Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
Considerando que o ano de 2012 é o ano da Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (RIO+20), sediada no Rio de Janeiro (Brasil), a presente
investigação parte de uma pergunta que é, em parte, uma constatação: Se hoje em dia muito se
fala na defesa do meio ambiente, por que as práticas são tão devastadoras? Na ocasião da
RIO+10, em 2002, o ambientalista Fabio Feldmann, que trabalhou na construção da política
nacional de educação ambiental (lei 9795/99) já constatara que: “Desde a Rio 92, a
consciência ambiental aumentou, mas nem por isso a degradação ambiental diminuiu.” 4 Esta
preocupação deixa exposta a incapacidade da “consciência ambiental” por si só fazer frente ao
desafio da problemática ambiental no Brasil.
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Pesquisadora do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ) e do
Coletivo de Estudos em Educação e Marxismo (COLEMARX/UFRJ). innyaccioly@hotmail.com
2
Doutor em Educação. Professor, Pesquisador e chefe do Departamento de Didática da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). celsosanchez@unirio.br
3
Florestan Fernandes, Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
4
Philippe Layrargues, Educação no processo da gestão ambiental: criando vontades políticas, promovendo a
mudança. In: ZAKRZEVSKI, S.B.B., VALDUGA, A.T., DEVILLA, I.A. (Orgs.) Anais do I Simpósio Sul
Brasileiro de Educação Ambiental. Erechim: EdiFAPES. p. 127-144. 2002.
Nossa hipótese para esta questão, no Brasil, é a existência de grupos que exercem forte
influência política e que assumem posicionamentos “anti-ecológicos”, atuando
sistematicamente de forma a impedir os avanços na defesa do meio ambiente e no caminho
para a sustentabilidade. Como estratégias, os sujeitos do fenômeno denominado “anti-
ecologismo”5 utilizam: a desinformação; a distorção de descobertas científicas; a má
interpretação de dados - para construir uma certa visão do mundo e sustentar uma agenda
política; se auto-intitulam promotores do desenvolvimento, geradores de emprego, divisas
e produtos; se organizam para exercer pressão a favor da flexibilização da legislação
ambiental e do desmonte do aparato público administrativo para a gestão ambiental,
assim como a redução de verbas públicas para a fiscalização; adotam a política do “fato
consumado” para a aprovação de leis a seu favor; atacam movimentos ambientalistas,
desqualificando-os pretensamente em prol da “soberania nacional” e do “interesse social
relevante”, gerando confusão e confundindo a opinião pública, deliberadamente.
O objetivo deste estudo, portanto, é buscar uma compreensão acerca dos limites da
ação educativa na tarefa da conscientização ambiental em um país de economia capitalista
dependente e conformado pela luta de classes, assim como repensar o papel das
Universidades na formação de sujeitos críticos, que possam atuar estrategicamente frente ao
embate político.
5
Inny Accioly; Celso Sánchez; Philippe Layrargues, Anti-ecologismo no Congresso Nacional: o meio ambiente
representado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Anais do VI Encontro Pesquisa em Educação
Ambiental. Ribeirão Preto, setembro de 2011. Disponível em <http://epea2011.webnode.com.br/products/a0063-
1-/>. Acesso em 28 nov. 2011.
6
Carlos Montaño; Maria Lúcia Duriguetto, Estado, Classe e Movimento Social. São Paulo: Cortez, 2011.
7
Os dados coletados são oficialmente divulgados pelo TSE no endereço < http://www.tse.gov.br/>.
8
Inny Accioly; Celso Sánchez; Philippe Layrargues, Op. Cit.
formação do discurso anti-ecológico e entender onde o mesmo se situava no contexto das
disputas simbólicas na alteração do Código Florestal Brasileiro em favorecimento dos setores
produtivos.
Escolhemos focar nossos olhares sobre o Código Florestal e o projeto de lei que
promove a sua alteração por considerar ser esta uma arena de disputas onde emergem as
representações de natureza dos atores envolvidos e suas visões acerca do meio ambiente,
assim como as estratégias adotadas em um confronto direto no momento exato de revisão das
políticas de gestão dos “recursos” naturais, quando poderiam ser alteradas as “regras do
jogo”. Outro motivo desta escolha se deu por este ser um dos temas mais importantes em
votação - envolvendo as questões ambientais - no período da investigação e por ter circulado
exaustivamente pela imprensa nacional.
9
Elmar Altvater, Existe um marxismo ecológico? In: BORON, A.; AMADEO, J.; GONZÁLEZ, S. (Orgs.) A
Teoria Marxista hoje: Problemas e Perspectivas. São Paulo: CLACSO/ Expressão Popular, 2007. P. 327- 349.
10
Ibidem, p.338
11
Ibidem, p.339.
12
Ibidem, p.340.
outros grupos, deixando-os indefesos frente ao meio ambiente. Também aqui as
relações sociais se antepõem e terminam as relações ecológicas. 13
13
Guillermo Foladori, O capitalismo e a crise ambiental. Outubro: Revista do Instituto de Estudos Socialistas.
São Paulo, n. 5, p. 117, 2001.
14
Carlos Walter Porto Gonçalves, Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2008.
15
Ibidem.
16
Ibidem, p.13.
O que tem sido observado em nosso contexto nacional é que o projeto de
desenvolvimento levado adiante não foi prioritariamente o da melhoria nas condições sociais
da população e da qualidade e quantidade de provisão dos “bens públicos”, mas sim um
desenvolvimento unicamente no plano técnico-econômico de abertura para o capital
estrangeiro e benefício das alianças entre as burguesias nacionais e internacionais.
Para atrair mais capital estrangeiro para o país, em uma época em que as preocupações
ambientalistas cresciam a nível internacional, o Estado brasileiro teria que se alinhar às
exigências das instituições financeiras. Desta forma, “antes que houvesse enraizado no país
um movimento ecológico, o Estado criou diversas instituições para gerir o meio ambiente, a
fim de que os ansiados investimentos pudessem aqui aportar” 17.
João Bernardo, autor português, em 1979 lançou o livro O inimigo oculto: Ensaio
sobre a luta de classes: Manifesto anti-ecológico. Interessado em analisar os possíveis efeitos
das remodelações propostas pelos movimentos ecológicos sobre a sociedade contemporânea,
Bernardo busca desvendar quem ganha e quem perde com tais remodelações.
Na falsidade da sua argumentação, na ignorância dos processos históricos de
relacionação entre os modos de produção e a natureza, no escamoteamento das
transformações sofridas pelos elementos da natureza em virtude da ação de todas as
sociedades humanas, nesta ausência de uma fundamentação científica séria, as
ideologias ecológicas aparecem na sua verdadeira função demagógica. Os
argumentos de caráter genérico invocados limitam-se a servir de preâmbulo
estilístico para propor modificações circunstanciais que adaptem o capitalismo às
novas condições da sua existência. É a partir daqui que podemos compreender a
função da ecologia na luta de classes hoje travada. Só neste sentido devemos enten-
der as referências ao pretenso “equilíbrio natural”. 18
17
Ibidem, p.15.
18
João Bernardo, O inimigo oculto: Ensaio sobre a luta de classes: Manifesto anti-ecológico. Porto:
Afrontamento, 1979.
considerável do nível médio de vida, que compense a concentração dos
investimentos nas condições gerais de produção e a acumulação de capitais
destinada a esse sector. O «crescimento zero» é o modelo da mais-valia absoluta, em
que, no interior de limites constantes, é crescente a mais-valia de que o capitalista se
apropria e decrescente o salário proletário. 19
Através destes argumentos podemos observar que João Bernardo tece suas críticas aos
ambientalismos que desconsideram a luta de classes e não questionam a exploração do
trabalhador nos processos produtivos e que, desta forma, servem muito bem ao capitalismo
por apagarem os conflitos e se apresentarem com discursos de aparente neutralidade em
defesa de um meio ambiente comum. Assim, “a capacidade do movimento ecológico para
fundir esquerdas e direitas revela que ele é parte integrante de um realinhamento das
oposições sociais” 21. Para o autor, quem perde com as “remodelações ecológicas” é o
movimento operário, pois, “se a corrente ecológica vier a confirmar-se como o principal
campo atual de unificação das classes22, a sua cisão será então a condição necessária para o
prosseguimento do movimento operário” 23.
19
Ibidem.
20
Ibidem.
21
Ibidem.
22
Os estudos de Lamosa (2010) confirmam que a Educação Ambiental tem servido como instrumento utilizado
pelo empresariado para disseminar um novo padrão de sociabilidade, com novos preceitos de participação e
cidadania baseados na negação dos conflitos e das diferenças de classes. Rodrigo Lamosa, A educação ambiental
e o novo padrão de sociabilidade do capital: um estudo nas escolas de Teresópolis (RJ). Rio de Janeiro:
UFRJ/Faculdade de Educação. Dissertação (Mestrado) – UFRJ/Faculdade de Educação/Programa de Pós-
Graduação em Educação, 2010.
23
Ibidem
O que prega o manifesto anti-ecológico de Bernardo - “A cisão da corrente ecológica
como condição necessária para o prosseguimento do movimento operário” – não é o fim de
todo e qualquer cuidado com o meio ambiente. Seu manifesto aponta mais uma vez a arena
conflituosa que é o campo ambiental, onde projetos societários conservadores camuflam-se
atrás de “belos” discursos de sustentabilidade e equilíbrio ecológico. Ao mesmo tempo, quem
informa o momento de empregar este ou aquele discurso ecológico permanece sendo o
mercado capitalista.
ANTI-ECOLOGISMO ECOLÓGICO?
Jean-Pierre Dupuy, em seu livro Introdução à crítica da ecologia política 24, nos alerta
para as transformações processadas pela ecologia no capitalismo:
A ecologia no capitalismo é a integração dos constrangimentos ecológicos na lógica
capitalista. (...) O capitalismo será, sem dúvida, fortemente transformado, mesmo se,
a um nível suficientemente profundo, houver sempre a possibilidade de detectar sua
lógica destrutiva. 25
Tendo em vista esta constatação de Dupuy, o que nos interessa investigar é em que
medida o capitalismo mundial, ao mesmo tempo em que afirma a ecologia e o ecologismo,
24
Jean-Pierre Dupuy, Introdução à crítica da ecologia política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1980.
25
Ibidem, p.16
26
“Este novo “boom” do setor siderúrgico faz parte de uma nova divisão internacional do trabalho, com a
chamada “fase quente” da siderurgia sendo transferida dos países mais ricos para os países emergentes, como o
Brasil, Coréia do Sul, Índia e China, os quais possuem um crescente papel na exportação mundial do aço
enquanto commodity metálica. Contudo, por se tratar de uma indústria eletrointensiva, poluente e perigosa, as
novas siderurgias localizadas no litoral brasileiro, como a Companhia Siderúrgica de Pecém (CE) e a TKCSA
(RJ), representam também uma nova divisão internacional de riscos e fonte de injustiças ambientais, pois afetam
as populações, inclusive as tradicionais, que vivem nos territórios onde estão sendo implementados tais
empreendimentos.” (FIOCRUZ; ENSP; EPSJV. Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em
Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA. Rio de Janeiro, setembro de 2011.)
27
Jean-Pierre Dupuy, Op. Cit., p.15
não promove a negação do anti-ecologismo. Em outras palavras, o que esperar quando se
afirma e se nega, simultaneamente, a defesa do Meio Ambiente?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
28
Virgínia Fontes, O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ,
2010.
dependente - o ideário ambiental precisaria ser recebido por aqui como um dogma sobre o
qual o povo deveria ser “convertido”.
Ele [o intelectual] não é nem melhor nem pior que os outros seres humanos.
Também não é mais livre que eles do influxo de interesses e das ideologias.
Contudo, pode discernir melhor as razões e as conseqüências de suas opções. 29
Desta forma, o educador deve atuar de forma a trazer elementos para que mais pessoas
possam discernir as questões relativas ao meio ambiente e ter dimensão sobre as
conseqüências dos seus posicionamentos e escolhas.
29
Florestan Fernandes, Op. Cit., p.172.