Na Malha da
Rede
Os impactos íntimos da Internet
Apresentação da versão online
Na malha da Rede foi publicado pela Editora Campus, Rio de Janeiro, no ano de 1998
e sua tiragem está esgotada há bastante tempo.
Novamente de posse dos direitos autorais, resolvi tornar o livro disponível online porque
percebi que, com o passar do tempo, Na malha da Rede está se tornando um registro
histórico cada vez mais procurado por pesquisadores e estudantes.
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SUMÁRIO
PREFÁCIO 04
O IMPACTO DO NOVO 07
NOVOS USUÁRIOS 14
Marcando presença no ciberespaço 16
Usando o ciberespaço 22
NOVOS CONCEITOS 50
O ciberespaço e a virtualidade 51
Home pages e hipertextos 59
Tempo real e chats 65
“Sabemos aonde podemos chegar?” ou a moral da história 70
NOVA LÓGICA 73
Excessos 75
Agilidade, integração e relativização 82
Liberdade de publicação, liberdade de acesso à informação e o copiar/colar 88
A expertise jovem e o novo mercado de trabalho 95
Velho e novo lado a lado 101
GLOSSÁRIO 165
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Prefácio
Esse tipo de interesse com o que acontece com os homens, mulheres e crianças no
espaço de cujas vidas ocorrem grandes mudanças sociais foi novamente acionado -- e
de maneira bastante dramática -- na primeiríssima vez em que me conectei à Internet.
Soube, então, que as minhas incursões pelo ciberespaço teriam alguma conseqüência
análoga à que o leitor tem agora em suas mãos. Em outras palavras, ainda sob o
impacto daquele primeiro contato, soube que o rumo de minhas reflexões ia sofrer uma
alteração radical. Pela primeira vez teria que lidar, em primeira mão, com uma mudança
tecnológica que certamente geraria mudanças sociais e psicológicas.
Muitos foram aqueles que, ao longo dos últimos anos, não conseguiram compreender
essa alteração de rumo e me perguntaram qual poderia ser a conexão entre a
psicologia e a Internet. A resposta está contida nas páginas deste livro.
No momento, quero apenas dizer que ao longo dessas páginas procuro tornar essa
conexão explícita através do registro de tudo o que pude observar no que diz respeito à
matéria-prima da psicologia: o ser humano e seus modos de pensar, seus modos de se
relacionar com o mundo e com os outros, seus modos de agir e seus modos de sentir,
todos passíveis de sofrerem alterações sob o impacto da nova tecnologia digital.
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registro histórico de uma revolução. Uma reflexão um pouco mais aprofundada e,
portanto, mais durável, é feita mensalmente através das revistas especializadas, cujo
mérito é semelhante ao dos cadernos de informática.
Neste livro não há nenhuma preocupação com a última palavra, seja esta relativa às
máquinas, aos programas ou à Rede. O tipo de observação e reflexão nele feitos são de
uma ordem diferente e têm sua durabilidade garantida por uma outra preocupação: o
que está acontecendo com o ser humano, que não muda tão rapidamente assim e para
quem mudanças geralmente trazem conseqüências psicológicas importantes a médio e
longo prazo, a partir de um ponto de vista interno a este.
A todos aqueles que se interessam pelo que se passa com e dentro de um ser humano
a partir do momento em que suas condições externas de vida são modificadas, no caso,
por uma nova tecnologia.
Creio ser importante, para um jovem, saber, por exemplo, que não é o único a ter medo
das mudanças introduzidas na vida das novas gerações pela revolução cibernética.
Creio também ser importante que os pais desses jovens entendam um pouco desse
novo mundo para que possam ter alguma compreensão das paixões de seus filhos pela
Rede ou por ela geradas, de seus medos, de seu sofrimento às vezes muito real
embora oficialmente virtual (com seus amores cibernéticos, por exemplo)...
Creio ser indispensável para profissionais que lidam com gente de todas as idades
saber quais os recursos que a Rede coloca a seu dispor e quais os diferentes tipos de
problema que ela pode gerar para diferentes tipos de pessoa. Isso para que possam
dar a devida importância a essa nova realidade e não descartá-la como uma mera
fantasia ou hobby sem maiores conseqüências.
Creio, por último, ser fundamental que os pesquisadores das chamadas ciências
humanas e sociais reconheçam que, quando se está vivendo os primeiros estágios de
uma revolução do porte da que estamos presenciando, a observação e a reflexão são
nossas principais armas e devem anteceder qualquer tentativa de alçar vôos teóricos.
Este livro foi escrito tendo como alvo tanto o leitor que já usa a Rede quanto aquele que
com ela não tem nenhum contato.
Para o primeiro, os textos que se seguem oferecem reflexões sobre uma realidade que
já conhece. E reflexões circunscritas aos usuários brasileiros, a partir de um ponto de
vista ainda pouco explorado: o dos efeitos psicológicos das novas tecnologias. Já as
explicações dadas sobre alguns dos aspectos técnicos da Internet bem como de sua
difusão no Brasil não trarão nenhuma novidade para esse leitor e podem simplesmente
ser ignoradas.
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Essas explicações foram especialmente escritas para o leitor que desconhece
completamente a Rede, e podem, para ele, ser extremamente úteis. Ainda para esse
leitor foi preparado um pequeno glossário, que aparece no final do livro. O glossário foi
incluído para que o leitor leigo possa localizar com facilidade o significado do
vocabulário específico da Rede, cujo uso não poderia ser evitado.
Não há como falar de uma nova realidade sem usar uma terminologia nova e a proposta
do livro não é a de familiarizar o leitor com o que é a Internet. A proposta é a de mostrar
ao leitor o quanto e o quão profundamente a Internet está mudando nossas vidas e nós
mesmos.
É útil que o leitor saiba de que forma o livro está organizado, pois isso já poderá ajudá-
lo a entender um pouco de seu propósito e a entrar em contato com algumas
características da Rede, no caso de com ela não estar familiarizado.
A Internet é vista, por muitos, como um caos organizado ou um caos que funciona. Tudo
pode se ligar a tudo, com um clicar do mouse. Uma viagem no ciberespaço raramente
tem itinerário certo. Tudo depende do que vai despertar o interesse do viajante.
Um livro sobre o impacto da Internet sobre nós, comuns e concretos mortais, deve
corresponder a essa, que é uma das principais características da Rede: tudo pode levar
a tudo. Não há, portanto, um roteiro pré-determinado e rígido. Há simplesmente uma
organização em blocos temáticos, que podem ser lidos em qualquer ordem.
Por isso mesmo, espero que o leitor se sinta livre para pular de um assunto a outro, de
acordo com o fluxo de seus interesses. Digo isso porque, diferentemente do texto
ciberespacial (o hipertexto), que tem ligações imediatas para vários outros textos e
raramente é lido do início ao fim de uma só feita, o texto impresso é linear e o leitor tem
o hábito de lê-lo seqüencialmente. Na ausência do hipertexto, faço das notas de pé de
página o elemento de ligação entre os diversos blocos e seções.
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O IMPACTO DO NOVO
Quanto mais velhos ficamos mais difícil se torna ter uma primeira vez impactante. Já
fizemos nossa primeira viagem, já demos nosso primeiro beijo, já experimentamos os
altos e os baixos da nossa primeira paixão, já enfrentamos as agruras da nossa primeira
decepção, já vivemos a excitação do nosso primeiro dia de trabalho, já festejamos
nossas primeiras vitórias e choramos os nossos primeiros fracassos, já ganhamos e já
perdemos... A isso comumente damos o nome de experiência de vida.
Por esse critério posso afirmar que sou uma pessoa experiente. Por isso mesmo, há
algum tempo achava que seria improvável ter alguma primeira vez realmente
impactante e, muito menos ainda, desconcertante, fascinante, intrigante e, acima de
tudo, transformadora de uma forma de ver e sentir o mundo -- e de me ver e me sentir
dentro dele -- já altamente consolidada pelos anos de vida.
Pois bem, era assim que me sentia até que uma jovem guia me mostrou como cruzar o
umbral de um novo mundo a partir de uma tela de computador.
Mas minha instrutora era competente e, a partir de alguns comandos digitados, me fez
ingressar pela primeira vez no ciberespaço. Era como se, num passe de mágica, tivesse
feito surgir luz e vida, profundidade, latitude e longitude das trevas bidimensionais de
uma tela negra. E eu me sentia como se tivesse sido contemplada com um par de asas
velozes para apreciar tudo isso.
Não demorou muito para que, embora carecendo da destreza dos meus jovens
companheiros e guia, meu rosto ficasse tão iluminado quanto o deles. O estranho
caminho de uma associação me levou aos descobridores do nosso já velho mundo que
um dia foi novo. Como se sentiram Cristóvão Colombo, ou Pedro Álvares Cabral (e
principalmente suas tripulações, que certamente estavam menos preparadas do que
eles), pensei eu, ao avistar, pisar e travar contato com os pedaços de América nos
quais aportaram? E fui mais longe ainda: como se sentiram os astronautas que viram
pela primeira vez o nosso planeta como se fora qualquer outro planeta, ou ainda, como
se sentiram os primeiros homens a pisar na Lua? Nesse momento, percebi que já
estava viajando -- e como! -- sem mover nada além dos meus dedos. Tive a sensação
de um estranho privilégio em relação a Colombo, Cabral e os astronautas! Tudo,
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inclusive as associações e emoções, era surpreendente porque completamente novo
para mim.
Nessa primeira vez, que durou umas duas horas, fiz, guiada por minha instrutora, um
pouco de tudo. Entrei em museus mundo afora, visitei livrarias em diferentes cantos do
mundo, verifiquei com cuidado o que estava acontecendo na Broadway, joguei conversa
fora com gente que nunca havia visto e que, provavelmente, nunca chegarei a ver,
entrei em lojas de CD’s, pedi informações sobre filmes antigos e sobre os que ainda
nem haviam sido exibidos, entrei numa discussão filosófica sobre Habermas, que já
estava rolando há algum tempo, li um artigo da Time Magazine e a primeira página do
New York Times, e ainda me dei ao luxo de procurar os endereços eletrônicos de
amigos que vivem em outros cantos do mundo. Tive, ainda, uma surpresa extra: não
pude entrar na Nova Zelândia para ver um projeto arquitetônico arrojado porque a
legislação neozelandesa não permite a entrada de internautas estranhos fora do horário
comercial!
Ao sair da sala das telinhas, eu estava completamente tonta. Nessa minha primeira
viagem virtual, que teve a duração de um vôo um pouco mais longo do que o que liga o
Rio de Janeiro a Brasília, havia viajado e conhecido muito mais do que em várias de
minhas viagens convencionais no Brasil ou no exterior. E não havia precisado de
carteira de identidade, bilhetes aéreos, passaporte, roupas especiais, ou descanso, para
me locomover, cruzar fronteiras geográficas, enfrentar diferentes climas ou suportar o
inevitável cansaço gerado pelas diferenças de fusos horários. A velocidade com a qual
tudo acontecia, embora natural para os jovens que me cercavam, era, para mim, até
então, impensável.
Estava também muito excitada. Não o sabia então, mas havia acabado de travar
contato com outra importante característica dessa Rede das redes: o excesso de
informações.
E aí, já no porto seguro do meu espaço privado, retomei minhas antigas asas -- aquelas
da imaginação -- e viajei de novo.
Explico. Não há como se ter uma experiência nova sem se reportar, ao menos por
analogia, a experiências antigas, vividas pessoalmente ou vivenciadas imaginariamente
através de livros, filmes, documentários etc.
Assim sendo, fui transportada para o cenário que antecedeu a última grande revolução:
a Revolução Industrial. Para uma época distante, mas não tão longínqua assim (pois
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isso ainda acontecia no final do século XVIII), em que as pessoas moravam em
pequenas localidades nas quais todos se conheciam e se relacionavam entre si a partir
de afinidades baseadas nos laços de sangue, de vida em comum num determinado
lugar e de uma mesma vocação profissional e/ou religiosa. Trabalhavam a terra ou
fabricavam de modo caseiro (e do início ao fim) os objetos de que necessitavam. A vida
era vivida entre rostos familiares que tinham interesses comuns. A miséria era grande. A
população aumentava e a terra empobrecia de tal forma que Thomas Malthus chegou a
concluir, no final do século XVIII, que a capacidade de produção de alimentos estava
prestes a se esgotar! A esse quadro somavam-se os pesados impostos cobrados pelos
donos das terras (os senhores feudais).
Era também uma época em que as pessoas tinham pouca mobilidade. As viagens eram
feitas a cavalo, em carroças e carruagens. As grandes propriedades eram herdadas
pelos primogênitos e casamentos eram arranjados tendo em vista, não o amor, mas a
manutenção do patrimônio ou o aumento deste.
Quem, no final desse século distante, poderia prever que uma invenção tecnológica -- a
da máquina a vapor -- teria o poder de desencadear uma revolução de tal porte que
alteraria não somente os meios de produção, mas também as formas de viver, de se
relacionar com o mundo, com os outros e consigo mesmos, além das formas de sentir,
de progressivas levas da população mundial?
Pois bem, foi exatamente isso o que aconteceu. Todo esse quadro, cenário de tantos
romances e filmes, foi radicalmente alterado pelo que, no princípio, talvez tenha sido
visto por muitos como apenas mais uma invenção. Esses muitos estavam enganados e
a história revela de forma contundente que a invenção da máquina a vapor mudou os
modos de viver, produzir e sentir de praticamente todos os que viveram nos séculos XIX
e XX.
Por quê? Porque uma coisa leva à outra. Com o aparecimento dos trens movidos a
vapor (algo semelhante às nossas antigas marias-fumaça) ganhou-se uma mobilidade
nunca antes sonhada, o que acabou resolvendo o problema da escassez de alimentos
que, agora, podiam ser transportados com rapidez de terras férteis porém longínquas.
Com o aparecimento das indústrias, a população do campo deslocou-se para as sedes
das mesmas e isso resultou no surgimento das grandes metrópoles com seus parques
industriais. Emergiu o capitalismo com suas linhas de montagem e longas horas de
trabalho repetitivo.
Essas mudanças, por sua vez, tiveram um enorme impacto sobre a vida pessoal de
todos aqueles por elas atingidos. Ao se radicarem numa grande metrópole, as pessoas
perderam suas raízes, começaram a viver entre estranhos, a se sentir sozinhas e a
apresentar problemas de ordem psicológica antes desconhecidos. Nas linhas de
montagem, homens, mulheres e crianças passaram a trabalhar como autômatos. O
trabalho deixou de ter o significado e a completude que tinha antes, tornou-se
simplesmente repetitivo e sem sentido. O papel-moeda introduziu o anonimato nas
trocas antes pessoais. Até mesmo as bases do casamento foram alteradas. No lugar do
casamento arranjado pelas famílias, surgiu o casamento por amor, principalmente entre
aqueles para quem não se colocava o problema de um patrimônio que não tinham que
transmitir porque não o possuíam.
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Comparei minhas duas viagens -- a virtual e a imaginária -- e constatei que uma
pergunta havia, para mim, se desenhado com nitidez: se a invenção da máquina a
vapor tinha tido o poder de alterar os modos de viver, de ver o mundo e de sentir de
tantos, quais seriam as conseqüências a curto, médio e longo prazo, da inovação
tecnológica a que se deu o nome de Internet?
Não é à toa que muitos se referem ao que já está acontecendo como a Revolução
Digital ou Cibernética!
Explico. Não é fácil estudar o novo. E não é fácil porque o velho tende a atrapalhar,
principalmente quando já temos formas consolidadas de ver e interpretar o que nos
cerca. O novo sempre requer um novo olhar e novos olhares geralmente geram
insegurança naqueles que olham sem fazer uso de referenciais conhecidos, ao mesmo
tempo que provocam a ira daqueles que não querem abandonar a segurança desses
referenciais. Partir do que já é conhecido é sempre mais confortável. O problema é que,
em se tratando de algo completamente novo, quando se parte do conhecido tende-se a
encaixar o novo no velho, o que é uma forma de não enxergá-lo.
Mas o que é velho hoje já foi novo algum dia e alguém teve a coragem de, mesmo
enfrentando obstáculos e preconceitos, estudá-lo. Fiz mais uma visita ao novo
instaurado pela Revolução Industrial, agora buscando saber como com ele lidaram
aqueles que o estudaram.
Admirei a coragem e a visão de vários dos grandes intelectuais do século passado, que,
a partir de pontos de vista diferentes e com interesses diferentes, se debruçaram sobre
o que estava acontecendo diante dos seus próprios olhos, buscando compreender as
dimensões e o alcance das mudanças geradas pela Revolução Industrial. Sabia o
quanto essa compreensão havia sido fundamental para a construção de formas de lidar
com os diferentes problemas gerados por essas mesmas mudanças.
Pedi inspiração e coragem a vários grandes nomes. Dentre eles, os mais conhecidos
são Sigmund Freud e Karl Marx. Mas o século XIX nos deixou o legado do trabalho de
vários outros como Friedrich Engels, Emile Durkheim, Alexis de Tocqueville, Georg
Simmel, Max Weber, Ferdinand de Tönnies, para mencionar somente alguns daqueles,
além de Freud e Marx, aos quais pedi ajuda. Não quero aqui entrar no mérito do que
escreveram, pois não é esse meu objetivo. Quero somente dar ciência ao meu leitor de
que a eles recorri para que pudesse elaborar um plano de ação.
E a inspiração veio logo, pois o que todos esses diferentes nomes têm em comum é a
coragem que tiveram de, num primeiro momento, observar e registrar o que de novo
estava acontecendo ao seu redor. E, quando passaram à interpretação do que haviam
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observado, criaram -- progressivamente porque, em muitos casos, como o de Freud,
fizeram diversas revisões e reformulações de suas interpretações -- novas formas de
ver o mundo, seus habitantes e as formas destes se organizarem.
Isso é tudo o que é possível fazer nos primeiros estágios de uma mudança radical cujo
desenrolar é impossível de prever. E é exatamente isso que resolvi fazer na medida do
meu possível.
Resolvi ficar de mente aberta, e olhos e ouvidos mais abertos ainda, para tudo o que
estava e está acontecendo no nosso cotidiano, sem ter a preocupação, bastante
louvável e necessária em outros contextos, de entrar em contato com como outros
profissionais estão vendo o que está acontecendo. É claro que é interessante saber o
que outros profissionais estão pensando a respeito de um assunto que se quer
conhecer o mais profundamente que se possa. É interessante, porém pode canalizar a
percepção e criar obstáculos para uma visão diferente.
Esses muitos são todos usuários brasileiros porque, embora a Internet seja uma Rede
mundial, aqueles que a usam sempre têm como ponto de partida uma cultura local. O
que me interessa, quero deixar claro, é saber o impacto que o ingresso no ciberespaço
está tendo nos nossos contemporâneos que também são nossos conterrâneos.
Para saber quais as mudanças que um determinado novo gera na vida das pessoas, é,
portanto, necessário observar o seu cotidiano. Isto foi exatamente o que fizeram, no
século passado, vários dos intelectuais que me serviram como fontes de inspiração.
Freud, por exemplo, se debruçou sobre o cotidiano da histérica no início de sua jornada;
Engels foi morar na Inglaterra para observar de perto o cotidiano da primeira classe
trabalhadora do regime capitalista; Simmel prestou atenção aos minúsculos detalhes da
vida numa grande metrópole; Durkheim usou, como um dos pontos de partida para suas
reflexões, o registro das taxas de suicídio nos diferentes países europeus da época...
Acho que estes são excelentes exemplos de observações cujos frutos marcaram o
nosso século.
Observar pode parecer uma tarefa fácil mas, asseguro ao leitor, não é. A observação
das mudanças que ocorrem em dois contextos diferentes que podem ou não se
interpenetrar -- o de um cotidiano extremamente diversificado como o das nossas
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grandes metrópoles e o de um cotidiano cuja velocidade de transformação é algo nunca
antes julgado possível como o da Internet -- requer muita paciência, dedicação, e,
principalmente, capacidade de lidar com o excesso de informação disponível.
Meu ponto de partida fui eu mesma. A todo momento parava -- e ainda paro -- para
observar o que estava acontecendo comigo mesma, usuária leiga (em informática) que
era: quais eram as minhas reações, quais eram os meus sentimentos, o quanto a minha
forma de pensar havia mudado. Observava, também, as reações dos meus amigos e
colegas ao que dizia e fazia. Eles, através de incentivos, críticas, comentários ou
mesmo simples olhares perscrutadores ou censuradores, me davam um retorno
importante do quanto eu própria estava mudando.
Observei, também com muito interesse, o que estava acontecendo com os jovens, que
sempre tenho ao meu redor em grande número. Seu modo de lidar com as máquinas,
com a Rede, com os relacionamentos que travaram a partir dela, seu modo de pensar e,
principalmente, seu modo de sentir me mostravam o quanto as coisas estavam
mudando, e mudando rápido.
Passei a prestar muita atenção na mídia especializada, como as revistas sobre a Rede
e os cadernos de informática dos grandes jornais, bem como programas de televisão
dedicados à informática, e na não-especializada, como os próprios jornais diários, as
revistas de grande circulação, a televisão e o rádio.
E, como não poderia deixar de ser, observei muito o que estava acontecendo na própria
Rede. Tornei-me, nela, uma central de coleta de todo tipo de dicas e informações. Meus
jovens amigos sempre estiveram a postos para me ajudar.
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verdadeiros foram substituídos por nomes fictícios ou, em alguns poucos casos por
razões que serão oportunamente explicitadas, por simples letras.
É a partir de todo esse material, coletado ao longo de pouco mais de dois anos, que
foram desenvolvidas as reflexões que compõem este livro.
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NOVOS USUÁRIOS
A Internet tem novos e antigos usuários, que correspondem a fases distintas do uso
dessa Rede de computadores no Brasil. Os novos e antigos usuários sabem disso, pois
geralmente conhecem as origens do ciberespaço brasileiro. Mas, o leitor leigo
provavelmente desconhece. Seguem-se algumas informações, imprescindíveis para
este leitor, que podem, no entanto, ser úteis para que muitos outros leitores, já
experientes na Rede, entrem em contato com aquilo que chamei de configuração
psicológica básica do usuário brasileiro.
Quando começou o acadêmico é difícil precisar -- uma boa data talvez seja 1990, ano
que presenciou a implantação da Rede Nacional de Pesquisa, RNP --, mas é certo que,
pelo menos desde o início desta mesma década de 1990, cientistas brasileiros trocavam
informações e arquivos, se correspondiam e faziam uso de computadores distantes por
acesso remoto através da RNP que, por sua vez, estava ligada à Internet.
No dia primeiro de março de 1995, quando o acesso à Rede ainda estava praticamente
restrito aos círculos acadêmicos, a revista Veja publicou o seguinte artigo de capa:
Internet: A Rede planetária em que você ainda vai se plugar, uma matéria escrita na
hora certa a respeito de um futuro pronto para explodir no Brasil.
Hoje, a minha coleção das mais diversas publicações, recortes, arquivos, etc. -- tudo
coletado ao longo de pouco mais de dois anos -- dá um eloqüente testemunho do
quanto a Rede cresceu nesse curto espaço de tempo.
Neste primeiro bloco, convido o leitor para uma contemplação, sem compromisso, de
algumas peças dessa coleção.
Gostaria que ele -- o leitor -- pudesse ter acesso direto ao fascínio que a Rede vem
exercendo sobre suas crescentes levas de usuários, bem como a alguns indicadores da
velocidade com a qual a Internet penetrou e continua penetrando os mais diversos
recantos da nossa vida cotidiana. Isso é necessário para que possa avaliar quantos
brasileiros já estão vivendo -- de formas diferentes, mas, no mais das vezes, com muita
intensidade -- sob a égide dessa nova realidade.
Os dados são simples -- muitos falam por si mesmos -- e têm uma função também
relativamente simples: a de contextualizar minhas reflexões e os usuários brasileiros no
tempo veloz e na cultura voraz que a Rede inaugurou.
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Quanto ao espaço, mesmo tratando do ciberespaço, reafirmo que estarei sempre
falando do Brasil, pois esta é a plataforma a partir da qual nos lançamos nas nossas
aventuras ciberespaciais. A título de exemplo, pensemos nas enormes diferenças
existentes entre abraçar o desafio do ciberespaço, cuja existência depende de linhas
telefônicas e eletricidade, a partir de uma infra-estrutura de primeiro mundo, e abraçá-lo
quando se depende da falha infra-estrutura de nossas grandes metrópoles. No segundo
caso, o nosso, a vontade tem que ser muito maior, e a paciência e a persistência
também.
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Marcando presença no ciberespaço
Uma das formas de usarmos a Rede é a de nela colocarmos à disposição dos outros
usuários aquilo que gostaríamos que eles soubessem a nosso respeito. Para isso são
construídas as home pages que povoam o ciberespaço e nele são visitadas.
Dou alguns exemplos. Em sua home page, uma universidade divulga seus cursos, as
qualificações de seu corpo docente, sua produção científica, etc.; uma editora divulga
seus livros; uma loja de eletrodomésticos anuncia os produtos que vende; uma
campanha para encontrar crianças desaparecidas fornece os dados e fotos dessas
crianças; um partido político torna públicas suas posições a respeito de diferentes
assuntos; um clube desportivo torna disponíveis horários de aulas e treinamentos bem
como históricos de suas glórias e conquistas; etc. etc. etc.
Usar uma home page é uma forma nova de se fazer, ao mesmo tempo, marketing --
pois as home pages cumprem as funções de vitrines, anúncios, catálogos, outdoors,
simples cartões de visita, etc. -- e pesquisa de mercado -- dado que as home pages
podem solicitar as opiniões dos visitantes e promover debates entre os mesmos, tudo
isso através da Rede, é claro.
Mas o que talvez seja mais importante é que a interatividade das home pages inaugura,
embora ainda de forma incipiente por conta de problemas de segurança no envio de
informações privadas, uma nova forma de fazer comércio, transações bancárias, etc. O
dia em que o comércio na Rede estiver funcionando a todo vapor, não há dúvidas de
que ela vai se tornar um grande shopping.
De qualquer forma, parece que cada vez mais representantes de todos os setores da
nossa sociedade pressentem, quando não sabem de fato, que é importante estar
presente no ciberespaço mesmo que dele ainda não se saiba bem o que fazer.1 Esses
primeiros estágios da nova revolução requerem muita experimentação, muito ensaio-e-
erro, pois o que não se sabe é sempre muito. Mas já se sabe que não é possível
aprender desconhecendo ou testar estando ausente...
Assim sendo, o ciberespaço começou a ser colonizado por home pages brasileiras no já
histórico ano de 1995, que viu o início da Internet comercial no Brasil.
No início, as home pages eram poucas e era fácil listá-las. A revista Internet World --
cujo primeiro número foi publicado em setembro de 1995 --, por exemplo, o fazia
destinando para tal finalidade algumas páginas de sua publicação mensal.
Pouco tempo depois, mais exatamente em junho de 1996, a mesma revista adotou uma
nova política perante o crescente número de home pages brasileiras. Passou a listá-las
1
Uma discussão de como os usuários vêem as home pages pode ser encontrada em NOVOS
CONCEITOS. Já algumas considerações a respeito de como usar as home pages com finalidades
publicitárias podem ser encontradas em A expertise jovem e o novo mercado de trabalho, no bloco
sobre a NOVA LÓGICA.
16
num encarte intitulado Internet Brasil, que se tornou um guia de home pages e
provedores de acesso à Internet no Brasil.
Em suas primeiras edições, esse guia listava as home pages simplesmente em ordem
alfabética. Logo depois, em agosto de 1996, ainda para lidar com números cada vez
maiores e para facilitar a consulta, a listagem passou a ser feita por assuntos. A
discussão desses assuntos fica para daqui a pouco, dado que o propósito, agora, é
simplesmente o de mostrar ao leitor a velocidade com a qual o ciberespaço foi povoado.
Um pouco mais tarde ainda, a revista Internet World deixou de publicar esses encartes.
Muito provavelmente o número de home pages cresceu tanto que tornou impraticável a
sua publicação. A tudo continuar no mesmo ritmo, os encartes logo, logo acabariam
tendo as dimensões dos catálogos telefônicos de grandes metrópoles. E a Rede já
contava com sites de busca nacionais, como o Cadê? que, em dezembro de 1996, tinha
em seus cadastros a bagatela de mais de 14 mil endereços exclusivamente brasileiros.
Estes endereços, por sua vez, deram origem a uma publicação -- daquelas
convencionais -- intitulada Internet: Páginas Amarelas Brasil (organizada por Gustavo
Viberti e editada por Axcel Books do Brasil Editora), que, em 1997, já se encontrava em
sua segunda edição. Os encartes não eram mais necessários. Já haviam cumprido sua
missão.
Todo esse processo pode ser resumido da seguinte forma: a Internet no Brasil cresceu
assustadoramente nos seus dois primeiros anos de vida comercial.
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Isso já dá uma boa idéia da penetração da Rede. Mas acho que, para que o meu leitor
possa ter uma avaliação mais concreta do quanto a Rede já atingiu os mais diferentes
recantos do nosso cotidiano bem brasileiro, melhor seria ele me acompanhar num
passeio por home pages selecionadas por mim mesma. O principal critério que usei
para fazer essa seleção foi o quanto essas home pages estão próximas do nosso dia-a-
dia e de alguns de seus problemas e alegrias, ou seja, o quanto elas são reveladoras de
como vivemos e reagimos às nossas experiências diárias.
Mas o Flamengo, é bom que se saiba, é apenas um dentre os vários times brasileiros
que já faz a divulgação de sua história e desempenho no ciberespaço e tem uma torcida
eletrônica. Outro exemplo é o seu tradicional adversário, o Fluminense.
18
(O Globo , domingo, 2 de fevereiro de 1997)
Quem mais?
A impopular TELERJ. Mas, aqueles que com ela se desesperam podem desabafar num
site intitulado “Eu odeio a TELERJ!”, que já foi tema de um bloco carnavalesco no Rio
de Janeiro.
O Senado Federal, com uma home page que afirma aceitar sugestões e críticas.
Os advogados e juízes.
Os médicos, inclusive com pelo menos um hospital virtual intitulado Médico Virtual,
projeto idealizado e executado pelo Hospital Clementino Fraga Filho da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, que se propõe a formar uma grande rede de comunicação
entre médicos e especialistas de todo o país.
A acupuntura.
19
As campanhas para encontrar crianças desaparecidas.
As tradicionais receitas da vovó Dona Benta (para quem não sabe, um livro de culinária
popular). Outra vovó que está na Rede é a vovó Barreiros, com receitas de bolos,
conservas, geléias, etc.
O Ponto Frio “Bonzão” e as Lojas Americanas, entre outras cadeias vistas como
populares, com suas lojas virtuais. As cadeias de supermercados Pão de Açúcar e Zona
Sul, também, entre outras do gênero, facilitando a vida das donas e donos-de-casa com
suas vendas online.
A música popular brasileira através de, entre outros: Gilberto Gil, MPB-4, Quarteto em
Cy, Jamelão (o grande mestre da Mangueira, mesmo), Chico Buarque, Barão Vermelho,
Biquíni Cavadão, Lulu Santos, Zélia Duncan, etc. Há também aqueles que, como Noel
Rosa, Cazuza, Raul Seixas, e os Mamonas Assassinas, estão presentes in memoriam.
Quase todas as editoras brasileiras, com seus catálogos e, em muitos casos, vendas de
livros pela Rede. Várias livrarias também.
20
canais de TV por assinatura, batalhões da polícia militar e do corpo de bombeiros, guia
de CEP’s de todo o Brasil, dicionários, etc., etc., etc.
Não tenho dúvidas de que o leitor concordará comigo. É difícil pensar em algum setor
de nossas vidas bem cotidianas que não tenha um representante na Rede. E foi tudo
muito rápido, não?
Resta saber, e essa é a grande pergunta para a qual este livro tentará encontrar
algumas respostas, qual o impacto que tudo isso está tendo sobre todos nós.
21
Usando o ciberespaço
A difusão da Internet no Brasil pode ser avaliada a partir de diferentes tipos de dados.
Alguns -- como as home pages -- revelam a presença de instituições, empresas e
pessoas físicas na Rede mas não necessariamente o seu uso ativo -- ou melhor,
interativo -- da mesma. Afinal de contas, é possível mandar construir uma home page e
abandoná-la no ciberespaço somente para nele marcar presença. Isso é possível e
acontece.
Há, no entanto, outros fatos e números que revelam as levas de brasileiros que vêm se
tornando usuários ativos da Rede. Passemos a alguns deles.
O caso gerou muita discussão porque, acima de tudo, a maior parte daqueles que
realmente usam a Rede se posiciona firmemente contra a censura no ciberespaço,
posição que seria esperável que o Ibase endossasse. Mas, por razões de ordem
interna, o AlterNex resolveu não apenas censurar, como excluir o usuário em questão.
É óbvio que o AlterNex não era o ciberespaço, era apenas o braço ciberespacial e
comercial de uma instituição de renome cujas regras o usuário havia infringido. No
entanto, infelizmente para todos os envolvidos, naquele momento o AlterNex, embora
não o sendo de direito, era, de fato, o ciberespaço para todos os que não pertenciam
aos círculos acadêmicos, pois, como disse, era o único provedor comercial no Brasil.
A confusão foi tanta que fez com que a jornalista Cora Rónai, editora de “Informática,
etc” -- o caderno de informática de O Globo --, e, de acordo com ela própria, “internauta
de carteirinha”, assumisse a autoria da nota que serviu de estopim ao episódio e se
pronunciasse indignadamente. Segundo ela, a punição havia sido exagerada.
22
“A nota sobre a desconexão do usuário do Ibase... foi assinada por mim. Eu não
protestaria contra a atitude do AlterNex se existissem outros provedores de
acesso à Internet comercial no Brasil; neste caso, o Ibase poderia cuidar à
vontade do seu meio-ambiente, podando da Rede as vozes muito dissonantes.
Mas, como único provedor do país, o AlterNex é, até segunda ordem, ‘a Internet’.
Saindo (ou saído) de lá, o usuário não tem alternativas. Se alguém está passando
dos limites pode -- e deve -- ser processado: Justiça existe para isso.
Desconexão, porém só quando este for um país de fato civilizado com ampla
escolha de acesso à Internet.”
(Cora Rónai, O Globo, 10 de julho de 1995)
Ou seja, em julho de 1995 só podia usar a Rede quem fazia parte dos círculos
acadêmicos ou quem tinha tido a sorte de poder abrir uma conta no AlterNex.
Dadas essas condições, era pequeno o número de pessoas que usavam os diversos
serviços que a Rede torna disponíveis (correio eletrônico, grupos de discussão com
temas definidos, grupos de bate-papo livre, transferência de arquivos, viagens pelas
home pages, visitas a museus e bibliotecas, etc. etc. etc.).
E agora, quantos são os usuários desses serviços no Brasil? É difícil calcular e, vale
advertir, as estatísticas estão sempre defasadas dada a velocidade com que tudo muda
na Rede. Mas, mesmo assim, as estatísticas são o único conjunto de dados capaz de
revelar o tamanho que a Rede já assumiu e como tudo foi extremamente rápido.
Também segundo o artigo da Folha, a maioria desses usuários tem acesso à Rede
através de provedores de acesso comerciais, que pularam de 50 para cerca de 800
somente no ano de 1996.
Quais são as características desses usuários? Esta é uma outra questão que se coloca
com freqüência (há grandes interesses econômicos por trás dessa curiosidade) e que
comporta diferentes tipos de resposta baseados em diferentes tipos de dados, coletados
de diferentes modos e com diferentes objetivos.
O primeiro tipo é aquele que tenta traçar o perfil sócio-econômico e saber quais as
áreas de interesse dos usuários.
De acordo com a primeira pesquisa deste tipo sobre o internauta brasileiro, realizada
pelo Cadê? (site de busca brasileiro que, em dezembro de 1996, já recebia cerca de
170 mil acessos diários) em associação com o Ibope e divulgada na imprensa
convencional em fevereiro de 1997, os usuários ativos eram, naquela época, em sua
maioria, homens, jovens e solteiros. Muitos haviam acabado de entrar na Rede. Dois
23
terços dos entrevistados acessavam a Rede uma vez ao dia e a maior parte destes
ficava ligada pelo menos uma hora a cada acesso.
Mas, embora minuciosos, esses são dados quantitativos, somente capazes de revelar o
perfil sócio-econômico do usuário da Rede. Este perfil é muito útil para quem tem
interesses comerciais na Rede, mas não inclui quaisquer indicações a respeito das
características pessoais dos usuários da mesma. E essas características pessoais são
de grande interesse para quem quer que queira avaliar o impacto psicológico que a
Internet vem tendo sobre todos nós.
Começo com o exemplo do discurso dirigido por uma jovem usuária-jornalista ao público
leitor do primeiro número, datado de maio de 1996, da primeira revista mensal
2
Contrastar com os nossos próprios resultados expostos em NOVOS RELACIONAMENTOS.
24
completamente brasileira sobre a Internet, da qual a jovem usuária-jornalista é
supervisora editorial -- o Guia da Internet.Br. Diz ela no artigo/editorial intitulado Na era
da informação, que transcrevo na íntegra:
25
Estratégia de marketing da revista? Até poderia ser se não fosse esse, com algumas
pequenas alterações e variações de estilo, o discurso que ouvi todos os jovens, e não-
tão-jovens (cujo número aumenta a cada dia), usuários da Rede proferirem a respeito
da mesma nas mais variadas circunstâncias e para os mais variados interlocutores. A
revista somente documentou para a posteridade um discurso que é contagiante por
estar em sintonia com os olhos vibrantes e com os sentimentos daqueles que o emitem.
Assim sendo, a partir desse discurso, corroborado por minhas observações olho-no-
olho, acrescentaria ao perfil do usuário brasileiro traçado pelo Cadê?/Ibope, as
seguintes características de ordem interna (que valem para diferentes faixas etárias): o
sentimento de estar participando de uma revolução, a curiosidade insaciável gerada por
um novo que nunca deixa de ser novo, e o medo de ficar para trás e perder o bonde da
história.
Mas ainda faltam algumas características para completar o perfil dos sentimentos do
usuário brasileiro que me é possível delinear no momento. Essas características estão
presentes em duas outras matérias publicadas no número 8 do ano 1 -- janeiro de 1997
-- da mesma revista Guia da Internet.Br.
“(...) Algum dia você imaginou que poderia participar ativamente de uma
experiência fascinante que iria mudar o rumo da história? (...)
Não? Então se liga, cara. Você é parte do que está acontecendo e o seu
talento, mais do que nunca, está sendo requisitado para essas coisas que estão
por vir.
Por que você não sai de dentro de você mesmo e tenta fazer aquela
revolução que os seus pais não conseguiram fazer em 68? Por que não
experimenta testar você mesmo esse novo paradigma do ciberespaço ao invés de
ficar aí, assistindo o resultado dos outros?
Na Rede, você não depende da ajuda de deputados, bispos, generais, ou
favores de qualquer outra autoridade constituída. Ouse mostrar a sua cara neste
final de milênio. Se você se ferrar, não se preocupe -- as pessoas só vão perceber
isso no início do próximo.
O que é que você está esperando para cravar sua bandeira no
ciberespaço?”
Marcela Lanson
25 de agosto de 1996
“(...) Já imaginou se, por um custo razoável, você tivesse acesso às últimas
novidades do ramo, comunicação simples e veloz, preciosos contatos humanos, e
3
Leia mais sobre o novo mercado de trabalho em a NOVA LÓGICA.
26
softwares específicos para o seu negócio? Ou ainda: dados exclusivos, clientes
potenciais, e até a resolução de dúvidas cabeludas em sua especialidade? São
algumas, entre as múltiplas vantagens que a Internet pode oferecer a sua
atividade profissional.
(...) muitos caminhos levam à utilização consciente da Rede-Mãe. Temos o
objetivo de orientar você, o usuário brasileiro, lhe mostrando a diversidade de uso
da Internet, e ajudando-o a aproveitar tudo de positivo que a Rede pode lhe
oferecer. De olho vivo e mente aberta, a Internet.br inaugura então a seção
Profissionet. Mensalmente, um internauta profissional -- ou seria um profissional
internauta? -- contará de que maneira utiliza a Internet em prol de sua profissão.
(...) Caso a Internet contribua, de algum modo, para impulsionar seu
desempenho no trabalho, chegou a hora de compartilhar essa experiência com os
nossos leitores. O espaço está aberto: Participe!! (...)”
Essas características básicas vão interagir com o que a Rede oferece e dessa interação
surgirão outras características, expertise, recursos e problemas aos quais retornaremos
em diversos pontos deste livro.
4
Ao longo do livro, o leitor entrará em contato com vários usuários que podem ser considerados jovens
somente “de espírito”.
27
NOVAS RELAÇÕES HOMEM-MÁQUINA
Máquinas, das mais simples, como uma torradeira, às mais sofisticadas, como um
automóvel, há muito fazem parte do nosso cotidiano. Há muito, portanto, que
aprendemos a lidar com elas com um confortável grau de distanciamento e a frieza que
condizem com o tratamento que julgamos deve ser dispensado a um objeto.
Para lidar com essas dificuldades iniciais, que são previsíveis, os programas, instalados
ou instaláveis em nossas máquinas, tornam-se cada vez mais “amigáveis”, ou seja,
mais fáceis de usar, revelando o cada vez mais aprofundado conhecimento do ser
humano que lhes serve de base.
Tentarei discutir um pouco desses novos aspectos da relação do homem com sua
máquina neste bloco. Peço, portanto, a ajuda e a compreensão dos leitores experientes.
Quero garantir o acesso do meu leitor leigo à discussão (ele pode, por exemplo, estar
muito preocupado com alguns comportamentos e reações de seu filho ou filha, que são
incompreensíveis de seu ponto de vista). Por isso, dado que este é apenas o segundo
28
bloco de um livro, que não é técnico, mas cujo ponto de partida é, necessariamente,
uma tecnologia que nem todos dominam, terei, novamente, que fornecer algumas
informações básicas nas quais os leitores experientes não precisam se deter. Minha
intenção é a de que todos possam ter contato com alguns dos ingredientes que podem
tornar a relação do homem com seu computador cada vez mais amigável, e, muitas
vezes, surpreendentemente íntima e intensa. Isso pode ajudar tanto o leitor experiente
quanto o leitor leigo a fazer sentido do que está acontecendo ao nosso redor.
29
Novas formas de comunicação do homem com a máquina
Talvez essa tenha sido uma derrota histórica de um humano para a máquina, mas
certamente não foi a primeira nem será a última.
Fernando Carvalho, contador experiente, relata estar suando a camisa para aprender a
usar uma simples planilha eletrônica. Já foi derrotado várias vezes.
José Queiroz, escritor, perdeu todas as notas de seu próximo livro sem sequer saber
como. Contratou um expert para vasculhar seu computador na esperança de encontrar
ao menos alguns traços do seu trabalho (é claro que ele, novato, não havia salvado
nada em disquete).
Ao mesmo tempo, fala-se em grandes avanços nos programas disponíveis para as mais
diversas finalidades. Diz-se que eles estão se tornando cada vez mais amigáveis.
30
As razões são relativamente simples, mas são comparativas, ou seja, para
compreendê-las necessitamos conhecer um pouco da história recente do computador.
Quem quer que já a conheça, deve passar para a próxima seção.
Mas foram relativamente poucos aqueles que, como eu, embarcaram nesse tipo de
aventura. E, quando o fizemos, sabíamos que o aprendizado seria difícil. O problema é
que as funções desempenhadas pelas teclas de função, isoladas ou combinadas com
outras, tinham que ser memorizadas a partir de manuais tão longos quanto maçantes. E
pior, o que valia para um programa, certamente não valia para outro, ou seja, as
mesmas teclas desempenhavam diferentes funções em diferentes programas.
Disquetes não podiam ser passados ou enviados para quem não usasse o mesmo
programa. Impressoras configuradas para a impressão de um programa certamente não
imprimiam o que houvesse sido digitado em outro. A acentuação também variava de um
programa para outro. Era uma odisséia e esse era diz respeito a um passado
relativamente recente.
Mas, cabe perguntar, se os programas são amigáveis, por que há tantas referências a
um relacionamento tenso, antagônico e hostil entre o homem e a máquina?
31
Além disso, há que se levar em consideração o usuário a respeito do qual estamos
falando. As grandes brigas, à exceção de casos como o de Kasparov, geralmente se
dão entre iniciantes e o computador, o que não quer dizer que veteranos não briguem
com suas máquinas. Na realidade, quer simplesmente dizer que esses já estão
acostumados às pequenas derrotas e vitórias que fazem parte da convivência homem-
máquina e já se sentem vitoriosos por não terem desistido nos estágios iniciais de sua
aventura digital.
Tendo definido o iniciante como o usuário sobre o qual centraremos esta discussão,
podemos retomar a questão dos programas mais amigáveis e tentar avaliar as
vantagens que estes oferecem em relação aos seus antecessores.
Isso torna as coisas fáceis para o novato? Diria que torna as coisas mais fáceis, o que,
novamente, não é o mesmo que dizer que torne as coisas fáceis. O novato vai levar
algum tempo para se sentir em casa mesmo nesse ambiente amigável de janelas
supostamente auto-explicativas. São tantos os comandos possíveis que é necessário
conhecer muito bem as opções disponíveis como também saber nomeá-las
corretamente (de acordo com os parâmetros do programa) em português. Dou alguns
exemplos tirados da minha própria experiência, quando já sabia quais eram as opções,
mas não sabia nomeá-las incorretamente em português pelo simples fato de conhecer
bem inglês.
Outro problema que enfrentei foi quando quis deletar alguma coisa. Em inglês é delete,
em português só se fala em deletar (que é um neologismo já incorporado),5 no entanto,
no menu do Word, só podemos deletar se excluirmos, não podemos sequer apagar, que
seria a tradução mais próxima.
5
Leia mais a respeito da incorporação de palavras inglesas ao português em NOVOS USOS DE
LINGUAGEM.
32
Talvez o novato tenha mais sorte! Mas, de qualquer modo vai ter que aprender a se
comunicar com o computador de uma de três formas: freqüentando um cursinho (já há
vários cursinhos de computação disputando a atenção de potenciais alunos), se
debruçando sobre as inúmeras páginas de um manual, ou perdendo horas a fio na
frente da telinha ensaiando e errando (e, quiçá, se desesperando). O pior é que não
necessariamente estas formas são excludentes.
Essa será uma experiência única na história das relações que o novato em computação
já estabeleceu com outras máquinas. Nunca antes ele havia enfrentado tanta
dificuldade.
É, no entanto, útil que esse novato saiba que se tudo tivesse continuado como antes ele
provavelmente sequer cogitaria de usar um computador. Na realidade, se tudo tivesse
continuado como antes muito provavelmente a revolução digital não estaria
acontecendo.
Sim, porque apesar dos pesares e embora se fale muito em plug and play -- ou seja,
coloque na tomada e use --, o que certamente ainda não acontece, os avanços da
computação gráfica já tornaram tudo muito mais fácil.
Enquanto escrevo este texto, olho para a tela e vejo que estou usando, neste exato
momento, a nonagésima segunda posição da trigésima segunda linha da página atual.
Vejo também o número da página, a hora em que escrevo e tenho acesso a uma barra
de ferramentas na qual posso clicar diversas teclas e, assim, executar as operações
correspondentes: abrir uma nova pasta, salvar, imprimir, visualizar a impressão, corrigir
a ortografia, recortar, copiar, colar, limpar, voltar, repetir, fazer auto formatação, inserir
tabelas, usar negrito ou itálico, sublinhar, colocar bordas, escolher fontes, justificar, etc.
etc. Para me movimentar no texto uso a barra de rolagem lateral, ou clico o botão que
exibe o layout da página e aí aciono página por página. Tenho também acesso a um
botão de zoom, através do qual posso aumentar ou diminuir o que vejo na telinha, e a
botões que alteram o tipo e o tamanho das letras que estou usando. Além disso, posso
abrir vários menus dentro das seguintes categorias: arquivo, editar, exibir, inserir,
formatar, utilitários, tabela, janela e ? (o ponto de interrogação significa ajuda).
Estamos longe de ter, à frente da telinha, a facilidade inicial que temos quando
apertamos as teclas ou botões de um liquidificador, mas a invenção das janelas, menus,
barra de rolagem e, principalmente, dos botões já simplificou muito nossa interação com
a máquina quando não somos experts (alguns desses ainda preferem digitar comandos
ou usar teclas de função).
A mesma lógica das janelas foi, mais recentemente, transportada para os programas da
Rede.
Da mesma forma que comecei a usar o computador quando se usavam programas que
rodavam em DOS, comecei a usar a Rede usando programas que rodavam sobre outro
sistema operacional, o UNIX, ainda sem a facilidade de janelas.
Expliquei que os primeiros, os que rodavam em DOS, faziam uso de teclas de função
sozinhas ou combinadas com outras teclas. Já os programas em UNIX da Rede exigiam
33
que os comandos fossem dados por extenso, naquele tipo de sintaxe que não permite
qualquer tipo de erro ou omissão, e em inglês.
Pouco depois, no entanto, com a difusão da Internet, tanto os programas que rodavam
em UNIX quanto aqueles que rodavam em PC’s (personal computers, computadores
pessoais) passaram a ser substituídos por programas que usavam o sistema de janelas,
o que tornou a vida dos usuários da Rede bem mais fácil, embora ainda desafiante para
os iniciantes.
Em resumo, a amigável lógica das janelas, menus, barra de rolagem e botões se tornou
a predominante em praticamente todos os programas que usamos, seja para interagir
somente com a nossa máquina (como quando jogamos unicamente com ela ou quando
escrevemos, fazemos uma planilha, etc.), seja para fazer com que a nossa máquina
interaja com outras (como quando enviamos uma correspondência eletrônica, surfamos
nas ondas WWW, usamos mecanismos de busca em nossas pesquisas, etc.), ou ainda
para que possamos interagir com nossos semelhantes através das máquinas (como nos
programas de bate-papo livre -- os chats --, os grupos de discussão temática, etc). Esta
lógica tornou-se, num determinado momento da nossa história recente, a lógica à qual
estamos expostos todo o tempo que usamos o computador, o que não é pouca coisa. 6
6
Leia a respeito de algumas de suas conseqüências em NOVA LÓGICA.
34
O que está por trás das novas formas de comunicação do homem com a máquina
Todas as mudanças que temos presenciado nos últimos anos no sentido de tornar a
vida do usuário do computador mais fácil através da criação de linguagens e programas
mais amigáveis e acessíveis evidenciam um domínio cada vez maior da tecnologia que
produz, por um lado, máquinas que se superam em velocidade de processamento de
dados e capacidade de armazenamento, e, por outro, programas ao mesmo tempo mais
e mais fáceis de usar, e mais e mais sofisticados.
“- 0,1 segundo -- Limite para o usuário sentir que o sistema está reagindo
instantaneamente. Máquina e cérebro estão no mesmo compasso.
- 1 segundo -- Limite para o fluxo de atenção do usuário permanecer ininterrupto,
mesmo que note o lapso. Não é necessário nenhum aviso na tela, mas o usuário
perde a sensação de estar trabalhando ininterruptamente.
- 2 a 3 segundos -- Recomenda-se mostrar uma ampulheta indicando que uma
operação está em curso e o usuário não poderá continuar trabalhando até o seu
término. [a não ser que passe a trabalhar em outro programa].
- 5 segundos ou mais -- Recomenda-se mostrar uma barra indicando o progresso
da operação sendo realizada pelo micro, de forma que o usuário saiba quanto
tempo falta para sua conclusão.
- 10 segundos -- Limite para manter a atenção do usuário focalizada. Para esperas
maiores, o usuário desejará fazer outras operações enquanto aguarda o
35
computador concluir a sua. Sempre que os tempos de espera forem variáveis, as
barras indicando em porcentuais o progresso da operação são imprescindíveis.”
(Fonte: revista Veja, edição especial Computador: o micro chega às casas, dezembro
de 1995, pp. 38-39)
É desnecessário dizer que todos aqueles que lidam com computadores logo se
familiarizam com ampulhetas e barras. Elas ajudam o usuário a lidar com a subversão
de sua expectativa -- gerada pela experiência com outras máquinas -- de que basta
comandar que a operação é executada imediatamente (como, por exemplo, num
controle remoto de televisão). E os programadores sabem disso.
E sabem mais ainda. Sabem que algumas operações são demoradas e que, para
esperar que sejam concluídas, o usuário vai querer fazer alguma outra coisa, de
preferência sem deixar de lado o computador. Essa alguma outra coisa enquanto se
espera é o fundamento básico do conhecido -- porque amplamente divulgado pela
Microsoft à época do lançamento do Windows 95 -- conceito de multitarefa simultânea,
ou seja o mandamento que reza que devemos fazer várias coisas ao mesmo tempo
para que possamos ganhar tempo para fazer mais coisas ainda. Vejamos o que dizia a
esse respeito a propaganda do Windows 95:
Outra coisa que os programadores conhecem a respeito dos seres humanos que usam
computadores, mas que muitos seres humanos que pouco conhecem de si mesmos
desconhecem, é que seres humanos, quando ficam cansados depois de muito tempo à
frente da telinha ou à procura de soluções difíceis para as tarefas que estão
executando, precisam de um pouco de distração para descansar a mente. Por isso
mesmo, esses programadores introduziram os joguinhos de paciência, copas e
congêneres no pacote do Windows. Numa visão bastante utilitária e prática, que pode
ser sentida pelo usuário como muito atenciosa e amiga, é melhor descansar sem largar
o computador do que deixá-lo de lado por algum tempo enquanto se toma um cafezinho
ou se bate um dedo de prosa. O cafezinho e a prosa certamente tomarão mais tempo...
36
programa, os comandos têm que ser dados de determinadas formas, caso contrário o
computador não executará a operação que desejamos que execute.
Se o programa exige uma seqüência de letras, símbolos e espaços para efetuar uma
determinada operação, e algo for omitido ou alterado na seqüência digitada, o usuário
vai simplesmente receber uma mensagem assinalando que a seqüência está incorreta,
ou que é impossível executar a operação.
**************************************************************************
**********
Lista Informativa MeuPovo. Para assinar a lista MeuPovo,
envie msg para MAJORDOMO@ACTECH.COM.BR,
contendo, na 1a linha da msg, o texto:
SUBSCRIBE MEUPOVO
Para cancelar a assinatura, envie msg para
MAJORDOMO@ACTECH.COM.BR, com o texto
UNSUBSCRIBE MEUPOVO
Sugestoes e colaboracoes para a lista devem ser
enviados para dariomor@actech.com.br
**************************************************************************
***********
Estas instruções são explícitas: deve-se usar a primeira linha e escrever SUBSCRIBE
MEUPOVO exatamente da forma indicada. Isso deve ser enviado por e-mail para
MAJORDOMO@ACTECH.COM.BR, sem qualquer espaço entre as letras e símbolos do
endereço. Basta colocar um espaço que a mensagem não vai seguir. E, caso o texto
seja ligeiramente diferente do prescrito, ou não esteja na primeira linha como indicado,
não vai haver resposta. Isso porque quem envia a correspondência é uma máquina e
quem responde é outra. Observe-se também que esse software não aceita acentos ou
cedilhas.7
Comparemos, agora, o endereço acima com esse outro (fictício) do mundo real:
Alberto Vieira
Avenida N.S. de Copacabana, 1200, apto 402
Copacabana, Rio de Janeiro
22040-000
7
Leia mais a respeito da ausência de acentuação e de cedilhas em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
37
E mais, compreenderá o endereço mesmo que nos esqueçamos do CEP, ou do bairro,
ou do nome do destinatário (só não podemos nos esquecer de tudo, ou dos dados
essenciais como o número do prédio numa avenida que percorre alguns quilômetros!).
Isso porque os programadores inventaram fórmulas para tornar a nossa vida mais fácil.
Clicamos um botão e a máquina transforma esse clicar em algo por ela compreensível.
Quanto mais clicamos botões ou abrimos janelas, menos nos damos conta de que a
linguagem da máquina continua inflexível e mais temos a sensação de que ela fala a
nossa língua.
E isso nos leva a uma outra área onde, embora o conhecimento do ser humano seja
grande, os avanços não têm sido muito impactantes. A área da interação física do ser
humano com o computador, ou seja, a área das interfaces.
Para clicar todos os macios botões gerados pelos programadores temos que usar o
mouse e, para executarmos outras tantas tarefas, temos que usar o teclado. O uso
prolongado do mouse e do teclado bem como o ficar sentado à frente de uma tela
iluminada horas a fio geram problemas de saúde de várias ordens, problemas esses
que só podem ser evitados pelo desenvolvimento de um hardware mais ergonômico,
gerado por um conhecimento cada vez mais aprofundado dos efeitos físicos que a
interação homem-máquina tem sobre o primeiro.
8
Leia mais a respeito de diferentes usos de linguagem em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
38
O caderno Informática, etc., do jornal O Globo já abordou o tema diversas vezes, como,
por exemplo, na reportagem intitulada Micreiros com o corpo em forma, publicada em
18 de março de 1996, em resposta à demanda de seus leitores. Alguns dos dados
fornecidos na matéria, embora certamente defasados, são bastante interessantes:
Feita esta triste constatação, a matéria passa a discutir os movimentos que -- segundo
terapeutas ocupacionais que participaram da elaboração de um software intitulado
Postura no Trabalho Informatizado, da Ergon -- podem ser feitos diante de um
computador. Ainda de acordo com esses mesmos terapeutas, o segredo para evitar a
LER se resume a três palavras: relaxar, alongar e fortalecer.
Mas a preocupação dos editores do Informática, etc. com a questão da saúde não pára
aí. Até a coluna Input, que semanalmente publica uma espécie de dicionário bem-
humorado de informática e Internet em capítulos, dedicou uma entrada a um tipo de
lesão que pode ser mutilante, a tenossinovite. Diz:
Afinal de contas, não fomos feitos para passar horas a fio, sentados à frente de uma tela
iluminada, repetindo ad nauseam os mesmos movimentos com nossas mãos e com o
nosso braço mais hábil. A musculatura da coluna, do braço, do pescoço, as articulações
das mãos, etc. acabam se ressentindo. Como conseqüência, ocorrem lesões algumas
vezes irreversíveis. Isto sem falar dos olhos para os quais há poucas formas de
prevenção disponíveis, como, por exemplo, proteções de telas e lentes especiais.
Por tudo isso, permito-me discordar dos terapeutas citados anteriormente. Embora
relaxar, alongar e fortalecer sejam importantes para a manutenção da nossa saúde,
para evitar a lesões por esforço repetitivo no que diz respeito à informática, é necessário
que tenhamos máquinas que interajam com nossos corpos de maneira menos
agressiva. Se o software já se tornou mais amigável e, por isto mesmo, passamos mais
horas à frente de uma telinha, é chegada a hora dos projetistas de hardware usarem
todo o amplo conhecimento que as ciências biomédicas acumularam sobre o corpo
humano e suas limitações para criar máquinas, não somente mais rápidas ou com maior
capacidade de armazenamento de dados, mas também máquinas com as quais
possamos interagir mais harmonicamente.
39
Ao que parece, a psicologia já contribuiu mais para os avanços do software que usamos
(ou suas contribuições foram melhor utilizadas) do que as ciências biomédicas para os
avanços do hardware que ainda nos faz penar...
40
A antropomorfização da máquina
“Esta relação está muito próxima, e tem gente por aí sendo parte da máquina.”
Como se vê nesses depoimentos, que são somente exemplos,9 foi-se a época em que
máquinas eram máquinas e seres humanos eram humanos e em que havia uma linha
divisória indiscutível entre essas duas categorias. Hoje, enquanto muitos seres
humanos ainda são tratados como máquinas, uma classe especial de máquinas -- os
computadores -- recebe o mesmo tratamento que seres humanos.
Não cabe aqui falar da mecanização do ser humano na estressante civilização industrial
ou pós-industrial (quem não se lembra da magistral cena de Chaplin preso às
engrenagens de uma máquina no filme Tempos Modernos, ao qual Ricardo Neves faz
menção?), mas certamente cabe falar da humanização, ou melhor, da
antropomorfização do computador na moderna sociedade digital.
Para começar, computadores não são máquinas comuns, disso todos sabemos. São
máquinas que já nasceram um pouco humanas na medida em que nelas seus criadores
procuraram simular e incorporar duas das principais características da nossa espécie: a
inteligência, com seu infinito potencial de resolução dos mais variados tipos de
problema, e a capacidade de memória.
9
Leia mais a respeito de como foram coletados esses e outros depoimentos em O IMPACTO DO NOVO.
41
É útil, portanto, pensar um pouco sobre esse novo tipo de relação de amizade e,
principalmente, sobre os elementos que tornam possível uma amizade entre o homem e
a máquina.
Estamos com insônia? Por que não ligar o computador e jogar um pouco de paciência
para chamar o sono? Se formos vitoriosos, ainda receberemos os parabéns.
Temos que escrever um trabalho para a faculdade? Nada melhor do que o computador
para poder mexer e remexer à vontade no que estamos fazendo.
Queremos imprimir cartões de visita ou convites para uma festa? Basta termos o papel
e o software apropriado que não necessitaremos de recorrer a uma gráfica.
Queremos ampliar uma foto? Não há problema. Com o uso de um scanner, colocamos
a foto na telinha e com alguns cliques do mouse a foto estará ampliada e pronta para
ser impressa.
Não vou listar todos os usos possíveis, que são muitos. Quero somente mostrar que,
mesmo desconectado da Rede, o computador já se torna nosso amigo inseparável e
polivalente (pois sabe fazer de tudo!).
Isso pode parecer estranho tendo em vista toda a discussão sobre os embates entre o
homem e o computador. Mas não é estranho, não.
42
O computador pode ser visto como uma mulher ou um homem atraente e difícil que
queremos conquistar. Penamos, mas, quando somos bem-sucedidos, nos sentimos
vitoriosos e dela ou dele podemos nos aproximar sem os grandes receios e barreiras
iniciais, pois esses já foram vencidos durante a fase da conquista.
São inúmeros os relatos de usuários que odeiam seus micros, que têm crises de
desespero, querem atirá-los pelas janelas de seus apartamentos, etc. Estes geralmente
estão nas primeiras fases da conquista.
Quantos de nós, usuários antigos que nos damos muito bem com nossos micros, não
nos enfurecemos esporadicamente quando nosso computador, não querendo obedecer
a uma ordem que nos parece absolutamente sensata, emite um som desagradável,
exibe uma janela com dizeres ásperos e se recusa terminantemente a executar um ou
outro tipo de operação? Quando isso acontece, como num relacionamento humano,
sabemos que é hora de revermos o que estamos fazendo e procurarmos uma outra
forma de tentar fazer o que queremos...
O conhecimento do qual esses homens e mulheres lançam mão pode ter uma ou mais
de várias origens: pesquisas científicas, pesquisas de opinião, experiência própria,
experiência de pessoas próximas e, principalmente, o conhecimento de seres humanos
que qualquer ser humano tem. É a crescente capacidade de gerar e fazer uso desses
diferentes tipos de conhecimento que torna os diversos tipos de software cada vez mais
amigáveis e o computador cada vez mais humano e o amigo de todas as horas.
43
humanos que tornam a máquina humana ou não, amigável ou não, dependendo dos
objetivos para os quais será usada.
Garry Kasparov, o grande enxadrista, foi derrotado por Deep Blue. Mas Deep Blue é um
computador da IBM programado por uma equipe de seres humanos especializada não
somente em programação como também em xadrez. E esta equipe tinha por objetivo
vencê-lo. Pelo que li, uma das reclamações de Kasparov, depois de derrotado, foi a de
que Deep Blue era desumano!
44
Homens e máquinas no ciberespaço
Enquanto o acesso ao ciberespaço era facultado somente por programas que rodavam
em UNIX, sem as facilidades de um sistema de janelas, a cada vez que queríamos dar
um novo comando tínhamos que digitá-lo por extenso, naquela gramática rígida da
máquina e em inglês. Isso, inevitavelmente, nos recordava de que estávamos lidando
com uma máquina.
Mas, embora os programas em UNIX ainda sejam usados por muitos, hoje tornou-se
muito fácil esquecermos daquilo com o que estamos lidando. Surgiram os programas de
Rede para Windows, mais amigáveis, que, como os outros programas para Windows
que nada têm a ver com a Rede, incorporaram várias formas mais humanas de se
relacionar, como, por exemplo, uma manifestação de alegria -- geralmente uma música
alegre -- para avisar que chegou correspondência nova, ou um sádico, mas também
bem humano, aviso de que o seu programa executou uma operação ilegal -- que a
maioria dos usuários totalmente ignora qual seja -- e por isso será fechado.
Para que o meu leitor possa ter uma idéia do que gera esse tipo de dependência,
vejamos o que dizem (em entrevistas olho-no-olho) ou escrevem (em resposta a
questionários enviados por e-mail) a respeito de suas primeiras impressões da Rede os
seguintes usuários:11
10
Leia a respeito de um tipo de dependência que chega a ser caracterizada como vício em Os prós e
contras dos relacionamentos virtuais, no bloco NOVOS RELACIONAMENTOS.
11
Leia mais a repeito dos questionários e entrevistas em O IMPACTO DO NOVO.
45
“... o negócio da Rede é que é um mundo muito grande, né, cara? É, e a Rede é
uma parada muito sinistra, cara. Quando você entra na Internet, você, você... É
outro mundo, sacou? É outra coisa, eu posso saber o que eu quiser ali.”
“... no mundo não estou mais presa ao Rio de Janeiro, o mundo se abriu para
mim.”
“[Tive a impressão de] que nunca mais sairia da frente do computador... pois eram
milhares as possibilidades... até mesmo nos estudos... pesquisando sobre
medicina, conversando c/ [com] estudantes e médicos do Brasil e exterior...
Atualmente provavelmente tenho um e-mail de estudantes em todos os estados
da federação... vários médicos, pesquisadores etc... etc...”
“E comecei a navegar, quer dizer, foi uma extensão natural, para quem já usa
computador é como se estivesse tudo no próprio computador.”
“Excitante. Talvez porque a primeiríssima vez que acessei a Net, foi aqui na minha
casa, com um amigo também ‘virgem’. Somos loucos por computador e, naquele
momento, percebemos que o HD do meu computador subitamente expandiu de
1.2 Gigabytes para o tamanho do mundo.”
Sylvia Barroso, psicóloga de 25 anos, expressa a mesma visão de um modo bem mais
leigo e singelo. Diz ela que, antes de entrar na Rede, se fazia a seguinte pergunta:
Alguns usuários vão mais longe e admitem a ausência de fronteiras entre o computador
e o homem, tanto dentro quanto fora da Rede. O computador torna-se uma extensão do
corpo humano.
Bruno Torres, estudante de informática de 26 anos com o qual já travamos contato, por
exemplo, quando perguntado a respeito dos sentimentos que a Rede nele gerava, numa
46
entrevista olho-no-olho, trata o seu próprio braço e o computador de forma análoga,
independentemente de onde esteja (na Rede ou fora dela):
“Não dá para ter sentimento (...) sobre acessar a Web pelo seguinte, eu... Você vai
perguntar pra mim ‘o que você sente pelo seu braço hoje?”. Eu vou dizer ‘Não
sei.”; não e... ‘o que você sente pelo seu computadorzinho, pelo seu
laptopzinho...?’. É uma extensão natural e isso porque eu já venho, peguei uma
fase boa da minha aprendizagem com um computador do lado, passou a ser uma
coisa fundamental em muitas coisas que faço.”
Outros, ainda, enfatizam que a relação entre o homem e o computador deve ser de
pleno entendimento, ou seja, de total intimidade. Os ideais de perfeição e comunicação
total, geralmente associados aos relacionamentos humanos, também parecem, agora,
ter sido transferidos para o relacionamento homem-computador.
“Interação que deve existir entre o computador e seus usuários para que o
mesmo seja usado de forma correta, eficaz e plena.”
“Não tem como fugir!!! O homem criou sua perfeita reflexão, uma combinação
perfeita, desde que bem utilizada.”
Mesmo admitindo que, para o leigo em informática e Internet, toda essa discussão
possa parecer surreal, ou, no mínimo, vítima de algum exagero da parte de fanáticos,
creio que não restam dúvidas a respeito da cada vez mais estreita relação do homem
com o seu computador fora da Rede, e da dependência do primeiro em relação ao
segundo no ciberespaço.
Como reagem a isso os usuários? No mais das vezes, com incredulidade, e outras
vezes, com muito medo. A antropomorfização das máquinas, com as quais se trava
contato no ciberespaço, chega a afetar a credibilidade de muitos usuários nas
comunicações digitais. E por quê? Porque eles, usuários, temem poder vir a interagir
47
(de modo significativo, é claro) com uma máquina pensando que estão interagindo com
um outro ser humano através de uma máquina.
Esse medo não é totalmente infundado. Na Rede, há robôs programados para interagir
com seres humanos, quando estes sabem que estão interagindo com máquinas --
como, por exemplo, quando usam uma ferramenta de busca do tipo Altavista ou o
brasileiro Cadê? --, e também quando não sabem, como relatam acontecer inclusive
em alguns canais de bate-papo.
Isso gera o medo, bem humano, de ser iludido, medo esse que é revelado em
“advertências aos incautos”, bastante comuns no discurso de usuários. Uma dessas
advertências, por exemplo, que reza que “do outro lado [da comunicação] pode estar
um cachorro...!”, muitas vezes tem como resultado uma certa paranóia.
Sei que cachorros não têm o know-how necessário para usar computadores e não
acredito que máquinas possam ser programadas para realmente dar a um ser humano
a impressão de que têm capacidades e sentimentos humanos, ao longo de uma
comunicação que não se reduza a algumas poucas palavras.
O que já me foi possível observar é que sempre que se interage com algo/alguém
desconhecido -- e tenho plena consciência de que algo/alguém desconhecido pode soar
muito estranho para o meu leitor leigo --, o que acontece muitas vezes na Rede, o medo
do desconhecido se instaura. O relacionamento estabelecido com a própria máquina ou
com o amigo que se conhece fisicamente não geram medo. No entanto, o desconhecido
-- ser humano ou máquina -- gera. Ele ou ela podem estar mentindo ou simulando e não
há meios de descobrirmos isso a curto prazo...12
Temos que aprender a lidar com essa nova realidade tendo o cuidado de não acionar
uma improdutiva e paralisante paranóia.14
12
Leia mais sobre o medo da mentira nos relacionamentos ciberespaciais em NOVOS
RELACIONAMENTOS.
13
Leia mais sobre isso também em NOVOS RELACIONAMENTOS.
14
Leia mais sobre a paranóia em CONSOLIDANDO IMPRESSÕES E CONFIRMANDO INTUIÇÕES.
48
Nota sobre o registro de uma realidade
Há pouco tempo, um amigo, jovem de 40 anos de idade, teve um infarto sério ao qual,
felizmente sobreviveu. Foi socorrido a tempo e, após alguns dias de internação
hospitalar -- inclusive no CTI (Centro de Tratamento Intensivo) -- voltou para casa tendo
que se submeter a um repouso absoluto.
Alguns amigos -- aqueles que não têm nenhum contato com computadores -- ficaram
surpresos. Outros aplaudiram a sensibilidade do médico em questão. Por quê? Porque
ele protegeu nosso amigo -- que é amante das máquinas -- ao deixar claro que sabia
que o computador é diferente de outras máquinas. Demonstrou estar em contato com o
novo e provou a utilidade profissional desse contato: é importante que se saiba que o
computador pode gerar emoções fortes e inadequadas para um recém-infartado.
O leitor conhece alguma outra máquina que seja capaz de gerar em nós os sentimentos
descritos ao longo das últimas páginas e resumidos nos dois depoimentos abaixo?
“[A relação entre o homem e o computador é] uma difícil relação onde às vezes os
homens dominam a máquina e, outras, a máquina domina os homens. Como em
toda relação, o difícil é chegar a um ideal; meio termo onde se convive sem
dominação.”
(Marcela Caetano, dados pessoais ignorados)
Que fiquem atentos aqueles que ainda olham para tudo isso com descrédito!
Principalmente se, como profissionais, têm que lidar com seres humanos que podem
estar vivendo essa nova realidade.
49
NOVOS CONCEITOS
Neste bloco, convido meu leitor para um passeio inédito. Um passeio por reflexões
tornadas possíveis pela colaboração de 43 usuários comuns, habitantes dos mais
diversos cantos deste país, que nos nos deram as suas próprias definições de alguns
conceitos básicos da realidade inaugurada pela Internet. Essas definições vieram
complementar as informações colhidas nas 40 respostas que recebemos a um segundo
questionário, no qual outros usuários, também comuns, nos relataram algumas de suas
experiências na Internet, e nas 20 entrevistas olho-no-olho que fizemos. Os autores dos
depoimentos citados (quer tenham tido origem nos questionários ou nas entrevistas)
não são identificados; somente seu sexo, profissão e idade são mencionados. Os
nomes citados são fictícios como os outros nomes que já apareceram neste livro. A eles
o meu mais profundo agradecimento.15
Através deste passeio, o leitor vai poder ter acesso a como a Internet é vista por esses
usuários, que, vale frisar, são homens e mulheres, de diferentes faixas etárias e
diferentes profissões, mais ou menos versados em informática. Vai poder perceber as
dificuldades que eles encontram quando tentam colocar em palavras aquilo que
conhecem muito bem na prática, vai poder avaliar alguns de seus conflitos e vai poder
apreciar o seu espírito brincalhão, mesmo quando crítico.
Acho que esse passeio, além de divertido, pode ser muito informativo.
15
Leia mais a respeito dos procedimentos usados em O IMPACTO DO NOVO.
50
O ciberespaço e a virtualidade
Na década de 1960, travamos contato com o espaço sideral que, todos aprendemos
então, é muito diferente do espaço cotidiano em que vivemos. Acompanhamos as várias
peripécias dos navegantes desse espaço -- os cosmonautas -- e vimos, pela televisão,
o primeiro homem pisar na Lua.
versos nos quais Gilberto Gil registrava a surpresa, o choque do novo e o medo no
imaginário de muitos.
Nessa época já distante, esse entrar em contato com o espaço cósmico significava
muito simplesmente saber de sua existência, saber que nele não há força da gravidade,
saber que os homens nele podem viajar mesmo assim, e assistir aos feitos do homem
na televisão como se fossem, tal qual os filmes produzidos em estúdios de Hollywood,
obras da imaginação. (Não foram poucos aqueles que, mesmo havendo visto a chegada
do homem à lua, afirmavam que tudo era mentira!) É claro que nunca nenhum de nós
travou contato pessoal com esse espaço.
Em outras palavras, o espaço sideral, que é muito real para quem lá esteve, para os
outros mortais era simplesmente um espaço potencialmente alcançável. Poder-se-ia
então dizer que o espaço cósmico para praticamente todos os mortais era um espaço
virtual. Mas isso não estava em pauta nos anos 60.
Está em pauta agora. O fato é que a década de 1990 nos fez entrar em contato com um
outro tipo de espaço, o espaço cibernético, ou o chamado ciberespaço que é, todos
dizem, um espaço virtual.
O que significa isso? Significa dizer que o ciberespaço é algo apenas potencialmente
alcançável e distante como o espaço cósmico? Significa dizer que, tal como o espaço
sideral, ele é regido por suas próprias leis que são diferentes daquelas que regem o
espaço cotidiano no qual todos sempre vivemos?
Para tentar responder a essas e outras perguntas, vejamos o que nos dizem nossos
colaboradores, muitos dos quais, contrariando as expectativas de que receberíamos
respostas quase que exclusivamente de jovens, têm idade suficiente para poderem
fazer comparações com outras épocas, inclusive com a década de 60. E, para termos
uma idéia do quanto eles têm consciência do que gera esse novo espaço, comecemos
com suas definições do que é a Rede.
Todos têm plena consciência de que a Rede é formada pela conexão de computadores.
51
“Uma porção de computadores ligados”,
fazem coro Julio Tavares, perito judicial de 38 anos de idade, Maria do Carmo Veiga,
advogada de 32 anos, e Henrique Salles, médico de 56 anos.
Muitos vão além disso e registram diferentes características da Rede, como os diversos
tipos de ligação que formam sua malha.
“Rede: seqüência de assuntos, lugares, etc. ex: um assunto tem dez pontos
diferentes, cada um desses pontos se abre em outros, e assim por diante.”
Há, também, os que optam por definições compactas e de impacto, mas bastante
reveladoras. É o que fazem:
“Aldeia global”,
“Comunicação”.
52
Nossos colaboradores, usuários comuns que são, não registram em suas definições de
ciberespaço aquilo que é a principal característica deste: a de ser um espaço
imaginário. Segundo a definição dada por Christian Crumlish, um especialista no
vocabulário ciberespacial, em seu O Dicionário da Internet, publicado pela Editora
Campus em 1997, ciberespaço é:
Já que os usuários não se referem a essa realidade imaginária compartilhada, quais são
as suas definições?
Complicado, não? Espaço sem existência física, local não físico, espaço não real. Estas
e outras caracterizações são importantes para percebermos o quanto é difícil -- para
aqueles que, imersos na nova realidade, tentam fazê-lo -- conceber o ciberespaço como
uma ilusão ou uma obra do imaginário coletivo. O constante recurso a palavras como
53
lugar e local parece indicar que os usuários percebem o espaço virtual como tão
concreto quanto o espaço “real”.
Outros usuários nem parecem se preocupar com isso. Ao que suas definições indicam,
o ciberespaço para eles é algo tão concreto e natural que sequer suscita dúvidas, ou dá
origem a contradições e confusões.
“após descansar no sétimo dia (um dia divino=X Gdias humanos), Ele, cansado
de criar somente matéria, criou um universo paralelo e virtual, livre das correntes
físicas e mais ao gosto dos impulsos elétricos dos neurônios.”
Enquanto que a também engenheira Isabel Torres (40 anos) livre-associa de forma a
dar a entender algo análogo
“Ciberespaço - Liberdade”.
A definição de ciberespaço como um espaço paralelo regido por suas próprias leis é a
que mais se aproxima daquela do dicionário que diz que o ciberespaço é a realidade
imaginária compartilhada das redes de computadores. Ao menos introduz a noção de
uma realidade completamente diferente daquela na qual vivemos o nosso cotidiano.
E qual a sensação que eles têm do que acontece nesse espaço? Diria que uma
sensação bastante difícil de colocar nas palavras convencionais, atreladas que estas
estão à concretude das sensações geradas pela realidade cotidiana que continua a lhes
54
servir de referência. Examinemos, por exemplo, o que acontece quando é solicitada aos
mesmos usuários-colaboradores uma definição de realidade virtual.
Para definir realidade virtual, eles recorrem a dois tipos principais de definição: usam
definições dos equipamentos e técnicas que criam essa nova realidade, mas pertencem
à realidade cotidiana e, neste caso, fazem uma ponte que integra as duas e faz sentido;
ou tentam definir a nova realidade tomando como referência a antiga e acabam
concluindo, muitas vezes para sua própria surpresa, que a velha e já complexa
realidade comporta agora uma nova cisão. A realidade virtual é definida por oposição à
realidade “real”.
Comecemos pelo que chamei de definições técnicas. Destas, a primeira que acho útil
mencionar é a do Dicionário de Informática que estamos tomando como fonte de
referência:
“Realidade Virtual: na minha opinião algo contraditório, se é virtual não pode ser
real.”
55
É o mesmo “soar estranho” que Pedro Werneck (32 anos, engenheiro) registra em sua
definição:
Com ou sem registro da contradição ou “esquisitice”, são vários os que afirmam ser a
realidade virtual uma outra realidade, uma realidade “não real”:
Julio e Henrique, por exemplo, parecem entender que realidade virtual é o mesmo que
simulação:
Finalmente, para alguns usuários, como Isabel Torres, Paulo César Coelho e Jerônimo
Falcão, a realidade virtual se mescla à realidade fantasiosa dos sonhos:
56
“Realidade Virtual - ambiente para sonhos serem concretizados”,
Parece que Rogério Dantas (39 anos, metalúrgico) lê a resposta de Isabel e resolve
materializar seu próprio sonho:
Realidade “não real”, realidade alternativa, imagens que passam pela realidade,
simulação, sonho. Todos esses tipos de resposta apontam no mesmo sentido. Acho que
agora podemos fechar o círculo: da realidade “não real” ao sonho, estamos falando de
alternativas à realidade “real” que são regidas por suas próprias leis.
Nos dias de hoje, milhões de seres humanos têm contato diário e íntimo com o novo
espaço cibernético e nele navegam com grande grau de liberdade sem, no entanto,
jamais deixarem o conforto de sua cadeira. Ninguém que com ele trave contato duvida
da sua existência e, no entanto, ele literalmente não tem existência a não ser na
imaginação de todos e cada um dos milhões de seres humanos -- os internautas -- que
por ele trafegam!
16
Leia mais sobre os usos e abusos da experiência com essas duas realidades em NOVOS
RELACIONAMENTOS.
57
Quão concretas e “reais” são essas sensações?
Retomo as associações com o sonho, feitas por alguns usuários, e respondo com uma
analogia sob a forma de outra pergunta. Quão concretas e “reais” são as nossas
sensações enquanto estamos sonhando? Quem tiver dúvidas a respeito da concretude
dessas sensações, do status de “outra” realidade do sonho, ou de suas diferentes leis,
provavelmente nunca sonhou e, principalmente, nunca teve um pesadelo!
Mas deixemos a realidade do sonho de lado, pois as duas realidades com as quais os
usuários da Rede têm contato enquanto estão bem acordados já podem gerar bastante
dor-de-cabeça!
58
Home pages e hipertextos
“Um host [computador em uma rede que permite que muitos usuários o acessem ao
mesmo tempo] da Internet que permite algum tipo de acesso remoto...”
Suas definições tornam claro que, para alguns deles, site e home page são
praticamente, quando não definitivamente, a mesma coisa. Houve definições circulares
do tipo:
dadas por usuários, como, por exemplo, Renato Bastos (29 anos, assessor de
imprensa).
Este foi o caso de Julio Tavares (28 anos, perito judicial), entre outros.
17
Leia mais sobre diferentes tipos de incorporação de palavras inglesas ao português em NOVOS USOS
DE LINGUAGEM.
59
Alguns novamente associaram livremente e, para nós, informativamente. Vejamos o que
disseram.
“Sites - Bibliotecas virtuais, estão sempre disponíveis para o que for, a hora que
for.
Homepages - Particularmente será um meio de vida”,
Essa foi a associação feita por Gustavo Freire, 22 anos, que gentilmente ofereceu seus
préstimos -- ele constrói home pages -- à equipe dessa pesquisa.
Com essa definição de home pages, Rogério Dantas (39 anos, metalúrgico) parece até
estar fazendo arte ciberespacial.
A grande maioria das respostas se refere a sites como locais, lugares, sítios, etc., o que
não surpreende, tendo em vista a concretude da sensação que o ciberespaço gera em
seus usuários e, também, levando-se em conta que a palavra site em inglês significa
local.
Um outro tipo de resposta merece ser comentado com maior cuidado: vários usuários
se referiram a home pages como páginas de marketing, painéis publicitários, páginas de
empresas, ou simplesmente como páginas colocadas na Rede com a preocupação de
“vender” uma imagem a respeito de quem quer que a tenha colocado. Examinemos
algumas dessas respostas.
Como podemos avaliar essas definições? São elas definições erradas? Por que passam
uma visão de home pages tão diferente daquela que consta do dicionário?
Essa visão de home pages como uma forma de marketing, que tanto se distancia da
sua definição técnica de dicionário, é certamente o fruto da própria difusão das home
pages como meio de divulgação dos produtos mais variados, geralmente com
finalidades comerciais.
60
Não é uma visão nem certa nem errada. É simplesmente uma visão de usuários, ou
seja, daqueles que usam o ciberespaço e visitam home pages sem jamais terem se
preocupado com os avanços tecnológicos, ou as técnicas de construção, que estão por
trás de toda e qualquer home page, ou com as definições conceituais dadas a tudo isso.
A home page é vista e apreciada pelo que é e pelo que transmite e, na opinião de
alguns desses mesmos usuários, ela é um painel publicitário e o que transmite é uma
imagem que se quer “vender”.
A julgar por esses depoimentos, parece que a Internet no Brasil assumiu um jeitão
comercial em muito pouco tempo de existência. Pensando bem e caindo na real (aquela
cotidiana na qual somos submetidos aos mais variados tipos de comercial, mesmo nos
canais de TV por assinatura) isso não deveria surpreender.
Mas continuemos nosso passeio. Além das definições circulares, das compactas e das
mercadológicas, houve, como não poderia deixar de ser, definições técnicas, embora
em número relativamente pequeno.
“Sites - locais com urls onde estão home pages de hipertextos ou textos
na Web.
Homepages - páginas de hipertextos ou textos da Web.”,
Wanda Soeiro (45 anos, economista), que deu respostas técnicas a praticamente todos
os itens do questionário.
E são essas definições que nos trazem aos dois próximos conceitos a serem discutidos:
os conceitos técnicos de hipertexto e links, que são, diria eu, a alma da Rede.
Com esses dois conceitos, nossos colaboradores tiveram muita dificuldade. E isso
talvez explique porque houve poucas definições técnicas em resposta ao item das home
pages. Ao que tudo indica, nossos colaboradores, usuários que são da Rede,
certamente sabem acessar e visitar uma home page, sabem ir de uma home page para
outra fazendo uso dos links de hipertexto, porém jamais ouviram falar quer seja de
hipertexto quer seja de links.
E é muito difícil dar uma definição técnica de home page sem fazer menção a pelo
menos um dos dois. Tanto no dicionário quanto nas definições técnicas dadas pelos
nossos usuários-colaboradores há pelo menos uma menção a um dos dois.
Hipertexto:
61
“Texto que contém vínculos (links) para outros documentos, permitindo ao leitor
que se desloque de um para outro e leia os documentos em ordem diversa.”
Links:
É grande o número dos que admitem não saber o significado nem de um nem de outro.
É, também, grande o número daqueles que tentam advinhar seu significado e acabam
demonstrando desconhecê-lo:
A sua fórmula “aperta e vai lá” revela o que quase todos que sabem o que é um link
dizem: um link é algo que faz o movimento de ligar, relacionar, vincular ou simplesmente
“navegar”, e um hipertexto é um tipo de texto que oferece recursos que permitem que
esse movimento seja feito. E mais, essa feliz fórmula revela o que muito provavelmente
está por trás de tantos “não-sei”: mesmo quem não sabe o que é um link, quando está
na Rede “aperta e vai lá” sem nenhum problema!
O “não-sei” é apenas observável. Portanto, dele não posso dar exemplos textuais. Já a
sensação de movimento, de que as coisas podem se conectar no ciberespaço, é
passível de ser exemplificada de várias maneiras dentre as descritas pelos usuários.
“Hipertexto
18
Leia mais sobre as carinhas, emoticons, ou smileys, em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
62
Recurso de se atrelar assuntos em textos, permitindo uma viagem
entrelaçada de assuntos, em várias direções, variando de acordo com os
desejos e objetivos do interessado.
Links
Relação possibilitada entre um endereço e outros presentes no mesmo
diretório ou mesmo em outros diretórios ou servidores.”,
“Hipertexto
html ;)
[A carinha está piscando um olho, em tom de brincadeira.]
Links
pra facilitar a navegação.”,
Dito tudo isso, uma pergunta pode se colocar: será que alguém assinalou o potencial
inovador do hipertexto e seus links?
E a resposta é sim. Eles não foram muitos, mas houve quem assinalasse a que é, a
meu ver, a principal característica do hipertexto: a característica verdadeiramente nova
e revolucionária de ser um texto muito mais próximo da nossa forma natural de pensar
do que o texto bidimensional e linear ao qual estamos acostumados e que o leitor tem
diante de seus olhos.
Nosso pensamento não é bidimensional nem tampouco seqüencial. Temos que fazer
força e usar diversos recursos lingüísticos e literários para colocá-lo na
bidimensionalidade do papel de forma compreensível. Tudo bem, uns melhor do que
outros, muitos fazemos isso relativamente a contento. Para isso contamos, entre várias
outras coisas, com a ajuda da leitura de grandes escritores, com a ajuda de leitores
experientes, e com séculos de conhecimento e técnicas acumulados.
“Hipertexto
Combinação de textos, imagens, som e vídeo numa coisa
definida como HTML, que ao meu ver é uma revolução no
mundo dos homens.
Links
Ligações para outras páginas ou Sites.”,
63
Carlos Eduardo Cavalcante (23 anos, analista de suporte Internet).
Como passaremos a usar o diálogo e a mágica desse novo recurso só o futuro nos
pode dizer.
19
Leia mais sobre o hipertexto em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
64
Tempo real e chats
Mas, ao ler a definição do Dicionário da Internet, aquele que venho usando como
referência ao longo deste bloco, sou obrigada a concordar que o tempo real já é antigo.
Diz o dicionário que tempo real é:
Juliana Assunção, jornalista de 33 anos de idade, concorda comigo e diz que tempo real
é uma:
Tal como para Juliana, a expressão “tempo real” é, para a maior parte dos usuários, tão
recente quanto a Rede que possibilita a comunicação síncrona por escrito, pois foi em
conexão com esta que eles travaram contato com aquela!
Por isso mesmo tive uma surpresa ao examinar as definições dadas a tempo real pelos
nossos usuários-colaboradores. Surpreendeu-me o fato de nenhum desses usuários --
em sua maioria cidadãos comuns que geralmente se referem a transmissões de TV que
ocorrem ao mesmo tempo em que eles as estão assistindo como transmissões “ao vivo”
-- ter esboçado qualquer reação à, para eles nova, qualificação do velho tempo como
real. Lembremo-nos de que esses mesmos usuários haviam reagido, com algum
espanto, a uma qualificação análoga, feita por eles mesmos, da realidade em que todos
vivemos como “real”, para distingui-la da “virtual”. O tempo real que, certamente, para
muitos desses usuários é tão recente quanto a Rede, ao que tudo indica, já está tão
naturalizado que parece ter existido sempre.
65
Mas o leitor não tem que aceitar a minha palavra sobre isso. Ele pode examinar as
definições dadas com seus próprios olhos e concordar ou discordar de meus
comentários e conclusões.
Os dois eventos que ocorrem ao mesmo tempo são explícitos nessas definições: um é
um evento relacionado à máquina e o outro é um evento que ocorre na vida real.
Vários outros usuários, no entanto, nada dizem além de que tempo real é aquilo que
acontece ao mesmo tempo. Não revelam o quê acontece ao mesmo tempo que o quê.
Isso sugere que esse “o quê” já deveria ser evidente! Vejamos alguns exemplos.
“Tempo Real:
Algo que acontece simultaneamente.”,
“Tempo Real
simultaneamente, ao mesmo tempo”,
A razão está ligada a uma segunda surpresa que deixarei para relatar um pouco depois
(afinal, algum suspense nunca faz mal a ninguém). Agora, vou apenas mencionar que
não são todos os nossos colaboradores que omitem um ou ambos os eventos que são
simultâneos. Alguns os declaram abertamente, ou tornam-nos evidentes mesmo quando
somente implícitos. São aqueles que definem tempo real fazendo menção àquilo que,
na Rede, é sobejamente conhecido por acontecer em tempo real, ou seja, os chats, e,
66
com isso, nos ajudam a encontrar um motivo plausível para a suposição de que todos-
sabem-o-quê-ocorre-ao-mesmo-tempo-que-o-quê.
“Tempo Real
a forma de conversa em programas como o irc, ou o chat pela Web, as
conversas se dão em tempo real, ou seja, você fala e a pessoa recebe o
digitado ao mesmo tempo.”,
coloca, de forma compacta mas aberta [porque um chat -- isto é, uma conversa -- já
envolve pelo menos duas pessoas], Ricardo Neves (19 anos, comunicação).
Alguns fazem a mesma associação um pouco mais tarde, de forma mais ou menos
explícita, quando definem os chats, em resposta a outro item do questionário.
“Tempo Real
Pressupõe-se acesso on-line e rápido - :)”.
[A carinha sorridente - :) mais uma vez indica o sarcasmo da brincadeira.]
E isso nos traz àquilo que, na Rede, sempre pressupõe acesso online e rápido: os
chats. Agora posso revelar ao meu leitor a minha segunda surpresa. Embora chat seja
uma palavra inglesa, todos os nossos colaboradores sabiam o seu significado e isso se
estendia mesmo aos usuários mais velhos que, supostamente, têm preconceitos em
relação às conversas online, tão populares entre os mais jovens.
Além disso, ninguém nos deu nenhuma resposta pomposa no estilo dicionário, embora
muitos houvessem feito isso em relação a outros itens. As respostas parecem ter
preservado a informalidade de um bate-papo.
67
“Comunicação linha a linha com um outro usuário pela rede de forma síncrona em
tempo real, tal qual em uma conversa telefônica e diferente de um intercâmbio de
mensagens de correio eletrônico.
“Canais de chat - Bate papo, onde vc [você] encontra pessoas e faz amizades”,
“Canais de chat
Salas de bate papo - apareça no # [seguem-se o nome de um canal, e uma
carinha sorridente] - :)” ,
Todas essas são respostas informais que condizem bastante com a informalidade de
uma conversa digitada em tempo real.
A formalidade ficou restrita a algumas respostas que procuraram ser mais técnicas.
“Canais de chat
Endereço com recursos tais que permitem a múltipla interação de
informações entre vários internautas.”,
“Canais de chat
São sites utilizados para conversação entre pessoas com uma finalidade
específica. Estão sendo muito usados para cursos à distância.”,
diz, de forma um tanto incompreensível, Julio Tavares (38 anos, perito judicial).
68
muito legais.”,
“Canais de chat
Um passatempo perigoso”,
aguça a curiosidade de todos Gustavo Freire (22 anos, outros dados desconhecidos).
Alguns parecem gostar muito, outros detestam, vários pensam nas amizades que
podem resultar desse tipo de contato, alguns pensam em como utilizar essa forma de
comunicação com propósitos educacionais... Diferentes idades, diferentes gostos,
diferentes objetivos, mas algo definitivamente em comum: todos sabem o que é um
canal de chat! Quantos desses e de outros usuários saberiam o significado dessa
palavra inglesa há pouco mais de dois anos?20 E quantos saberiam, então, que um chat
pressupõe tempo real?
20
Leia muito mais sobre os chats em NOVOS RELACIONAMENTOS.
69
“Sabemos aonde podemos chegar?” ou a moral da história
Após toda a discussão dos novos conceitos que acabamos de fazer, coloco uma
pergunta análoga: “Sabemos aonde podemos chegar?”
Não, não sabemos aonde podemos chegar. Não sabemos aonde queremos chegar e,
muito menos ainda, como -- ou melhor, com que tipo de organização mental e
psicológica -- chegaremos lá.
Creio que, ao final da discussão que acabamos de travar sobre alguns conceitos
básicos da Rede, seria útil termos, como numa fábula, um fecho do tipo moral da
estória, que, no nosso caso, teria que ser uma moral parcial da história
Passemos logo a ela para satisfazer a curiosidade do leitor e tentemos ser breves para
que possamos almejar alguma eficácia.
70
O tempo real penetra setores que nunca tinham ouvido falar de tal qualificação para o
velho tempo e ganha popularidade, com uma velocidade digna da Rede. Por conta de
sua vinculação com as conversas online, passa a ser o tempo real da comunicação
virtual.
Já a realidade, cuja definição nunca foi fácil, agora se encontra cindida em realidade
“real” -- aquela da vida cotidiana -- e realidade “virtual” -- aquela da Rede.21 E ambas
são vividas como bem concretas pelos usuários.
Outros pontos valem a pena ser comentados à guisa de moral da história: a nova
concepção -- bastante ampliada -- de interatividade, a nova concepção de construção
de textos não lineares e a nova concepção de escrita online. Vejamos.
No tempo, espaço e realidade da Rede tudo pode interagir com tudo e todos podem, ao
menos potencialmente, interagir com todos. Não importa onde estejamos, podemos
bater papo digital em tempo real tanto com o vizinho que mora ao lado quanto com
alguém que está do outro lado do globo terrestre. Não importam quais os nossos
objetivos, podemos pesquisar e interagir com aquilo que estamos pesquisando ao
interargirmos com as home pages que nos interessam. Podemos interagir com a mídia,
podemos interagir com nossos representantes políticos, etc. etc. etc. Aonde isso nos
levará não podemos saber, esperemos o futuro chegar para que com ele possamos
interagir.
A construção de textos não lineares através dos links de hipertexto é outro aspecto que
certamente, assim que forem resolvidos certos problemas como os de direitos autorais,
vai revolucionar aquilo que hoje conhecemos por escrita. Em quais direções é
impossível dizer, as possibilidades são muitas e em sua maior parte ainda não foram
exploradas.22
21
E as conseqüências dessa cisão não são de pouca monta, como é discutido no bloco sobre os NOVOS
RELACIONAMENTOS.
22
Leia mais sobre o hipertexto e sobre a escrita online em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
23
A “netiqueta” bem como a colocação de acentos e cedilhas nas respostas recebidas por e-mail são
discutidas em detalhes em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
24
Os emoticons são as carinhas do tipo ;-) que fazem parte da escrita online e são discutidas no mesmo
bloco sobre linguagem.
71
Pergunto-me se o leitor cético ainda duvida das influências que a Rede está tendo sobre
nós. Se o faz, peço-lhe que por favor não deixe de ler os próximos blocos.
72
NOVA LÓGICA
Algum dia você imaginou que o tempo poderia, além de longo, se tornar largo? Pois
bem, na realidade construída pelos sistemas e aplicativos contemporâneos, a largura do
tempo está a caminho de se tornar uma pedra fundamental do raciocínio humano!
Sua mãe não lhe ensinou que não dava para assobiar e chupar cana ao mesmo tempo?
Ora, isso é coisa do passado! Bill Gates, o papa da Microsoft, assegura que é possível
assobiar, chupar cana e fazer outras coisas simultaneamente!
Você é daquele tipo de leitor que sempre odiou ler notas de pé de página -- para não
falar daquelas, mais terríveis ainda, cujas páginas tem-se que deixar marcadas no final
do capítulo ou do livro -- e, com isso, sempre deixou de ler informações importantes?
Regozije-se porque esses dias estão contados. Com o hipertexto e seus links você não
precisa marcar nem a página de ida nem a de volta, basta clicar nos lugares certos. E
mais, no texto ciberespacial, o link não é mais para somente uma nota ou uma
referência a uma publicação que fica a seu encargo encontrar na biblioteca. Muitas
vezes, já remete para o artigo cuja referência daríamos no texto convencional!
Tenho certeza de que, há alguns anos, cabos submarinos, fibras óticas, linhas
telefônicas digitais não entravam no rol de suas preocupações, estou certa? E agora?
Você já entende ou procura entender o que são essas coisas? Então você já faz parte
do crescente número de pessoas que se preocupam com aquilo que torna o
ciberespaço possível.
Você sempre desejou exercer os seus direitos de cidadão e consumidor? Quando esses
direitos são violados, você sempre pensa em mandar cartas para jornais, emissoras de
TV, deputados, serviços de proteção ao consumidor, etc., mas nunca tem paciência de
escrever, procurar o endereço, comprar envelope e ir ao correio? Alegre-se, você agora
pode fazer tudo isso sem papel nem envelope. Basta digitar a mensagem e enviá-la por
e-mail.
Dito de outro modo, os recursos que a Rede torna disponíveis e os discursos sobre ela
estão exercendo uma influência muitas vezes insuspeita sobre os usuários do
25
Leia mais sobre alterações nas nossas formas de sentir em NOVAS RELAÇÕES HOMEM-MÁQUINA e
NOVOS RELACIONAMENTOS.
73
ciberespaço. Eles -- esses recursos e discursos -- instauram uma nova lógica: a lógica
do excesso, da integração, da interação, do raciocínio ágil, da velocidade, do
autodidatismo, da ajuda mútua à distância, da colaboração, da informação sem
propriedade, do acesso fácil a qualquer tipo de informação, da ausência de censura, da
ausência de controle central, da democracia, da ruptura de barreiras e fronteiras, etc.
Esta lógica pode ser muito útil, mas também pode gerar vários tipos de problema.
Proponho que examinemos alguns de seus prós e contras.
74
Excessos
O leitor quer um exemplo? Bem, 43 usuários da Rede deram, por e-mail, seus
depoimentos sobre suas primeiras impressões da Rede, os impactos que a Internet teve
sobre eles, as mudanças que ela gerou, como vêem o futuro da Internet, etc.26 Entre
eles, Rodrigo Alvarenga, estudante de 22 anos que acessa a Rede uma média de 10 a
20 horas por semana (o que não é pouco!), dá um depoimento bastante eloqüente a
respeito de sua primeira impressão da Rede. Ele foi levado a um tal estado de excitação
e êxtase por tudo o que fez e viu, que diz:
O excesso parece ser a palavra de ordem na rede. A tal ponto que a revista Guia da
Internet.Br (ver o número 8, de janeiro de 1997) resolveu pesquisar o assunto e, para
tanto, solicitou a ajuda da Lista Informativa MeuPovo, que é
organizada/liderada/mediada por Dario Mor. Segue-se uma seleção feita por mim dos
depoimentos de vários usuários. A mensagem do editor da revista, Fernando Villela,
segue na íntegra por também ser informativa. Os trechos mais interessantes para essa
discussão foram por mim colocados em itálico. Como essas mensagens já foram
tornadas duplamente públicas -- na Rede e na Revista -- foram preservadas todas as
características dos textos recebidos, inclusive os endereços eletrônicos.
dariomor@actech.com.br
----------
From: Felipe Pullen Parente
<felipe@eln.gov.br>
---------
From: Samuel J. MacDowell
<smd@biograph.com.br>
76
Não acho que seja o excesso de informação que importa, mas a onipotência em
querer absorver tudo. Os órgãos dos sentidos são bombardeados diariamente por
milhares de estímulos que sequer atinge a "córtex", pois são filtrados pela
formação reticular (situada no bulbo). Portanto temos nossas defesas naturais. O
problema, me parece, é mais de cobrança, da sociedade ou nossa mesmo.
----------
From: Luiz Augusto
<larocha@cce.ufpr.br>
----------
From: Luciano Pletsch Leite
<lpletsch@nutecnet.com.br>
Acho que o maior problema de hoje é que as informações nos chegam de todos
os lados, de forma indiscriminada, a maioria é um lixo, mas temos que ler 1000
notícias para ler 1 que presta. A sensação e perda de tempo é angustiante.
Poderíamos perder este tempo passeando em um bosque com a nossa amada.
Mas a angústia que nos pesa na consciência de saber que enquanto estamos
passeando o mundo está a 1000 por hora! Quantas informações novas foram
geradas na última hora? Agora com a Internet, é frustrante acessá-la. Sabemos
que estamos dentro de um oceano de informações e nos chega uma gota deste
mar! Não dá mais! Não agüento mais! Socorro!
----------
77
mundo moderno estar em plena carga e com os conhecimentos bem atualizados.
Acho que temos de trabalhar nosso stress e ir levando, pois não adianta nada sair
dos trilhos por querer andar acima de nossos limites. Já que não podemos
ampliar nossa RAM, vamos então escolher o essencial e investir na qualidade do
que ingerimos e não na quantidade. É mais importante ser saudável e se
constituir em uma pessoa IN FORMAÇÃO, do que sofrer e pirar por causa da
INFORMAÇÃO.
----------
From: "Mauricio Ruy Prates"
<prates@joinnet.com.br>
--------
From: Giovanni R. Martins
<gmartins@nitnet.com.br>
*****************************************************************************************************
***********
A Lista Informativa MeuPovo e'distribuida por A&C Tecnologia
Web: http://www.actech.com.br * E-mail: info@actech.com.br
*****************************************************************************************************
***********
Tentemos resumir o que foi dito e, novamente, tirar uma moral da história. Fernando
Villela recebe um número excessivo de e-mails quando demanda informações sobre o
excesso de informação. Neles, Felipe Parente atribui o consumo excessivo de
informação à necessidade de nos mantermos “empregáveis”: a seu ver, ou usamos
técnicas para diminuir a ansiedade (como meditação, relaxamento, etc.) ou mudamos
de vida e vamos criar galinhas! Luiz Augusto parece concordar com Felipe, no que diz
respeito ao mercado de trabalho, quando afirma que a informação é o fator econômico
mais importante nos dias de hoje e sugere que criemos filtros para eliminar o que não é
de interesse. Davi Souza também acha que tanta informação pode dificultar a nossa
vida e que a solução é saber filtrar as informações. Já Samuel MacDowell é de opinião
que não é o excesso de informação que importa mas sim a nossa onipotência em
querer absorver tudo. Luciano Leite e Henrique Castelo fazem outro diagnóstico: ambos
apontam o quanto é angustiante parar de se informar quando se sabe que o mundo
está, nas palavras de Luciano, “a 1000 por hora”. Henrique acha que o que está
acontecendo assume as proporções de uma nova doença que pode nos enlouquecer --
78
a da “ansiedade da informação” -- e também sugere que se dê uma “peneirada” nas
informações.27 Tanto ele quanto Mauríco Prates assinalam a nossa incapacidade de
absorver e digerir tudo o que vemos, lemos e ouvimos. (Não é à toa que se teve que
pensar em mecanismos de busca e, mais recentemente, na tecnologia push, ou seja,
numa tecnologia em que as grandes agências de notícias “empurram”, para dentro do
computador do usuário, as novidades sobre os assuntos por ele previamente
selecionados!)
Qual a moral da história? Devemos usar filtros, fazer ioga, criar galinhas, ou aprender
leitura dinâmica?
Fica evidente que não sabemos. O fato é que estamos nos primeiros estágios de uma
revolução e não podemos mesmo saber como lidar com esse novo avassalador. Ainda
estamos num estágio de ensaio-e-erro no qual as cobaias somos nós mesmos, já que
ninguém domina todo o potencial desse meio de comunicação veloz e voraz. Talvez o
melhor procedimento, portanto, seja tentar tomar alguma distância da Rede e de nós
mesmos e fazer exatamente o que estamos fazendo: pensar e discutir o problema.
Eventualmente encontraremos soluções e erigiremos defesas externas e internas para
lidar com esse novo tipo de ansiedade. Outros homens já fizeram coisas análogas em
outras revoluções!
Enquanto isso, uma das soluções para ao menos aliviar a ansiedade e o stress é o
velho humor, e dele a Rede está cheia. Passemos a alguns exemplos.
Sejam quais forem os seus determinantes, a curiosidade insaciável pode levar a uma
nova forma de vício, o vício na Rede ou netvício, que, na língua-mãe desta, é chamado
de netaholism por analogia a um outro vício já antigo: o alcoholism (alcoolismo).
Também por analogia aos AA (Alcoólicos Anônimos), foi criada uma home page dos
Netaholics Anonymous (http://www.earthplaza.com/netaholics) que exibe ditos jocosos
enviados por usuários de várias partes do mundo, traduzidos por outros tantos para
outras tantas línguas e amplamente circulados na Rede. Vou traduzir, entre colchetes,
os originais em inglês, com autoria declarada, que selecionei.
Estas e outras piadinhas registram de forma jocosa o que está acontecendo e, com sua
linguagem jovem, bem-humorada, atraem leitores de todos os tipos e idades levando-os
a refletirem sobre o seu próprio comportamento. Os dois ditos que selecionei, por
exemplo, deixam claro que as pessoas estão ficando horas a fio conectadas à Rede, via
telefone, absorvendo tudo quanto é tipo de informação sem maiores seleções.
27
Sobre o medo de enlouquecer, ler mais em NOVOS RELACIONAMENTOS, principalmente na seção
sobre Os prós e contras dos relacionamentos virtuais.
79
Prosseguindo com nosso raciocínio que procura juntar fragmentos de informação
colhidos em diversas fontes, para que as pessoas possam ficar conectadas à Rede
horas a fio, absorvendo informações relevantes ou não, elas precisam de tempo. E para
que possam ter tempo têm que fazer várias coisas simultaneamente. E para que
possam fazer várias coisas simultaneamente têm que usar programas adequados, ou
seja, programas que permitam assobiar e chupar cana ao mesmo tempo!
Tais programas não somente existem como fazem da multitarefa simultânea um dos
carros-chefe do seu marketing. Em 1995, quando do lançamento pela Microsoft do
Windows 95, por exemplo, não se falava em outra coisa:
Essa é a lógica do tempo largo além de longo, a lógica dos excessos, do fazer tudo ao
mesmo tempo. É essa lógica que leva Ricardo Neves (19 anos, estudante de
comunicação) a associar:
Não é por acaso que o jovem Ricardo Neves associa multitarefa simultânea a estresse,
e Jerônimo Falcão a piração. Todos os depoimentos que o leitor acaba de ler apontam
numa mesma direção: estamos, como não poderia deixar de ser nesse início de vida
digital, testando nossos limites sem saber no que isso vai dar. Estamos tentando alargar
80
o tempo para podermos fazer mais coisas ao longo mais tempo! Como não estamos
conseguindo, muitos de nós já estamos, como o Luciano Pletsch Leite, em sua resposta
à pesquisa sobre excessos, pedindo SOCORRO!, NÃO AGÜENTAMOS MAIS! Acho
que ainda estamos agüentando, pois o dia em que realmente não agüentarmos
certamente encontraremos modos de nos proteger e evitar os excessos.28
28
Sobre as defesas que temos que aprender a erigir para lidar com as dificuldades de várias ordens
geradas pela experiência com a Rede, leia um pouco mais nos dois últimos blocos
81
Agilidade, integração e relativização
A agilidade é uma decorrência de tanto o que conhecer em tão pouco tempo e dos
recursos que tornam todo esse conhecimento disponível. Pula-se de um site para outro,
de um assunto para outro, de uma informação para outra, de um contexto cultural para
outro, e, com isso, absorve-se a lógica ágil dos links de hipertexto.
Dentre os usuários que enviaram suas respostas aos nossos questionários, Sonia
Campos, psicóloga de 43 anos que usa a Rede em média seis horas por semana há
cerca de um ano, parece concordar com Cláudio Duarte no que diz respeito à
aceleração da lógica. Quando indagada sobre os efeitos da Internet, ela registra, entre
outros, o raciocínio ágil:
“Maior interação, por incrível que pareça. Você chega perto das pessoas, o e-mail
é uma carta, hábito que perdemos ou nunca tivemos. Desenvolvimento de um
outro tipo de raciocínio, ágil. Possibilidade de Conhecimento (saber) e de
Informação.”
O objetivo foi alcançado com sucesso e um outro tipo de integração, fruto da primeira, é
observado por Isabel Torres, engenheira civil de 40 anos de idade que acessa a
Internet há um ano e meio pelo menos duas horas por semana. Ao relatar a primeira
impressão que teve da Rede, Isabel, experiente, declara:
A também experiente Vera Solano, pedagoga de 42 anos que acessa a Internet de oito
a dez horas semanais há um ano, quando indagada sobre sua primeira impressão da
Rede, dá um testemunho sintético e de conseqüências devastadoras:
83
Como vemos, Esther argumenta que a Rede pode minimizar preconceitos ao facilitar a
comunicação entre pessoas de diferentes culturas. E isso não é de pouca monta! A
minimização de preconceitos é mais do que relativização, é flexibilização mesmo.
Não disponho dos dados pessoais de Cláudio, mas sei que Sonia, Isabel, Vera e Esther
são todas mulheres experientes cujo ofício é pensar e educar. No momento em que
deram suas respostas, Sonia e Isabel se dedicavam a uma aprimoração profissional
bastante árdua: Sonia estava fazendo seu curso de mestrado e Isabel o seu de
doutorado. Vera é pedagoga e Esther professora universitária. Estão todas, portanto,
sempre bastante atentas a diferentes formas de raciocinar e integrar saberes.
O contato com o diferente é ressaltado por Tatiana Góes, estudante de 23 anos que usa
a Rede quatro ou cinco horas por semana há quinze meses. Ela diz ter se tornado uma
usuária da Internet:
84
com uma porcentagem muito maior de pessoas conectadas, que a gente não tem
ainda.”
“... outro lance legal foi quando escrevi para um museu na Flórida pedindo uma
ajuda na interpretação de um quadro de Salvador Dali, para um trabalho. Tive uma
resposta que enriqueceu muito o trabalho do meu grupo. Outro trabalho foi
escrito metade em minha casa e a outra na casa de uma amiga, mandei para ela
via mail e ela juntou as partes para ficar com o mesmo layout, tudo na véspera da
entrega!
Quanta ajuda!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”
(Quem sabe algum dia Ricardo Neves não trabalhará num escritório virtual, ou seja, em
sua própria casa, interagindo com os outros através da Rede?)
“Daria para escrever um livro, mas vou tentar resumir em algumas palavras, ou
até melhor....vc [você] acha que estariam respondendo a esse questionário caso
ele tivesse vindo pelo correio??? Ou teria conseguido parar alguém na rua para
ficar meia hora fazendo perguntas...por mais que seja interessante o assunto,
acho que só conseguiria uma meia dúzia, que com certeza não será o que irá
acontecer via e-mail.”
Fábio Salles, estudante de 16 anos, acessa a Internet cinco horas por semana há seis
meses. Desde que começou a acessá-la, passou a se informar mais. Como o que lê na
Rede sempre esteve à sua disposição fora dela, pode-se concluir que o que fez a
diferença foi o meio através do qual tem acesso à informação.
Juca Mineiro (singelo pseudônimo escolhido pelo próprio usuário) é jornalista e tem 23
anos. Acessa a Internet há dois anos e meio e sua média de acesso é de cinco a sete
horas semanais. Juca tem uma visão bastante própria da Rede, visão esta que enfatiza
a existência de um novo paradigma científico, o raciocínio da Teia da Vida, ou seja, da
integração de literalmente tudo. Eis uma de suas respostas ao questionário:
“...O que mais me fascina: a visão da Internet dentro do novo paradigma científico
que surge na Biologia, da Teoria de Gaia, estudando a Terra como um imenso ser
vivo do qual os seres humanos são células componentes. Fritjof Capra acabou de
85
lancar um livro (96.2) fenomenal, reunindo as principais vertentes deste novo
paradigma que vai nascendo em Universidades diversas espalhadas pelo Globo,
"Web of Life". Apesar do nome, ele não fala em Internet NEM UMA VEZ, mas eu lia
o livro como se ele estivesse falando da Internet DURANTE TODO O TEMPO.
É um desdobramento da Alquimia, que estuda a Vida para, imagino, compreender
e avaliar uma forma de Vida superior e mais complexa (a Terra) do que a nossa (o
Homem), e seu funcionamento enquanto sistema integrado. A espécie humana
está se unindo em um mesmo conjunto cooperativo, vamos nos aproximando do
que o teólogo Teilhard de Chardin chamou de NOOSFERA.
No Brasil, quem mais entende do assunto (é uma sumidade com bagagem e
conhecimento prá discorrer sobre) é Leonardo Boff (www.boff.com), um gênio
encarnado que só não é mais famoso porque brasileiro, pobre, (ex-)padre e
barbudo. Ele sabe (*muito*) mais do que imaginam... ;-)”
[A carinha ;-) de Juca Mineiro pisca o olho para mostrar o tom de brincadeira.]
Claúdio Barreiros é bem jovem, tem apenas 17 anos e é estudante do segundo grau.
Ele acessa há três anos a bagatela de 300 horas por mês! Com sua pouca idade mas
toda a experiência acumulada em tantas horas de ciberespaço, ele é o único a afirmar
que a Internet é uma excelente professora, para o bem ou para o mal:
“Acho que futuramente irá surgir uma superpopulação HIGH TECH por aí... Esses
que hoje são meras crianças que parecem estar se divertindo na home page da
XUXA, um dia estarão deixando muita gente de cabelo em pé por aí com suas
contas hackeadas, com informações de empresas sendo divulgadas a todos... e
muito mais. Porém, dentro desse pessoal, irão surgir os que sabem desses
problemas e irão irabalhar contra criando sistemas seguros, simplificando é um
mundo de duas faces, a face doce e a face amarga.... hehehe [risos]. Quem é
usuário como eu, com certeza conhece ambas as faces e sabe os Prós e os
Contras de cada uma.”
A agilidade parece passar sem registro explícito no discurso jovem sobre a Rede. Mas
isso não é surpreendente, dado que o raciocínio jovem sempre tende a ser ágil. É com o
passar do tempo que, em muitos adultos maduros, uma certa lentidão se instala às
vezes por pura preguiça de pensar e outras por excessos de barreiras e preconceitos.
De qualquer modo, basta observar o raciocínio dos jovens que são usuários da Rede --
e garanto ao leitor que já observei muitos -- para perceber o quão ágil é seu raciocínio!
Os usuários mais velhos e experientes, como a nossa colaboradora Sonia e eu,
observam-nos e percebem a diferença entre o antes e o depois da entrada na Rede.
30
Ver outras importantes conseqüências do contato com o diferente em NOVOS RELACIONAMENTOS.
86
Vida são testemunhos de como os jovens são sensíveis a essas características da
Rede.
Mas são dois usuários muito jovens -- Fábio Salles, de 16 anos, e Cláudio Barreiros, de
17-- que apontam as influências da Rede no processo de aprendizagem. Desde que
entrou na Internet, Fábio passou a fazer coisas que estavam à sua disposição antes de
a ela se conectar, como, por exemplo, ler jornais e revistas. Parece que o que acontece
nesse novo meio de comunicação teve o poder de contagiá-lo e despertar sua
curiosidade. E Cláudio Barreiros pontua, com muita clareza e visão, que os visitantes da
home page da Xuxa hoje poderão ser os hackers -- amantes de computadores que
testam os limites destes e da Rede -- de amanhã. Por quê? Porque, independentemente
do conteúdo de uma home page ou de várias, o mero xeretar na Rede ensina, e muito,
quais são os seus mecanismos. É exatamente assim, autodidaticamente, que os
hackers se tornam hackers. Isso, como a ginga do samba, não se aprende no colégio!
87
Liberdade de publicação, liberdade de acesso à informação e o copiar/colar
Mas, nessa época, Cora ainda achava que os usuários poderiam se tornar editores
teoricamente. Com o passar do tempo, muitos usuários perceberam esse potencial,
deixaram a teoria de lado e se tornaram seus próprios editores na prática. Suas home
pages divulgam suas idéias, suas opiniões, seus gostos, seus artigos, suas poesias e
até mesmo seus livros que, em alguns casos, vão sendo colocados no ar capítulo por
capítulo.
Aceitei o convite e visitei o site. Segue-se uma reprodução parcial de seu conteúdo:
88
“LIVRO LIVRE
Se você possui um livro, poesia, apostila ou jornal inédito (que não conseguiu
publicar na mídia tradicional), preencha o formulário de Cadastramento, e tenha
seu texto divulgado e distribuído gratuitamente nesta home-page.
COMO FAZER
CADASTRAMENTO
Nome:
E-mail:
Título.:
Gênero (policial, esotérico, etc):
Resumo (até 5 linhas):
*Damo-nos a liberdade de revisar o resumo acima, sem alterar o conteúdo
URL Completo:
Click aqui para enviar o formulário: [botão clicável]”
Para quem não tem uma home page, acha que a divulgação de seu trabalho numa
home page individual não o tornará suficientemente conhecido e acha que a
concentração dos trabalhos de várias pessoas facilitará a sua divulgação, o “livro livre”
parece ser uma opção.31 Ao que tudo indica, para serem publicados, os trabalhos -- que
precisam ser inéditos -- não passarão por qualquer crivo a não ser uma revisão do
31
Leia mais sobre as novas estratégias de publicidade em A expertise jovem e o novo mercado de
trabalho, neste bloco.
89
resumo. É ainda colocado como uma vantagem o fato de que sua distribuição será
gratuita a partir de um simples clique do mouse do leitor interessado!
Livros que podem ser consultados publicamente não são nenhuma novidade. Livros de
produção caseira que não excedem um pequeno número de exemplares distribuídos
gratuitamente, também não. Mas a divulgação de textos inéditos, potencialmente para o
mundo inteiro, de forma gratuita, seja ela intermediada ou não, é certamente uma
novidade com a qual temos que aprender a lidar.
“E por quê?”, pode se perguntar o leitor. Por uma razão muito simples. Textos inéditos
são considerados propriedade intelectual daqueles que o produziram e protegidos pelas
leis de direitos autorais. Idéias são mercadorias que podem ser compradas e vendidas.
Raramente são distribuídas gratuitamente.
Ricardo Rangel já dava sua opinião no jornal O Globo de 16 de outubro de 1995, num
artigo intitulado Muda tudo com a Internet, que parece não ter mudado o rumo das
publicações na Rede:
Acho que a questão é ainda mais complicada porque, não somente o escritor não vai
receber um tostão, como as chances são altas de que, eventualmente, sua autoria seja
deletada (quando não substituída por outra) e assim circule amplamente na Rede. Se
for bom, poderá inclusive ser traduzido para várias línguas!
A falta de demarcações claras entre o que é público e o que é privado somada ao ideal
de que toda informação deve ser de domínio público e, muitas vezes, à ingenuidade ou
à má fé de alguns, fazem com que vira-e-mexe se receba na Rede textos que em algum
lugar, algum dia e alguma língua foram escritos por alguém.
90
Seguem-se dois exemplos de vários possíveis.
No dia 1 de fevereiro de 1996, recebi de um amigo a seguinte mensagem que ele, por
sua vez, havia recebido de alguém num efeito “corrente” bastante comum na Rede.
---------------------------------------------------------------------------------
IN THE BEGINNING [author unknown]
----------------------------------------------------------------------------------
#Enter password.
%Omniscient
Qual não foi minha surpresa ao me deparar, mais de um ano depois, no dia 25 de
fevereiro de 1997, com o seguinte texto na coluna de Arnaldo Jabor no jornal O Globo:
Este é somente o início de um mesmo texto longo que pintou na tela do computador do
Jabor bem depois de ter pintado na minha! Quem é o autor? Provavelmente nunca
saberemos... mesmo que ele nunca tenha optado pelo anonimato.
91
“Recebo o boletim de notícias RECORTES de uma agência em Portugal (explica-
se com isso alguns termos empregados na mensagem), que, entre outras coisas
interessantes trouxe o check-list abaixo:
Muito Riso, muito siso! 10 Sinais de como alguém está viciado na Internet:
Não foi difícil traçar a origem de pelo menos algumas dessas brincadeiras. Várias
podem ser encontradas -- em inglês, com autoria semideclarada, pois só as iniciais dos
sobrenomes são fornecidas, além de um pedido para que se cite a fonte -- na home
page dos Netaholics Anonymous. Quem quiser saciar sua curiosidade, pode conferir em
<http://www.earthplaza.com/netaholics>.
Não é à toa que o respeito aos direitos autorais é incentivado por mensagens sobre as
regras de etiqueta na Rede -- as diferentes versões da “netiqueta” -- distribuídas por
listas informativas como a lista MeuPovo, organizada e distribuída por Dario Mor e A&C
Tecnologia. Esta, em 9 de setembro de 1996, já divulgava alertas sobre o problema.
Entre outras coisas, dizia (a mensagem não é acentuada por conta da “netiqueta”)32:
- Quando voce envia alguma coisa pela rede, ela provavelmente e'de
dominio publico, a nao ser que voce tenha os direitos autorais e
especifique isto na mensagem. Cuidado ao enviar artigos, letras de
musicas, resenhas de livros ou qualquer outra coisa que seja sujeita
a copyright. Evite, dentro do possivel, incluir esses tipos de
documentos em sua correspondencia.
- Se voce esta'usando argumentos para ajuda-lo em sua teoria, diga
de onde eles provem. Nao utilize ideias alheias como sendo suas.”
O fato é que se tornou muito fácil copiar uma mensagem, adulterá-la sem deixar
qualquer rastro, colá-la em outra, etc. etc. Os exemplos que escolhi são apenas uma
32
Leia mais a respeito da “netiqueta” em NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
92
amostra do que pode acontecer na Rede. Também são tantas as fontes de informação
que fica mais difícil detectar a pirataria ou plágio.
Antes de mais nada, gostaria de apontar que essa lógica é reforçada pela do download,
ou seja, da transferência de arquivos via Rede de um computador remoto para o nosso.
Várias home pages oferecem a seus visitantes a possibilidade de fazer download de
vários programas gratuitamente e a mídia especializada alerta seu público para como e
onde conseguir determinados programas.
O leitor já deve estar se perguntando onde quero chegar com isso, e tem razão
principalmente porque agucei sua curiosidade ao fazer menção a um novo problema.
Peço-lhe somente um pouco mais de paciência para que possa introduzi-lo a contento.
Um belo dia, ele lê alguma coisa fora da Rede e gosta do que leu. Solicitado a escrever
sobre o mesmo assunto, ele faz uso do mesmo procedimento que usa na Rede, copia,
cola e esquece de dar os créditos devidos. Infringe uma regra básica da vida cotidiana --
a da propriedade intelectual -- e fica extremamente surpreso quando gera uma reação
negativa em seu leitor, que zela pela proteção dos direitos do autor. Ele desconhece a
existência desses direitos! Ou, o que é muito pior, conhece-os, mas, sob a influência da
lógica do copiar/colar associada a uma outra lógica bem cotidiana e nossa conhecida --
a da esperteza e do tirar vantagem -- finge desconhecê-los. Não teme represálias? Não,
93
porque, caso sua má fé seja descoberta, acredita que poderá se defender alegando
simples ingenuidade juvenil.
Que não sejamos, nós, ingênuos! É preciso que nos lembremos de que, na Rede, não
se absorve somente conteúdos mas, principalmente, formas de se lidar com a
informação! Cabe a todos que nos vemos como responsáveis, portanto, ficar atentos à
lógica que está sendo absorvida pelos jovens de modo a evitar a ocorrência desse tipo
de aprendizado equivocado que pode ser mais prejudicial do que qualquer visita a um
site pornográfico!
94
A expertise jovem e o novo mercado de trabalho
A moderna tecnologia digital que resultou na criação da Internet operou uma inversão
nessas expectativas. Hoje, qual de nós pensa em alguém maduro quando se menciona
um expert -- ou, mais informalmente, uma “fera” -- em Rede?
Essa é uma inversão porque, embora algum preparo físico seja necessário para
enfrentar as longas horas sentado à frente de uma tela pilotando mouse e teclado, a
expertise na Rede requer basicamente atividades mentais. Por que, então, é mais fácil
para o jovem, no mais das vezes autodidata, ser uma “fera” do que um não-tão-jovem
com muito treinamento formal?
Quem dá uma resposta clara é um amigo, de 43 anos de idade, que trabalha com
informática desde a época dos computadores de grande porte. Seu depoimento é
eloqüente:
“(...) tenho medo ao me defrontar com uma tecnologia desconhecida. Levei tantos
anos para assimilar algumas coisas e de um momento para o outro vem uma
mudança de tecnologia em que você se vê novamente no princípio. Uma gurizada
que começou ontem está no mesmo nível. Eles não perderam tempo aprendendo
tecnologia hoje obsoleta.”
Só discordo do meu amigo em um ponto: não acho que uma nova tecnologia possa
igualar jovens e não-tão-jovens. Quando todos têm que começar do início, começam
com vantagem aqueles que não têm que fazer nenhum esforço para se despojar daquilo
que já absorveram, que se tornou inútil e que, agora, serve de obstáculo para a
absorção do novo. É por isso que, para os jovens, é tão mais fácil absorver a lógica da
Rede, dos programas usados para acessá-la, da vida ciberespacial, etc. Alguns deles
são tão jovens que não chegaram a conhecer, como adultos, uma realidade diferente
desta. Imaginem aqueles que estão nascendo agora que não conhecerão outra
realidade nem como crianças!
Mas o não-tão-jovem também tem alguns privilégios. Se para o jovem é mais fácil
absorver a lógica da Rede do que para ele, somente para o não-tão-jovem é possível
torná-la objeto de uma reflexão madura. Esta sempre necessita de termos de
comparação dos quais os jovens não dispõem por não terem vivido o suficiente ainda.
95
Essa nova divisão do trabalho intelectual instaurada pela Rede, tanto pode abrir novas
perspectivas para os já maduros, quanto pode fechar-lhes muitas portas. Tudo vai
depender da disponibilidade destes para entrar em contato com o novo e do grau de
intimidade que com ele manterão contato. Se, por exemplo, durante o processo de
informatização de uma determinada empresa, um empregado não se dispuser a
dominar a nova tecnologia, isso poderá resultar numa demissão. Em contrapartida, se,
mesmo antes de uma empresa ser informatizada, um empregado sair na frente e
adquirir os conhecimentos dessa nova tecnologia que poderão ser úteis à empresa, sua
atitude poderá resultar em sua promoção a algum posto de liderança. É preciso lembrar
que uma tecnologia é exatamente isso, uma tecnologia. Não é boa nem má. A Internet é
uma tecnologia que, como outras tecnologias antes dela, vai gerar muitas mudanças às
quais uns se adaptarão com mais facilidade do que outros.
Luís Cardoso, professor de inglês de 31 anos, por exemplo, resolveu apostar na nova
tecnologia e teve bons resultados. Por que se tornou um usuário?
“Dois motivos: 1. (...) sabia que seria um recurso inigualável para comunicação e
obtenção de dados que poderia me ajudar em vários aspectos (...), e 2. senti que a
Internet tomaria conta do ambiente doméstico e de trabalho, e portanto quis sair
na frente. Deu certo, hoje em dia coordeno um setor ligado justamente a
computadores e Internet dentro da escola onde trabalho.”
Ronaldo Bastos, analista de sistemas e usuário há dois anos com uma média de seis
horas semanais de acesso, também percebe as alterações no mercado de trabalho.
Que efeito terá, segundo Ronaldo, a Internet na vida das pessoas no futuro?
Ronaldo Bastos tem razão. O mercado de trabalho está sofrendo várias transformações
na medida em surgem novas necessidades e ramos de atividade e outros tornam-se
obsoletos.
“ [há] empresas que estão na Internet sem motivo certo. Dificilmente elas vão
conseguir atingir o seu público.”
96
E continua:
“...o que as agências [de publicidade] terão de fazer é aprender a lidar com todas
as oportunidades, adequando corretamente o produto ao veículo. O paradigma do
comercial de 30 segundos não vale nada na Internet.”
(Fonte: O Globo, 19 de setembro de 1996)
De qualquer forma cai por terra o paradigma do comercial de 30 segundos. Este, como
disse Murdoch, não vale nada na Rede! Quantos outros paradigmas já foram ou serão
subvertidos no ciberespaço?
Aproveito o ensejo para retomar brevemente a discussão de pelo menos uma outra
subversão -- a da expertise jovem -- para desta dar um exemplo. Conheci Paulo Jorge,
o coordenador de mídia interativa da DM9, numa mesa redonda sobre as
transformações desencadeadas pela Internet no mesmo ano de 1996. O expert da DM9
não tinha mais do que uns vinte e pouquinhos anos de idade! E havia sido convidado
por outras “feras” jovens: Fernando Villela, jornalista de 23, e Jaqueline Pedreira,
engenheira de computação de pouco mais de 25! Fernando e Jaqueline são
supervisores editorias da revista Guia da Internet.Br.
O que mais pode ser dito a respeito desse emergente mercado de trabalho?
Primeiramente que, se algumas atividades estão se tornando obsoletas, outras, que têm
como base as tradicionais, mas incorporam novas necessidades e objetivos, ou que são
completamente novas, estão surgindo em função da nova tecnologia.
O Caderno Boa Chance do jornal O Globo de 8 de dezembro de 1996 lista algumas das
“profissões do fim do século”. Dentre elas as de:
Digitalizador:
cuja função é transformar documentos em informações digitais, com o auxílio de
um scanner (para profissionais de informática).
Psicomotricista:
cuja função é ficar responsável por tratamentos de reeducação motora,
estimulação psicomotora e sensorial, terapia corporal etc. (para
fisioterapeutas, educadores, psicólogos e profissionais de educação física).
Personal Trainer:
97
cuja função é assumir a responsabilidade pelo treinamento físico --
individualizado -- de pessoas (para professores de educação física).
Tecnólogo em educação:
cuja função é desenvolver software, vídeos, CD-Roms e outros produtos e
projetos que aliem educação e tecnologia (para pedagogos, psicopedagogos e
profissionais de informática).
Webmaster:
cuja função, nas empresas, é ficar responsável pela Intranet, ou rede interna
(para profissionais de informática com especialização em redes de
computadores).
Ao ler essa lista, o leitor poderá se perguntar por que incluí as profissões de
psicomotricista e personal trainer. Segue-se uma explicação baseada em experiência
própria. A nova tecnologia gera problemas de saúde, principalmente motores, para os
quais atenção especializada -- de reeducação motora e postural, por exemplo --, e
individualizada -- porque nem todos têm os mesmos pontos fracos -- são necessárias!
Mas essas estão longe de serem as únicas novas profissões possíveis. Basta pararmos
para pensar sobre os efeitos que a vida ciberespacial está tendo sobre nós mesmos que
encontraremos novas formas de canalizar os nossos conhecimentos da nova
tecnologia. Esse livro é um exemplo disso!
Como, infelizmente, esse livro ainda não permite interação em tempo real, vou ter que
esperar para saber sua resposta. Nesse meio tempo, sugiro que inspecionemos o que
aqueles que mais conhecem essa tecnologia -- os jovens -- estão fazendo com ela.
Para começar, os jovens estão aprendendo as novas tecnologias cada vez mais cedo
através de cursinhos de informática, que convivem lado a lado com os célebres
cursinhos de inglês, ou sozinhos, autodidaticamente. E uma vez dominada a nova
tecnologia, eles começam a substituir ou complementar a mesada de diversas formas.
Montam pequenas gráficas onde imprimem cartões de visita, convites para festa, papel
de carta personalizado, tudo ao gosto do freguês. Se dispõem do equipamento
33
Essas discussões são travadas nos dois últimos blocos.
98
necessário, imprimem camisetas. Se já se aventuram um pouco mais, dedicam-se à
construção de home pages, às aulas particulares de diversos programas e de Rede --
estas geralmente para alunos mais velhos que têm menos paciência e/ou maior
dificuldade e/ou medo de lidar com máquinas. Caso já tenham mais experiência e
formação especializada, podem montar cursos de informática e Internet, se aventurar
por diferentes tipos de programação, participar do desenvolvimento de CD-ROM’s etc.
etc. Aí a criatividade é o limite, na medida em que o novo ainda não foi suficientemente
explorado. A renda varia de caso para caso, mas é invariavelmente maior do que a que
teriam caso não tivessem embarcado nessa aventura digital.
Vejamos o que nos diz Cláudio Barreiros, com seus 17 anos e 300 horas de acesso por
mês ao longo de três anos!
É evidente que Cláudio e muitos outros estão se preparando para defender a segurança
dos usuários nacionais! Abençoados sejam!
99
desenvoltura em e-mail, FTP e WWW. Tem que saber escrever um material
multimídia -- isto é, bom texto associado a outros recursos como sons e
imagens.”
Parece que o piso salarial para um “profissional polivalente e multimídia” com lugar
garantido no mercado de trabalho era, na época, em torno de R$1.500,00 ou pouco
mais de US$1.500,00. Nada mau para um recém-formado, não?
100
Velho e novo lado a lado
Não vou aqui me propor a listar todas as mudanças que já ocorreram, estão ocorrendo
ou virão a ocorrer como conseqüência da nova tecnologia. Isso é tarefa impossível!
Bastam alguns exemplos e o registro de que a velocidade de mudança é espantosa. Os
efeitos da nova revolução tecnológica a que se deu o nome de Internet se alastram
rapidamente e penetram cada vez mais os aspectos mais miúdos das nossas formas de
perceber, organizar e viver o nosso cotidiano.
Nesse contexto confuso mas fascinante, há que ficarmos alertas para que possamos
separar o joio do trigo e não ter nossa atenção desviada por aspectos da nova realidade
que não são realmente importantes ou centrais. Isso torna-se particularmente relevante
se já não somos jovens. Neste caso, uma vez que tenhamos absorvido a lógica da
Rede e da nova realidade, estamos, tal como numa cultura de transmissão de
conhecimento exclusivamente oral, na onerosa mas fascinante posição de sermos os
únicos que já vivemos o suficiente para possuirmos termos de comparação vividos que
podem sugerir caminhos a serem trilhados nesses primeiros momentos. Outros, em
posição análoga, fizeram outro tanto em outras revoluções.
101
NOVOS USOS DE LINGUAGEM
Difere muito porque a língua usada para falar da Rede não é o português tal como o
conhecemos fora da dela. É mais uma língua híbrida, cuja forma de expressão é
predominantemente escrita, que tem como base o português -- principalmente sua
gramática --, mas com alta incidência de vocábulos ingleses não traduzidos, como, por
exemplo, home page, e outros tantos neologismos, ou seja, expressões e palavras
novas que são adaptações de palavras inglesas, como, por exemplo, deletar. Há, ainda,
abreviações de expressões em inglês, ou acrônimos como btw (by the way ou a
propósito), e bbs, bulletin board system (software -- mais um exemplo de palavra inglesa
que foi incorporada ao vernáculo ciberespacial -- de comunicação cujo nome significa,
literalmente, sistema de quadro de avisos). Como já mencionei várias vezes, a língua-
mãe da Internet é o inglês e nós, brasileiros, não parecemos ter nenhum problema em
admitir isso.
Essa mesma língua híbrida é povoada por várias metáforas espaciais, em inglês ou
português -- home page (página-lar), site (sítio), domínio, janelas, ciberespaço, largura
de banda, endereço, mailbox (caixa de correio) -- bem como por metáforas de
movimentos ondulares -- como surfar e navegar -- que dão ao leitor a sensação de
continuidade entre o velho e o novo, entre o antes e o depois, entre a realidade
cotidiana e a do ciberespaço e tornam as transições mais suaves.34
Embora absorvidas por quase todos que têm contato com a Rede, essas não são, no
entanto, as características da linguagem usada na Rede pelos usuários comuns em
suas comunicações cotidianas. Quais são as características dessa última? Embora os
usos de linguagem na Rede variem de acordo com os programas usados e com os
objetivos do usuário, a linguagem nas comunicações ciberespaciais é quase sempre
escrita, leve, compacta, econômica e cheia de símbolos brincalhões que poupam
palavras e toques. Símbolos para expressar emoções, como em :-) ou em ;-) (se o leitor
não entendeu nada, por favor deite a cabeça sobre o ombro esquerdo, acione a
imaginação e olhe de novo; verá uma carinha sorridente e outra piscando o olho);
economizar alguns toques, como em [ ]’s (abraços); ou brincar com a criatividade, como
em @}----- (veremos uma flor se olharmos com a cabeça inclinada para a esquerda e a
imaginação jovem acionada).
Mas o leitor leigo pode estar se perguntando se não há nada em comum entre a
linguagem sobre a Rede e a linguagem das comunicações cotidianas via Rede, e o
34
Leia mais sobre a convivência entre o velho e o novo em NOVA LÓGICA.
102
leitor-usuário pode estar contestando essa divisão estanque. E tanto a pergunta quanto
a contestação procedem. É claro que há muito em comum entre esses dois tipos de
linguagem e esse muito em comum é o que chamaria de estilo online onde impera o
lema “seja breve, conciso e objetivo!”. Há sempre muito o que ver e fazer, o tempo é
sempre pouco e a capacidade de transmissão de informação (não importam os meios)
sempre limitada.
103
Os desafios da conquista online e em tempo real
Dando uma breve explicação para os leitores leigos, um canal do IRC é um ponto de
encontro virtual, onde as pessoas se conhecem e conquistam amigos -- e até mesmo
parceiros amorosos -- a partir de toques de teclado que envolvem um uso de linguagem
bastante distanciado daqueles aos quais estamos acostumados. Em outras palavras,
sentado à frente de sua tela, você escolhe um canal, ou seja, o seu ponto de encontro
virtual, a partir de suas áreas de interesse: música, cinema, religião, gays, cientistas,
hackers, sexo, etc. Uma vez conectado, você escolhe um nickname (apelido) pelo qual
será identificado (a comunicação é anônima) e passa a ler as mensagens dos outros e
digitar as suas. Todas as mensagens aparecem imediatamente nas telas dos
computadores de todos aqueles que estão conectados àquele canal naquele exato
momento. No IRC toda a conversa é online -- ou seja, um digita e os outros lêem logo
depois -- e pública, a não ser quando são trocadas mensagens privadas em telas
separadas depois de travado o primeiro contato.
Antes de mais nada, é importante que os leitores que nunca usaram o IRC ou outro chat
saibam como essa conversa a muitas mãos aparece na tela de todos. É também
importante ter um exemplo que possa ser usado na discussão proposta. Segue-se,
portanto, um trecho de uma sessão de bate-papo jovem num canal brasileiro, o # rio (#
significa canal), também freqüentado por brasileiros que moram fora do país. O exemplo
é longo para que o leitor possa acompanhar os diálogos, entrecortados que esses são
por falas de outros participantes do canal. Sugiro, por exemplo, que o leitor tente
acompanhar os comentários e sugestões dirigidos à <Bia>, cujo computador está muito
lento, e as falas de <Rico> e as de <Araman>. A conversa, de uma maneira geral, está
versando sobre o tempo em Dallas (onde parece haver a previsão um furacão) e no Rio,
e os participantes fantasiam que estão numa praia de nudismo. Tudo isso aparece
numa tela que não pára de rolar.
35
As definições dadas aos chats pelos próprios usuários podem ser encontradas em NOVOS CONCEITOS.
36
Leia mais sobre o vício na seção final de NOVOS RELACIONAMENTOS.
37
Outras conseqüências dessa popularidade são examinadas em NOVOS RELACIONAMENTOS.
104
*** Marverick (denied@porta13.provale.com.br) has
joined #rio
*** Marverick (denied@porta13.provale.com.br) has
left #rio
<Natasha-RJ> ta nubladooooo
<^Rico^> Ramiro, ontem deu previsao ed twister aki
na minha cidade e em Dallas!
<^Rico^> Maneiro RAmiro!
<^Rico^> Bia, Aperta o Botaozinho chamado: Turbo!!
hahahahhahhahah
<Ramiro> ta lerdo so pra internet ou pra tudo Bia ?
<Natasha-RJ> uauuuu
<^Rico^> Legal Luca!!! Em Junho farei uma viagem
a NY, FL, Washington DC, etc!! maneirasso
* ARAMAN is back!!!
<Ramiro> poxa Rico ... tira umas fotos pra mim e me
manda ???
<_Bia> pra tudo ramiro...já apaguei tanto
arquivo...vamo vê se melhora agora...
<^Rico^> VAleu RAmiro!
<_Bia>
AAAARRRRRRAAAAAAMMMMMMMMMAAAAAAANNNNNNNNNN
<Ramiro> Rico, eu tenho uma foto de uma casa
pré-fabricada *voando* cara !!!!! muito
impressionante
*** Pedro-RJ (xxxxx@200.255.48.69) has joined #rio
<ARAMAN> _Bia -> @ }-'-,-- "Uma rosa para uma rosa"
:)
<^Rico^> hahahhahhahahaha Ramiro
*** _Deinha_ (mthomps@rjo06.homeshopping.com.br)
has joined #rio
<Patricia_> 09,04Nublado?Que chato..
<_Bia> hehehe brigadinha ARA!:*
<Ramiro> me amarro em fenômenos naturais :)
<ARAMAN> 4:)
<_Deinha_> Alou pessoal
<_Deinha_> voltei...
<ARAMAN> Assim eu fico sem jeito Bia!!! hehehehe
<luca> Rico, vc mora aí há quanto tempo
<^Rico^> luca, mora aki edsde agosto de 96!
<^Rico^> Vou voltar dia 9 de Julho!!!
<luca> Intercâmbio?
*** Pelson (NELSON.GOM@slip166-72-36-67.ri.br.ibm.ne
t) has joined #rio
*** LeoRJ (leoj@bbs.highway.com.br) has joined #rio
<Pelson> VOLTEI
<luca> vc volta 15 dias antes do meu bday!
*** ^Nata^ (user@200.239.243.230) has joined #rio
<Natasha-RJ> deinha: seu provedor é homeshopping...
é difícil se conectar?
105
<Pelson> oioioioioioioioi BIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
AAAAAAAAAAAA
<_Deinha_> nao...
<_Deinha_> conecto rapidinho
<_Bia> oioioioioioioioi pelson
*** pe-de-cabra (pjd@gd2_p6.telepac.pt) has joined
#rio
<Natasha-RJ> ahhh... é pq estou querendo passar pra
ele... valeu deinha
<Pelson> E ai Bia .. alguma coisa combinada ...
para hoje a noite
<pe-de-cabra> oi
<Natasha-RJ> o meu tá muito caro!
*** Andre-RS (~arocha@sli1.inter-rotas.com.br) has
left #rio
<pe-de-cabra> de que se fala
*** ^Rico^ has quit IRC (Dialdata.gru.sp.Brasnet.org
E-net.ssa.ba.Brasnet.org)
*** ^Ricao^ (usernamer@pm5-25.cyberramp.net) has
joined #rio
<_Bia> sei naum pelson
<Pelson> FALA GALERA!!!
<^Ricao^> aki ta melhor heheh
<^Ricao^> he lag
*** Patricia_ (~www@200.252.253.242) has left #rio
<^Ricao^> o ^Rico^ Ta com LAg hehehehhe
<Natasha-RJ> de provedor
<^Ricao^> Ih.. ele caiu heheheh
*** ^Ricao^ is now known as ^Rico^
*** ^Nata^ (user@200.239.243.230) has left #rio
<^Rico^> hehehe
<Natasha-RJ> ta paradim.....
<^Rico^> alo??
*** Mobrau_Maravilha (ronan@200.255.48.142) has
joined #rio
<^Rico^> allguem me vendo???
<Natasha-RJ> euuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
<Ramiro> eu vejo Rico ! :)
* Mobrau_Maravilha *
<Natasha-RJ> to venduuuuuuu
<^Rico^> Natasha, entaum.. como e'q eu to??
hhahahahah
<Natasha-RJ> ou melhor... imaginando... hehheh
<^Rico^> Lewmbre-se.. estamos numa praia de
nudismo! hahahahahahaha
<Pelson> fala rico !!!!!!!!!!!!!!!
<^Rico^> Fala PElson!
<Natasha-RJ> RICO: ce ta de bermuda e sem camisa!!!!
<Natasha-RJ> hahahah
*** pe-de-cabra has quit IRC (Ping timeout)
106
<^Rico^> Pelson, e o Hockey ai no Rio?? tem?? ou e'
so'nos patins normais??
<^Rico^> hahahah Natasha!
*** Doroty (~aaaaa@200.240.25.37) has joined #rio
* Mobrau_Maravilha *
<NunServ> Phala galera do #Rio!!!!!
<LeooRJ> Rico > Eu quero ser q nem vc cara..
*** Doroty (~aaaaa@200.240.25.37) has left #rio
<Natasha-RJ> praia de nudismo Rico... mas minha
imaginação nao se atreve.....hehehhe
<luca> @--->---- Flores p/ todos!
E aqui chegamos ao primeiro desafio que os freqüentadores dos canais de chat têm que
enfrentar: como chamar a atenção dos outros freqüentadores nessa Babel digital?
As palavras são poucas e muitas vezes em outras línguas (um bom treinamento para
línguas estrangeiras?), mas através delas, das constantes intervenções -- outros
participantes ficam calados assistindo -- e dos recursos gráficos, mesmo nesse pequeno
trecho de sessão, podemos detectar três estilos diferentes: os de Bia, Ramiro e Araman.
Bia, que parece ser conhecida no canal, chama a atenção dos outros freqüentadores
através de constantes reclamações a respeito de algo que é certamente do interesse de
todos: seu computador. Rico fala de sua experiência fora do país e da previsão de um
furacão na cidade onde mora, o que também abre possibilidades de contato. Araman
berra, usando as letras maiúsculas, ao entrar no canal e depois gentilmente manda uma
rosa para Bia; uma gentileza é sempre atraente...
Quem quer que deseje aprofundar um pouco o contato com qualquer um dos três pode,
aproveitando algum desses ganchos, com eles trocar mensagens privadas, também em
tempo real, mas com perguntas e respostas sem a interferência de outras falas e fora
do alcance dos olhares dos outros freqüentadores (numa tela separada). O estilo de
escrever continua o mesmo -- compacto, abreviado, econômico e a conquista pela
palavra continua a ser um desafio.
Esse desafio não passa despercebido pelos seus freqüentadores. Em artigo intitulado
Mas, afinal, por que o IRC vicia?, publicado no número 17 do volume 2 da revista
Internet World, Marcio “Big” Mattos, um dos Channel Managers (administradores de
canal) do canal #Brasil da UNDERNET, escreve:
107
comunicação e fazer com que uma mensagem seja entendida de forma muito
diferente do objetivo de quem a emitiu. Neste instante, a economia de digitação é
perigosa e o uso dos emoticons [símbolos gráficos que expressam emoções], por
exemplo, pode fazer a diferença entre um carinho e um cascudo (Veja lista de
emoticons em http://www.cyberbrasil.net).
Quantas e quantas vezes, uma frase reduzida fez com que gastássemos uma série
de outras para explicar que isso não é aquilo... Outras tantas vezes, uma
mensagem mal compreendida gera uma explicação menos entendida ainda, que
puxa outra e outra, transformando aquele chat em uma conversa de bêbados... E
quantas não foram as amizades interrompidas ou não desenvolvidas por esse
motivo?”
Talvez porque, como o uso do gopher sugere, esses conselhos tenham sido digitados
no sistema UNIX, que não aceita acentuação, não se colocou a necessidade de incluir o
conselho para não acentuar, e assim evitar os problemas gerados pela
incompatibilidade entre máquinas e programas, regra essa que aparece em outras
versões da “netiqueta”. Mas, de qualquer modo, já aparecem duas regras importantes
para a escrita online: a regra do uso dos emoticons ou smileys (as carinhas, que já
apareceram algumas vezes nos depoimentos via e-mail reproduzidos anteriormente),
que corrobora a visão de Marcio “Big” Mattos sobre a economia de digitação e a do
significado das letras maiúsculas.
Visitei a home page sugerida por Marcio e lá me deparei com um verdadeiro dicionário
de emoticons, ou seja, ícones de emoção! Nela encontrei o seguinte texto e uma longa
lista de carinhas.
108
“Esta é uma versão não oficial ‘Dicionário de Carinhas’ (smileys). Aqui você
encontrará muitas carinhas que geralmente são utilizadas em mails, em
comunicações eletrônicas e no IRC.
:-) Seu Smiley básico. Usado para sugerir uma observação sarcástica ou
brincalhona
;-) Smiley piscador. O usuário faz apenas um flerte e/ou uma observação
sarcástica. Use-o e você estará dizendo “Não me critique pelo que eu acabei de
dizer”.
:-( Smiley carrancudo. O usuário não gostou da última afirmação, está chateado
ou deprimido com alguma coisa.
:-| Smiley indiferente. Melhor do que um smiley carrancudo, mas não tão bom
quanto um smiley feliz. Difícil imaginar quando você o usaria.
:-> O usuário acabou de fazer um comentário terrivelmente sarcástico. Pior do
que :-)
:) Feliz
:] Gleep (um smiley anão que ficaria feliz em ser seu amigo)
:( Triste
:D Risada
[ ]’s abraços
:*’s Beijos,
%-\ De ressaca
I -) Caindo de sono
Isso tudo sem contar com uma lista de abreviações de palavras inglesas utilizadas na
comunicação ciberespacial, como LOL (“laughing out loud”) = rindo alto; ou AFK (“away
from keyboard”) = longe do teclado!
109
Quanta coisa a aprender!
Uma vez aprendidos, esses novos usos online de linguagem tendem a ser transferidos
para outros tipos de comunicação online, como o e-mail, e também para a escrita
offline... Os Netaholics Anonymous (http://www.earthplaza.com/netaholics) sabem disso
e registram essa transferência com seu habitual bom humor. Segundo eles, você sabe
que está se tornando netviciado se:
Já há os que usam smileys também em outros tipos de texto, como provas...! E a mídia
especializada está cheia deles. No entanto, antes de mergulharmos na difusão do estilo
de comunicação online e em tempo real, bem como em suas conseqüências, sugiro que
paremos para pensar no passo que geralmente é dado depois das primeiras trocas de
mensagens com alguém interessante nos chats: o e-mail.38 Mas o e-mail não é somente
a etapa seguinte -- aquela do aprofundamento -- do bate-papo que começou num chat...
O e-mail é, sem sombra de dúvida, o recurso mais popular da Internet.
38
Leia mais a respeito dessa seqüência em NOVOS RELACIONAMENTOS.
110
O e-mail e o estilo online
Tal como nos chats, através do e-mail as pessoas trocam mensagens mas,
diferentemente do que acontece naqueles, no e-mail as mensagens não são trocadas
em tempo real. Mesmo assim, como veremos, o estilo de escrita online prevalece no e-
mail, que faz uso de vários dos recursos utilizados no IRC e em outros programas de
chat.
Acho que dá para entender, ao menos em parte, por que o e-mail é tão revolucionário,
não? E esse novo tipo de comunicação, tal como o chat, certamente dá o que pensar
porque, é claro, não pode deixar de ter conseqüências!
A primeira conseqüência do e-mail era previsível e é, hoje, bastante visível. Com todas
essas facilidades -- nenhuma taxa a pagar, acesso remoto, nada de envelopes, colas,
selos, idas ao correio, etc. -- as pessoas reativaram ou adquiriram um hábito que
supúnhamos pertencer ao passado: o de manter correspondência com várias pessoas
mundo afora. Hoje, mantemos correspondência até com pessoas que vemos com
freqüência, pois há sempre um recado, uma mensagem, uma consulta que queremos
111
fazer. Podemos fazer tudo isso com a certeza adicional de que não estamos sendo
inoportunos -- o que pode acontecer com freqüência quando usamos o telefone -- pois o
usuário só recebe nossas mensagens quando disponível para tanto, ou seja, quando
acessa sua mailbox virtual.
Talvez seja por isso que o dito popular da era ciberespacial reza que “o homem é o
produto do e-mail”! Produto de suas comunicações, de suas convenções e de seus usos
de linguagem. Como no caso dos chats, já foram criadas convenções para esse tipo de
comunicação que se torna cada vez mais difundido. E é sobre isso que vamos nos
deter.
Reproduzo, a seguir, alguns itens de uma mensagem que recebi no dia 27 de março de
1997. O assunto tratado, ou subject, era novamente a “netiqueta”, em uma nova versão
especificamente dedicada ao correio eletrônico. Mais uma vez, recebi essa mensagem
através da lista informativa MeuPovo. Segundo os créditos, esse mesmo texto foi
publicado na “Revista * Exame * outubro 1996 - Art. Correio Elegante”, por Ubiratan
Pimentel <ubiratan@terra.npd.ufpb.br>. Selecionei da mensagem como um todo
somente os itens que têm mais diretamente a ver com os novos usos de linguagem.
“Concisao -
Escreva pouco e, se puder, menos ainda. Como regra, para cinco palavras na
mensagem que recebeu, escreva uma na resposta. Objetividade e precisao sao
essenciais nesse meio de comunicacao.
Compatibilidade -
Ha mais de cinco tipos diferentes de correio eletronico. Se eles conseguem
conversar e trocar mensagens ente si, gracas a Internet, isso nao quer dizer que
todos os problemas de compatibilidade estejam resolvidos. Em primeiro lugar,
evite usar acentos, cedilha e til, mesmo que o seu computador permita.
Briga -
Nunca escreva um e-mail quando estiver com raiva. Uma agressao por escrito e
muito mais forte e duradoura que uma agressao verbal.
Formalidade -
O correio eletronico e um meio informal, mas em mensagens de negocios sempre
e necessario certo grau de formalidade.
Continuidade -
Nunca comece uma nova mensagem para responder a que voce acaba de receber.
Um dos recursos mais uteis do e-mail e a resposta automatica. Voce aperta um
botao e surge uma mensagem nova a ser preenchida, em que o remetente vira
destinatario.
112
Convencoes -
O e-mail tem uma serie de convencoes proprias a sua linguagem. Para enfatizar
uma palavra coloque-a entre asteriscos ( *assim* ). Uma palavra em letras
maiusculas e interpretada como grito ( ASSIM ). Por isso nunca mande
mensagens escritas so com maiusculas. Sao consideradas ofensivas. O uso de
abreviacoes e comum em mensagens informais.”
Vou, agora, retomar cada uma dessas regras e tentar mostrar ao meu leitor,
independentemente do fato deste ser ou não um usuário, o quanto o estilo online de
escrever está presente mesmo num texto que pode ser escrito offline (há muitos
programas de e-mail que permitem que a mensagem seja escrita offline, ficando
somente a transmissão da mesma dependente da conexão à Rede) e que nunca se dá
em tempo real como no caso dos chats.
Essa é a regra básica da comunicação via Internet e nada faz supor que venha a sofrer
transformações. Vale para os chats e vale para o e-mail. Tudo deve ser rápido, objetivo
e econômico. Não há tempo a perder porque não há tempo para fazer tudo o que se
quer porque se quer sempre mais do que se pode. Objetividade e precisão são portanto
necessárias. No caso do usuário brasileiro, acostumado que está a longas digressões e
rocócós estilísticos, isso também significa dizer “altere o estilo de escrever, e pensar,
tipicamente nacional”. Certamente as novas gerações, com o treinamento que estão
recebendo na Rede, terão estilos muito mais econômicos e objetivos. Na nossa
reflexão, não cabe julgar se isso é bom ou mau, cabe apenas registrar uma tendência
de mudança.
=?iso-8859-1?Q?mudan=E7a_convencional?=
113
Mas a tendência é a de que isso mude, como mudou no caso dos programas de
computadores não relativos à Internet. Agora, é bom que isso mude rápido porque as
conseqüências dessa regra, que é observada por grande parte dos usuários brasileiros,
podem ser bastante sérias.
Explico o que quero dizer. A regra de não acentuação, que também é adotada nos chats
por razões análogas além da óbvia economia na digitação, diferentemente da regra da
concisão, não colide com traços da cultura nacional, muito embora os acentos façam
muita falta na língua portuguesa. Diria mesmo, embora correndo o perigo de exagero,
que a regra de não acentuação reforça uma certa preguiça em aprender a acentuação
correta e um certo descaso pela mesma, muito comum entre os jovens desde tempos
pré-ciberespaciais. O não dever acentuar, se válido por um longo tempo, pode, portanto,
ter uma ou ambas de duas consequências bastante sérias: fazer com que levas de
jovens não aprendam a acentuação da língua portuguesa e/ou se tornar uma alavanca
de mudança da mesma!
“Nunca escreva um e-mail quando estiver com raiva. Uma agressao por escrito e
muito mais forte e duradoura que uma agressao verbal.”
Foi com surpresa que reagi a esse item, que também é útil para os chats, quando o li
pela primeira vez. Esta sempre me pareceu uma regra básica de qualquer
correspondência! E é. Só que, depois me dei conta disso, as pessoas há muito haviam
deixado de se corresponder. Os jovens, principalmente, antes do aparecimento das
primeiras versões da “netiqueta”, tendiam a mostrar um total desconhecimento dessa
regra e escreviam suas mensagens sem pensar no que estavam dizendo. Que bom que
sempre há quem assume a responsabilidade de divulgar regras básicas e difundir o
bom senso gerado pela experiência de vida! O que é bom sempre pode ser ouvido ou
lido, mas o que é ruim deve ser dito e, principalmente escrito, pensadamente. Talvez
seja por isso que é geralmente tão gostoso receber e-mails. Eles tendem a ser leves
justamente porque, em sua maior parte, sua linguagem está livre de arroubos negativos!
A conseqüência dessa regra e desses procedimentos é geralmente, portanto, um texto
leve e livre de sentimentos negativos em estado bruto. Uma ótima conseqüência para
uma época de tanto stress, não?
O mero aviso de que, às vezes, alguma formalidade pode ser necessária, mesmo no
correio eletrônico, nos dá a dimensão do quanto as coisas já mudaram e do quanto
ainda poderão mudar. Não faz muito tempo, tratávamos qualquer pessoa mais velha
como senhor/senhora, e colocávamos roupas especiais -- formais e finas -- para tratar
de negócios no centro da cidade. Quando imaginaríamos que alguma troca de
mensagens de negócios pudesse receber um tratamento informal? Mais uma vez reagi
com surpresa e mais uma vez me dei conta de que a Rede subverteu tanto as coisas
que os muito jovens podem nunca ter aprendido que, na realidade cotidiana, há outras
regras de tratamento, polidez, refinamento, respeito, hierarquia, etc.
“Continuidade - Nunca comece uma nova mensagem para responder a que voce
acaba de receber. Um dos recursos mais uteis do e-mail e a resposta automatica.
114
Voce aperta um botao e surge uma mensagem nova a ser preenchida, em que o
remetente vira destinatario.”
Sim, com um simples clicar do mouse sobre um botão, o remetente vira destinatário.
Mas isso não é o mais importante. O importante é que toda a mensagem do remetente
aparece sob a forma de citação. Assim, não há a necessidade de resumir ou
parafrasear o que o remetente disse ou perguntou para que possamos responder. Basta
colocar a resposta logo após a pergunta dele no mesmo texto. Dou um exemplo.
Oi Ana!
Tudo bem? :)
Bom to te mandando esse mail porque descobri aqui nas minhas andancas pela
Internet varios sobre Psicologia, mas achei um em especial que eu acho que
vai te interessar muito!
Em www.behavior.net tem varias coisas que voce pode conseguir e um dos
links sao discussoes sobre varios assuntos e um deles e sobre Psychology of
cyberspace! Achei a sua cara!
Bom, eu nao xeretei la nao, mas acho q deve ter coisas interessantes!
Um beijo grande!
Fernanda
Se quero responder, basta clicar em reply (responder) e tudo vira uma citação (o
símbolo > indica isso).
>Oi Ana!
>Tudo bem? :)
>Bom to te mandando esse mail porque descobri aqui nas minhas andanças pela
>Internet varios sobre Psicologia, mas achei um em especial que eu acho que
>vai te interessar muito!
>Em www.behavior.net tem varias coisas que voce pode conseguir e um dos
>links sao discussoes sobre varios assuntos e um deles e sobre Psychology of
>cyberspace! Achei a sua cara!
>
>Bom, eu nao xeretei la nao, mas acho q deve ter coisas interessantes!
>Um beijo grande!
>Fernanda
Agora, posso usar como quiser o texto que recebi. Posso deletar o que não me
interessa, inserir meu próprio texto logo após aquilo que quero responder, etc. Numa
correspondência convencional, dado o lapso de tempo entre o envio de uma carta e o
recebimento da resposta à mesma, ninguém mais se lembra exatamente do que
escreveu a não ser que guarde uma cópia. Desse modo, quem responde é forçado a
resumir as perguntas e comentários do remetente que deseja responder. Nada disso é
necessário na correspondência eletrônica. Vejamos, por exemplo, qual foi minha
resposta à mensagem de Fernanda e o que aproveitei do seu texto.
Oi, Fernanda!
115
>Tudo bem? :)
Tudo otimo! :)
>Em www.behavior.net tem varias coisas que voce pode conseguir e um dos
>links sao discussoes sobre varios assuntos e um deles e sobre Psychology of
>cyberspace! Achei a sua cara!
Obrigada pela lembranca.
>Bom, eu nao xeretei la nao, mas acho q deve ter coisas interessantes!
Vou xeretar e depois te conto.
Quais os efeitos que isso pode ter? Muitos, entre os quais o de mudar o estilo de
escrever de milhões de usuários mundo afora e no Brasil, além do de eliminar os riscos
de imprecisão de um resumo feito de memória ou de uma paráfrase. A reprodução pode
e deve ser precisa e essa precisão de fácil acesso já está sendo muito utilizada.
Entrevistas via e-mail já estão sendo muito usadas em revistas e jornais... Boa parte das
pesquisas feitas para a confecção deste livro também usou o e-mail!
O que é decididamente definitivo é que o e-mail chegou para ficar e, juntamente com os
programas de chat, está gerando um modelo de escrita novo e internacional. Chega,
muitas vezes, a ser difícil retornar ao velho estilo mais rebuscado e pensado, uma vez
116
incorporadas todas essas facilidades e regras. O estilo de texto que venho descrevendo
-- o da escrita online -- é poderoso e já pode, inclusive, ser detectado em textos escritos
e divulgados fora da Rede, mas que a ela dizem respeito, como os jornalísticos.
O leitor atento poderá ter observado que todos os depoimentos obtidos através dos
questionários enviados por e-mail que foram citados neste livro estavam acentuados.
Será que os usuários que os responderam ignoravam a regra de não acentuação da
“netiqueta”?
Esse certamente não foi o caso. Na realidade, em sua esmagadora maioria, nas
mensagens que recebemos não havia acentos, til, cedilhas, etc. Todas elas usavam
uma linguagem bastante informal e os erros de digitação também não eram
infreqüentes. Essas mensagens são um excelente exemplo de um estilo online de texto.
O que, então, aconteceu entre o recebimento dessas mensagens e seu uso no livro?
Respondo e assumo a responsabilidade. O que aconteceu foi que tive que tomar uma
decisão. Ao retirá-las de seu ambiente natural -- ou seja, da tela do computador --, e
colocá-las no ambiente offline de um texto impresso, decidi que as respostas deveriam
respeitar as regras do último para que a harmonia do texto não fosse interrompida,
principalmente para aqueles que não têm familiaridade com o texto online. Esse tipo de
procedimento certamente será irrelevante dentro de pouco tempo quer seja porque cada
vez mais pessoas estarão familiarizadas com o texto online, quer seja porque haverá
maior compatibilidade entre programas, o que permitirá o uso irrestrito de acentuação
online. No atual estágio, no entanto, esse expediente me pareceu necessário para evitar
confusões e mal-entendidos ou sua contrapartida, o excesso de explicações fora de
hora. A partir desta discussão, no entanto, os leitores encontrarão algumas mensagens
em que foram mantidas as características da escrita online.
117
A influência do hipertexto
No segundo número de seu primeiro ano de vida, o ano de 1996, o Guia da Internet.Br
dava sua primeira lição de HTML -- acrônimo de HyperText Markup Language ou
Linguagem de hipertexto baseada em marcas -- e indicava os endereços na Rede onde
os usuários poderiam obter as principais ferramentas necessárias para a aventura de
construir a sua primeira home page. O professor era André Luna, analista de sistemas.
Apesar desse tipo de divulgação e das lições explícitas dadas pela revista em questão,
e por outros veículos da mídia especializada, ainda não são muitos os usuários que
sabem utilizar os recursos tornados disponíveis pela HTML. Na realidade, diria que são
a grande maioria.
Assim sendo, pode pensar o meu leitor, o poder de difusão desse tipo de linguagem é
pequeno. E terá razão, ao menos parcialmente.
Com todas essas marcas e especificações não dá para entender nada, certo? Só que
essas especificações e marcas se tornam invisíveis quando lidas numa home page no
ciberespaço. Lá o que aparece é o seguinte:
“Esta é uma versão não oficial ‘Dicionário de Carinhas’ (smileys). Aqui você
encontrará muitas carinhas que geralmente são utilizadas em mails, em
comunicações eletrônicas e no IRC.
A maior parte dos usuários sequer se dá conta da linguagem e dos comandos invisíveis
que estão sempre por trás de uma home page. No entanto, todos os usuários da World
Wide Web (ou WWW) são indiretamente influenciados pela HTML, ou melhor, por uma
118
de suas marcas: a marca de link de hipertexto. Citando o mesmo artigo-lição da revista
Guia da Internet.Br:
“A marca de link faz exatamente o que todas as outras fazem [dá comandos
explícitos que serão invisíveis no texto final]. A diferença é que ela contém um
endereço para uma outra página. O tipo mais simples é quando a página apontada
está armazenada no mesmo diretório que a corrente. (...)
Com a mesma facilidade com que você constrói um link para uma página na sua
própria máquina, você pode fazer o mesmo para uma página em qualquer outro
lugar do mundo. Este é o sentido do World Wide Web.”
A diferença é que, no texto offline, o que nos influencia são as técnicas de construção e
redação do argumento, da narrativa, etc. Já, nos textos online, o que nos influencia não
são exatamente os recursos estilísticos usados pelo autor, mas sim os recursos
tecnológicos tornados disponíveis pelo hipertexto.
Sei, por experiência própria e por observação, o quanto o tipo de leitura possibilitado
pelos links de hipertexto deixa suas marcas sobre aqueles que escrevem qualquer tipo
de texto. Ao escrever um texto, de repente sentimos a necessidade de aprofundar um
determinado assunto que não tem diretamente a ver com o argumento ou raciocínio que
estamos desenvolvendo, mas que achamos que poderá interessar o leitor. Se o que
estamos escrevendo vai ser impresso, temos apenas duas saídas: a primeira é a de
usar notas de rodapé, de final de capítulo ou de final de livro; a segunda, a de desistir
de mencionar o assunto. E, mesmo quando usamos notas, temos que fazê-lo com muita
parcimônia. Ainda que sejam breves, elas interrompem o fluxo do texto principal, pois
têm que ser lidas na hora já que não são fáceis de encontrar num mero passar de
segundos olhos.
119
Não é à toa que em www.pacificspirit.com/Courses/WWWCo, encontrei, num
documento sobre os pontos de partida conceituais das redes de informação, uma seção
intitulada Gutenberg all over again! [O retorno de Gutenberg! ou Gutenberg está de
volta!]. Vou traduzir livremente alguns trechos do texto em inglês:
“Quando Johann Gutenberg criou a imprensa por volta do ano de 1450 ele mudou
praticamente todos os aspectos da sociedade européia. Depois de Gutenberg
tornou-se possível reproduzir documentos mecanicamente de tal forma que um
grande número de pessoas pudesse lê-los e divulgá-los.
Tudo isso pode parecer exagerado ao meu leitor, mas, para mim, bem como para outros
usuários, os aspectos revolucionários do hipertexto são palpáveis. O leitor já sabe qual
é a minha opinião. Vejamos, agora, o que dizem alguns desses usuários quando
solicitados a definir livremente “hipertexto” e “links”.39
“Hipertexto
Combinação de textos, imagens, som e video numa coisa
definida como HTML, que ao meu ver é uma revolução no
mundo dos homens.
Links
Ligações para outras páginas ou Sites.”
39
Esses e outros depoimentos de usuários sobre o hipertexto podem ser encontrados em NOVOS
CONCEITOS. Leia mais a respeito dos nossos procedimentos de coleta de dados em O IMPACTO DO
NOVO.
120
ajuda a desenvolver a cultura através de links e procuras diretas on
touch.
Links - placas de indicação virtuais, seria como vc estacionar com
seu carro sobre uma placa indicando Itaquaquecetuba e **Plim** ir para lá
num passe de mágica.”
Sandra está certa: à liberdade para o escritor, à qual me referi acima, corresponde a
liberdade para o leitor, que pode escolher não somente o que ler, mas também como ler
o que escolhe. E aqui o meu leitor tradicionalista dirá: “Ora, também fazemos isso num
livro impresso!” E ele terá razão.
A diferença é a de que fazemos isso quando conseguimos ter com o livro impresso uma
relação de independência, o que nem todos conseguem. Quantos são os leitores que
não conseguem abandonar um livro pela metade, ler simplesmente o início e o final de
um livro, fazer uma leitura na “transversal”, etc? Ainda são muitos. E por que reagem ao
livro desta forma? Porque foram treinados para ler qualquer tipo de texto da primeira à
última palavra e nunca conseguiram se libertar dessa prisão. Qualquer outro tipo de
leitura pode ser, por eles, sentido como uma transgressão!
Já o texto ciberespacial não é feito necessariamente para ser lido do início ao fim de
uma só feita. O texto ciberespacial incita e promove o aprofundamento de detalhes, de
questões tangenciais, etc. Ou seja, como diz José Carlos, sua leitura se torna
semelhante a uma conversa com quem o escreveu. Como o texto ciberespacial é ainda
muito novo para leitores e escritores, poucos dominam as suas técnicas de redação e
argumentação, e o resultado é que raramente lemos um desses textos do início ao fim.
Mesmo assim pode ser detectada offline a influência do que chamaria de texto WWW. E
essa é tão grande que já podemos encontrar tentativas de colocar links no papel. Dou
dois exemplos fáceis de serem consultados: a seção Hipertexto da revista Veja, e a
publicação Help! Língua Portuguesa, cujo copyright pertence ao jornal O Estado de São
121
Paulo e à Klick Editora e que foi, no Rio de Janeiro, distribuída pelo jornal O Globo. Ou
seja, as tentativas de colocar links no papel, sem muito sucesso é fato, estão sendo
feitas por gigantes da imprensa brasileira!
No entanto, é bom deixar claro que, pelo menos até agora, não podemos falar de um
estilo WWW. E isso porque o hipertexto é um recurso inédito ainda mal explorado. É
mais do que freqüente encontrarmos textos ciberespaciais de má qualidade porém
recheados de links. Seu valor está nos links que oferecem e não no texto em si. Quando
isso acontece, o leitor embarca no primeiro link que encontra e jamais retorna à página
de origem... Mas, isso é desculpável porque tudo isso é muito recente e aprender a
escrever bem leva muito tempo. Chegará o dia em que surgirão bons escritores de
hipertexto que saberão usar os links de forma integrada com o texto principal que, por
sua vez, terá atrativos próprios... Na realidade, acho que chegará o dia em que todos
aprenderemos a redigir e compor textos ciberespaciais. Uns serão melhores do que
outros e desenvolverão recursos estilísticos inerentes ao próprio cibertexto...
122
Os novos usos de linguagem da mídia
E usuários tendem a usar uma linguagem em comum, uma linguagem que tem, em sua
base, os princípios da comunicação online: uma linguagem leve, bem-humorada,
informal, cheia de jargões e gírias, além de econômica. Mas, em se tratando de mídia --
e aqui incluo as publicações offline e online -- que tem que dar conta de uma realidade
sempre nova, porque sempre recheada de últimas novidades que se sucedem com uma
rapidez espantosa, sua linguagem difere um pouco das comunicações interpessoais no
ciberespaço. Segue-se um exemplo desse tipo de linguagem, retirado da conhecida
coluna de Carlos Alberto Teixeira, o C@T, do Caderno Informática, etc. do jornal O
Globo, de 25 de agosto de 1997:
“Alguma vez a leitora se viu totalmente perdida diante do BIOS de sua máquina?
É quase certo que sim. Você abre o setup do seu PC e logo aparecem aqueles
parâmetros enigmáticos que ninguém é capaz de explicar, a menos que você
chame o hardwarista de plantão. Nosso amigo Carlindo Lago da Costa
<carlindo@pobox.com> andou fuxicando pela rede e encontrou uma web page
ideal para quem quer desvendar os mistérios do BIOS. A página usa frames e é
escrita em inglês, mas para grande parte dos internautas, isso não é problema.”
(Os itálicos das palavras inglesas ou originadas do inglês são meus.)
A característica desse discurso jornalístico sobre a Rede que mais chama a atenção é o
uso de uma língua que tem no português sua base gramatical, mas cujos vocábulos são
em grande parte provenientes do inglês, com ou sem adaptações à nossa língua pátria.
Fôssemos nós vítimas de algum tipo de xenofobia e teríamos que ter tradutores
especializados de plantão 24 horas por dia. Só assim daríamos conta de traduzir cada
termo adequadamente porque para se traduzir um termo que é novo, ou adquiriu um
uso novo mesmo em sua língua original, é necessário saber o que ele significa e, para
123
saber o que algo novo significa, temos que ter contato com o conceito ao qual está
vinculado. Confuso? Não, essa é uma simples questão de lingüística!
Mas, felizmente para todos, nós sempre convivemos muito bem com línguas
estrangeiras e sempre tivemos uma queda especial pelo inglês. Assim sendo, o trabalho
de incorporação de um novo vocabulário, que diz respeito a uma nova realidade, é
muito facilitado. Bastam algumas operações bastante simples e a incorporação é feita
de forma rápida e relativamente indolor.
124
Com tantas novidades e tantas incorporações, seria de se esperar que os usuários
ficassem à deriva, não fosse pelo cuidado da mídia, de algumas editoras, de alguns
sites e até mesmo de provedores de acesso à Rede, de colocá-los a par de todos os
novos vocábulos e significados. Essa é a razão por trás da proliferação de glossários
além da publicação de dicionários on e offline.
“Se você costuma freqüentar listas de discussão, grupos de news ou tem o hábito
de trocar mails em inglês, certamente já se deparou com vários acrônimos que
você não tem a menor idéia do que sejam. Essas siglas, cuidadosamente
estudadas, fazem parte da ‘linguagem da Internet’ e se você não quiser ficar
perdido, fique atento para algumas delas.”
(Os itálicos das palavras em inglês são novamente meus)
Segue-se uma longa lista de acrônimos, dos quais selecionei apenas alguns:
B4 Before Antes
BRB Be Right Back Estou de volta logo
CUL See you later Vejo você depois
FAQ Frequently Asked Questions Perguntas mais freqüentes
MORF Male or Female Homem ou Mulher?
RUOK Are you Ok? Você está ok?
TVM Thanks very much Muito obrigado
E até agora não falei dos dicionários. Há, no Brasil, pelo menos dois dicionários sobre o
vocabulário da Rede, um offline e outro online. Também eles têm como ponto de partida
exclusivamente palavras, expressões, acrônimos e siglas na língua inglesa. O
português só aparece na definição. São eles o Dicionário da Internet, de autoria de
Christian Crumlish e publicado em 1997 pela Editora Campus (com tradução de Carlos
Alberto Teixeira -- o mesmo C@T -- e Astrid Heilmann), e o dicionário online da
PontoNet <http://www.spacenet.com.br/dicionario>.
“O que vai acontecer com o português?”, pode estar se perguntando o leitor. Não há
como prever. Mas, certamente, o que quer que aconteça, não vai acontecer somente
com o português. Não é a troco de nada que o governo francês vem, há já alguns anos,
125
travando uma verdadeira batalha contra a incorporação de palavras inglesas à sua
sempre bem-cuidada língua pátria.
Ainda nos idos de 1994, mais exatamente no dia 6 de maio daquele ano, o jornal O
Globo publicou uma matéria sobre a defesa da língua francesa cujo título era Nova
batalha na guerra ao franglês. Dessa matéria retirei os seguintes trechos:
A história parece provar que não. Talvez um dia, tal como latim, algumas línguas
deixem de ser faladas... No entanto, ninguém precisa perder o sono, porque isso não
vai acontecer num futuro próximo.
126
Inglês: a moderna versão do esperanto?
Mais de um século depois, não é preciso dizer que o esperanto nunca cumpriu o seu
objetivo de possibilitar a comunicação entre povos de origens lingüísticas diversas
simplesmente porque as pessoas jamais aprenderam a usá-lo. Línguas faladas são
línguas naturais, e línguas naturais não são intencionalmente criadas por alguém.
Línguas naturais são eminentemente convenções sociais internalizadas por todos
aqueles que fazem parte da cultura na qual são faladas. Línguas naturais, portanto, se
desenvolvem, têm seus rumos alterados e, algumas vezes, chegam mesmo a morrer,
em função do que acontece com aqueles que as usam.
O inglês é uma língua natural falada em diversos cantos do mundo por diversas
culturas. É, também, como já vimos, a língua-mãe da Internet pois foi, desde os
primórdios desta, a língua usada por seus criadores. E, por ser a língua-mãe da
Internet, tornou-se também a língua-mãe da cultura gerada por essa rede de
computadores, ou seja, a cibercultura.
Isso não é de pouca monta nos dias de hoje, em que o processo de globalização torna-
se cada vez mais acelerado. Globalização significa integração, cibercultura também
significa integração, e para que haja integração necessita-se de denominadores
comuns, entre os quais uma língua que possibilite a criação e o estreitamento de
afinidades entre povos de origens, línguas e culturas diversas.
Nesse quadro, não há como duvidar que a língua inglesa é a melhor candidata a se
tornar a língua auxiliar de comunicação internacional que o esperanto jamais conseguiu
ser. O que vai acontecer com as outras línguas é difícil prever. Vai depender muito do
quanto os povos que as têm como línguas maternas desejarem manter vivas suas
raízes culturais e lingüísticas, bem como do regime de convivência que estabelecerem
com a nova cultura e a nova língua do ciberespaço. Se, para que possam manter sua
língua e sua cultura intactas, esses povos -- ou seus dirigentes -- resolverem abolir a
língua e a cultura ciberespaciais, temo que desapareçam as primeiras, pois a língua e a
cultura ciberespaciais estão se tornando cada vez mais inescapáveis. Registrar isso do
modo que nós, brasileiros, estamos fazendo, talvez seja uma demonstração de
sabedoria e da ginga e jogo de cintura, que são as marcas registradas da nossa cultura.
Afinal, ginga e jogo de cintura sempre foram armas de integração!
127
NOVOS RELACIONAMENTOS
Esta talvez seja a área na qual o impacto da Internet sobre seus usuários ganhe maior
visibilidade e, por isso mesmo, ocupe o centro das atenções (principalmente na mídia
especializada) quando se fala sobre as influências do ciberespaço. As interpretações
são muitas, mas não dão conta da complexidade introduzida por um fator que
geralmente recebe pouca atenção: a difícil conciliação dessas duas realidades
paralelas, que só pode ser feita pelo usuário.
Quem, geralmente familiares e amigos, acusa o usuário de estar tendo uma atitude anti-
social e de estar se isolando, quando este passa horas a fio papeando através do
computador, tem razão em dizer isso. Do ponto de vista das relações sociais
convencionais, esta é uma forma de isolamento.
40
Vários usuários já dão provas da dificuldade que têm que lidar com esses conceitos ao defini-los
informalmente, ver NOVOS CONCEITOS.
41
Ver, por exemplo, o depoimento de Márcio “Big” Mattos, em O fenômeno chat e o autoconhecimento,
e também o de Sonia em Os prós e contras dos relacionamentos virtuais, ambos neste bloco.
128
comunicar de forma rápida e barata com quem quer que se queira em qualquer parte do
mundo.
Não tendo qualquer pretensão de esgotar o assunto, que merece por si só um outro
livro, quero somente fazer um breve registro de alguns aspectos que não têm merecido
muita atenção por não serem tão visíveis quanto outros.
Assim sendo, quero mostrar que as maiores dificuldades, tanto para o usuário quanto
para aqueles que o cercam, emergem não necessariamente do uso do computador por
horas com a finalidade de bater-papo ou trocar e-mails. Isso é relativamente bem
absorvido se o interlocutor do papo ou correspondência digital é um parente, amigo ou
conhecido do mundo “real”. Os problemas de ordem interna, familiar e social para o
usuário surgem quando o computador é usado para estabelecer e manter os novos e
revolucionários relacionamentos virtuais. É nesse momento que emerge, para o usuário,
o conflito interno entre as realidades paralelas. É também nesse momento que
começam as acusações de isolamento e comportamento anti-social vindas de amigos e
familiares.
Mas é importante que todos saibam que nem tudo o que acontece na realidade virtual
está confinado à mesma. Muitos são os usuários que já aprenderam a construir pontes
entre as duas realidades e a transferir o conhecimento e a experiência ganhos
virtualmente para o seu cotidiano “real”.
129
Novas possibilidades para relacionamentos antigos
“... que achei bem interessante, pois tive a oportunidade de falar com muitos
conhecidos, que moram longe, sem precisar pagar a ligação mais cara!”
É visível que um dos aspectos da Rede que mais fascina essas pessoas é a facilidade
de comunicação com pessoas queridas mas geograficamente distantes.
Outras novidades óbvias nesse tipo de comunicação são: a sua facilidade, a sua
garantia de recebimento e seu baixo custo. Em relação ao correio habitual, a
comunicação eletrônica facilita a vida de todos, pois prescinde de envelopes, selos,
postagem, ida aos correios ou a caixas de coleta, etc. Também é desnecessário que se
acuse o recebimento de uma mensagem, pois ela retorna imediatamente ao remetente
42
Solange Gomes e os demais usuários citados neste bloco fazem parte do conjunto de 43 usuários que
enviaram depoimentos sobre suas primeiras impressões da Rede, em resposta ao questionário que lhes
enviamos por e-mail. Leia mais a respeito de nossos questionários e entrevistas em O IMPACTO DO
NOVO.
130
no caso de qualquer problema. Em relação às conversas telefônicas, perde-se muito
com a ausência do contato de voz e toda a energia humana que esse transmite nos
tons de voz, nas inflexões, nas pausas, nas hesitações, etc. Mas, por outro lado, ganha-
se muito no número de contatos passíveis de serem feitos sem restrições de tempo e ao
custo de uma chamada telefônica local.
“Quando se diz que a Internet vai mudar radicalmente as formas pelas quais as
pessoas se comunicam, isso não é uma figura de retórica. É um fato. Que
começa, é claro, pela moleza que é usar o correio eletrônico: eu escrevo aqui num
PC, e o meu filho usando um Mac em Ann Arbor, Michigan, recebe a minha
mensagem quase instantaneamente. [Naquela época PC’s e Mac’s eram
incompatíveis para quase tudo.] Por ser tão simples de enviar, esta mensagem é
muito mais coloquial do que uma carta. Mesmo porque o próprio ato de escrever
uma carta é um gesto deliberado, quase sempre revestido de alguma formalidade:
‘Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1995...’
Ora, nada disso existe com o correio eletrônico, onde prevalece a versão
pingue-pongue-zás-trás das relações humanas...”
Cora, pioneira que é, pode ter sido uma das primeiras mães brasileiras a fazer uso
desse recurso para se manter a par do cotidiano de seu filho, mas, certamente, muitas
outras mães também já o fizeram, ainda fazem e continuarão fazendo. Mães e pais,
filhos e filhas, irmãos, sobrinhos, primos e avós que vivem distantes, ao fazer uso desse
tipo de comunicação têm uma sensação de continuidade da vida familiar que é
verdadeira pelos padrões de hoje, mas que subverte completamente o que acontecia há
pouco tempo e é agora pouco lembrado. O mesmo acontece entre amigos.
131
E as notícias da terrinha distante? Estas eram escassas. Uma revista ou jornal recentes
eram coisas cobiçadas entre os que estavam longe. Alguns faziam assinaturas de
revistas, mas elas levavam um bom tempo para chegar... Muitos recebiam uma ou outra
revista ou jornal, sempre com bastante atraso, mas geralmente acompanhados de uma
lata de goiabada cascão ou de doce de leite, além de uma garrafa da legítima pinga!
Tanto a goiabada cascão quanto as notícias do torrão natal eram raras e preciosas.
Convidava-se os amigos para uma grande degustação...
E agora? Bem, para quem vive fora do país, a goiabada cascão pode ainda ser uma
mercadoria rara. Afinal, uma lata de goiabada é composta por átomos! Já as revistas e
jornais não. Esses, ao menos em sua versão online, são compostos por bits e bits
podem ser acessados de qualquer lugar do planeta, tão logo sejam tornados disponíveis
na Rede.
O mesmo vale para os bits da comunicação com familiares e amigos. Esses podem ser
trocados com a freqüência que se desejar e sem o problema de as pessoas estarem
vivendo em contextos completamente diferentes, ou seja, sem ter nada em comum que
não o passado. Os jornais e revistas online mantêm quem está fora atualizado em
relação ao que acontece em sua terra natal, não importa onde esteja e a importância
que, nesse lugar remoto, se dê às suas origens. Hoje todos temos, minimamente, dupla
nacionalidade: somos cidadãos de um determinado país e somos, também, cidadãos do
mundo. Basta ligar a televisão e, nela, acessar uma outra rede -- a Net -- para termos
uma de várias provas contundentes disso. A CNN não nos deixa dúvidas.
Dito de outro modo, através dos novos recursos tornados disponíveis pela Internet,
principalmente do e-mail e dos programas de bate-papo, familiares e amigos podem
continuar tendo a sensação de proximidade e intimidade, apesar da distância que os
separa. Essas relações, até pouco tempo atrás, tendiam a se deteriorar ou a se tornar
distantes com o passar do tempo. Agora, no entanto, podem ser constantemente
atualizadas e mantidas no mesmo nível de proximidade e intimidade de antes da
separação. Quem vive fora de seu contexto original pode, nos dias de hoje, facilmente
ter a sensação de uma proximidade virtual com seus familiares e amigos. Pode,
também, ter de um sentimento de estar virtualmente em casa quando em contato com
eles, via e-mail ou chat, ou com seu contexto de origem, via Web.
Mas, talvez surpreendentemente para alguns mas certamente não para mim, os
recursos da Rede até mesmo aprofundam relacionamentos, apesar da distância.
132
Bernardo Viveiros, estudante de engenharia de 21 anos, por exemplo, diz, em resposta
a uma pergunta sobre as mudanças que a Rede vai introduzir na vida de todos, feita
numa entrevista olho-no-olho.
“Acho que, no futuro, uma das possibilidades da rede vai ser o de mudar o jeito
que a gente trabalha, mudar o jeito que a gente aprende, mudar o jeito que a gente
estuda, até mudar a forma que a gente se relaciona porque apesar de se falar ‘ah,
relacionamento por internet é uma coisa mais fria, afasta as pessoas, você
trabalha com o computador’, eu acho isso uma grande baboseira porque, como
exemplo, meus amigos que são de Pernambuco, e eu nunca ia ficar horas, a não
ser que eu ficasse horas no telefone, coisa que eu não ia fazer, eu nunca ia ter um
relacionamento melhor com eles, que agora troco mail todo dia com o pessoal de
Pernambuco, de Minas, do Espírito Santo ou do Rio Grande do Sul do que se eu
tivesse usando telefone ou carta, o que aí ia ser até ridículo. Nosso
relacionamento é muito melhor assim.”
E Bernardo não somente troca mails com os amigos. Embora odiando o chat anônimo
(o usual, ou seja, aquele no qual as pessoas entram para se conhecer e bater papo), ele
usa os recursos desse bate-papo online e em tempo real para aprofundar suas
amizades. Bernardo e vários de seus amigos se encontram em canais de IRC:
“Até uso IRC se eu for fazer uma reunião com o pessoal de Minas, Pernambuco e
São Paulo, aí tudo bem, aí junta o pessoal e vamos fazer uma reunião pelo IRC...”
Flávia Penna, estudante secundária de 17 anos, entre outros usuários, faz o mesmo tipo
de uso talvez com maior intensidade por conta de sua tenra idade. Perguntada, através
de questionário via e-mail, a respeito dos programas de Rede que mais usa, ela
responde que usa todos os possíveis e para tudo, inclusive bater papo:
“p/ vcs [para vocês] terem uma idéia, tenho um grupo de amigos - 23 pessoas - que
conversam todos os dias pela Net...”
Esta é certamente uma nova forma de aprofundar e manter amizades. Mas é uma forma
que integra a realidade virtual, responsável pela sensação de proximidade apesar da
distância, àquilo que é por nós vivido como a realidade “real”, ou seja, aquela em que
sempre vivemos e na qual já nos relacionávamos e ainda provavelmente voltaremos a
nos relacionar, com nossos amigos “reais” e/ou familiares que agora estão distantes.
133
O fenômeno chat e o autoconhecimento
Enquanto muitos dos usuários que responderam nossos questionários ou nos cederam
seu tempo em entrevistas pessoais tinham como prioridade usar a Rede para a
manutenção e aprofundamento de relações já existentes, outros queriam principalmente
usar os recursos da Internet para conhecer novas pessoas. Seguem-se alguns
exemplos.
Luciano Cunha, estudante de informática de 19 anos, diz, quando indagado sobre o que
esperava da Internet antes de acessá-la pela primeira vez:
“Todos diziam que era legal... Para falar a verdade eu tinha uma expectativa muito
grande de conhecer novas pessoas e conseguir informações antes impossíveis.”
Ou seja, Maria Clara gostou tanto de bater papo com pessoas que não conhece, nem
ao vivo nem a cores, nos canais de IRC que diz ter se vIRCiado, ou seja, se tornado
viciada em IRC!
O que se faz para se conhecer gente na Rede? Como se escolhe com quem se quer
bater papo e como se dão os primeiros contatos? Isso acontece somente nos canais de
chat?
Os lugares destinados para esse tipo de contato em tempo real são, de fato, os canais
de chat, que funcionam como pontos de encontro e azaração virtuais. Logo
retornaremos a eles, mas, antes, é necessário dizer que, tal como na vida cotidiana,
muitas vezes os primeiros contatos virtuais são fortuitos.
Escrevo um artigo para uma revista, que, além do meu nome, publica o meu endereço
eletrônico. Entre as várias mensagens que recebo, uma me chama a atenção. Alguém
quer discutir o artigo comigo e desenvolve pontos interessantes a respeito do mesmo.
134
Respondo e, logo depois, recebo outro e-mail. O contato já foi feito... Daí pode
eventualmente surgir uma boa amizade...
A Rede é um meio de comunicação que, com muita facilidade, torna público aquilo que
queremos que seja público. Numa viagem ciberespacial, topo com uma home page
sobre técnicas fotográficas digitais que me interessa. Nela há um link para
correspondência. Mando alguns comentários e faço algumas perguntas. O responsável
pela home page responde com interesse e me coloca outras tantas questões...
Respondo. Temos interesses comuns que podem dar origem a outra amizade...
As possibilidades são várias. A única coisa necessária é que tornemos públicos nossos
interesses, nossas idéias e nossos endereços eletrônicos. Mas, quando fazemos isso,
podemos ser identificados como as pessoas que somos na realidade “real” ou, como
gosto de dizer, na realidade cotidiana, e muitos não querem isso.
Para muita gente, principalmente para os jovens, o grande barato não é fazer amizades
desse jeito. Muitos gostam mesmo é de conhecer outras pessoas mundo afora através
dos canais de bate-papo. Por quê?
Marcio “Big” Mattos, Channel Manager do canal #Brasil da UNDERNET, no artigo Mas,
afinal por que o IRC vicia?, publicado na revista Internet World, volume 2, número 17,
explicita algumas das razões pelas quais o IRC, uma das formas de bate-papo
ciberespacial, se tornou tão popular.
É muito bom saber que no cantinho do seu escritório caseiro existe uma
verdadeira janela para o mundo. Bateu uma vontade? Pintou uma necessidade? É
só correr pra lá e... pimba... tá lá nosso planetinha inteiro à sua disposição. Basta
um /join #qualquer_canal [comando para entrar num canal] que a sopa de letrinhas
começa a correr na sua tela e o sangue a borbulhar nas suas veias. Esse é o
segredo da disponibilidade mútua que habita o IRC... como todos ou, no mínimo,
a imensa maioria está ali para isso -- conversar, trocar idéias, contar alguma
coisa reveladora, mas que não revele o contador da estória -- a atmosfera da rede
é sempre de altíssimo astral.
135
e expondo o verdadeiro interior daquele mascarado interlocutor. Como o ser
humano é de uma riqueza interior extrema, a simples e saudável inexistência ou
redução dos parâmetros moderadores e de censura sociais deixa que se revele
esta criação de Deus e faz com que aquilo que possa parecer algo frio, somente
letrável e sem sentimento, se revista de uma capa de emoção logo após os
primeiros estágios de reconhecimento.”
“Mas é uma visão correta?”, pode estar se perguntando o leitor, preocupado que está
porque a filha é uma amante fervorosa dese tipo de bate-papo.
Não responderia nem afirmativa nem negativamente. E isso não é por querer ser
diplomática! Diria que é apenas uma visão dentre várias possíveis.
(...) No ciberespaço, conhecemos o outro não pela sua aparência física, pelo que
parece ser externamente, mas, ao contrário, pelo que assume ser em sua
essência. A personalidade interior da pessoa, seu jeito de ser, visão de mundo e
136
particularidades, nesta inversão tecnomoderna, são mais evidenciadas do que o
corpo físico. Ao contrário, portanto, de como estamos habituados culturalmente,
no mundo real, onde as aparências são tão valorizadas.
Em outras palavras, Fernando parece estar dizendo que as relações que travamos no
ciberespaço podem ser bem mais íntimas e profundas do que muitas daquelas que
temos ao nosso redor no espaço cotidiano e externo à Rede que habitamos. Nelas,
segundo ele, podemos entrar em contato com a essência do outro, mesmo quando o
que esse apresenta não é verdadeiro, ou seja, quando ele finge ser o que não é. E
Fernando, tal como Marcio, também menciona aspectos como o combate à solidão e a
possibilidade de satisfação dos nossos desejos, pelo menos de alguns deles, sem
maiores riscos.
O que chama a atenção é que tanto Marcio quanto Fernando, mesmo não sendo
psicólogos, têm visões bastante psicologizadas dos bate-papos ciberespaciais, o que
não deixa dúvidas quanto à intensidade das emoções que fluem de um canto para outro
do mundo, a qualquer hora do dia e da noite, nesses canais.
Mas o que Fernando e Marcio dizem dá conta de tudo o que acontece e de por que
tantos gostam tanto desses bate-papos? É claro que não. Na realidade, nenhuma
tentativa de interpretação do fenômeno chat pode ser completa, ao menos no momento.
As diferentes interpretações podem no máximo se interpenetrar e complementar. Assim
sendo vou, agora, adicionar a minha visão às de Marcio e Fernando.
E começo marcando uma diferença. Marcio e Fernando não são psicólogos, eu sou. E
justamente pelo fato de sê-lo, associado ao fato de ser pesquisadora, adquiri o hábito
de separar pontos de vista, hábito esse que pode ser muito útil.
Marco, agora, uma outra diferença. Vou adotar um ponto de vista que Marcio e
Fernando registram, mas não adotam sistematicamente, por privilegiarem o ponto de
vista que lhe é complementar. Explicando um pouco melhor, Marcio e Fernando adotam
principalmente um ponto de vista que torna o outro o objeto do conhecimento íntimo
tornado possível pelos chats. Quero adotar um ponto de vista diferente: aquele que nos
torna, nós próprios, o objeto desse conhecimento íntimo. Dito isso, passo à minha
interpretação.
Todos aqueles que se conectam a um canal de chat pela primeira vez certamente o
fazem por um motivo bastante simples: curiosidade. É a exploração desse novo tipo de
comunicação bem como aquilo que a mídia divulga a seu respeito que indicam os usos
potenciais que o novato dele pode fazer, dado o anonimato que a todos protege. Marcio
e Fernando mencionam o fato de que, através do bate-papo por escrito dos canais de
chat, pode-se conhecer o outro muito mais intimamente porque esse, sob a proteção do
anonimato e sem qualquer compromisso de qualquer ordem, se revela muito mais. Isso
certamente é verdadeiro, pois até mesmo as pequenas ou grandes mentiras são
reveladoras.
137
Mas o fato é que não é somente o outro que se dá a conhecer de uma forma menos
contida por conta do anonimato, nós também o fazemos. E isso tem pelo menos duas
conseqüências muito importantes. Ao nos revelarmos para o outro, estamos, também,
nos revelando para nós mesmos. E, ao observarmos, nesse outro, as reações àquilo
que revelamos ser, somos informados do quanto vale aquilo que somos.
Se somos jovens e inseguros em relação ao nosso valor pessoal, como é o caso de boa
parte dos freqüentadores dos canais de chat, isso pode nos dar uma segurança interna
de fundamental importância para as nossas vidas.
Quem é assediado porque é muito bonito, numa sociedade que cultua a beleza, pode
aprender que os outros apreciam suas opiniões, seu humor, sua inteligência, etc. Quem
é rico e, na Rede, não vai poder atrair os outros simplesmente porque sua casa tem
piscina, seu carro é importado, ou qualquer outra razão análoga, vai ter a oportunidade
de testar o quanto atraem os seus hobbies, os seus interesses por esportes ou a sua
sensibilidade. Até mesmo quem cria um personagem (o que acontece com freqüência)
vai ter algum tipo de retorno sobre si mesmo: minimamente saberá se seu personagem
é consistente e se tem alguma chance de escrever ficção com sucesso algum dia! De
qualquer modo e acima de tudo, todos aprenderão muito, coisas boas e coisas más
também, a seu próprio respeito num espaço em que todos estão fazendo algo análogo e
onde, por isso mesmo, os erros, as gafes, os micos e os tropeços geralmente não têm
conseqüências sérias, encobertos que são pelo anonimato e, muitas vezes, pela
distância geográfica.
Uma das usuárias que enviaram respostas ao nosso questionário, que admite ter sido
viciada no IRC e estar morando com algém que conheceu virtualmente, fez um
comentário que me chamou a atenção. É Solange Costa, médica de 29 anos de idade.
Quando perguntada sobre o efeito que a Internet poderia ter sobre as pessoas no
futuro, ela diz confusamente:
Mesmo truncada como está, provavelmente por conta do depoimento online, essa frase
aponta para uma preocupação muito relevante. Será que os tímidos, entre outros, vão,
no futuro, ficar restritos às conversas na telinha, onde sabem vencer a sua timidez?
138
>>Passou nada! A energia continua a mil! Olha só: a angústia do
desnível
>>entre as duas realidades, a real e a virtual, está sendo aos poucos
>>superada... O aprendizado obtido nos relacionamentos virtuais não
só
>>pode como deve ser aplicado àqueles da vida real. Estou mais solto,
mais
>>direto, mais instigante e provocante nos meus relacionamentos da
vida
>>real. Meus amigos não entendem as transformações... que espécie
de
>>mágica é essa que possibilita vc se exercitar de uma forma mais
livre,
>>mais aberta e despreocupada?
>> Vc [você] lembra, J., dos tempos da faculdade? Era um mundo
>>novo, não? Quanta coisa a explorar... E a primeira viagem ao
exterior...
>>Essa agente nunca esquece...Pode ter sido até para Disney, não
>>importa... abriu muito a cabeça não foi? Vc compreendeu a idéia de
que o
>>mundo não se resumia só ao teu país, à tua cidade, ao teu bairro ou
à
>>tua comunidade... Era muito mais que isso...
>> A Internet joga essa realidade direto na cara de quem entra, sem
>>prefácios ou pré-ambulos. Vc cai na rede e pronto! Tá no mundo.
Num
>>outro mundo, cheio de agradáveis armadilhas e artimanhas.
>> Quanta descoberta! Quantas trilhas pra explorar...
“Eu acho que eu mudei muito. Chegou um momento que eu comecei a conhecer
as pessoas lá dentro, comecei a exercitar me descobrir. Eu como pessoa que
seduzo, como pessoa que sou interessante, que não sou interessante, que tenho
que me controlar em certos momentos…, então eu acho que foi meio que uma
escola, tem sido uma escola pra mim. E eu acho que eu exercito muito isso aqui,
isso aqui… É ridículo falar do lado de fora, parece que tem dupla personalidade,
né? Os dois mundos diferentes. Mas.. eu acho que mudou, eu acho que eu tenho
um senso crítico muito maior hoje em dia, podendo ter uma amplitude maior, de
conhecer as pessoas mais lá daquele lado, eu consigo ser mais crítica e tenho
uma necessidade muito grande de observar as coisas aqui. Então eu me vejo
muito observadora. Os meus amigos até brincam comigo ‘Ah você só podia ser
psicóloga’, porque eu tô na mesa me divertindo, mas depois a gente tá voltando
de carro pra casa e eu falo ‘Ai, mas fulano é assim, é..’ ai todo mundo ‘Nossa mas
que feeling [que sensibilidade], você é psicóloga mesmo!’. E eu acredito que isso
eu não aprendi lendo Freud, eu aprendi fuçando a Internet... É tudo bem, com
base em Freud, com base em Lacan, mas com a minha observação. Eu tenho uma
139
necessidade muito grande de observar as pessoas, de entender, de entender
porque que ela está fazendo dessa forma e enfim de observar, eu gosto de
observar muito. E eu acho que isso veio muito da Internet, eu entrava lá e as
pessoas iam caindo em cima de mim, um tinha tara por pé, e o cara me agradeceu
assim..., uns dez minutos ficou me agradecendo que nunca ninguém tinha parado
pra ouvir as coisas dele. Não é que aquilo me agradava, mas ao mesmo tempo eu
me via... eu vi que ele precisava ser ouvido, nem que eu deixasse o chat lá
paradinho, ele falando, e eu só ‘humham, humham..’ mas ele precisava falar.
Então eu comecei a ter uma escuta melhor, a ter uma maneira de verbalizar
melhor, que a partir do momento que você escreve, você tá organizando, você
apura essa maneira de … Acho que foi isso, eu modifiquei sim um pouco a
maneira de enxergar aqui, a maneira de enxergar as pessoas.”
Quem dera que todos os psicólogos tivessem tanta flexibilidade mental e tanta
capacidade de observar aquilo que é novo!... Não pode haver dúvida de que Kátia não
somente tem consciência da existência dessas duas realidades paralelas, como
aprendeu a tirar o melhor proveito de ambas.
140
O fenômeno chat, o sentimento de pertencer e a auto-ajuda
Recebi, via e-mail, um excelente depoimento sobre os impactos que a Rede está tendo
sobre seus usuários.43 Seu autor, Henrique Lima, é engenheiro eletrônico de 43 anos de
idade. Desse depoimento retirei os seguintes trechos, que mantenho como os recebi
(com todas as características da linguagem online):
Henrique é engenheiro, mas revela muita sensibilidade para problemas humanos. Sabe,
por exemplo, o quanto é importante termos a sensação de que pertencemos, a
sensação de termos encontrado a nossa turma. É claro que isso é possível no mundo
“real”, só que, muitas vezes, por conta das convenções e restrições sociais, por conta
de compromissos assumidos e também por conta do fato de que às vezes temos
características que não são facilmente aceitas pelo grupo social em que vivemos, para
que possamos encontrar a nossa praia temos que nos expor e isso pode ser muito
difícil.
Já no mundo “virtual”, onde podemos ser anônimos e nos locomover de um lado para
outro, com facilidade e rapidez, em busca daqueles com quem possamos entrar em
sintonia, isso se torna muito mais fácil. Muitos já descobriram isso e muitos já se
utilizam desse recurso. Basta dar uma olhada nas possibilidades de “salas” ou canais
de bate-papo que existem em português ou em outras línguas (a localização não
importa, pois é sempre virtual). São “salas” de todos os tipos e para todos os gostos, ou
seja, o bate-papo pode rolar sobre praticamente tudo: de música popular ou erudita e
cinema a receitas culinárias, da simples azaração ao sadomasoquismo, de como
manter o corpo em forma a body-piercing (ou a arte de perfurar e colocar brincos em
várias partes do corpo). Mas, como viver em realidades paralelas dá uma estranha
sensação de divisão do próprio eu em dois, muitos tentam construir pontes entre as
realidades virtual e “real”, o que pode ser mais ou menos difícil, dependendo do caso.
Vejamos agora dois desses casos que nos foram relatados em depoimentos enviados
pelo correio eletrônico. Como quero passar para o meu leitor a palavra dessas pessoas
tal e qual me chegou, pois o que importa aqui certamente não é a forma da
comunicação, mas sim o que está sendo comunicado, todas as características da
43
Leia mais a respeito desses depoimentos em O IMPACTO DO NOVO.
141
linguagem usada em ambos os depoimentos serão preservadas.44 Tendo em vista a
intimidade desses mesmos depoimentos, farei referência às suas autoras por letras, que
não são iniciais. Resolvi alterar o procedimento que venho usando ao longo do livro -- o
de atribuir nomes fictícios aos meus usuários-colaboradores -- para evitar eventuais
constrangimentos para possíveis homônimos.
O primeiro desses depoimentos nos foi enviado através de um remailer, ou seja, foi
repostado através de um mecanismo que garante total anonimato, o segundo nos
chegou através de um e-mail comum, contando simplesmente com a garantia de
anonimato que foi dada, pela equipe da pesquisa, a todos aqueles que dela
participaram.
A, funcionária pública de 44 anos, porque talvez tenha muito a perder no mundo “real”,
teme ser identificada. Por isso toma as precauções possíveis e nos envia um e-mail
anônimo. Com isso, ela dá um exemplo para o meu leitor do tipo de revelação que o
anonimato permite fazer nos canais de chat. Ela acessa a Rede todos os dias, “sendo
que aos finais de semana os acessos são mais demorados, por causa da redução da
tarifa telefônica.” Eis o seu depoimento:
> “Certamente que eu não escreveria nada disso que se segue, caso
estivesse sendo identificada, mas acho que faço parte de um grande grupo -- o
dos falsos moralistas -- que adota uma atitude na sociedade e outra,
diametralmente oposta, na rede...
> Utilizo, preferentemente o mIRC e acesso canais 'gays', como o #lesbians,
o #GLS e o #Georgia, na BrasIRC (servidor) e outros, como o #sexphotos e
#sexpics, na intenção de 'soltar'meus anseios homossexuais latentes. Converso
com pessoas que acreditam que eu realmente seja uma lésbica na vida real e que
se "relacionam" comigo, adotando -- até -- uma postura de 'netlove', tratando-me
como namorada delas. O mais estranho é que nunca me viram, nem por
fotografia...
> Sinto-me querida, apesar de tudo, sou mais ou menos popular e é
bastante festejada a minha chegada em qualquer desses locais. Isso fortalece
meu ego, naturalmente.
> Algumas vezes, mulheres que também acessam esses canais, me
forneceram o nº de seus telefones, pedindo-lhes que eu ligasse e pudéssemos
conversar 'na voz'. Via de regra, essas ligações assumem um clima mais do que
picante e ocorre uma excitação mútua, que culmina com masturbações e busca
de orgasmos, apenas utilizando-nos da imaginação, das palavras e da modulação
das nossas vozes.
> Além do mIRC, uso o NETSCAPE e -- uma vez lá -- gosto de acessar a
página da UOL, evidentemente me ligo ao bate-papo e escolho o grupo das
imagens, sub-grupo de Lésbicas e Afins e, em qualquer daquelas salas, fico
'papeando'com outros visitantes da sala e assistindo às fotografias que alguns
projetam lá... isso é mais excitante ainda, quanto mais se estivermos em
conversas privativas com alguém... buscamos o prazer solitário também!
> Tenho 2 filhos adolescentes que sabem os canais que freqüento, sabem
que coleciono imagens pornográficas e não sabem que me envolvo com as outras
mulheres que me atraem...
44
Uma discussão sobre a linguagem online e suas principais características pode ser encontrada em
NOVOS USOS DE LINGUAGEM.
142
> Também gosto de me corresponder com pessoas e utilizo o EUDORA como
meu preferido para troca de e-mails.
> Costumo ler jornais que tragam cadernos de Informática e mantenho-me
razoavelmente atualizada com as novidades da área.
> Também utilizo o ICQ e converso com pessoas as mais diversas pelo
veículo.
> Não falo outras línguas, mas leio com relativa facilidade o espanhol e o
francês, meu pequeno vocabulário em inglês cria um pouco de dificuldades... mas
isso não me importa nada!
> Acho que é o suficiente por ora... façam bom proveito do depoimento!”
143
Acredito que, num futuro próximo, as pessoas terao se conscientizado da
importancia da internet para o processo de globalizao pelo qual estamos
passando. A revoluçao das comunicaçoes já está aí, só falta as pessoas se
adaptarem e aprenderem com ela, como em toda revoluçao.”
“Eu acho que é muito mais fácil você se abrir e falar com uma pessoa que você
não sabe a cor, o tamanho, a idade... quer dizer depois até você descobre, mas
que tem uma tela separando vocês. Na verdade quando você está conversando
você nem lembra dessa tela, você não lembra da cor da pessoa nem nada então
você tem uma abertura muito maior pra poder falar de você pra ela. Até porque ela
tá naquele canal e ela tá lá com você no chat porque ela quer te ouvir, então tudo
o que você não pode dizer, tudo que é fora de um padrão de normalidade, tudo o
que é taxado como errado na sociedade lá você pode falar. Então se você tá num
canal falando sobre um problema visto como tabu, você vai falar sobre esse tipo
de problema, aqui você não pode criar, só se você cria um grupo de estudo na
faculdade, mas se você tem uma nóia [paranóia] de que você é assim ou assado, e
tem uma nóia, você não vai conseguir chegar para um amigo seu ou companheiro
de faculdade pra falar sobre isso, então você tem seus espaços lá demarcados
pra você poder falar sobre as suas questões, as suas questões que afligem, que
te interessam…”
Ao tipo de grupo a que Kátia se refere, ou seja, o grupo formado por pessoas que têm
um mesmo tipo de problema (qualquer que seja) com o qual é difícil lidar e para o qual é
difícil encontrar soluções, se dá, no mundo “real”, o nome de grupo de auto-ajuda. Os
exemplos institucionais clássicos são os Alcóolicos Anônimos, os Narcóticos Anônimos
e os Vigilantes do Peso. (Note-se a necessidade de frisar o anonimato!)
144
“...posso dizer que "resolvi" minha sexualidade, e que meus conflitos nao sao
mais um problema para mim. Isso graças à oportunidade de conversar com
pessoas com conflitos parecidos, através da internet, onde a tela do computador
funciona como uma
proteçao... podemos falar qqr [qualquer] coisa, pois quem está do outro lado
jamais saberá quem somos, se nao quisermos.”
145
Namoros virtuais e casamentos reais
A primeira vez que li alguma coisa sobre relacionamentos virtuais foi em 1994, ainda na
pré-história da Internet no Brasil. Era um artigo do videomaker Marcello Dantas, diretor
da produtora Magnetoscópio, escrito para o caderno Ela de O Globo de 17 de setembro
de 1994. O título do artigo era Um coito internacional via chips. Confesso que, então,
fiquei muito surpresa com o que Marcello dizia. Entre afirmações do tipo:
“Na rede, sexo é pura imaginação, mas distinto da masturbação, pode ser a dois:
com uma mídia no meio.”
“O que ocorre num ambiente virtual é para os sentimentos humanos tão real
quanto são as coisas do mundo material.”,
Marcello fazia menção ao encontro amoroso na rede. Mas afirmava que isso era muito
difícil.
“Achar sua cara metade na Internet é tão difícil quanto no mundo real. Até porque
não se vê a cara, só linguagem.”
E complementava:
“Leva-se tempo para achar um parceiro. É como se tivéssemos que sair com um
monte de gente que nunca vimos para saber quem são. Físico não interessa. Você
é quem conseguir expressar que é.”
Bem, isso foi em 1994. Em 1995, a Rede começou a se difundir no Brasil e, alguns anos
depois, todos já sabemos de alguns casos de pessoas que acharam sua cara metade
no palheiro da Internet, desconhecendo a cara mas conhecendo o coração.
Essas foram pessoas que conseguiram construir uma ponte inusitada, pelo menos até
pouco tempo atrás, entre a realidade virtual e a realidade “real”. Quem está me
acompanhando ao longo do livro já encontrou duas delas. Solange Costa, médica de 29
anos de idade, e B, estudante universitária de 22. E sei, por relato de terceiros, de
outros casos.
Mas não quero que o leitor tenha contato com esse novo tipo de encontro amoroso
através do relato de terceiros. Por isso mesmo, farei falar aqueles que viveram isso em
primeira mão. Seguem-se dois casos de namoros virtuais que se transformaram em
casamentos reais.
O primeiro é o caso de Vera Costa e Antonio Sá. Quem faz o relato é Vera, que tem 25
anos, é estudante de artes, acessa a rede desde janeiro de 1995, e acaba de se casar
com Antonio com quem agora reside na Inglaterra, onde este estuda. O relato que se
segue respeita a seqüência de perguntas e respostas da entrevista realizada face-a-
face, embora somente alguns trechos desta tenham sido selecionados.
146
Como Vera conheceu seu marido na Rede?
“Eu preferi não ir mais aos IRContros. Eu falo que a gente tem dois tipos de
pessoa lá na Internet. Uma é aquela pessoa que cria uma outra personalidade, que
é a personalidade que aparece lá. Ele tipo assim, criou um personagem. Aí tem
muito a ver, se você olhar, meio que pelo nome que ela escolheu para usar, já vai
mostrando um pouco dos traços. E outros que são a mesma coisa que eles são
na vida real. Eles estão ali e usam aquilo só como veículo, pra você conhecer
gente de lugares diferentes e tal. Mas a maioria do pessoal que eu conheci era
essa história do teatrinho. Faziam um teatrinho que não tinha nada a ver com eles,
na verdade. (...)
E ele… eu conheci foi por maior acaso. Ele estava usando pela primeira vez, ele
estava lá na Inglaterra e ele usava a Internet só para e-mail, procurar coisas, de
trabalho, essas coisas e ele não conhecia o chat. Aí ele estava entrando lá pela
primeira vez, sem entender muito bem como funcionava, vendo o que era, e o
nome que ele usava era de um cantor que eu adoro. E aí eu fui puxar papo com
ele, falei ah, legal, você gosta, eu também gosto, aí a gente começou a conversar.
Aí algumas vezes ele entrava e a gente ia conversando, conversando, aí depois
de, sei lá, uns 2 meses, a conversa já estava mais pra… sei lá, quase um namoro
assim, aquela coisa… Eu ficava ‘ah, será que ele vai aparecer hoje?’ ‘hoje será
que não vai’, aquela coisa, procurando, catando… Isso foi mais ou menos em
janeiro, aí a gente mandava e-mail, trocava e-mail toda hora e aí em agosto a
gente combinou de se encontrar. Ele tinha férias lá, eu estava de férias aqui, aí a
gente se encontrou em Londres. Aí a gente foi se conhecer pessoalmente.”
Mas nisso eles já estavam namorando? (Parece que é cada dia mais difícil saber
quando se está namorando!)
“Nisso a gente já estava conversando todo o dia, mil horas por dia assim desde
janeiro. Ele é brasileiro e estava estudando lá. Aí a gente se encontrou, e a gente
passou quinze dias lá de férias, foi maravilhoso, assim, aí eu voltei, ele continou
lá estudando e aí… Só que aí eu não agüentei mais. Depois que eu já tinha
conhecido, já tinha encontrado, tal, aí a gente fez os planos de eu esperar
terminar o meu semestre na faculdade aqui e ir para lá no fim do ano, quando as
férias chegassem, em dezembro, assim, e aí a gente ia resolver o que ia fazer. Só
que aí eu não agüentei de saudade aqui em outubro eu fui para lá e estou lá desde
então.”
No início eles não oficializavam o namoro, mas já deixavam de sair com outras pessoas.
147
“A gente não falava, mas depois de um determinado tempo, a gente já estava lá
conversando, eu ... ‘eu não vou sair com mais ninguém aqui’, aquela coisa, eu
não, sei lá, não tinha vontade, eu estava apaixonada mesmo, babando, boba,
idiota. E a gente sabia, falava e tal, mas eu nunca falei para ninguém ‘é meu
namorado’, porque a gente não tinha nem se encontrado.”
“A gente trocou foto. Não foi logo no começo não; foi até depois de um bom
tempo, acho que talvez uns 2 meses, 3 meses que a gente trocou foto pela 1ª
vez.”
O que Vera achou de conhecer na Internet uma pessoa com quem acabou se casando?
“Olha... Eu acho... eu acho que eu dei sorte. Eu acho que eu dei sorte porque... até
pelo pessoal que eu já tinha conhecido mesmo, pessoalmente, era aquela coisa,
chegava lá ‘ah, que legal, pô, que cara legal, que garota legal, pessoal gente fina’,
e aí quando você conhece não é bem aquilo, a pessoa não tem muito a ver com
você e tal.
E eu fui, quando eu fui pra lá a gente foi assim... sem muito compromisso ‘olha,
vamos ver se, quando a gente se encontrar, a gente vai achar tudo isso que a
gente acha aqui agora, então vamos ver...’. A gente combinou de ser assim ‘olha,
se por acaso eu chegar lá e você olhar pra mim e não é nada disso’... a gente já
tinha tanta intimidade que ele ia poder chegar pra mim e falar ‘ah...’ e eu também
ia poder chegar pra ele e falar que ‘ó, não é isso, vamos continuar bons amigos...’.
Bem, mas não aconteceu. Eu cheguei lá e foi muito melhor, obviamente, do que
pela Internet... Então eu acho que eu dei muita sorte, muita sorte.”
“Eu ficava pensando as coisas mais idiotas, assim tipo: tá, conversar eu já sei
mais ou menos o que ele pensa, já sei como é que é a cabeça dele, e ele é uma
pessoa super legal, mas não, e se um chegar lá e, por exemplo, tem bafo, tem
chulé, sei lá (...). Eu pensava isso de montão, mas eu tinha, eu tinha... era assim, a
gente apostou tudo, era uma coisa que a gente tinha que fazer, sabe? Eu não ia
conseguir simplesmente chegar um dia e falar: ‘ó, chega, não vou mais falar com
você, esqueci!’ fingir que não aconteceu, não dava mais, chegou num ponto que
não dava, não tinha como.’
“Eu tinha assim, eu tinha uma pessoa muito legal para conversar e tal... eu tinha,
vamos dizer, quase todas as desvantagens de um namoro, o lado ruim, vamos
dizer até de brigar, aquela coisa assim, e eu não tinha nenhuma das vantagens,
porque eu não tinha alguém do meu lado, me dando carinho, me dando apoio... E
ao mesmo tempo eu também não queria sair mais com ninguém. Então esse lado
meio físico e tal foi muito complicado, foi muito difícil, eu ficava, né, querendo,
precisando, e não tinha como, não tinha como... E eu não tinha vontade de sair
com alguma outra pessoa só por causa disso, então é difícil, eu fiquei
praticamente, até a gente se encontrar, de janeiro até agosto, no seco!”
148
O contato telefônico.
“Aí a gente trocou foto e tal e tipo assim ‘ah, que bom, né, não é...’ Mas aí teve
também antes que a gente começou a se falar por telefone, porque nem isso
tinha, né, ouvir a voz, saber como é que é. Aí a gente começou a falar por telefone
mesmo, uns 2 ou 3 meses antes de eu ir, não uns 2 meses antes de eu ir pra lá a
gente começou por telefone. E também foi, a primeira vez fui eu que liguei, eu
cheguei e liguei de supresa, a gente não combinou nada e eu falei ‘ah, vou ligar’.
Aí também foi o maior nervoso, sei lá, (...) depois de tanto tempo, sabendo tanto
da pessoa, você cria uma imagem daquela pessoa na sua cabeça. E... ele não era,
não vou dizer que era, exatamente do jeito que eu imaginei, ele não era não, mas
quando a gente se encontrou e quando a gente já estava junto isso também ja não
fazia mais a menor diferença. Eu estava apaixonada por aquela pessoa que estava
ali, pelo que ele era... E quanto à personalidade, tudo que eu vi até hoje era igual,
não foi nada diferente do que eu estava esperando. Só realmente fisicamente, até
porque foto, né... Primeiro porque quando você vai mandar vai escolher aquela,
né? Não ia mandar também qualquer foto pra ele e eu aposto que ele também
escolheu bem a que ele mandou pra mim. Mas o jeito dele, era igual, igual,
igualzinho ao que ele tinha me mostrado e igual ao que eu tinha imaginado
encontrar mesmo.”
“(...) aqui em casa era legal porque todo mundo estava na Internet. Todo mundo
não, eu tenho 2 irmãs e 1 irmão e minhas duas irmãs acessam, meu irmão não. E
meu pai também acessava. Então tinha briga no computador, e meu pai falava,
‘não, hoje sou eu’, então até foi o que ajudou muito também. Como meu pai já
acessava, então eles não me achavam uma maluca, assim... Minha mãe achava
que eu era louca, sabe, ‘como você vai largar tudo aqui, atrás de um cara que
você nunca viu na vida, e se for um estuprador, um maluco, um tarado?’. Porque
também tem essa, tem muita gente que às vezes você está conversando e não
sabe nem se é homem, se é mulher... você pode ser o que você quiser, você pode
ser qualquer coisa lá. Então isso também ajudou bastante, eles já conhecerem, a
gente já estar um tempo enfronhado com isso assim, então eles não achavam tão
louco.”
“Eu tinha. Não, com ele não. Porque, quer dizer, não vou te dizer que foi uma
coisa que nem passou pela minha cabeça, passou. Até porque quando a gente
combinou a viagem, já era tipo assim, eu te amo, eu te adoro, então a gente vai
ficar junto, no hotel, aquela coisa. Então se eu chegasse lá e... Mas eu pensava
assim, era muita... era muito difícil, era muito difícil, porque... a não ser que o cara
fosse assim o melhor ator que existe no mundo! Porque a gente conversava todo
dia, três, quatro, cinco, oito, dez horas, às vezes, direto! Então era complicado,
mas podia ser; eu acho que já tiveram vários casos, mas eu duvido que... até acho
que, pelo que eu li, na maioria dos casos não era uma coisa assim que as pessoas
já se correspondiam há tanto tempo. Eu acho difícil uma pessoa criar isso tudo
durante tanto tempo. Mas eu não acho impossível não. Eu acho que pode ter.
149
(...)
Ele achava uma maluquice, porque tinha acabado de conhecer aquilo e ele ficava
‘como pode?’ e tal, ‘não é possível, eu estou ficando doido’ ‘ah, não, é porque eu
estou aqui há tanto tempo, sozinho, sem ninguém’ e aí ficava fazendo aquelas
análises psicológicas todas, blá, blá, blá, e... mas eu acho que não era isso não.
Eu ainda fiquei mil vezes, ‘gente, será que é, não sei, meu namoro agora foi uma
tragédia, estou tão carente que eu preciso encontrar alguém, tapar o buraco’,
aquela coisa, mas eu acho que não era, hoje eu tenho certeza que não era porque
senão a gente não ia estar junto assim até hoje, feliz, contente...”
E Vera acha que o que aconteceu com eles é uma coisa comum, que vai acontecer
cada vez mais?
“Eu acho. Eu não conheço ainda, eu não conheci ninguém que casou. Mas eu
conheço várias pessoas que estão namorando, quer dizer, a maioria dos casos
também que eu conheço não é exatamente igual ao nosso não, mas tipo assim,
minha irmã namorou um cara, mas por acaso ela conheceu ele num IRContro.
Eles nem se conheciam na Internet, entendeu? Aí depois eles conversavam,
porque ele morava em São Paulo e ela morava aqui, então o jeito deles
conversarem era pela Internet. Eles fizeram assim o caminho contrário. Mas eu
conheço um outro cara que, ele era português e conheceu essa menina que é
brasileira e está morando nos EUA e eles também só se falavam pela Internet, blá,
blá, e resolveram se encontrar não me lembro onde e hoje ele está morando nos
EUA por causa dela; eles não estão morando juntos nem nada assim, mas eles
pretendem até casar e tal. Mas eu falava com meu marido assim: ‘imagina no dia
em que os nossos filhos perguntarem -- como é que vocês se conheceram?’ E ele
‘que isso! Até lá vai estar normal!’. E eu acho que vai mesmo. A única coisa que
eu acho é que não é... é que nem essa agência matrimonial, eu não acredito. Eu
acho que não é o veículo pra você ir procurando isso, mas eu acho que pode
acontecer facilmente. Porque é um jeito de você conhecer muito a pessoa. Não
tem barreira nenhuma, é muito fácil você se liberar e contar coisas que você não
contaria tão facilmente pra alguém. Então é..., se você estiver sendo sincero, se
você não estiver inventando alguma coisa que você não é, eu acho que é muito
fácil de você conhecer alguém. Muito próximo, você está muito próximo. E eu
acho mais legal porque, eu falo pra ele, eu me apaixonei pela pessoa que ele é,
não me importava se ele fosse azul, roxo, amarelo, ou gordo, baixo, magro, ou
verde, entendeu, eu já amava a pessoa que ele era, do jeito que ele é. Se aquilo
fosse sincero. Porque também tem aquelas coisas, a pessoa fica falando aquele
monte de coisa e não é nada daquilo. Então, eu amava aquilo ali. E foi exatamente
o que eu encontrei quando eu encontrei com ele pessoalmente.
(...)
Normalmente é o contrário, né, você olha e fala ‘pô, aquele cara é bonitinho e tal,
legal’, aí você se interessa e aí você vai conhecer, aí você vai conversar, aí você
vai ver se você realmente gosta. E foi exatamente o contrário. Então eu até, eu
acho que é... se você está procurando uma coisa de verdade, se você quer
conhecer a pessoa, eu acho que é muito fácil de você conhecer. E muito menos
doloroso do que você fazer isso pessoalmente. Porque às vezes pra você
conversar certo tipo de coisa é mais difícil, você não se abre tão facilmente e tal, e
lá você não tem essas barreiras. Então eu acho que vai ser uma coisa cada vez
mais freqüente.”
150
A entrevista é longa para que o meu leitor possa saber, em primeira mão, como dois
desconhecidos vieram a se amar e a querer ser parceiros de vida via Rede. Primeiro
houve o contato no chat, depois a troca de e-mails, mais tarde fotos e telefonemas. Um
belo dia, uma decisão radical: Vera resolve ir encontrar Antonio. Vai, receosa e
incrédula. Tanto Vera quanto Antonio chegam a duvidar da sua sanidade mental. Será
que tudo isso não se deve a uma grande carência afetiva? Mas, quando se encontram,
conseguem estabelecer a ponte entre as duas realidades. Tiveram sorte e sabem disso.
Ambos foram sinceros todo o tempo e tudo deu certo. Acharam sua cara metade.
Renata: “Eu estava conversando com uma outra pessoa, sei lá, eu estava
conversando com todo mundo, aí depois eu acho que devo ter mandado uma
mensagem para ele e a gente começou a conversar só eu e ele. Aí você vai pro
reservado, ficar lá sozinho, aí a gente ficou falando sozinho, direto...”
Jorge: “Aí a gente trocou e-mail.”
Renata: “É, aí no final a gente trocou e-mail, desse dia, desse primeiro dia. Aí
combinamos para um outro dia, no outro dia a gente foi de novo… Aí foi indo, foi
indo, foi indo... A gente falava quase todo dia.”
Jorge: “Se bem que no nosso caso, a gente marcou, aí a gente não conseguiu se
encontrar de novo porque o provedor dela estava com problema e aí, por
alguma… mas eu já tinha dado o endereço do chat em que eu ficava, aí por algum
acaso ela estava lá e aí entrei até com outro nick. Aí numa confusão na sala eu
expliquei qual era o meu nick antigo, aí ela estava coincidentemente na sala e
falou: “Olha, sou eu, lembra de mim?”, aí a gente voltou a falar, porque a gente só
trocava e-mail, mas quando eu mandava e-mail para ela o provedor dela estava
com problema o e-mail não chegava. Aí a gente, digamos assim, se reencontrou
nesse chat da Folha de São Paulo e dali a gente foi embora porque aí a gente já
terminava a conversa do dia marcando para o dia seguinte ou para o outro dia, aí
sempre acessava, na mesma hora.”
Renata: “E-mail o dia inteiro também, né? O dia inteiro, a gente ficava o dia inteiro
mandando e-mail.”
Renata e Jorge em pouco tempo trocam telefones e a coisa fica um pouco mais real
aplacando um pouco o medo de ambos. Renata achava que a coisa era de “pirar” e
Jorge, experiente em chats, sabia da paranóia que ronda esses canais por conta do
quanto neles se mente.45
Renata: “Aí começa a ficar mais real, né? Depois que você fala no telefone. Você
vê a voz, tal… E carta também a gente mandava. [Vocês ficaram com receio de não
45
Ver a discussão sobre o medo de pirar em Os prós e contras dos relacionamentos virtuais, neste
bloco.
151
ser verdade ou de alguém estar brincando com vocês?] Ah, batia, mas muito rápido.
Deve ter batido uma vez só.”
Jorge: “Eu já tinha falado bastante em chat antes de falar com ela e essa ‘nóia’
sempre rola, mas com ela foi meio diferente a coisa. Não sei por que, mas essa
paranóia, de que a pessoa está mentindo e tudo sempre tem. E o que você mais
vê é mentira também, não dá para… Depois a gente fica sabendo… É engraçado
como o chat rola, aquela coisa assim de todo mundo conhece todo mundo, aí
você começa a trocar informação e você vê que a pessoa mentiu para você, então
é uma coisa assim impressionante.”
Renata continuava insegura e, a despeito dos telefonemas, ainda duvidava que ele
vivesse fora do país. Parece se esquecer, agora, que começaram a trocar e-mails no
primeiro dia.
Renata: “Aí quando mandou e-mail já é diferente, você já vê o endereço, aí, não
sei… Eu acho que essa mentira do jeito que foi ia ser difícil de ser levada até o
final, porque a gente ficou dezembro inteiro, janeiro inteiro, nesse negócio de falar
quase sempre, todo dia, no telefone falar também, mandar carta… Ia ser
impossível você levar aquilo ali, ia cair numa contradição algum dia, alguma
coisa.”
A partir de um ponto Renata, tal como Vera, começa a achar que fica difícil alguém
mentir por tanto tempo com tanta convicção e começa a relaxar. Chega a hora de trocar
fotos. Vera e Antonio também fizeram isso, o que, aliás é um procedimento comum nos
chats.
Jorge (a respeito das fotos): “Trocamos, várias. Porque tem aquela coisa, você tá ali
falando, a pessoa que tá do outro lado pode ser uma coisa, pode não ser nada
daquilo. E foi engraçado que quando a gente falou pela primeira vez, ela tinha
falado que tinha olho claro e tudo e aí eu falei assim para ela: ‘É, engraçado,
nesse chat todo mundo tem olho claro, nessa Internet’. Porque todo mundo fala.
Você conversa com todo mundo: ‘ah não, sou loura de olho azul’. Todo mundo na
Internet é louro de olho azul. Aí eu falei até isso para ela, brinquei, e aí logo depois
a gente trocou a foto, quer dizer, a gente trocou a foto e eu recebi a foto dela e ela
não recebia a minha, porque não chegava lá no provedor dela. Porque a gente
mandou por e-mail. Mas era tudo via Internet mesmo e telefone, mas
basicamente… Acho que era, acho não, era muito mais Internet do que telefone.”
[Renata e Jorge passavam uma média de 4 horas por dia se falando via Internet.]
Quando perceberam que estavam namorando? Vera e Antonio levaram algum tempo
mas Jorge percebeu rapidamente.
Jorge: “Ah, acho que na primeira semana… É, foi uma coisa assim meio natural.
Eu comecei a ver assim, por exemplo, eu, que andava muito pela Internet, eu
comecei a ir só quando eu marcava com ela… Então você começa a ver que
naturalmente, sem nenhuma cobrança, você começa a ter um compromisso no
sentido de que eu ia, eu quero ir só para falar com ela. Quando checava e-mail,
era para ver se tinha chegado dela, passava e-mail só para ela… Aí você começa a
ver que naturalmente você caiu naquele lance do namoro.”
152
Mesmo contando um pouco com o incerto, Renata e Jorge, tal qual Vera admite ter sido
o seu caso, foram deixando de sair com outras pessoas e ficando mais nos chats,
principalmente nos finais de semana, quando as tarifas telefônicas são mais baratas.
Jorge: “Eu mesmo, quando me colocava na posição dos outros, ouvindo a minha
história, eu falaria: ‘Esse cara é louco’. Porque é estranho. Agora, eu sei que se
você não está lá não dá para você opinar. E as coisas acontecem mesmo. Não só
o nosso caso, mas milhões de outros casos que eu soube, que as coisas
acontecem mesmo. Isso daí é o tempo inteiro.”
“... eu acho que é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que eu acho que é
super prático você estar acionando um computador e achar alguém, ali, na hora,
na tela ali, eu acho que quando a coisa começa a ficar constante, de você
encontrar essa pessoa todo o tempo, de você querer falar com essa pessoa,
começa a bater aquela ‘nóia’ que uma tela separa vocês dois, também, entendeu?
Eu acho que tem muito isso. Tinha, eu com ela, eu falava e chegou no final a
gente já estava tão estressado com aquela tela ali que a gente acabava ficando
desanimado(...) Era brabo, porque, é horrível. Um contato via computador é legal
assim você conhecer, mas eu acho que o ideal seria você conhecer e marcar um
encontro, alguma coisa do gênero. Mas quando você começa a se aprofundar em
um relacionamento via computador, eu acho que é horrível.”
Jorge vem ao Brasil e eles decidem marcar um encontro. Como foi esse encontro?
Sentiram medo?
Renata: “Engraçado que a gente conheceu tão bem por ali, pelo computador, pelo
telefone, mas mais pelo computador eu digo até, que… não sei, nesse negócio de
surpreender, não teve tanto, a gente… era mais ou menos o que a gente esperava,
né? Não era aquela coisa… A gente não ficou: ‘aaah…’ e se decepcionou, era o
que a gente esperava. Deu para passar… E também tem uma dificuldade que você
tem que se expressar muito bem escrevendo, né? Quando você está ali… Porque
153
a gente tinha vários momentos… Vários desentendimentos, é… de falar, mandar
uma mensagem que você não está vendo a expressão. Você não sabe se a pessoa
está te dizendo uma coisa fazendo uma ironia e rindo, ou não, falando sério, então
aconteciam algumas vezes assim. Ele não entendia… Aí…”
Jorge: “Agora, a coisa foi tão assim que a gente, mesmo via computador e
telefone, a gente já falava de ficar noivo logo (...) eu falava [com os outros] de uma
maneira tão natural que o pessoal pensava que eu estava maluco. Eles não
entendiam muito… Na época eu tinha uma amiga que morava comigo e ela
entrava no quarto e falava: ‘Cara, você não sai daí!’ e eu estava o tempo inteiro no
chat com ela, o tempo inteiro. Aí eu falava: ‘Não, eu estou só ajeitando aqui meu
casamento’. Aí ela achava que eu era maluco. Várias vezes… Tanto que agora eu
mandei um e-mail para ela, agora, e ela falando que ela não está acreditando. Que
eu sempre falei com ela isso, né? É porque eu falava direto isso… De outubro a
fevereiro, quando eu cheguei. Porque a gente ficou noivo tinha dez dias depois de
eu chegar...”
Um apelido que chama a atenção, uma frase que agrada, chats, e-mails, telefonemas,
trocas de fotos, testes de veracidade para servir de um mínimo de proteção contra a
insinceridade alheia, muitas ou poucas dúvidas, muitos ou poucos medos, uma viagem
longa e um encontro físico com uma pessoa que já se conhece por dentro há muito.
Esse foi o, até pouco tempo inédito, caminho percorrido por Vera e Antonio bem como
por Renata e Jorge.
Quantos mais trilharão caminhos análogos? O futuro nos dirá. No século passado, ainda
em seus primeiros estágios, o processo de industrialização levou as pessoas a morarem
sozinhas em grandes cidades e alterou profundamente seus modos de viver. Toda essa
mudança teve, como uma de suas conseqüências, o surgimento do casamento por
amor para substituir a tradicional união contratual que tinha ganhos financeiros,
políticos, etc. como finalidade. Naquela época, muitos devem ter achado que aquilo era
irrelevante ou loucura. Mas o casamento por amor, hoje sabemos, sobreviveu.
154
Desilusões reais e virtuais
O ciberespaço, tal como este do qual escrevo, não é nenhum mar de rosas. Por isso
mesmo, para não deixar você, meu leitor, com a falsa impressão de que tudo acaba em
happy end, seguem-se dois relatos de decepções bastante amargas.
Rosa Leite é professora de francês e tem 38 anos de idade. Foi casada e já passou pela
experiência de uma desilusão e separação bastante “reais”. Em depoimento enviado por
e-mail, Rosa nos relata agora uma desilusão virtual que ela associa à perda por ela
vivida quando desfez um relacionamento tão real que havia gerado um filho. Ela acessa
a Rede há somente 9 meses. (Novamente foram preservadas as características e os
erros da linguagem online nesse depoimento.)
Há, no entanto, algumas diferenças entre esse curto relato escrito de uma desilusão
amorosa e os longos e detalhados depoimentos ao vivo de grandes encontros, com os
quais o leitor acaba de travar contato.
E, a principal dessas diferenças é que tudo acabou antes mesmo de Rosa e seu
namorado virtual se conhecerem. Mas ela continuou tendo sentimentos, ao que tudo
155
indica bastante “reais”, em relação a ele, embora ainda confinados ao espaço virtual.
Teve um “enorme sentimento de perda” logo que houve o rompimento, e, agora, sente
ciúmes, mas, ao mesmo tempo, se sente protegida quando ele está na mesma “sala”
(ou canal) que ela.
Ela não fornece mais detalhes a respeito de sua desilusão mas a sua afirmação de que
“Na internet, acontece uma coisa que poucos entendem. O meio é virtual, mas
falamos com o coração.”
faz crer que talvez ela tenha sido vítima da insinceridade que Vera, Antonio, Renata e
Jorge temiam.
Peço a Vera alguma ajuda para entender o que pode ter acontecido. Vera, prestativa,
analisa:
“Eu falo que a gente tem dois tipos de pessoa lá na Internet. Uma é aquela pessoa
que cria uma outra personalidade, que é a personalidade que aparece lá. Ele tipo
assim, criou um personagem. Aí tem muito a ver, se você olhar, meio que pelo
nome que ela escolheu para usar, já vai mostrando um pouco dos traços. E outros
que são a mesma coisa que eles são na vida real. Eles estão ali e usam aquilo só
como veículo, pra você conhecer gente de lugares diferentes e tal. Mas a maioria
do pessoal que eu conheci era essa história do teatrinho. Faziam um teatrinho
que não tinha nada a ver com eles, na verdade.”
Pode ser que Rosa tenha tido azar e dado crédito a um desses personagens de teatro
amador.
“É muito doido, é uma loucura porque você só vai marcar um encontro com uma
pessoa se essa pessoa de alguma forma te apaixona. Quando eu digo te apaixona
é que te interessa, e você cria uma expectativa louca porque a palavra é tudo.
Você vê uma palavrinha na tela você se apaixona pela palavra e ai você... Quando
você vai marcar um encontro com alguém você tem que trabalhar exatamente
essa sua expectativa, que a pessoa não é só a palavra, que tem um monte de
coisa atrás disso e que você precisa colocar essa sua expectativa em stand by
[em estado de alerta] e ver o que é que é. A minha experiência foi super agradável,
porque além de ter sido muito engraçada, porque você marca num lugar mas você
não sabe exatamente como essa pessoa é [ao que parece, alguns encontros ocorrem
mesmo antes da troca de fotos], você fala: sou de cabelo curtinho, enroladinho.. a
pessoa fala: eu tenho cabelo curto liso. Mas você entra no lugar a espera da
pessoa, a pessoa entra você não sabe se é ela, ela não sabe se é você vocês as
vezes nem se falam porque ou não gostaram.. Então é uma coisa muito
complicada. Mas no meu caso não. Eu que fui falar com a pessoa porque eu
156
descobri que era e de alguma forma foi legal porque foi divertido, a gente
continuou a ter um certo vínculo, mas é um pouco frustrante, você na tela é muito
diferente de você ao vivo. Fico pensando em até que ponto as pessoas ao vivo
são frustrantes, entendeu ? (risos)”
Mas vejamos o caso, bem mais complexo, de Dina Álvares. Dina, tal como Vera/Antonio
e Renata/Jorge, também conheceu alguém num chat, também trocou fotos e
telefonemas, também teve medo e também teve coragem. Depois de algum tempo de
namoro virtual, conheceu Sebastião Dias pessoalmente e, como ambos gostaram do
que viram, logo após foram viver juntos. Para isso, Dina deixou sua cidade natal, dado
que Sebastião não poderia se mudar por conta de compromissos profissionais e
familiares.
No começo, segundo o relato de Dina, eles fizeram planos de filhos, de viagens, etc.
Mas, com a convivência diária ela foi descobrindo que Sebastião era egoísta, que só
queria as coisas do seu jeito, que a tratava com indiferença... E, pior, começou a ser
alvo de “suas explosões violentas e de seus comportamentos grosseiros”. Ela,
apegada que estava a esse relacionamento cujo começo havia sido inédito, atribuía
tudo às habituais fases de adaptação de qualquer casamento convencional.
Dina relata ter sofrido muito sem sequer poder pensar em voltar para a casa de seus
pais, com quem havia brigado para viver com Sebastião. Mas, um belo dia, ela não teve
mais opção. Ele a expulsou da casa que era dele e ela teve que voltar para a casa de
sua família.
Era desse tipo de coisa que Vera e Antonio bem como Renata e Jorge tinham medo.
Mas, no caso deles, isso não aconteceu. Eles deram sorte e sabem disso. Já Dina não
teve a mesma sorte... Talvez ela tenha se precipitado, talvez não tenha tomado certas
precauções, não tenho informações a esse respeito. De qualquer modo, é bom que não
nos esqueçamos de que isso também acontece -- e como! -- do lado de fora da Rede,
na vida que chamamos de real mas onde muitas vezes só conseguimos enxergar da
realidade aquilo que queremos ver!
157
Os prós e contras dos relacionamentos virtuais
Quem escreve isso, num e-mail, é Adriana Rosas, jornalista de 26 anos. E Adriana tem
razão: a ilusão de proximidade, conhecimento e intimidade a despeito das, às vezes
enormes, distâncias geográficas é um dos contras da virtualidade.
Quais são alguns outros? Um dos mais sérios é a fuga da realidade “real”, quando essa
não é, ou não está, das melhores, o que, muito provavelmente, é parte do que está por
trás do tão alardeado vício na Rede, principalmente nos chats. Peço a Rosa Leite, a
professora de francês de 38 anos de idade que já sofreu uma grande desilusão na
Rede, que me ajude a tornar isso claro para o meu leitor. Rosa o faz dando o próprio
exemplo. Ele, que também chegou por e-mail, é longo e carregado de emoção.
“Quando estou triste entro na internet e esqueço de tudo. Me renovo. Quando tem
uma pessoa que me enche o saco eu simplesmente ignoro e não vejo o que a
pessoa escreve. Mas, isso nunca aconteceu. (...) Tenho muitos amigos
verdadeiros na internet. Poucos ou nenhum no real. Vivo em dois mundos. Não
tem pq [porque] meus amigos mentirem para mim, se além de estarmos longe,
não poderemos usar nada do que é dito confidencialmente, para prejudicar ou
falarmos para outras pessoas. Tudo fica em segredo mesmo. Não minto.
Acesso a internet, todos os dias. Saio pouco com o pessoal do meu trabalho.
Mesmo saindo pouco, deixei de sair com eles para ficar na internet.Todos me
criticam por eu não sair com eles. Minha programação é só em casas que tenham
internet ou um computador. Minha irmã reclama que eu não dou atenção à minha
familia. Faço o serviço da casa, dou a refeição , mas qdo entro na internet, pode o
mundo cair. O virtual é bem melhor do que o real. No real vc [você] tem que
conviver com pessoas más. Aqui é mais facil de lidar com elas. Atualmente, estou
me policiando. Estou reduzindo os dias. Cheguei a um ponto que estou viciada e
isso está me trazendo problemas de ordem social e pq não dizer financeiros. Qdo
começa a dar a hora de eu entrar, por volta as 21:00, fico ansiosa e como mais,
fico mais agressiva tb [também] pq estou evitando me conectar. Fico pensando em
quem poderia estar na sala, penso em ver o mail. Tudo motivo para eu me
conectar. Está difícil, qdo [quando] não é o dia de eu me conectar. Fico muito
ansiosa!! Em geral, me conecto todas as noites nos dias de semana até qdo me
dá sono , sábados e domingos a partir das 16:00. até a hora que acaba Sai de
Baixo. Nas férias, fiquei de manhã, tarde e noite, sem horários. Fazia uma coisa
em casa e o computador ficou ligado direto. Passava e-mail para todos. Entrava
no ICQ. Foi Ótimo. Não viajei, para ficar na internet. Qdo fico sozinha, fico a noite
inteira.
158
Fico nos lugares, só pensando na internet. Estou fazendo um curso de infomatica
pelo meu trabalho, leio só livros de informática. Vejo programas de informática.
Falo só de computador, mas estou passando por um treinamento e estou
diminuindo esse quadro. Espero ter ajudado em alguma coisa.”
Tenho certeza de que meu leitor não tem dúvida de que Rosa ajudou, e muito, ao nos
ofertar esse depoimento tão sincero, no qual ela revela o seu vício e descreve algo que,
fosse a Internet uma droga da qual a pessoa estivesse tentando se livrar,
provavelmente seria chamado de síndrome de abstinência. (Na realidade, o uso da
Internet foi, recentemente, comparado ao uso da cocaína pelo psicólogo britânico Mark
Griffiths, professor da Universidade de Trent. A comparação foi feita em virtude da
semelhança dos sintomas apresentados pelos viciados em ambas.)46
Esse é um uso bastante diferente daqueles que foram discutidos ao longo das páginas
deste bloco e que podem ser vistos como fazendo parte dos prós da virtualidade. A
Internet, como já foi dito, pode funcionar muito bem como uma fonte de auto-
conhecimento; como um recurso para que encontremos pessoas com as quais
possamos nos identificar, sejam quais forem os nossos problemas, gostos, inclinações
sexuais, e com as quais podemos ter muito o que aprender; como um auxílio para a
ruptura de preconceitos; como uma fonte inesgotável de informações a respeito de
diferentes formas de viver, pensar e sentir, etc. Mas, para isso, o usuário tem que
aprender a construir algum tipo de ponte entre a realidade virtual e a “real”.
Esses são apenas alguns prós e contras dos ainda recentes relacionamentos virtuais
que, tenho certeza, ainda darão muito o que falar, tendo em vista as mudanças que
introduzem nas vidas de todos aqueles que mantêm algum tipo de relacionamento
ciberespacial.
Como tudo isso é muito novo e ninguém sabe ao certo como usar esse poderoso
instrumento de comunicação que é a própria Rede, é importante que tomemos distância
e analisemos cada aspecto de cada mudança que esse instrumento introduz nos
relacionamentos humanos. O que acabamos de fazer foi colocar no papel aquelas que
são meramente as primeiras considerações de muitas que serão necessárias para que
possamos dar conta da complexidade da troca rápida, quando não instantânea, de
sentimentos e emoções via computadores interligados.
46
Ver também a referência a Timothy Leary, o papa do LSD da década de 1960, na seção Agilidade,
integração e relativização do bloco NOVA LÓGICA
159
Como não podemos analisar tudo o que já existe e, muito menos ainda, aquilo que
ainda está por vir, talvez o mais importante, no momento, seja sabermos que temos que
aprender a construir, e ajudar a construir, defesas internas e externas para lidar com os
contras desse tipo de relacionamento, para que ele não gere sofrimento desnecessário
e para evitar que algumas pessoas literalmente pirem. Temos que saber dar crédito e
ouvidos aos medos de usuários e ainda-não-usuários. Estes são expressos, inclusive,
em filmes como A Rede, em que a personagem principal, ao perder sua identidade na
Internet, perde também sua identidade no mundo “real”, pois todos só a conhecem
virtualmente, e a mãe, sua única parente viva, não pode reconhecê-la porque também
vive num universo paralelo por conta de problemas mentais. Temos, também, que
prestar atenção à preocupação com a própria sanidade mental, que é bastante
difundida entre os usuários, embora geralmente sob a forma de brincadeira.47
Por outro lado, devemos investir em outro aprendizado. Temos que aprender a explorar
o potencial de todo e qualquer dos vários prós dos relacionamentos virtuais, prós esses
que geralmente são deixados de lado face ao arrebatamento e a atenção gerados pelo
medo e também pelo fascínio dos contras.
47
Leia mais a respeito do medo de pirar na discussão sobre a lógica dos excessos em NOVA LÓGICA.
160
CONSOLIDANDO IMPRESSÕES E CONFIRMANDO INTUIÇÕES
No dia 19 de julho de 1997, recebi, mais uma vez através da lista informativa MeuPovo,
organizada por Dario Mor, uma interessante compilação de “profecias da informática”,
feita por Daniel Marques <dmarques@rio.nutecnet.com.br>. As profecias eram as
seguintes:
"No futuro os computadores não deverão pesar mais do que 1.5 toneladas." --
Popular Mechanics, prevendo o implacável progresso da ciência, em 1949.
"Não existe nenhuma razão para que alguém queira um computador em casa." --
Ken Olson, presidente e fundador da Digital Equipment Corp., em 1977.
"640K [640 kilobytes] deverão ser suficientes para qualquer um." -- Bill Gates, em
1981. [Um único disquete de 3 ½ polegadas passou a ter 1,4 megabytes não muito
tempo depois, e esses 1,4MB são insuficientes para armazenar vários de nossos
arquivos!]
"Então fomos à Atari e dissemos: 'Bem, nós temos este produto maravilhoso,
montado com algumas de suas partes, o que vocês acham de nos ajudar
financeiramente? Ou então até damos este produto para vocês. Queremos apenas
fazê-lo. Paguem nossos salários e viremos trabalhar para vocês'. E eles disseram
'Não'. Então fomos para a Hewlett-Packard com a mesma oferta e eles disseram
'Bem, não precisamos de vocês. Vocês ainda nem passaram pela faculdade...' ." --
Steve Jobs, fundador da Apple Computer Inc., quando tentou que a Atari e a H-P
se interessassem pelo seu projeto e de Steve Wozniak de um computador
pessoal.
Por que dou início às minhas últimas considerações neste livro citando essas profecias
que se mostraram completamente equivocadas? Porque, apesar de não ter feito
nenhuma profecia, dei início à viagem, que agora se aproxima do seu ponto final,
guiada por impressões e intuições, correndo o risco de também estar enganada.
Como relatei no início deste livro, na primeiríssima vez em que me conectei à Rede tive
a impressão de que estava diante de uma nova Revolução, de porte minimamente
análogo ao da Revolução Industrial.
Ainda nessa primeiríssima vez, minha intuição (guiada, é fato, pela experiência
profissional) me disse que os impactos da nova tecnologia não seriam pequenos. Mais
explicitamente, minha intuição me disse que homens, mulheres e crianças teriam suas
formas de conceber o mundo e a realidade, suas formas de se relacionar com os outros
161
e consigo mesmos, bem como seus modos de pensar e de sentir, profundamente
alterados. Disse-me, também, que essas alterações trariam, em seu bojo, benefícios e
problemas. Mas, naquela época, era impossível prever quais seriam os benefícios e
quais seriam os problemas.
Mesmo hoje, é ainda difícil separar o positivo do negativo, tão rápidas e profundas
foram as mudanças e tão pouco o tempo que tivemos para pensar sobre elas. É, por
exemplo, positivo ou negativo amar uma máquina, como muitos usuários revelam amar
seus computadores? É positivo ou negativo termos uma realidade “não real” para a qual
podemos fugir a qualquer hora do dia e da noite, quando quer que tenhamos
necessidade de partilhar nossos sonhos, desejos e problemas, ou que desejemos
companhia para combater a nossa solidão? É boa ou má a nova lógica instaurada pela
experiência com a Rede (os excessos podem parecer negativos, mas a integração
parece bastante positiva, e ambos fazem parte do mesmo pacote)? São boas ou más as
influências que a linguagem online e o hipertexto estão exercendo sobre a nossa língua
pátria? A nós mesmos caberá a tarefa de encontrar as respostas para essas perguntas.
Em cada uma dessas novas formas de pensar, falar e sentir há provavelmente muito de
positivo e outro tanto de negativo. Porém, para que saibamos separar o joio do trigo,
temos que dar tempo ao tempo e, acima de tudo, a nós mesmos.
Mas, dado que a Internet, ao menos em princípio, não passa de uma fria rede de
computadores, é na insuspeita área dos sentimentos e dos relacionamentos humanos
que a confusão se instaura dentro de nós, nos deixa perplexos e faz com que percamos
a capacidade de julgar. Nessa área, a separação do que é bom -- e, portanto, deve ser
mantido --, daquilo que é nocivo -- e de que devemos tentar nos defender ou nos livrar,
se possível -- é ainda mais difícil de ser feita. O que somos capazes de sentir à frente
da telinha é tão intenso que, para surpresa geral, muitas vezes chegamos a duvidar de
nossas próprias percepções.
Há poucos anos, mas ainda no tempo em que os computadores eram vistos com
respeito e distância pela maior parte dos comuns mortais, seria no mínimo improvável
(se não impossível) prever que o ciberespaço se transformaria num novo palco, paralelo
mas bem “real”, para o desenrolar de dramas, conflitos e alegrias humanos. No entanto,
foi exatamente isso que aconteceu e é exatamente isso que está deixando tantos
confusos, angustiados, etc.
162
O que fazer de tudo isso?
No momento atual, registrar e pensar. Mas, registrar e pensar de uma forma que deixe
de lado o preconceito, o medo e a paranóia gerados, entre outras coisas, por livros
(como os clássicos Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e 1984, de George
Orwell) e filmes (como os recentes A Rede e Denise está chamando), nos quais o
computador -- um computador central no caso dos livros, já antigos, e uma Rede de
computadores nos filmes, contemporâneos -- invade de tal modo a vida do ser humano
que este se torna menos humano, passa a ser controlado pela máquina (na versão
mais antiga da paranóia), ou deixa de ter contato físico com seus semelhantes (em sua
versão mais moderna).
Medo, preconceito e paranóia não vão nos levar a lugar nenhum e certamente vão
dificultar a compreensão tanto dos aspectos negativos quanto dos aspectos positivos da
vida ciberespacial. Isso porque tanto o positivo quanto o negativo são novos e devem
ser entendidos a partir de um novo referencial.
E isso nos leva a um outro ponto importante a respeito do qual gostaria de dizer uma
última palavra. Para registrar e pensar tudo isso, que, de tão novo que é, nos deixa
confusos e incrédulos, temos que adotar uma estratégia análoga à que outros
pensadores adotaram em outras épocas: tentar enxergar o novo a partir de categorias
novas, suportando a ansiedade de não saber, não compreender, não ter parâmetros...
Se, para que possamos nos sentir seguros, tentarmos encaixar esse novo, que adentra
o nosso cotidiano de diversos modos, em antigas formas de ver e perceber o mundo e o
ser humano, dele perderemos a essência e torná-lo-emos velho (e isso não nos será de
nenhuma utilidade). Mas, que ninguém se engane, ele só permanecerá velho na ilusão
daquele que não quer enxergar o que acontece ao seu redor.
Talvez por ter conseguido manter olhos e ouvidos sempre abertos e ter sido capaz de
suportar a ansiedade de não saber, creio, agora, ser possível afirmar que, ao longo dos
poucos anos que se seguiram aos primeiros momentos da difusão da Internet no Brasil,
pude consolidar minha primeira impressão e vê-la ganhar o peso de uma verdade
constatável por observação e consenso. Pude também confirmar a minha intuição e vê-
la assumir os contornos cada vez mais nítidos das vantagens e desvantagens, dos
benefícios e malefícios, dos recursos e obstáculos, dos problemas e soluções
oferecidos pela nova realidade do ciberespaço. Foi-me ainda possível perceber que a
nova tecnologia, que interconectou computadores no mundo inteiro, chegou para ficar e
que, querendo ou não, a ela teremos que nos adaptar.
163
Mas, a sensação de dever cumprido, estou consciente disso, pode ser passageira. Esse
novo continua a se tornar novo a cada dia que passa e... Bem, deixemos isso para uma
próxima vez!
164
GLOSSÁRIO48
chat bate-papo (s.) 1. Comunicação linha a linha com um outro usuário pela rede de
forma síncrona em tempo real, tal qual em uma conversa telefônica e diferente de um
intercâmbio de mensagens de correio eletrônico; 2. O programa de chat propriamente
dito, agora amplamente substituído pelo programa IRC.
48
Salvo quando assinaladas com um ou dois astericos, todas as definições que constam deste glossário
foram retiradas de O Dicionário da Internet, de autoria de Christiam Crumlish, publicado pela Editora
Campus, em 1997.
49
Todas as definições assinaladas com um asterisco são de autoria de Daniela Romão e Cristina Durski,
com a colaboração de Paulo Roberto Marinho.
50
As definições marcadas com dois asteriscos foram retiradas do Dicionário de Informática da Microsoft
Press, publicado pela Editora Campus, em 1992.
165
diretório directory Uma estrutura para organização de arquivos. Na maioria dos
sistemas operacionais (operation systems), os próprios diretórios podem ser
organizados de forma hierárquica dentro de uma árvore de diretórios principais e
diretórios secundários.
DOS Disk Operating System, o sistema operacional desenvolvido pela IBM para PCs.
166
hipertexto hypertext Texto que contém vínculos (links) para outros documentos,
permitindo ao leitor que se desloque de um para outro e leia os documentos em ordem
diversa.
home page HP Na Web, uma página inicial/principal com vínculos (links) para outras
páginas relacionadas.
host Um computador em uma rede que permite que muitos usuários o acessem ao
mesmo tempo.
IRC Internet Relay Chat, um protocolo para programas cliente/servidor que lhe permite
entrar, de forma síncrona, em um bate-papo (chat) em tempo real com pessoas
abrangendo toda a Internet através de canais (channels) dedicados a diferentes
assuntos.
K Abreviatura de kilobyte.
link vínculo, conexão Nas páginas da Web, um vínculo (link) de hipertexto, um botão
ou trecho destacado do texto que, ao ser selecionado, remete o leitor a uma outra
página.
167
megabyte Aproximadamente um milhão (precisamente 1.048.576) bytes, geralemnte
uma medida de memória RAM ou de espaço para armazenamento de disco rígido.
menu Uma lista de opções disponíveis a um usuário. As opções podem geralmente ser
escolhidas com a ajuda de um mouse ou outro dispositivo de indicação ou mesmo
através da digitação do número do item desejado do menu, seguido do pressionamento
da tecla Enter.
mouse Um dispositivo usado para acionar os botões, barras de rolagem, etc. nas telas
do sistema Windows.*
provedor de acesso Uma instituição que provê acesso à Internet, tal como um
provedor comercial de serviços, universidades ou empregadores.
168
Rede Web O nome mais comumente usado para denominar a World Wide Web, um
conjunto interligado de documentos em hipertexto, denominados páginas da Web, que
residem em servidores da Web e outros documentos, menus e bancos de dados. Esse
conjunto se acha disponível via URLs. Os documentos da Web são marcados para
formatação e ativação de vínculos (links) através da HTML (linguagem para marcação
de hipertexto). Os servidores Web usam HTTP para exibir páginas da Web. A Web foi
inventada por físicos do, CERN (European Particle Physics Laboratory),na Suíça, como
um recurso de documentação online.
router roteador Um dispositivo (device) que conecta fisicamente duas redes ou uma
Rede à Internet, convertendo endereços e passando adiante somente as mensagens
que precisam passar para a outra rede.
scanner Um dispositivo de entrada que usa sensores de luz para ler o papel ou algum
outro meio, traduzindo em parões de claro e escuro (ou cores) em sinais digitais que
podem ser processados por softwares de reconnhecimento de caracteres óticos ou
softwares gráficos.**
site Um host da Internet que permite algum tipo de acesso remoto, tal como FTP,
telnet, gopher etc.
169
teclas de função Conjunto de teclas que quando pressiondas executam uma função
específica. Exemplo: a tecla F1 executa a função de ajuda em determinados
programas.*
virtual virtual Dito de algo que somente existe em software, não fisicamente.
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