUZ; ENSP; EPSJV. Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em
Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA. Rio de Janeiro, setembro de 2011.)
27
Jean-Pierre Dupuy, Op. Cit., p.15
não promove a negação do anti-ecologismo. Em outras palavras, o que esperar quando se
afirma e se nega, simultaneamente, a defesa do Meio Ambiente?

Em nossas investigações sobre o financiamento de campanha eleitoral dos


parlamentares envolvidos nas Comissões de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal e nas discussões sobre as alterações do Código Florestal, identificamos
setores econômicos que investem grandes quantias de dinheiro na eleição destes candidatos.
Algumas empresas investiram em mais de um dos candidatos analisados, o que deixa
transparecer profundos interesses em exercer influência nas decisões relativas ao meio
ambiente. Esta afinidade entre empresários e parlamentares aparece tanto nos investimentos
financeiros que alguns setores econômicos realizam na candidatura de parlamentares, quanto
nas atuações destes em retribuição aos investimentos recebidos. Os setores do agronegócio e
setores que, na cadeia da produção e distribuição das commodities, interligam-se ao
agronegócio – indústrias de petróleo, carvoarias, setores energéticos, mineradoras, bancos e
construtoras – foram identificados pela pesquisa.

Ao voltarmos nossos olhares para o Congresso Nacional Brasileiro observamos


estratégias que trabalham para encobrir a perspectiva crítica da crise ambiental e disseminar
uma visão única acerca das possíveis soluções, sempre de forma que não desestabilize a
ordem vigente.

Neste contexto, o fenômeno anti-ecologismo surge e se manifesta nos momentos em


que não parece economicamente viável tomar certas posturas ou qualquer postura
ambientalista. Neste momento, indivíduos ou organizações se opõem às correntes
ambientalistas, as depreciam, desqualificam ou ignoram. Entretanto, não é comum as
empresas “sujarem” suas logomarcas (nacionalmente e, principalmente, internacionalmente)
assumindo explicitamente o discurso anti-ecológico. Assim, costumam se esconder atrás de
parlamentares (que dificilmente declararão seus vínculos) enquanto mantém um discurso
“sustentável”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerar o Brasil como um país capitalista dependente – nos moldes das


concepções de Florestan Fernandes – não negamos que no contexto internacional atual o
Brasil assuma posições capital-imperialistas28, pois o Imperialismo não é um fenômeno que
ocorre de fora para dentro, ou seja, frações burguesas locais agem como sujeitos do
Imperialismo dentro e fora do Brasil. Desta forma, o Brasil está plenamente integrado à
dinâmica do capitalismo internacional, em sua contraditória posição de dependente e
imperialista.

Sendo o ideário ambiental prioritariamente uma construção ideológica vinda de fora,


nascida no seio das nações “comandantes” - que, por estarem em situação de “comando”
puderam ditar regras e explorar recursos naturais e mão-de-obra barata em outros territórios,
assim como encaminhar para estes os seus dejetos e indústrias poluidoras – ao intentar o
ajustamento deste ideário à nossa realidade brasileira, percebemos a estranheza que causa este
recebimento. Vivendo em uma realidade histórica onde coexistem características arcaicas
(trabalho escravo, por exemplo) e modernas - em uma dinâmica própria de um país capitalista

28
Virgínia Fontes, O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ,
2010.
dependente - o ideário ambiental precisaria ser recebido por aqui como um dogma sobre o
qual o povo deveria ser “convertido”.

O Brasil, enquanto país capitalista dependente, carrega consigo esta contradição: de


um lado a tentativa de “conversão” (sob o nome de “conscientização”) da população (tanto as
classes populares quanto as frações burguesas) ao ideário ambiental da sustentabilidade
(enquanto tendência mundial) e do outro lado a necessidade de manutenção do ideário anti-
ecológico, que dará o suporte para que setores produtivos possam continuar destruindo a
natureza em nome de um suposto “desenvolvimento” que geraria empregos e acabaria com a
miséria e a fome.

Em nome da necessidade imposta por dramáticas privações materiais ou em nome das


“boas intenções” de solucionar a problemática da fome ou do desemprego, as soluções
ecológicas são deixadas de lado, dando espaço e força às soluções anti-ecológicas. Da mesma
forma, seguimos recebendo indústrias poluidoras, devastando nossas florestas para fornecer
matéria-prima a preços “competitivos” no mercado internacional, expropriando povos
indígenas e ribeirinhos para construir hidrelétricas (consideradas como fontes “limpas” de
energia) e rodovias.

Neste sentido, observamos como os limites da ação educativa na tarefa da


“conscientização ambiental” são diversos e apontam para a necessidade de suplantar a simples
“conscientização ambiental” ou “sensibilização ambiental” e avançar no caminho da
compreensão da dimensão política da “questão ambiental” para uma atuação verdadeiramente
consciente.

É importante questionar o papel dos intelectuais e da Universidade nesta tendência


mundial de “desenvolvimento sustentável” e “economia verde”. Se por um lado alguns
intelectuais assumem funções de técnicos nesta “transição verde” - atuando como facilitadores
deste movimento - e outros vêem a sustentabilidade como uma alternativa possível ao
desenvolvimentismo degradante e depredatório - e assim atuam como ideólogos da
sustentabilidade -, por outro lado poucos consideram as relações intrínsecas nas quais estão
estabelecidas a defesa do meio ambiente e a degradação ambiental no contexto do
capitalismo.

Como nos afirma Florestan Fernandes:

Ele [o intelectual] não é nem melhor nem pior que os outros seres humanos.
Também não é mais livre que eles do influxo de interesses e das ideologias.
Contudo, pode discernir melhor as razões e as conseqüências de suas opções. 29

Desta forma, o educador deve atuar de forma a trazer elementos para que mais pessoas
possam discernir as questões relativas ao meio ambiente e ter dimensão sobre as
conseqüências dos seus posicionamentos e escolhas.

Enfim, reafirmamos nossa crença no potencial transformador da Educação, mas uma


educação que contribua para o entendimento das contradições da sociedade, da dinâmica das
lutas políticas que são travadas em uma sociedade de classes e que seja capaz de oferecer
ferramentas para a luta e atuar estrategicamente diante do embate político na superação do
sistema capitalista.

29
Florestan Fernandes, Op. Cit., p.172.

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